Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SILVA SANTOS | ||
Descritores: | EMBARGO DE OBRA NOVA PRAZO JUDICIAL ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/06/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I- O prazo de 30 dias conferido pelo artigo 412º,n.º1 do Código de processo Civil para ser requerido embargo de obra nova é prazo processual. II- O embargante tem o ónus de provar ofensa ao seu direito de propriedade, singular ou comum, ou qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou à sua posse em consequência de obra , trabalho ou serviço novo (ver artigo 412.º,n.1 do C.P.C.), restrições de natureza taxativa, não preenchendo a previsão legal a prova de que a obra nova em construção, pela sua posição e altura, irá tapar a entrada de sol nas traseiras dos lotes do embargante, tornando-as mais sombrias, húmidas e frias, menos arejadas e com visibilidade reduzida. (SC) | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – SECÇÃ CÍVEL: I. ANTÓNIO e […] instauraram no Tribunal Judicial do Barreiro uma providência cautelar de embargo de obra nova contra A. […] LDA., M.[…] LDA., e M.M. […]LDA., Pedem seja ordenado o embargo das obras de construção dos prédios a decorrer nos lotes 17 e 18 destinados a habitação e estacionamento automóvel em virtude de comprometerem os seus direitos de propriedade, designadamente, por virem a tapar o sol, luz e arejamento na traseira dos edifícios dos requerentes. Foi dispensada a audição das requeridas. II. Após inquirição de testemunhas fixaram-se os seguintes factos: A 1a Requerida é a sociedade responsável pela construção do prédio em edificação no lote 18 bem como do prédio em edificação no lote 17; As 2a e 3a Requeridas são titulares da licença de construção dos prédios em edificação nos lotes 17 e 18 constantes do Alvará de Loteamento […] emitido pela Câmara Municipal […]; Os lotes 17 e 18 confrontam, na sua parte traseira, com a Avenida […], e, na parte dianteira, com a Rua […]; De acordo com o Alvará de Loteamento e respectiva alteração, quer o lote 18, quer o lote 17 destinam-se à construção de prédios para habitação e estacionamento automóvel, consubstanciando cada um deles um edifício de 8 pisos mais duas caves; Os prédios, que são propriedade dos Requerentes, correspondem, respectivamente, aos lotes n°s 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 constantes do Alvará de Loteamento […] acima referido; Os lotes supra referidos, propriedade dos Requerentes, têm implementadas nos mesmos moradias de 2 pisos, destinadas à habitação dos Requerentes; Verifica-se pela planta anexa ao Alvará de Loteamento supra referido que os lotes propriedade dos Requerentes confrontam, na sua parte dianteira, com a Rua Augusto […], e, na sua parte traseira, com a Rua […]; Esta última é a mesma rua com que confrontam as partes dianteiras dos lotes 17 e 18. A área livre de construção da parte traseira dos lotes referidos nos números antecedentes foram destinadas, por cada um dos Requerentes, a zonas de lazer, com "barbecue", de jardinagem, com plantação de árvores e outras plantas, e de secagem de roupa; Cada uma das moradias, nessa mesma zona traseira tem um telheiro com cerca de 1,50 m; Trata-se de uma zona com visibilidade ampla, com bastante luz solar, arejada e com alguma privacidade; Os edifícios em construção nos lotes 17 e 18, dada a sua posição e altura, irão tapar a entrada do sol na área traseira dos lotes dos Requerentes; Retirando-lhes toda a luz natural que gozam presentemente, tornando-as sombrias, mais húmidas e frias; Assim como se tornarão menos arejadas e com uma visibilidade reduzida. Os Requerentes pese embora tenham tido conhecimento do início das obras há mais de 30 dias só agora se aperceberam de que as mesmas lhes causavam prejuízos; Pois só a partir da construção dos imóveis solicitaram informação junto da Câmara Municipal […]. III. Perante tais factos, o tribunal “declarou improcedente” o pedido. IV. Desta decisão recorrem agora os requerentes pretendendo a sua alteração, porque: Entendem os Recorrentes, salvo o devido respeito, que não assiste razão ao despacho recorrido, o qual fez uma errada interpretação e aplicação do Direito na situação sub judice, uma vez que a providência cautelar requerida reunia os pressupostos indispensáveis ao seu decretamento, tendo o Tribunal a quo indeferido a mesma com base em critérios impróprios de uma providência cautelar, designadamente como aquela que foi requerida; Com efeito, para que possa ser decretada a providência cautelar de embargo de obra nova, é indispensável que se verifique i) a titularidade do direito de propriedade pelo requerente; ii) que o requerente se julgue ofendido no seu direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo; e iii) que a obra, trabalho ou serviço novo cause ou ameace causar prejuízo ao requerente; Em sede de procedimento cautelar, designadamente no que ao embargo de obra nova respeita, o periculum in mora carece de prova sumária, sendo suficiente a mera justificação, não podendo o juiz exigir o mesmo grau de convicção no âmbito da providência cautelar e de uma acção; Na situação sub judice, ficou provado que 1) os Requerentes são titulares do direito de propriedade sobre os imóveis identificados no artigo 1° do Requerimento Inicial; ii) que os Requerentes se sentem ofendidos nos respectivos direitos de propriedade em consequência das obras de construção a decorrer nos identificados lotes 17 e 18; iii) que tais obras de construção lesam os direitos de propriedade de cada um dos Requerentes, diminuindo e suprimindo a plenitude do uso das áreas traseiras dos seus lotes; Tal seria, pois, suficiente para o Tribunal a quo ter decretado a providência requerida; Os fundamentos com base nos quais o Tribunal a quo assentou a sua decisão de não decretar a providência requerida mais não são do que fundamentos que estão para além dos necessários e exigidos no âmbito de uma providência cautelar; O que realmente releva para a aferição e decretamento da providência requerida é saber da existência do direito (no caso de propriedade) dos Requerentes, bastando uma mera aparência desse direito, assim como do perigo de lesão desse mesmo direito; Ao não fazê-lo, o despacho recorrido violou flagrantemente o disposto nos artigos 381°, aplicável ex vi do disposto no artigo 392°, e 412°, todos do CPC, razão pela qual deverá ser revogado e substituído por outra decisão que decrete a providência cautelar de embargo de obra nova requerida pelos ora Requerentes. Pelo exposto deverá conceder--se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida com a consequência de ser substituída por nova decisão que decrete a providência requerida, V. O tribunal manteve a decisão. VI. Tem sido jurisprudência dos nossos tribunais superiores a conclusão de que o objecto do recurso é limitado pelas conclusões insertas nas alegações do recorrente pelo que em princípio só abrange as questões aí contidas, como resulta aliás do disposto no art. 690 do CPC. Assim, face às conclusões das alegações da apelante o objecto do recurso resume-se: Existe ou não fundamento legal/processual para o decretamento da pretendida providência de embargo de obra nova? VII. É sabido que através das providências cautelares se visa alcançar uma decisão provisória do litígio. A providência cautelar de embargo de obra nova depende da verificação cumulativa de dois requisitos essenciais: (art. 412 do CPC) a probabilidade da existência de um direito de propriedade ou outro direito real ou pessoal de gozo ou posse; e a sua ofensa através de qualquer obra inovadora. A decisão impugnada entendeu que …« para que o Embargo Cautelar seja declarado procedente, é necessário que a obra que o Requerido está a efectuar lese os interesses dos Requerentes. Dos factos dados como provados não existem dúvidas que os interesses dos Requerentes estão a ser lesados. Todavia o Tribunal desconhece qual a medida dessa lesão. O Tribunal desconhece também se os construtores, digo proprietários, das moradias tinham conhecimento à data da compra dos respectivos lotes se os prédios, lotes 17 e 18, já estavam previstos no projecto…». Razão porque não ordenou a providência. Salvo o devido respeito, a razão porque não se ordenou a providência nada tem a ver com os pressupostos legais exigíveis, nem sequer com aqueles que a decisão em causa enumerou. Nada na lei obriga ou impõe que o tribunal tenha de conhecer «a medida da lesão» ou se o proprietário conhecia ou devesse conhecer o que estava ou não aprovado em sede de construção naquela zona e muito menos se o conhecia antes (ou depois, não importa) da aquisição ou construção da «sua» moradia. Porém, não obstante tal, a providência não poderá ser decretada embora por fundamentação diferente. Face aos factos assentes não se questiona a probabilidade da existência do direito dos requerentes. Discute-se agora se existe ofensa do invocado direito dos requerentes e se tal ofensa é directamente provocada por obra inovadora. Não é o facto de uma construção não estar em conformidade com o respectivo regulamento que fundamenta o embargo da obra. Exige-se, para o efeito, que essa obra, não obstante estar licenciada, viole ou ameace violar qualquer direito real ou pessoal de gozo do embargante (1) Na matéria de facto consta que … A área livre de construção da parte traseira dos lotes referidos nos números antecedentes foram destinadas, por cada um dos Requerentes, a zonas de lazer, com "barbecue", de jardinagem, com plantação de árvores e outras plantas, e de secagem de roupa; Cada uma das moradias, nessa mesma zona traseira tem um telheiro com cerca de 1,50 m; Trata-se de uma zona com visibilidade ampla, com bastante luz solar, arejada e com alguma privacidade; Os edifícios em construção nos lotes 17 e 18, dada a sua posição e altura, irão tapar a entrada do sol na área traseira dos lotes dos Requerentes; Retirando-lhes toda a luz natural que gozam presentemente; Tomando-as sombrias, mais húmidas e frias; Assim como se tornarão menos arejadas e com uma visibilidade reduzida. Que factos daqui resultam que fundamentem a referida ofenda do direito dos requerentes? Nenhuns. VIII. O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (art. 1305º C.Civil). As restrições de direito privado que este preceito contempla são as que visam regular interesses em conflito entre proprietários de prédios com relações de proximidade e estão contempladas no art. 1360º e segs. C.Civil. Estas restrições são taxativas e entre elas não se incluem as invocadas como fundamento do presente embargo, concretamente a diminuição de vistas, de insolação, ou humidade e muito menos que tal aconteça ( ou possa vir a acontecer) nas traseiras das moradias dos requerentes, .. «na zona do telheiro com 1,50 m» ??!! Estes interesses não se encontram entre aqueles que merecem tutela legal, de acordo, bem entendido, com os factos provados. IX. Por outro lado, parece no mínimo desconcertante o conteúdo dos factos nºs 16 e 17: «Os Requerentes pese embora tenham tido conhecimento do início das obras há mais de 30 dias só agora se aperceberam de que as mesmas lhes causavam prejuízos; Pois só a partir da construção dos imóveis solicitaram informação junto da Câmara Municipal […]» O lesado pode requerer ao tribunal a suspensão imediata da obra nova que lhe cause ou ameace causar prejuízo, devendo solicitar este procedimento no prazo de 30 dias, a contar do conhecimento do facto lesivo (art. 412º nº 1 do C.Pr.Civil.) O início deste prazo começa a correr a partir do momento em que o lesado teve conhecimento da ofensa ou da violação do seu direito, ou seja, desde o momento em que veja ou saiba que as obras lhe causam ou ameaçam causar prejuízos. É este um prazo de natureza processual em que o seu decurso tem como consequência já não poder ser decretado o embargo. É certo que o decurso deste prazo pode não importar a perda do correspondente direito substantivo, já que permanece eventualmente o direito à propositura da competente acção e/ou à destruição da obra. Mas, obviamente, que preclude a possibilidade da obra poder ser mandada suspender como expressamente se consigna em tal disposição. Por conseguinte, tendo já decorrido este prazo de 30 dias inevitavelmente que o embargo jamais poderia ser decretado. Por todo o exposto é evidente que as conclusões das alegações dos recorrente têm de improceder o que determina a improcedência do agravo. X. Nestes termos, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão impugnada ainda que por fundamentos totalmente diferentes. Custas pelos recorrentes. Registe e notifique. Lisboa, 06/07/06 (Silva Santos) (Bruto da Costa) (Catarina Manso) ____________________________ 1.-Cfr. por todos, o Ac. do S.T.J., de 00/10/19, in C/J. AnoVIII tomo 3º, pág. 85 |