Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1872/22.3T9LSB.L1-9
Relator: ROSA MARIA CARDOSO SARAIVA
Descritores: PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO
PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA AUDIÊNCIA
PRESENÇA DO ARGUIDO
PROVA POR RECONHECIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/12/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: A. O princípio da concentração e continuidade da audiência de discussão e julgamento impõe que tal diligência ocorra no mais curto espaço de tempo possível e que qualquer adiamento radique em um circunstancialismo de natureza excepcional – assim se sublinha a relevância da oralidade e da imediação, enquanto instrumentos privilegiados para a discussão do objecto do processo, assegurando, em concomitância, realização da Justiça Penal em tempo útil e razoável.
B. Do disposto no art. 333º, 1 do CPPenal, resulta que a presença do arguido é obrigatória desde o inicio da audiência, excepcionando-se, designadamente, a situação daquele que regularmente notificado não estiver presente na hora designada quando o tribunal considerar que a sua presença não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material; neste caso, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz (cfr. art. 333º, 3 do CPPenal).
C. Ou seja, o dever/direito do arguido estar na audiência relativiza-se perante a ideia matricial da continuidade da audiência.
D. A descoberta da verdade material – embora se assuma como um meio imprescindível da realização da justiça penal – não legitima todas as acções pensáveis pela mais persistente perseguição penal, nem imporá sacrifícios da legalidade dos meios de obtenção da prova.
E. Sendo admissível um reconhecimento em sede de audiência de discussão e julgamento, o mesmo terá de submeter-se às regras estritas do artigo 147º do CPP – assim, apesar de possível, a publicidade da audiência, com tudo o que implica, fragiliza a posição do arguido, quando o coloca no foco das atenções.
F. Por isso, o momento processual especialmente adequado para a sua realização é, de facto, o da fase da aquisição da prova por excelência – justamente a de Inquérito; ora se o titular da pretensão punitiva do Estado não efectuou tal diligência probatória quando o podia ter feito, nomeadamente quando procedeu ao interrogatório do arguido e à Sua sujeição a TIR, não pode pretender-se o adiamento reiterado do julgamento e a realização de sucessivos actos infrutíferos para que se produza um meio de obtenção da prova desajustado e de resultado já turvado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
1. No presente processo, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa, foi em 26/06/2024, proferido o seguinte despacho:
“A audiência de julgamento, nestes autos, prolongou-se por várias sessões.
Já foram encetadas diligências no sentido da detenção do arguido, que resultaram infrutíferas.
Foi tentada a descoberta de eventual nova morada.
O OPC competente contactou o arguido telefonicamente, sendo que o mesmo referiu que estaria em Angola. Porém, a AIMA não tem registo de saída do arguido do território nacional.
Acresce que o arguido optou por não prestar declarações, em fase de Inquérito (fls. 72, 73).
Nestes termos, não se justifica a realização de outras diligências de contacto com o arguido, uma vez que o mesmo já demonstrou que não pretende colaborar com o Tribunal – como não colaborou com o OPC, não dando mais informações do que as que constam dos autos – nem comparecer em audiência de julgamento ou ser ouvido à distância.
Os sujeitos processuais poderão, sempre, motu proprio, realizar outras diligências, que reputem convenientes, com os elementos disponíveis no processo.
Assim, não se justificando maior dilação no tempo de julgamento, encontrando-se esgotadas as diligências reputadas razoáveis para obter a comparência do arguido, em cumprimento do disposto nos artigos 332.º, n.º 1, e 333.º, n.º 1, ambos do CPP, designa-se, para continuação, o próximo dia 11 de Julho às 14h00.
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Notifique os Senhores Advogados, com a advertência de que, não comunicando a existência de qualquer impedimento na data supra, no prazo de três dias, se considerará a mesma definitiva e admitida por acordo, tudo nos termos do artigo 312.º, n.º 4, do CPP e 151.º do CPC.
Existindo impedimento, deverão indicar, após prévia concertação, datas alternativas à tarde.
Tornando-se a data definitiva, proceda às restantes notificações.
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2. Por outro lado, em 11/07/2024, foi proferida, em acta, a seguinte decisão:
DESPACHO
A presente audiência de julgamento iniciou-se no dia 20-02-2024. Nessa data, o arguido faltou injustificadamente e foi ordenada a sua detenção.
Porém, uma vez que o arguido veio juntar justificação da falta, em concordância com a promoção da Digna Magistrada do Ministério Publico, foi dada sem efeito a emissão de mandados de detenção e considerada justificada a falta.
Contudo, na nova sessão de audiência de julgamento, o arguido voltou a faltar injustificadamente, tendo sido designada nova data para audição do arguido, ordenando-se a emissão de mandados de detenção.
Em 15-04-2024, sessão que apenas se destinava à audição do arguido, não havendo no momento outra prova a produzir, não foi produzido qualquer acto de produção de prova, atento o não cumprimento dos mandados de detenção, pelas razões constantes do respetivo certificado.
Porém, deferindo o requerimento do Ilustre Mandatário da Demandante, foi ordenado que se solicitasse à AIMA informação sobre se havia indicação se o arguido tinha saído, nos últimos meses, para fora do país e qual o destino.
Por despacho de 09-05-2024, foi ainda ordenada a realização de pesquisas atualizadas nas bases de dados informáticas disponíveis, com vista a apurar o paradeiro, deferindo-se assim o requerimento da Digna Magistrada do Ministério Público de 02-05-2024.
Foram realizadas buscas, sendo que, relativamente ao requerimento da Digna Magistrada do Ministério Público de 15-05-2024, foi proferido o despacho de 26-06-2024, sendo que, entretanto, a AIMA já tinha vindo informar que não tinha qualquer registo de saída do arguido do território nacional.
Neste momento, não há quaisquer dados novos que alterem os pressupostos em que assentou a prolação do referido despacho de 26-06-2024, sendo que, até ao momento, nenhum dos sujeitos processuais impugnou o mesmo.
Não obstante o Tribunal partilhar a frustração de não ter sido conseguida a comparência do arguido, em audiência de julgamento, em cumprimento do dever associado ao seu estatuto, não é razoável prolongar por mais tempo a audiência de julgamento, sendo que do disposto no artigo 328.º do C.P. Penal resulta que a audiência de julgamento deve ser contínua, pelo que o seu protelamento por várias sessões, sem quaisquer atos novos de produção de prova, deve ser devidamente ponderado, atento o princípio da proporcionalidade, o que implica que o Tribunal apenas designe novas sessões, quando existe necessidade de novos atos de produção de prova ou quando se afigure que é muito provável que se possa, por exemplo, conseguir, com a designação de nova sessão, a presença do arguido sob detenção, nomeadamente por sobrevir, aos autos, informação no sentido de que o mesmo foi localizado, o que não se verifica nos presentes autos.
Acresce que, como já se referiu no despacho de 26-06-2024, o arguido optou por não prestar declarações em fase de Inquérito.
A Digna Magistrada do Ministério Público aflora a possibilidade de vir a requerer a realização de prova por reconhecimento, assim justificando o interesse no prosseguimento de diligências de localização do arguido. De facto, tal meio de prova poderia mostrar-se pertinente, caso o arguido tivesse sido localizado. Porém, não foi.
Já foram feitas diligências nesse sentido, nos termos constantes dos autos e aqui reproduzidos por súmula.
Assim, não existindo uma probabilidade razoável, face às diligências já encetadas e infrutíferas, de que o arguido possa ser localizado em breve espaço de tempo, mantém-se o juízo formulado no despacho de 26-06-2024, ou seja, a conclusão de que, face à teleologia que informa o artigo 328.º do C. P. Penal, ao número de diligências já realizadas e de sessões agendadas sem atos efetivos de produção de prova, de acordo com um juízo de proporcionalidade, não é razoável protelar o tempo de audiência de julgamento.
Acrescenta-se que o arguido foi localizado, em fase de Inquérito, tendo comparecido na seção do DIAP de Lisboa, conforme consta de fls. 69, o que motivou, aliás, a devolução do mandado de detenção pendente, tendo estado presente nos atos processuais subsequentes que o processo documenta, não tendo sido realizada qualquer diligência no sentido de viabilizar a prova por reconhecimento.
Cremos que a aludida fase de Inquérito e o aludido momento processual correspondiam ao tempo adequado para diligenciar no sentido de viabilizar a prova por reconhecimento.
Assim, e sem prejuízo de considerarmos que tal meio de prova poderia ainda ter lugar em fase de julgamento, se tivesse sido possível localizar o arguido, não sendo essa a circunstância que se verifica, mais nada se ordena, indeferindo-se a realização das diligências requeridas, em suma, como já expusemos, por ser muito provável que o deferimento não conduzisse a qualquer resultado útil, face ao insucesso das diligências já realizadas e à referida teleologia do artigo 328.º do C. P. Penal nos termos já aqui consignados.”
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3. Finalmente, foi proferida em 12/09/2024 sentença, com o seguinte teor (transcrição parcial):
“II. Fundamentação
1. De facto
1.1. Factos provados
Consideram-se demonstrados, com relevo para a decisão da causa, os factos seguintes:
1. No dia ........2022, um indivíduo conduziu e imobilizou o veículo automóvel de matrícula ..-UD-.., marca SEAT, modelo IBIZA, cor branca, sobre o passeio, com quatro piscas accionados, em frente ao ..., na Travessa ..., em Lisboa.
2. AA, nesse mesmo dia, nesse local, encontrava-se no exercício das suas funções de agente de fiscalização de estacionamento da EMEL, devidamente uniformizada e identificada.
3. Ao visualizar o veículo automóvel estacionado nas condições referidas em 1. AA procedeu à elaboração de documento denominado de “denúncia” de contra-ordenação, com o n.º ....
4. Nessa sequência, o referido indivíduo, ao visualizar AA a proceder ao exercício das suas funções profissionais, junto do veículo, através da janela de um prédio ali situado, e dirigindo-se àquela, perguntou-lhe, agressivamente, se estaria “a multar” e disse “vai para o caralho”, mais referindo que se tratava de “uma emergência”.
5. O indivíduo voltou a dirigir-se à ofendida, chamando-lhe “puta do caralho”, momento em que saiu do interior do prédio em que se encontrava.
Continuou a caminhar, chamando à ofendida “vaca” e “puta”.
6. Em seguida, dirigiu-se à ofendida e desferiu-lhe um empurrão tendo-lhe causado desequilíbrio.
7. A ofendida informou o indivíduo que iria chamar a polícia de segurança pública, tendo este referido novamente que ela era uma “vaca” e uma “puta”.
8. Em seguida, o indivíduo introduziu-se no veículo automóvel e abandonou o local, conduzindo-o.
9. O indivíduo agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a ofendida se encontrava no exercício das suas funções, devidamente uniformizada e identificada, tendo agido motivado pelo facto de aquela ter procedido nos termos escritos em 3., por causa das suas funções.
10. Mais sabia que as expressões, que dirigiu à ofendida, ofendiam a sua honra e consideração, resultado que quis e logrou alcançar.
11. Mais sabia que, com a sua conduta, ofendia o corpo e a saúde da ofendida, querendo agir como agiu.
Sabia que as suas condutas descritas eram proibidas e punidas por lei.
12. O arguido não era, em 15/02/2022, titular de carta de condução ou qualquer título que o habilitasse à condução de veículos automóveis ligeiros na via pública.
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1.2. Não se provou, com relevância para a decisão:
- que o indivíduo referido na factualidade assente correspondesse ao arguido;
- a identidade do aludido indivíduo.
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Consigna-se que foram excluídos, do elenco dos factos provados e não provados, os factos não relevantes para o objecto do processo e, do elenco dos factos não provados, os factos cuja classificação como não provados resulta naturalisticamente da prova de factos contrários ou com eles incompatíveis.
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1.3. Motivação
O Tribunal baseou-se, para concluir pelo juízo de provado associado aos factos dados como assentes, nas declarações da ofendida, que descreveu os acontecimentos, de forma objectiva e circunstanciada, tendo tais declarações sido corroboradas pelo documento de fls. 8, cujos dados a ofendida referiu ter preenchido, à excepção da identificação do suposto condutor, que desconhecia.
O preenchimento de tal específico campo, de acordo com as regras da experiência comum, terá ocorrido posteriormente, depois da averiguação da titularidade do direito de propriedade, sobre o veículo envolvido, registalmente inscrita.
Foi ainda importante o depoimento de BB, que presenciou parcialmente os factos, por transitar na rua onde os mesmos ocorreram, corroborando as declarações da ofendida.
Quanto aos factos dados como assentes de 9 a 11, o Tribunal baseou-se em presunção natural extraída da aplicação das regras de experiência comum ao comportamento objectivo do indivíduo, apurado nos termos supra, e à circunstância de o encadeamento lógico das suas atitudes mostrar que o mesmo se encontrava capaz de avaliar a ilicitude do seu comportamento e de se determinar em conformidade com tal juízo de avaliação.
Resulta de fls. 34 que o arguido era o proprietário, registalmente inscrito, da viatura envolvida nos factos, sendo que o mesmo não era titular de carta de condução, conforme consta de fls. 45 e 49.
Porém, não foi possível concluir, para além de qualquer dúvida razoável, que o arguido correspondesse ao indivíduo que interagiu com a ofendida, nos termos descritos na factualidade assente, por não ter sido produzida qualquer prova adminicular nesse sentido.
De facto, conforme resulta das actas de audiência de julgamento, apesar de encetadas diversas diligências, não foi possível localizar o arguido e assegurar a sua comparência nem a sua intervenção em ulteriores actos de produção de prova.
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2. De Direito
Vem o arguido acusado pela prática, como autor material, na forma consumada e em concurso real, dos seguintes crimes: um crime de injúria agravado, previsto e punido nos termos dos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal; um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 145.º, n.º 1, alínea a) e 132.º, n.º 2, alínea l), ambos do Código Penal; um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido nos termos do artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro.
Porém, analisada a factualidade provada em confronto com a não provada, conclui-se que não é possível concluir que o arguido tenha praticado os actos integrantes de tais crimes.
Nestes termos, é manifesto que o arguido deve ser absolvido.
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Do pedido de indemnização
O pedido de indemnização civil é uma verdadeira acção civil que, por razões de economia e cautela no que respeita a possíveis decisões contraditórias, é enxertada no processo penal.
Desse facto resulta que os pressupostos da responsabilidade civil, in casu extracontratual, encontram suporte na lei civil geral, como resulta do artigo 129.º do Código Penal.
Nos termos do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/99 de 17/06, se em processo penal for deduzido pedido civil, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º1 do Código do Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual.
De acordo com o artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, quem violar ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a reparar os danos resultantes dessa violação.
No caso, não se provou a prática dos factos integrantes dos ilícitos criminais de que o arguido vinha acusado nem que a produção dos danos sofridos pela demandante tenha sido causada pelo arguido.
Pelo exposto, não se verificando os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual, conclui-se pela absolvição do arguido demandado.
III. Decisão
Por tudo quanto fica exposto, decide-se:
- absolver o arguido CC da imputação dos crimes por que vinha acusado e do pedido de indemnização civil contra si deduzido.”
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4. Inconformado com as duas decisões supra identificadas e com a sentença proferida, o Ministério Público veio interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões aperfeiçoadas, depois de ter sido convidado para o efeito (transcrição):
“ CONCLUSÕES
A. O presente recurso é interposto do despacho judicial de 26/6/2024 (cfr. ref. nº ...), do despacho judicial de 11/7/2024 (cfr. acta da sessão de julgamento com a ref. nº ...), e, ainda, da sentença proferida no dia 12/9/2024 (cfr. ref. nº ...), a qual absolveu o CC da prática dos crimes que lhe vinham imputados pela acusação pública.
B. Os despachos judiciais ora recorridos indeferiram as promoções do MP de 15/5/2024 (cfr. ref. nº ...) e de 11/7/2024 (cfr. acta da sessão de julgamento com a ref. nº ...), no sentido de que se realizassem uma série de diligências para apurar o paradeiro do CC (identificadas nos pontos 15 e 16 da motivação do recurso), com vista à obtenção de meios de prova, designadamente de reconhecimento do CC, nos termos previsto no art. 147º do CPP.
C. Considerando a sequência de factos descritos nas alegações de recurso (pontos 6 a 14), o MP entende que não se encontram ainda esgotadas as diligências para obter o paradeiro do CC, sendo que, caso se comprove que o mesmo se encontra em Portugal (ao contrário do por si alegado telefonicamente ao Agente da PSP encarregado de proceder à sua detenção, no sentido de que se encontraria em Angola, frutando-se a tal detenção), se entende que “é ainda justificado tentar obter a sua comparência coerciva (…)” (cfr. acta da sessão de julgamento de 11/7/2024, com a ref. nº ..., sendo o sublinhado nosso).
D. Desta maneira, entendemos que se impõe determinar a realização das diligências requeridas MP, indeferida pelos despachos recorridos, a última das quais, de localização celular, é admissível ao abrigo do disposto no art. 187º, nº 1, al. a), do CPP, o qual foi, deste modo, violado, assim como o disposto no art. 340º do CPP, na medida em que a sua realização se impunha para a descoberta da verdade material e à boa decisão da causa.
E. A posteriori, na sentença recorrida deram-se como provados os factos elencados de 1 a 12 (os quais correspondem, na sua globalidade, aos factos constantes da acusação pública proferida, e deram-se como não provados que os seguintes factos:
“- que o indivíduo referido na factualidade assente correspondesse ao arguido;
- a identidade do aludido indivíduo”.
F. Concluiu-se, então, que “não foi possível concluir, para além de qualquer dúvida razoável, que o arguido correspondesse ao indivíduo que interagiu com a ofendida, nos termos descritos na factualidade assente, por não ter sido produzida qualquer prova adminicular nesse sentido” (cfr. pág. 4 da sentença recorrida, sendo o negrito e o sublinhado nossos), sendo que, se se tivesse deferido a realização das diligências para obtenção do paradeiro do CC, se poderia ter concluído de modo diverso.
G. Assim, entende-se que o Tribunal a quo, ao absolver o CC poderá ter aplicado erroneamente a lei penal à matéria dos autos, violando, designadamente, o disposto nos arts. 181º, nº 1, e 184º, por referência ao art. 132º, nº 2, al. l), e no art. 145º, nº 1, al. a), e 132º, nº 2, al. l), todos do CP e, ainda, no art. 3º, nº 1, e nº 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, devendo ser revogada a decisão de absolvição, e a ordenada a realização das diligências requeridas pelo MP (e/ou de outras que se reputem necessárias e uteis).
H. Deste modo, caso seja possível obter o paradeiro do CC e este seja reconhecido pela Ofendida/Demandante como o autor dos factos dados como provados, impor-se-á a condenação do CC pela prática dos crimes imputados.
Nestes termos, deverá o recurso interposto no dia 18/9/2024 ser julgado procedente e, consequentemente, serem alteradas as decisões recorridas nos termos referidos, fazendo-se, desta forma, JUSTIÇA.”
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5. Ao recurso admitido foi atribuído efeito devolutivo e determinado que subisse imediatamente e em separado.
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6. O arguido não respondeu ao recurso interposto e notificado das conclusões aperfeiçoadas também nada veio dizer no prazo que para o efeito lhe foi concedido.
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7. Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto.
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8. Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II- Questões a decidir:
Preceitua o art. 412.º, n.º 1, do CPPenal que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
É consabido que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou de nulidades que não se considerem sanadas, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na decorrência dos argumentos expendidos em sede de motivação.
Assim, a primeira questão a decidir é a de saber se com o objectivo da descoberta da verdade material, pode o julgamento continuar a ser sucessivamente adiado – depois de se ter gorado a detenção do arguido, na morada constante do TIR – a fim de serem efectuadas diligências tendentes a obter o comparecimento do arguido na audiência de julgamento, com vista ao respectivo reconhecimento.
Por outro lado, averiguar das consequências, designadamente na sentença final, da eventual revogação da decisão que indeferiu as diligências requeridas pelo MP, tendentes a obter o comparecimento do arguido, na audiência final.
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III. dos elementos do processo relevantes para apreciação do recurso

Do exame dos autos verifica-se que:
- A audiência de julgamento teve início a 20/02/2024, data em que o arguido, devidamente notificado, não compareceu. Nessa data, foi proferida decisão, a considerar que a presença do arguido não era indispensável desde o início da audiência e a determinar a realização daquela diligência sem a presença do arguido, com a produção da prova.
- Por outro lado, produzida a prova, foi proferida a seguinte decisão “Por se considerar importante para a boa decisão da causa a audição do arguido e por o mesmo ter faltado injustificadamente, determina-se a emissão de mandados de detenção para assegurar a sua comparência na próxima sessão.
Para continuação da audiência, designa-se o dia 19 de março de 2024 às 13 h e 30 m, data concertada com os restantes sujeitos processuais.”
- Entretanto a falta do arguido à dita diligência veio a ser considerada justificada, após requerimento do mesmo a pugnar por esse efeito.
- Na data então agendada o arguido voltou a faltar, tendo sido determinada a emissão de novos mandados de detenção daquele e designada como data para continuação do julgamento o dia 15/04/2024.
- Nessa data, o arguido não compareceu, tendo o OPCriminal informado telefonicamente que não havia conseguido a detenção do arguido, tendo a notícia de que o mesmo se havia ausentado para Angola.
- Foi proferida decisão a determinar que se aguardasse a certificação nos autos do não cumprimento dos mandado de detenção e se solicitasse à AIMA se tinha conhecimento de que o arguido se havia deslocado para o estrangeiro, no seguimento de requerimento efectuado nesse sentido pela demandante civil.
- Em 16/04/2024 a AIMA informou não ter registo de qualquer saída do arguido do território nacional.
- Na sequência de tal informação, por requerimento datado de 02/05/2024, o MP solicitou que fossem efectuadas pesquisas actualizadas nas bases de dados informáticas disponíveis, com vista a apurar o paradeiro do CC, o que foi deferido por decisão de 09/05/2024.
- Efectuadas tais pesquisas, delas resultou que o arguido mantinha a morada constante do TIR, sendo certo que das bases de dados da Segurança Social constava uma outra morada.
Em consequências das referidas diligências o MP apresentou requerimento, em 15/05/2024, com o seguinte teor: “Pesquisas de bens constantes do Citius – Visto.
Antes de mais, promove-se que, a Secção encete contacto telefónico com o CC através de número de telefone referido na ref. nº 39081267, de 15/4/2024 (através do qual os Senhores Agentes da PSP contactaram com o mesmo), com vista ao apuramento da sua actual morada, designadamente para confirmar a informação prestada pelo mesmo no sentido de que se encontra a residir em Angola e, em caso afirmativo, para informar qual a sua morada concreta e para aferir da possibilidade de o CC estar presente em audiência de julgamento, que se encontra a decorrer (querendo ou não prestar declarações), através de Webex, caso em que deverá disponibilizar um e-mail para o efeito.
Resultando tal diligência infrutífera, promove-se que se solicite informação actualizada sobre o seu paradeiro junto das diversas operadoras de redes móveis a operar em território nacional, solicitando-se, ainda, informação específica acerca do referido número de telefone móvel.”
- Em 26/06/2024 foi proferida a decisão – supra exarada – a indeferir o solicitado pelo MP e a marcar, como data para continuação do julgamento, o dia 11 de Junho de 2024.
- Na data designada para o julgamento, o arguido, regularmente notificado, não compareceu, tendo o MP apresentado requerimento com o seguinte teor: “em face do indeferimento do requerido na promoção de 15-05-2024, através de despacho de 26-06-2024, considerando o Ministério Público que não se encontram ainda esgotadas as diligências para obter o paradeiro do arguido e encontrando-se o mesmo em Portugal, é ainda justificado tentar obter a sua comparência coerciva, uma vez que é uma obrigação do arguido estar presente em julgamento, não obstante o mesmo não ter prestado declarações em Inquérito. Assim, uma vez que não houve prova por reconhecimento do arguido, em fase de Inquérito, considera-se útil, para obter esse reconhecimento, que só é possível com a presença do arguido, obter informação sobre qual a operadora móvel atual do nº constante do oficio da P.S.P datado de 15-04-2024 - o qual refere que os senhores agentes da PSP contactaram este número - e se apure qual é a operadora móvel deste número e, obtido esse elemento, se solicite a essa operadora que informe se, na data de 15-04-2024 e seguintes, foram acionadas as antenas em Portugal com vista a obter confirmação se o arguido se encontra em Angola ou não, sendo que, em caso negativo, se impõe realizar mais diligências com vista a obter a localização do arguido em Portugal.”
- Relativamente a tal requerimento foi proferida a decisão supra exarada de que o MP recorreu.
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IV. Fundamentação
Estatui o art. 328º, 1 do CPPenal que “A audiência é contínua, decorrendo sem qualquer interrupção ou adiamento.”
Por outro lado, o nº 3 da norma citada estabelece que “O adiamento da audiência só é possível, sem prejuízo dos demais casos previstos neste Código quando, não sendo a simples interrupção bastante para remover o obstáculo:
a. Faltar ou ficar impossibilitado de participar pessoa que não possa pessoa que não possa ser de imediato substituída e cuja presença seja indispensável por força da lei ou de despacho do tribunal, excepto se estiverem presentes outras pessoas, caso em que se procederá à sua inquirição ou audição, mesmo que tal implique a alteração da ordem de produção de prova referida no artigo 341.º;
b. For absolutamente necessário proceder à produção de qualquer meio de prova superveniente e indisponível no momento em que a audiência estiver a decorrer;
c. Surgir qualquer questão prejudicial, prévia ou incidental, cuja resolução seja essencial para a boa decisão da causa e que torne altamente inconveniente a continuação da audiência; ou
d. For necessário proceder à elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, nos termos do n.º 1 do artigo 370.º”
Já o nº 6 do inciso legal em análise preceitua que “O adiamento da audiência de discussão e julgamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, por impedimento do tribunal ou por impedimento dos defensores constituídos em consequência de outro serviço judicial já marcado de natureza urgente e com prioridade sobre a audiência em curso, deve o respetivo motivo ficar consignado em ata, identificando-se expressamente a diligência e o processo a que respeita.”
Finalmente “Para efeitos da contagem do prazo referido no número anterior, não é considerado o período das férias judiciais, nem o período em que, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova, a prolação de sentença ou que, em via de recurso, o julgamento seja anulado parcialmente, nomeadamente para repetição da prova ou produção de prova suplementar.”
Ou seja, da norma citada decorre que o julgamento deve começar e acabar no mais curto período de tempo possível, só devendo existir interrupções e consequentes adiamentos em casos excepcionais e devidamente justificados.
Por outro lado, em caso de adiamento, a audiência deverá continuar com a maior brevidade possível.
A este propósito LUIS LEMOS TRIUNFANTE, in Comentário Judiciário do CPenal, 2ª ed. Tomo Iv, Almedina, pág. 244, escreve “A concentração temporal dos actos de audiência de julgamento é ainda desejável em virtude do seu relevo para a apreciação da prova produzida e examinada em audiência que o tribunal deve realizar, em regra segundo o princípio da livre apreciação da prova (art. 127º), de forma a decidir a matéria de facto (arts. 363º/3, 368º/2 e 374º,2^). Nesta perspectiva, o princípio da concentração temporal é indissociável de dois princípios fundamentais relativamente à forma e à prova, designadamente o principio da imediação e o princípio da oralidade (NUNO BRANDÃO, 2016, p. 109.”
É certo que, actualmente e diferentemente do que ocorria antes da alteração de 2015 relativamente à redacção do nº 6 do citado art. 328º do CPPenal, o decurso de mais de 30 dias entre cada uma das sessões da audiência de discussão e julgamento deixou de ter como consequência a perda de eficácia da prova previamente produzida.
Contudo, tal não significa que tenham perdido acuidade os princípios da continuidade e da concentração da audiência de julgamento, bem como o da imediação. Como já se examinou, o nº 1, do art 328º, continua a impor a regra de que a audiência de discussão e julgamento decorra, sem interrupção ou adiamento, até ao seu encerramento.
Trata-se de assegurar, pois, a concretização dos princípios da oralidade e da imediação, concebidos como os instrumentos privilegiados para a discussão e apreciação do objecto do processo, assegurando ainda a realização da Justiça Penal em tempo útil e razoável.
Assim, no Ac. do TRC de 06/05/2020, proferido no processo nº 1109/17.7T9VIS.C1, in www.dgsi.pt, pode ler-se “O princípio da continuidade da audiência visa atingir duas finalidades: - a concentração da produção da prova devendo os termos e atos processuais desenvolver-se, no espaço e no tempo, de forma unitária e contínua, por forma a que a prova seja apreciada o mais próximo possível do momento em que é produzia e discutida, mantendo-se viva na memória de todos os intervenientes processuais e do julgador.
Assegurando ainda a eficácia da administração da justiça valor este consagrado na Constituição - art. 20 nº 5 - segundo o qual a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais deve ser legalmente assegurada, mediante procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade. Bem como do direito à decisão em prazo razoável - art. 20º nº 4 da CR - também previsto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.”
Acrescentando-se, mais à frente, no citado aresto que “Mantendo-se as regras da continuidade da audiência contidas no art. 328º nº 1 e nº 6, primeira parte, a eliminação da cominação da perda de eficácia da prova não significa a possibilidade de perpetuação indefinida da fase da audiência de discussão e julgamento. Nem a postergação do princípio da continuidade e concentração, balizados nos termos das restantes disposições do art. 328º. O próprio carácter excecional do excesso do prazo de trinta dias continua a ser acentuado pelo legislador, quer com a ressalva dos casos previstos no nº 7, quer por efeito das exigências contidas na segunda parte do nº 6, relativas à demonstração dos motivos de impedimento da observância do referido prazo de trinta dias, devidamente explicitados no processo, devendo ficar objetivados em ata, nos aludidos termos da parte final do nº6.
O tribunal deverá continuar a disciplinar a sua atividade por forma a concentrar os trabalhos de produção de prova a produzir na audiência de discussão e julgamento, no período temporal mais curto possível, obrigando à justificação de qualquer adiamento por mais de 30 dias, mas deixando de estar cominada a inexorável perda de eficácia da prova nessas circunstâncias específica.
A regra continua a ser a da continuidade da audiência de discussão e julgamento que apenas poderá ser adiada por mais de 30 dias, nas circunstâncias previstas na 2ª parte do nº6 conjugado com o nº7 do art. 328º.”
É certo que, no nº 3 da norma que se tem vindo a analisar, se elencam as excepções à regra da continuidade da audiência, constando, desde logo, das als. a) e b), para o que aqui interessa, que dois dos casos em que é admissível o adiamento da audiência são a falta ou impossibilidade de pessoas que devam ser inquiridas para efeitos probatórios e cuja presença seja indispensável por força de lei ou de decisão do tribunal e quando for absolutamente necessário proceder à produção de qualquer meio de prova superveniente no momento em que a audiência estiver a decorrer.
Nestes casos, por força do nº 7 da norma em análise, o decurso do prazo de 30 dias ficará suspenso – cfr. no sentido do texto PAULO BRANDÃO, in “Era uma vez o princípio da concentração temporal? Notas sobre a revisão do art. 328º do CPP”, Julgar, 28, 20016, pág. 119 e segs.
Relativamente à presença do arguido em audiência decorre do disposto no art. 333º, 1 do CPPenal, que a mesma é obrigatória desde o inicio da audiência, mas existindo excepções, designadamente quando o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência e o tribunal considerar que a sua presença não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, desde o início da audiência (cfr. art. 333º, 1 do CPPenal), caso em que o julgamento não é adiado, sendo ouvidas as pessoas presentes (cfr. art. 333º, 2 do CPPenal).
Em tal hipótese, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz (cfr. art. 333º, 3 do CPPenal).
Ou seja, o arguido tem um direito e um dever de estar presente na audiência de julgamento.
Com efeito, “Por um lado, estamos perante uma garantia de defesa do arguido, com respaldo no art. 32º/1 CRP e, também, art. 20º, enquanto direito de acesso à justiça e tribunais e salvaguarda do processo equitativo. A presença física é encarada como um ponto estrutural no exercício do contraditório do arguido. (…)
Sob outro prisma a obrigatoriedade de comparência corresponde a um dever processual. O arguido tem o dever de comparecer fisicamente na audiência de julgamento, sob pena de incorrer em sanções processuais – v.g. multa ao abrigo do art. 116º - e ser compelido coercivamente a comparecer – v.g. com emissão de mandado de detenção cf. Arts. 116º e 254º (…) Esta imposição de comparência presencial – tal como sucede com outros intervenientes processuais – resulta do facto de se perspectivar a presença do arguido em audiência como essencial para lograr o desiderato do processo penal. (…) também porque é considerado importante para a descoberta da verdade material e ditar a justiça do caso concreto. Para esclarecer factos e apresentar a sua versão dos acontecimentos, indicar prova que, por algum motivo justificado, ainda não tenha sido produzida, ou referida atempadamente” – TIAGO CAIADO MILHEIRO, in Comentário Judiciário do CPPenal, Tomo IV, 2ª ed., Almedina, pag. 312 e 314.
Como já se disse supra, casos há, previstos na lei, em que o julgamento é efectuado sem a presença do arguido, desde logo quando o mesmo, devidamente notificado, não compareça, ou quando se encontre praticamente impossibilitado de estar na audiência, nomeadamente por idade, doença grave ou residência no estrangeiro e consinta que o julgamento se faça na sua ausência – cfr. art. 334º, 2 do CPPenal.
De qualquer das formas, no caso de o arguido, devidamente notificado, não comparecer, demonstrando assim desinteresse pela garantia dada pela lei de em julgamento poder exercer os seus direitos de defesa, o tribunal pode sempre concluir, ou no início do julgamento, ou mesmo posteriormente, que a presença do arguido é indispensável, situação em que não poderá encerrar o julgamento sem efectuar diligências no sentido de obter o respectivo comparecimento, como sejam a eventual aplicação de uma multa e a emissão de mandados de detenção.
Ou seja, como refere o autor acabado de citar, na obra referida, pág. 351, “(…) resulta inequivocamente que o legislador pretendeu evitar adiamentos de julgamento com fundamento na ausência de o arguido, criando um regime assente na prestação de TIR e em um feixe de deveres que legitimam a audiência na ausência daquele. (…)
Sendo que a lei, justamente por preocupações de celeridade processual, e ciente que a regularidade da notificação pressupõe, em regra, a prestação de TIR através do qual o arguido sabe que faltando à audiência, o julgamento inicia-se, desenrola-se e finaliza na sua ausência, e que será representado por Defensor, apenas admite o adiamento em casos muito residuais. (…) o que a lei impõe é que o tribunal deve tentar que o arguido compareça. Utilizando os meios possíveis e não conseguindo a comparência do arguido, então já não existem motivos para paralisar o julgamento”.
Com efeito, o arguido regularmente notificado, que não compareça, assume um comportamento demonstrativo de uma renúncia ao seu direito de presença.
Na hipótese dos autos a audiência de julgamento teve início 20/02/2024, data em que o arguido, devidamente notificado, não compareceu. Nessa data foi proferida decisão, ao abrigo do disposto no art. 333º do CPPenal, a considerar que a presença do arguido não era indispensável desde o início da audiência e a determinar a realização daquela diligência sem a presença do arguido, com a produção da prova.
Por outro lado, produzida a prova, foi proferida a seguinte decisão “Por se considerar importante para a boa decisão da causa a audição do arguido e por o mesmo ter faltado injustificadamente, determina-se a emissão de mandados de detenção para assegurar a sua comparência na próxima sessão.
Para continuação da audiência, designa-se o dia 19 de março de 2024 às 13 h e 30 m, data concertada com os restantes sujeitos processuais.”
Na data agendada o arguido voltou a faltar, tendo sido determinada a emissão de novos mandados de detenção daquele e agendando como data para continuação do julgamento o dia 15/04/2024.
Nessa data, o arguido não compareceu, tendo o OPC informado telefonicamente que não havia conseguido a detenção do arguido, tendo a notícia de que o mesmo se havia ausentado para Angola.
Assim foi proferida decisão a determinar que se aguardasse a certificação nos autos do não cumprimento dos mandado de detenção e se solicitasse à AIMA se tinha conhecimento de que o arguido se havia deslocado para o estrangeiro, no seguimento de requerimento efectuado nesse sentido pela demandante civil.
Em 16/04/2024 a AIMA informou não ter registo de qualquer saída do arguido do território nacional.
No seguimento de tal informação, por requerimento datado de 02/05/2024, o MP solicitou que fossem efectuadas pesquisas actualizadas nas bases de dados informáticas disponíveis, com vista a apurar o paradeiro do CC, o que foi deferido por decisão de 09/05/2024.
Efectuadas tais pesquisas, o MP veio requerer que se continuassem a realizar diligências no sentido de averiguar o paradeiro do arguido, designadamente através de contacto telefónico com o mesmo para que informasse se se encontrava verdadeiramente em Angola, a fim de que pudesse ser ouvido à distância. Mais se solicitava que resultando tal diligência infrutífera, se perguntasse que informação actualizada sobre o seu paradeiro junto das diversas operadoras de redes móveis a operar em território nacional, considerando o número de telemóvel do arguido.
Em 26/06/2024 foi proferida decisão a indeferir o solicitado pelo MP, considerando que não se justificava a realização de outras diligências de contacto com o arguido, uma vez que o mesmo já tinha demonstrado que não pretendia colaborar com o Tribunal – como não colaborou com o OPC, não dando mais informações do que as que constam dos autos – nem comparecer em audiência de julgamento ou ser ouvido à distância.
Por outro lado, marcou-se, como data para continuação do julgamento, o dia 11 de Junho de 2024.
Na data designada para o julgamento o arguido regularmente notificado não compareceu.
Ora, no caso dos autos o MP recorre das decisões proferidas em 26/06/2024 e 11/07/2024 que indeferiram a realização de diligências por si peticionadas, no sentido de se continuarem a efectuar buscas, tendo em vista averiguar do paradeiro do arguido para lograr que comparecesse em audiência, isto apesar de a audiência se ter iniciado em Fevereiro de 2024, data a partir da qual nenhuma outra prova foi produzida, e de não ter sido possível, apesar de todos os esforços despendidos, conseguir que o arguido estivesse presente no acto.
Ou seja, tal como se disse nas decisões objecto de recurso, o arguido com o seu comportamento demonstrou desinteresse por exercer presencialmente em audiência os seus direitos de defesa, sendo certo que o seu defensor nada requereu relativamente à necessidade dessa presença.
Assim, do lado das garantias de defesa do arguido nenhum óbice existia em que o julgamento terminasse sem que este estivesse presente.
Já no que tange à necessidade da sua presença para descoberta da verdade material, também não pode deixar de se considerar que foram efectuadas as diligências possíveis no sentido de obter a comparência do arguido, que para efeitos dos autos tinha uma morada – a constante do TIR – designadamente tendo-se determinado a respectiva detenção com o fim de que estivesse presente no julgamento, o que motivou o adiamento da audiência, por duas vezes, na medida em que o arguido veio entretanto justificar a falta à primeira sessão do julgamento.
Contudo, como também se disse nas decisões em recurso, o arguido demonstrou com o seu comportamento que não pretendia colaborar, sendo certo que continuar a realizar diligências tendo em vista obter contributos do arguido se iriam revelar infrutíferas, apenas traduzindo um protelamento do encerramento da audiência.
Ora, não pode deixar de concordar com tal decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Na verdade, as diligências efectuadas, a condenação em multa e a determinação da sua detenção não lograram atingir o respectivo desiderato – que era, precisamente, obter a sua comparência na audiência.
Por outro lado, o arguido tem uma morada fixada dos autos, pelo que não faz sentido efectuar diligências no sentido de averiguar do seu paradeiro, uma vez que nada garante que nessa nova eventual morada viesse a ser possível a sua detenção.
Aliás, a informação existente era no sentido de que o arguido estará a residir em Angola, daí que o MP pretendesse, até e eventualmente, ouvi-lo através de meios de comunicação à distância. Mas, assim sendo, seria completamente inviável a realização da diligência que o recorrente considera ser fundamental – justamente, um reconhecimento, nos termos da lei processual.
Com efeito, tal meio de prova, para ser considerado válido, deve obedecer aos formalismos previsto no art. 147º do CPPenal, que não são minimamente compatíveis com meios de comunicação à distância.
Ou seja, como decorre do que supra já se disse, mesmo nos casos em que se entende que a presença do arguido – como ocorreu na hipótese dos autos – era indispensável para a descoberta da verdade material, o julgamento não pode continuar a ser reiteradamente adiado, com sucessivas diligências tendentes a obter o comparecimento do arguido.
A este propósito o autor supra citado, na obra referida a pág 352, refere “Mas, tal como em outras diligências desenvolvidas pelo tribunal para descobrir a verdade material, também aqui a lei não impõe (o que seria um contrassenso com a admissibilidade de julgamento na ausência, cf. Art. 32º/6 CRP), que a audiência apenas se inicie quando se conseguir a comparência do arguido (…). Somente exige que se realizem as diligências necessárias e legalmente admissíveis. Se tais saírem frustradas, não se conseguindo a comparência do arguido, deve considerar-se cumprido o desiderato comtemplado no nº1, podendo/devendo o tribunal iniciar e findar o julgamento sem a presença daquele”.
Sempre se acrescentará, ainda, que o objectivo anunciado pelo recorrente com a realização das diligências que solicitou, era sujeitar o arguido a reconhecimento pela vítima. Ora, sendo certo que tal diligência probatória pode ter lugar na fase do julgamento, não é menos certo que não é esta a fase mais adequada para que a ela se proceda.
Na verdade, não pode deixar de se concordar com o que se deixou dito no Ac. do STJ de 03/03/2010, proferido no processo nº 886/07.8PSLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, em que foi relator SANTOS CABRAL, quando aí se afirma que “IX - A recente alteração introduzida pela Lei 48/2007 pretendeu esclarecer as divergências pré-existentes na jurisprudência, afirmando que as regras inscritas para o reconhecimento em sede de inquérito igualmente têm aplicação na fase de audiência, ou seja, a sua inobservância implica a proibição da sua valoração como prova.
X - Pressuposto básico da resolução de tal questão é o de que estamos perante a prova por reconhecimento quando não esteja identificado o agente do crime, sendo necessária a sua determinação. Constitui algo de absolutamente distinto a situação de confirmação como agente do crime em relação a alguém previamente identificado, investigado e assumido como sujeito processual com todo o catálogo de direitos inscritos como tal, que se traduz numa íntima comunicabilidade e interacção entre os diversos intervenientes processuais envolvidos no julgamento.
XI - Em sede de audiência de julgamento rege o princípio da publicidade. A partir do momento em que é pública a identidade do arguido, não se vê como se possa evitar o eventual contacto ou uma possível identificação num espaço público, ou privado, ou até a própria interpelação na abertura da audiência.
XII - Um reconhecimento realizado, pela primeira vez, em audiência de julgamento mostra-se substancialmente injusto, pois que já exposto o arguido aos olhares das testemunhas que o irão reconhecer. E aqui basta a mera possibilidade de tal já ter ocorrido. Desaconselhável, também, por ser já um dado adquirido por estudos em psicologia da memória que o “reconhecimento” deve ser realizado o mais próximo possível da data do evento.
XIII - Admitir um reconhecimento realizado pela primeira vez em audiência de julgamento é, além do exposto, uma clara violação do due process of law, na medida em que, na audiência, o arguido está exposto publicamente.”.
Com efeito, a exposição prévia do arguido ao olhar do potencial reconhecedor inquina essa acção, desprovendo-a de sentido útil. Na verdade, a individualização do arguido por estar no “pelourinho” retira a necessária distância a quem o terá de identificar, causando uma inelutável propensão para que a mesma ocorra, face ao circunstancialismo do “reconhecido”.
Ora, sendo assim, também não pode deixar de se concordar com a decisão em recurso quando aí se refere que o Ministério Público, considerando tal diligência essencial, poderia – e deveria – anteriormente e com maior propósito e relevância ter sujeitado o arguido a tal meio de prova, designadamente quando o mesmo compareceu para ser ouvido e prestou TIR.
Com efeito, em tal momento, muito mais próximo dos factos e quando ainda se efectuavam as diligências de prova iniciais é que faria integral sentido ter realizado o predito meio de prova.
Ora, não tendo o dito reconhecimento sido levada a cabo no momento temporalmente oportuno e demonstrada a incapacidade de se fazer comparecer o arguido na audiência, não poderiam multiplicar-se os actos infrutíferos e adiar continuadamente o término do processo, tendo em vista a realização de uma diligência de prova de efectivação extremamente difícil e provavelmente inconclusiva.
Pelo que a decisão recorrida deve manter-se nos seus exactos termos e fundamentos.
Por outro lado, o recurso da decisão absolutória emerge como consequência do potencial provimento da primeira questão suscitada – assim, a improcedência dessa argumentação, nos termos supra examinados, prejudica qualquer espécie de consideração sobre a sentença final, de cariz absolutório.
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V. Decisão:
Nestes termos, acordam os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
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Sem custas, por delas o recorrente estar isento (cfr art. 4º, 1, al. a) RCProcessuais).
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Lisboa, 12 de Junho de 2025
Rosa Maria Cardoso Saraiva
Ana Marisa Arnedo
Paula Cristina Bizarro