Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO AVEIRO PEREIRA | ||
Descritores: | PENSÃO DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/16/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I – Num contrato constitutivo de um fundo de pensões, celebrado entre um empregador e uma seguradora, a cláusula segundo a qual os trabalhadores que deixem o serviço antes da data normal da reforma terão direito a uma pensão vitalícia - desde que a cessação ocorra por sua iniciativa, de comum acordo ou por extinção de postos de trabalho devida a causas objectivas de ordem estrutural, tecnológica ou conjuntural, ou outras legalmente admitidas, invocadas pelo associado -, não contempla os trabalhadores despedidos por justa causa. II – Com efeito, a cessação por justa causa do empregador não extingue, ou não extingue necessariamente, o posto de trabalho, pois faz cessar o vínculo entre o trabalhador e a entidade patronal, mas esta pode manter o mesmo posto ocupado por outro trabalhador. III – É esta a interpretação mais correcta, em função do critério interpretativo objectivista do declaratário normal, apoiado na letra do dito contrato constitutivo e também na economia do negócio em causa – a atribuição de uma pensão sem qualquer encargo para os trabalhadores beneficiários J.A.P. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório V, invocando o direito a uma pensão mensal e vitalícia, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra H, S.A.R.L., com sede Moçambique e Representação em Portugal, Lisboa, pedindo que a Ré seja condenada a pagar os valores que se venham a apurar após a junção aos autos da documentação na posse da BVida. A Ré contestou no sentido da sua absolvição do pedido. Na audiência preliminar foi a acção julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido. A A. apelou e concluiu assim as suas alegações: I. O cerne da questão submetida à apreciação deste douto Tribunal subsume-se à interpretação a dar à cláusula 15.ª, n° 2, do contrato constitutivo do Fundo de Pensões, e, designadamente, saber se a mesma abarca todas as formas de cessação do contrato de trabalho por iniciativa da entidade patronal, nelas se incluindo o despedimento com justa causa por sua iniciativa. II. Estipula a alínea a) do n° 2 da cláusula 15.ª do contrato constitutivo do Fundo de Pensões Cahora Bassa (conforme a alteração publicada no Diário da República n° 91, III série, de 18 de Abril de 1998) "que a cessação se tenha verificado por sua iniciativa, ou comum acordo, ou ainda por extinção de postos de trabalho por causas objectivas de ordem estrutural, tecnológica ou conjuntural, ou outras legalmente admitidas, invocadas pelo associado" (sublinhado nosso). III. A identificação das diferentes condições de atribuição da pensão, nos termos constantes da referida alínea a) é feita com recurso à conjunção disjuntiva "ou", a qual estabelece uma alternativa entre o que se afirma em cada oração. IV. O n° 3 do artigo 9" do Código Civil consagra um princípio de razoabilidade que deve presidir à interpretação, afirmando que, "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados". V. Caso fosse intenção da Ré excluir as situações de despedimentos com justa causa por si invocados, teria expressado a sua intenção nos mesmos expressamente como causas de exclusão da atribuição da pensão a “ineptidão, violação grave de dever laborai ou perda de confiança profissional para o exercício das funções que lhe estão confiadas". VI. Na interpretação da lei, o argumento a contrario determina que se a lei enuncia dado regime para certo tipo de situações, devem as não previstas reger-se de forma diversa. VII. Nos termos do contrato constitutivo do Fundo de Pensões Cahora Bassa, o comportamento do trabalhador que comprometesse irremediavelmente a subsistência da relação laborai (por ineptidão, violação grave de dever labora ou perda de confiança profissional para o exercício das funções que lhe estão confiadas, i.e., justas causas de despedimento) apenas teria relevância para as situações tipificadas na alínea c) do n° 2 da cláusula 15.ª. VIII. Nas demais situações, seriam admitidas todas as causas de cessação do contrato de trabalho legalmente admitidas ("outras legalmente admitidas"), entre as quais, a título exemplificativo, constam a iniciativa do trabalhador, acordo, ou causas objectivas de ordem estrutural, tecnológica ou conjuntural, mas admitindo também, in casu, o despedimento por facto imputável ao trabalhador. IX. A pensão complementar de reforma concedida por uma empresa, e aceite tacitamente pelos respectivos trabalhadores, insere-se no elenco dos direitos que lhes advinham dos seus contratos de trabalho, produzindo todos os efeitos na sua esfera jurídica. Termos em que deve ser dado provimento ao Recurso, substituindo-se a decisão recorrida por outra que reconheça o direito da Recorrente à pensão. A Ré contra-alegou, sustentando, em síntese, que, por ter sido despedida com justa causa, a A. não tem direito ao benefício estabelecido na cláusula 15.ª do Fundo de pensões e concluindo pela manutenção da decisão recorrida. ** Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.As conclusões da Recorrente, delimitadoras do objecto deste recurso (art.ºs 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do CPC), impõem a resolução de uma questão de interpretação do contrato constitutivo de um fundo de pensões. *** II – FundamentaçãoA – Factos provados. 1. A A. foi admitida a trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização da R., tendo como local de trabalho o escritório de Lisboa; 2. A Autora esteve ao serviço da R. entre 20 de Agosto de 1980 e 13 de Março de 2002; 3. O contrato de trabalho celebrado cessou por iniciativa da Ré, invocando justa causa no despedimento, despedimento considerado lícito e justificado por Acórdão do STJ de 26 de Dezembro de 2007; 4. A Autora em virtude da relação laboral adquiriu a qualidade de participante no Fundo de Pensões constituído em 25 de Outubro de 1989 entre a R. e a Companhia de Seguros; 5. Através de carta datada de 30 de Março de 2006 a Autora dirigiu-se à Ré solicitando informações sobre os mecanismos que devia accionar junto da Companhia de Seguros gestora do Fundo de Pensões; 6. Como resposta a R. endereçou carta à Autora datada de 17 de Abril de 2006 em que a informava de que entendia que ela não tinha direito a receber qualquer pensão do Fundo de Pensões pois havia sido despedida com justa causa; 7. O Fundo extinguiu-se por contrato em 19/12/2005; 8. Aquando da extinção do Fundo de Pensões Cahora Bassa, a Autora não integrou a relação de participantes/beneficiários a favor de quem reverteu o património do fundo conforme previsto no contrato constitutivo; 9. O Fundo de Pensões foi constituído em 25 de Outubro de 1989 estando definido no documento complementar como associado a R. e como participantes todos os funcionários prestando serviço no escritório da representação da mesma em Lisboa; 10. À data da cessação do contrato de trabalho firmado entre Autora e R. estava em vigor o texto constante da alteração ocorrida em 26 de Janeiro de 1998 e publicada no DR em 18 de Abril do mesmo ano; 11. De acordo com a referida alteração de 1998, está expresso na cláusula 15a: 1 – Os ex-participantes que deixaram anteriormente à data da presente alteração, por sua iniciativa, de estar ao serviço do associado, antes da data normal de reforma, terão direito ao abrigo deste plano de pensões a uma pensão anual vitalícia pagável mensal e postecipadamente diferida para a data normal de reforma, calculada de acordo com a fórmula para a reforma normal, considerando TS e PS à data da cessação de serviço na empresa, não se aplicando neste caso o previsto na cláusula 10a. 2 – Sem prejuízo do que dispõe a cláusula 13a, se um participante deixar de estar ao serviço do associado antes da data normal de reforma, terá direito ao abrigo deste plano de pensões a uma pensão anual, vitalícia, pagável mensal e postecipadamente, diferida para a data normal de reforma, calculada de acordo com a fórmula para a reforma normal prevista na cláusula 11a, não se aplicando o disposto na cláusula 10a, considerando TS à data da cessação de serviço na empresa – verificada que seja qualquer uma das seguintes condições: a) Que a cessação se tenha verificado por sua iniciativa, ou comum acordo, ou ainda por extinção de postos de trabalho por causas objectivas de ordem estrutural, tecnológica ou conjuntural, ou outras legalmente admitidas, invocadas pelo associado; b) Que a cessação tenha acorrido por termo das funções de membro do conselho de administração a que se reporta a cláusula 5a, independentemente da iniciativa que produziu esse efeito; c) Que a cessação tenha acorrido pelo término da autorização de trabalho de trabalhadores com direitos sobre o Fundo à data da entrada em vigor deste contrato e a prestar serviço ao abrigo do Decreto-Lei n.° 276-B/75, de 4 de Junho, salvo quando a não renovação resulte de decisão expressa do conselho de administração com base em inaptidão, violação grave de dever laborai ou perda de confiança profissional para o exercício das funções que lhe estão cometidas. 3 – O salário pensionável (PS) dos participantes com pensão diferida para a data normal de reforma por cessação da prestação de trabalho com o associado, a que se refere o número anterior, será o que corresponder ao nível e categoria que detinham na data em que deixaram de prestar serviço no associado, actualizado de forma percentual idêntica à que tenha recaído, entre aquelas datas, sobre as pensões pagas pelo Fundo. 12. O Fundo, de criação graciosa, é financiado integralmente pela própria Ré. ** B – Apreciação jurídicaA única questão suscitada neste recurso é a da interpretação do contrato constitutivo de um fundo de pensões celebrado em 25 de Outubro de 1989, entre a ora Ré e a Companhia de Seguros, S.A., e sucessivamente alterado em 1991, 1993 e 1998 (cf. fls. 28). É a redacção desta última modificação que agora está em crise, na cláusula 15.ª, n.º 2, discutindo-se se a cessação do contrato de trabalho por justa causa invocada pela empregadora também dá direito à A., que para aquela trabalhou de 20-8-1980 a 13-3-2002, a uma pensão anual e vitalícia ou se, pelo contrário, o facto de ter sido despedida com justa causa impede a percepção dessa pensão. Como decorre do n.º 2 da referida cláusula, supra transcrita e dada como provada, os participantes (os trabalhadores da Ré) que deixem o serviço antes da data normal da reforma terão direito a uma pensão vitalícia, diferida para a data normal da reforma, verificada que seja qualquer uma das seguintes condições: a) Que a cessação se tenha verificado por sua iniciativa, ou comum acordo, ou ainda por extinção de postos de trabalho por causas objectivas de ordem estrutural, tecnológica ou conjuntural, ou outras legalmente admitidas, invocadas pelo associado. É esta a condição que está no centro da discórdia entre as partes. Enquanto a A. defende que está aqui prevista também a justa causa, a Ré sustenta o contrário e, portanto, em sua opinião, tendo invocado justa causa ao despedir a A., esta não tem direito à pensão. Vejamos quem tem razão. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente sagaz e diligente, colocado nas circunstâncias do declaratário concreto, possa deduzir do comportamento do declarante - art.º 236.º, n.º 1, do código civil. Além disso, o resultado desta interpretação objectivista, segundo a teoria da impressão do destinatário, não pode conduzir a um sentido sem a mínima correspondência na literalidade do documento, ainda que imperfeitamente expressa – art.º 238.º do código civil. Na primeira instância, deu-se razão à Ré considerando-se que as outras formas «legalmente admissíveis» se referiam a outras causas objectivas que justifiquem a extinção do posto de trabalho e não um despedimento assente numa actuação culposa do trabalhador. Na realidade, desde logo a letra da cláusula aponta nesse sentido, ou seja, de a expressão «outras legalmente admitidas» ser ainda uma especificação ou concretização das causas objectivas de extinção de postos de trabalho e não outras formas diferentes de cessação do contrato de trabalho, como a justa causa. Portanto, as causas objectivas podem ser estruturais, tecnológicas conjunturais ou outras legalmente admitidas, invocadas pelo associado. Com efeito, a justa causa não extingue, ou não extingue necessariamente, o posto de trabalho, faz cessar o vínculo laboral do trabalhador com a entidade patronal, podendo esta manter o mesmo posto de trabalho ocupado por outro trabalhador. Aliás, a al. a) da referida cláusula começa por enunciar as modalidades de cessação do contrato de trabalho e contempla apenas três: por iniciativa do trabalhador, de comum acordo ou por extinção de postos de trabalho por causa objectivas. Dentro destas últimas é que aparecem as já mencionadas de ordem estrutural, tecnológica ou conjuntural, ou outras legalmente admitidas, invocadas pelo associado ou empregador. Não se encontra, assim, prevista a modalidade de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, ou seja, por justa causa. Esta é a interpretação mais correcta, em função do legal critério interpretativo acima referido, apoiado desde logo na letra do dito contrato constitutivo, mas também na economia do negócio em causa, ou seja, a atribuição de uma pensão sem qualquer encargo para os trabalhadores beneficiários. Por tal motivo, a Autora não tem direito à pensão. Deste modo, improcedendo todas as conclusões da Recorrente, é de manter a decisão recorrida. ** III – DecisãoPelo exposto, julga-se improcedente o recurso e, por consequência, confirma-se a decisão recorrida. Custas pela Recorrente – art.º 446.º do CPC. Notifique. *** Lisboa, 16.6.2009João Aveiro Pereira Rui Moura Anabela Calafate |