Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA SILVA MAXIMIANO | ||
Descritores: | PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO AUDIÇÃO DA CRIANÇA OMISSÃO DISPENSA DECISÃO FUNDAMENTADA NULIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/05/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - A audição da criança num processo de promoção e protecção não pode ser encarada apenas como um meio de prova, tratando-se antes de um direito da criança a que o seu ponto de vista seja considerado no processo de formação da decisão que a afecta. II - No âmbito de um processo de promoção e protecção, a ausência da audição da criança terá sempre de ser dispensada em despacho devidamente fundamentado, só sendo de dispensar esta justificação para a sua não audição quando for notório que a sua baixa idade não a permite ou aconselha. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO O Ministério Público requereu, em 20/12/2017, a abertura deste processo judicial de promoção e protecção a favor de CTN …., nascida a 2 de Julho de 2015, e DTN ….., nascida a 7 de Janeiro de 2017, filhas de A e de B, nos termos da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro (Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, doravante designada por L.P.C.J.P.). Em 19/02/2018, foi realizada conferência, tendo sido alcançado acordo para aplicação a favor das crianças da medida de apoio junto dos pais, pelo prazo de um ano, tendo tal acordo sido homologado nos termos do art.º 112º da L.P.C.J.P.. Em 05/11/2018, foi aplicada a favor das crianças a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, a título cautelar, por seis meses. A referida medida foi sendo prorrogada até que, por acordo homologado por decisão proferida em 19 de Junho de 2019, foi aplicada em benefício das crianças a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, pelo prazo de um ano. Esta medida foi sendo prorrogada até que, por decisão proferida em 8 de Fevereiro de 2023, foi substituída pela medida de promoção e protecção de acolhimento familiar, por seis meses. Foi ordenado o cumprimento do disposto no art.º 114º, nº 1 da L.P.C.J.P., com vista à realização de debate judicial. Os progenitores das crianças e o Ministério Público apresentaram alegações. Foi realizado debate judicial, com observância do formalismo legal. Em 13/07/2023, foi proferido acórdão, que decidiu aplicar a favor das crianças a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, proibir as visitas dos familiares e decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos progenitores. Inconformados, cada um dos progenitores recorre desta decisão, peticionando a sua revogação, formulando as seguintes Conclusões: - a progenitora: “1. CONTEXTO E SEQUÊNCIA I. Nos termos do douto Acórdão foi decidido: 1. Proceder à substituição da medida actual, e aplicar em benefício das crianças CTN …. e DTN …., a medida de promoção e protecção de confiança a família de acolhimento ou instituição com vista à futura adopção, até ser decretada a sua adopção. 2. Nomear como curador provisório das crianças CTN e DTN o(a) Exmo(a). Senhor(a) Director(a) da Casa de Acolhimento do Relvado, onde as menores se encontram acolhidas, o(a) qual exercerá funções até ser encontrada uma família de acolhimento adequada às necessidades e características pessoais destas crianças, ou até ser decretada a adopção, ou instituída outra medida tutelar cível. 3. Declarar os pais inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente às crianças CTN e DTN. 4. Proibir as visitas às crianças CTN e DTN, por parte dos progenitores e de quaisquer elementos da família biológica. II. Entende a Recorrente que a decisão do Acórdão recorrido não se coaduna com a lei nem defende o superior interesse das menores CTN e DTN (doravante identificadas apenas por menores), não se fazendo, assim, a melhor justiça, pois da análise da prova, nomeadamente documental e testemunhal e a sua correta interpretação e apreciação segundo as regras da experiência imporia uma decisão diferente, bem como resposta diferente a alguns fatos dados como provados e consideração de outros com relevo para a boa decisão. III. Além disso há diligências e elementos que deveriam ser considerados e produzidos que, ao não terem sido, não permitiram a melhor decisão do caso concreto e a defesa do superior interesse das menores. 2. DA FALTA DE AUDIÇÃO DAS MENORES E DA CONSEQUENTE VIOLAÇÃO DE DIREITO MATERIAL IV. Considerando os elementos existentes no processo, bem como o desenrolar do mesmo, a hipótese colocada era a aplicação às menores da medida de confiança a família de acolhimento ou a instituição com vista a futura adoção, que constitui uma mudança radical na vida das menores que, de um momento para o outro, se vêm privados dos seus pais com quem têm uma afiliação reconhecida por todos. V. Nos termos da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), designadamente do seu artigo 84.º “As crianças e os jovens são ouvidos pela comissão de proteção ou pelo juiz sobre as situações que deram origem à intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro.” VI. Ora, tal não é uma mera faculdade, é um direito que assiste às crianças, não só reconhecido na LPCJP, mas em muitas outras variadas normas relativas à defesa dos direitos das crianças, tanto nacionais como supranacionais que vinculam Portugal e aqui aplicáveis, tais como: – A Convenção sobre os Direitos da Criança; – A Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança; – O Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003; – O artigo 24.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. VII. O próprio Regime Jurídico do Processo de Adoção (Lei n.º 143/2015, de 8/10) (artigo 3.º, al. c) consagra, também, o princípio da audição da criança. Assim, questiona-se, como é possível admitir-se e exigir-se a audição das menores no âmbito do processo de adoção e não se considerar essa mesma audição na fase prévia, que é aquela que vai decidir o futuro das próprias. VIII. Obviamente, tal não é possível, e se tal ocorrer, como ocorreu no âmbito dos presentes autos, estamos perante uma clara violação do direito das menores. IX. As menores têm 8 e 6 anos, sendo que sem outros dados, e outros não existem no processo, não é de excluir que crianças com estas idades (idade do chamado ingresso na idade da razão), tenham capacidade para se pronunciar e ser ouvidas a respeito desta questão tão importante para as suas vidas, obviamente com as cautelas de que a audição se deve revestir X. Na verdade, nenhum dado existe que permita concluir, sem outra apreciação, que essa audição seja prejudicial aos interesses das crianças. XI. Atendendo ao caso nos autos, dúvidas não podem restar que a decisão tomada não foi precedida de audição das menores, que tem de se considerar essencial e obrigatória ou, pelo menos, de decisão de exclusão dessa audição, sendo que tal constitui exigência legal antes da prolação de decisão quanto à medida de promoção e proteção a aplicar às próprias. XII. Tal situação poderá enquadrar-se no regime das nulidades processuais enquanto omissão de um ato que a lei prescreve – artigo 195.º, n.º 1, do CPC, nulidade esta que, por cautela, desde já se invoca. Assim, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Abril de 2005, proferido no processo 1634/2005-6 (Manuel Gonçalves). XIII. Sendo, ainda possível, considerar tal a omissão de audição como integrando vício da previsão do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, determinando a anulação da decisão para ampliação da sua base fáctica. Assim, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Novembro de 2021, proferido no processo 1117/14.0TMLSB-F.L1-7 (Luís Filipe Pires de Sousa), e o do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Outubro de 2020, proferido no processo 2970/19.0T8PRT-C.P1 (Filipe Caroço), vícios estes que, por cautela, desde já também se invocam. XIV. No entanto, entende-se que a não audição das menores no âmbito dos presentes autos, não justificada, configura, assim, não só falta processuais, acima já referidas e invocadas, mas também a clara violação de regras de direito material, reconduzindo, desta forma, tal falta a uma violação inegável da sua intrínseca validade substancial e com a consequência da decisão, fazendo repercutir o vício diretamente na decisão enquanto invalidade desta. Encontramos, por exemplo, enunciada esta posição no acórdão do STJ de 14 de Dezembro de 2016, proferido no processo 268/12.0TBMGL.C1.S1 (Maria dos Prazeres Beleza) e no do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo 24889/19.0T8LSB-A.L1-6 (Nuno Ribeiro). XV. Esta não audição, não justificada sequer, configura, assim, uma falta processual, mas também a clara violação de regras de direito material, não se devendo limitar-se a ver esta omissão numa restrita visão processual, reconduzindo, antes, a falta a uma violação inegável da sua intrínseca validade substancial, ao dito «princípio geral com relevância substantiva, e, por isso mesmo, processual». XVI. Não havendo, assim, outra solução, desde logo, que não seja anular a decisão recorrida, em consequência da omissão da audição das menores, que desde já se requer. 3. INSUFICIÊNCIA DOS MEIOS DE PROVA E DA PROVA PRODUZIDA - DA INEXISTÊNCIA DE INFORMAÇÕES ATUAIS E CREDÍVEIS DA ATUAL SITUAÇÃO DA PROGENITORA E DA CONSEQUENTE INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FATO DADA COMO PROVADA PARA A TOMADA DA DECISÃO PELO TRIBUNAL A QUO XVII. Considerando a matéria dada como provada, concretamente no que diz respeito à progenitora e para justificar a incapacidade da mesma cuidar das suas filhas conclui-se do dispositivo da sentença o seguinte: No que concerne à progenitora, todas as testemunhas ouvidas em Tribunal (psicólogos, assistentes sociais, educadores, directores da Casa de Acolhimento) descreveram as várias fragilidades estruturais da mãe, ao nível das suas características de personalidade e padrões de comportamento. Com efeito, todos os técnicos identificam na progenitora fragilidades ao nível da saúde mental, discurso persecutório fora da realidade postura agressiva, reactiva e impulsiva, oscilações de humor e comportamento imprevisível. Da conjugação de todos os depoimentos resulta, igualmente, que os técnicos tentaram sensibilizar a progenitora para a necessidade de apoio ao nível da saúde mental, mas a mãe das menores nunca reconheceu essas fragilidades e essa necessidade, e recusou qualquer acompanhamento psiquiátrico ou toma de medicação. Acresce que, de acordo com os depoimentos dos técnicos da Casa de Acolhimento, as visitas da mãe às filhas CTN e DTN, eram caracterizadas por um descontrolo excessivo, discurso delirante, agressivo, permanente agitação e nervosismo da progenitora, o que desestabilizava emocionalmente as menores, as quais não se sentiam seguras e protegidas na presença da mãe. XVIII. E tal conclusão é assente, essencialmente nos fatos dados como provados, identificados sob os números 23 a 30. XIX. Ora, atendendo ao que à capacidade da progenitora diz respeito, e mesmo admitindo como certos os fatos dados como provados, que se admite como mero exercício de raciocínio, é manifesta a insuficiência dos mesmos e, essencialmente, a falta de outros elementos para daí se concluir a falta de capacidade da mãe cuidar das sua filhas. XX. As dificuldades da progenitora manifestadas pelas testemunhas ouvidas, quando solicitadas para concretizar, acabavam sempre em episódios esporádicos que ocorreram, mas que não podem ter o sentido da generalização que se pretendeu dar. XXI. Mas, admitindo todos os casos ocorridos, temos então a conclusão da incapacidade da mãe (certamente não pelos casos que esporádicos referidos), mas pelo fato de, tal como consta do ponto 24 dos fatos dados como provados, se ter entendido que “Da avaliação efetuada por todas as equipas técnicas intervenientes, a progenitora apresenta fragilidades ao nível da saúde mental, discurso persecutório fora da realidade, postura agressiva, reativa e impulsiva, oscilações de humor e comportamento imprevisível”. XXII. E aqui chegamos ao ponto fulcral – que tipo de avaliação? qual avaliação? e quando a avaliação?.... XXIII. Efetivamente, da conclusão da decisão parece poder retirar-se que a mãe em problemas a nível psicológico e psiquiátrico e, por isso, não tem capacidade de cuidar das suas filhas – E a questão é mesmo essa – Que problemas? XXIV. A progenitora já não visita presencialmente as filhas desde 2019 – Por isso desde essa data os contactos com as técnicas são essencialmente telefónicos, à distância e, principalmente, quando fala com as suas filhas. XXV. Além disso, as várias testemunhas ouvidas e que concluíam pelos problemas de índole psiquiátrica da progenitora quando questionadas se alguma vez efetuaram algum diagnóstico a resposta foi sempre – Não (Não – nunca fiz um diagnóstico específico; ou não, porque não era a área deles e não tinham, por isso competência para tal, não conheciam, etc). Vejamos a título meramente indicativo alguns exemplos Minutos – 7.20 e seguintes da Dra. TV. Adv. - Como se consegue avaliar numa consulta mais curta qual a necessidade daquela pessoa? Test. - Isso será o psiquiatra responder não sei como é feita a avaliação do psiquiatra eu sou assistente social… é melhor perguntar a um psiquiatra… …… Eu não sei que avaliações foram feitas… … Adv. – Não sabe se foi identificada alguma patologia? Test. – Eu com exceção da perícia não tive acesso a nenhuma avaliação. Não sei se foi feita alguma avaliação psiquiátrica ou psicológica para além da perícia. Minutos – 5.10 e seguintes do Dr. FS. Test. A D. A no nosso entender … tinha um grande desajuste emocional… … Procuradora: O Senhor Dr. nunca acompanhou psicologicamente? Test: Não, não... Procuradora: No entanto o que me está dizer é o que resultava de um quadro psicótico que transmitia às meninas … … Minutos – 8.15 e seguintes Test. Nós achamos que ela precisaria de ajuda psiquiátrica Minutos – 8.30 e seguintes (2.ª parte de depoimento Test. – Eu não tenho conhecimento do diagnóstico da D. A – ou se existirá algum até … Adv. O Senhor Dr. alguma vez analisou … teve uma análise profunda e concreta da D. A? Test. Não, nesse sentido não Minutos – 16.00 e seguintes da Dra. SM. Adv. A nível médico específico a senhora Dra. (também não é da sua área) nunca fez um diagnóstico específico para saber o que é que a D. A tem Test. Não – não é da minha área XXVI. Aquelas mais próximas do diagnóstico, foram as que acompanharam a uma ou duas consultas de urgência de psiquiatria, nas quais apenas foi receitado alguns comprimidos não tendo existido qualquer relatório ou diagnóstico efetivo e concreto do problema. A título de exemplo - Minutos – 19.20 e seguintes da Dra. MA. XXVII. Temos, no entanto, e é verdade, um relatório pericial (e mesmo assim, apenas de índole psicológico e não psiquiátrico) que consta dos fatos provados e, por vezes, era referido pelas testemunhas. XXVIII. Mas esse relatório pericial data de 23/11/2018 – ou seja – há mais de 5 anos, que inclui até o período anterior a terem-lhe sido retiradas as filhas e que, salvo o devido respeito, não tem qualquer atualidade e exigia a sua comprovação na data presente. XXIX. Além disso, não são as conclusões deste relatório que permitem concluir que a mãe não tem capacidade para cuidar das suas filhas, mas tal incapacidade é sim justificada essencialmente por problemas de índole mental (a nível psiquiátrico) que não tem propriamente ou especificamente a ver com este relatório XXX. Assim, quanto ao aspeto a nível de psiquiatria cujos problemas são, também eles, fundamento, ou melhor, o principal fundamento para se concluir que a mãe não tem capacidade de cuidar das suas filhas – o que temos – Nada … Nenhum diagnóstico. XXXI. Há assim, uma manifesta insuficiência de elementos de prova que permitam concluir acerca de problemas de índole mental/psiquiátrico da mãe que impeça de cuidar das suas filhas. XXXII. Assim, perante a posição do douto tribunal a quo, que fundamenta essencialmente a incapacidade da mãe pelo facto de ter problemas mentais, mais concretamente a nível psiquiátrico (e não reconhecer os mesmos e aceitar tratar-se), tal apenas se poderia justificar com a existência de um diagnóstico sério e concreto feito através de perícia próprias que, não só não foram feitas, como a sua realização foi indeferida em sede de pedido de alegações. XXXIII. Para o douto tribunal a quo ter concluído como concluiu, exigia-se elementos de prova que não foram produzidos. XXXIV. E sem esses elementos é totalmente despiciendo o fato provado no ponto 24 …. XXXV. Por outras palavras – a avaliação efetuada por todas as equipas técnicas intervenientes no que à saúde mental diz respeito (e não esqueçamos, ser este o principal problema que impede a mãe cuidar das suas filhas), não é apto a concluir que tipo de problema existe, se o mesmo é impeditivo para mãe cuidar das filhas, se é possível tratamento, etc. – e isso é essencial para o que estamos a discutir e para conclusão a que possamos chegar. XXXVI. Não basta uma tenho opinião que, pelo que observei ou deu-me a entender que …. (mas não sou da área, não sou especialista, não fiz qualquer diagnóstico), mas sim, analisei, consultei, sou da área, diagnostiquei e o problema é o seguinte (pode ou não ser tratado, é ou não impeditivo da mãe cuidar dos seus filhos). XXXVII. Além da inexistência de tal elemento essencial, há outro que falta – e que também se considera importante – como supra foi referido, a mãe já não visita presencialmente as crianças desde 2019 e, por isso, o acompanhamento que as várias testemunhas que vieram depor têm sobre a mãe é bastante reduzido – efetivamente a nível presencial pouco ou nenhum têm. XXXVIII. A mãe, como ficou demonstrado e foi dado como provado nos pontos 31 e 32 vive com o seu filho e aparenta ter um emprego fora de lisboa – em Albufeira. XXXIX. Ora – há um elemento essencial que tem de se considerar e que poderá até permitir uma nova postura da mãe das menores – ela neste momento vive com o seu filho desde Dezembro de 2022 e, nas palavras dele, nunca teve problemas de convivência com a sua mãe. XL. E neste âmbito, há uma clara insuficiência da matéria de fato provado ou, pelo menos uma incompletude da mesma com muita relevância para a decisão final, senão junto do tribunal a quo, certamente em sede de reapreciação da decisão. XLI. Assim, relativamente à atual situação da progenitora, ao fato provado sob o número 31 que refere “Desde Dezembro de 2022, a progenitora reside com o seu filho HT, na Rua …, nº …, R/C esquerdo, em Albufeira, numa casa arrendada de tipologia T1, constituída por um quarto, uma sala e uma cozinha. “deverá ser aditado um novo do qual conste “Desde que vive com o seu filho HT, não ocorreram quaisquer situações problemáticas de convivência entre ambos, tendo existido uma coabitação pacífica entre a progenitora e o seu filho HT”. XLII. E tal aditamento é justificado e demonstrado pelas próprias declarações do filho HT – (Depoimento de HT – Minutos 21.20 – 22.30) XLIII. Será que estamos perante uma postura diferente da mãe das menores, a nível social – será que se encontra perfeitamente integrada e com condições que até ao momento, considerando o depoimento das testemunhas, não lhe foram reconhecidas…. XLIV. Podemos pensar e concluir – talvez, parece que sim – atendendo não só às declarações da D. A, mas do próprio filho HT…. XLV. Mas, também estes aspetos, que são importantes para a boa decisão da causa não foram aprofundados e também não foi deferido a realização de relatórios sociais à mãe pelos serviços da área onde ela reside com o seu filho - e muito embora se entenda que o tribunal a quo tem o entendimento de que a incapacidade da mãe é essencialmente a nível de problemas mentais/psiquiátricos, entende-se que tais elementos mais de cariz social eram essenciais para, em conjunto com outros, tomar uma decisão muito mais fundamentada que a tomada, sem a existência de tais informações. XLVI. Assim, e concluindo – sem estes elementos, tais como: – o diagnóstico exato, profissional e atual a nível de saúde mental da mãe; - a consequência que estes eventuais problemas porventura terão na capacidade de cuidar das suas filhas; - possibilidade de tratamento, caso exista; - bem como a identificação da situação social atual da mãe, através dos relatórios sociais específicos à mesma não é possível concluir, como o douto tribunal a quo concluiu, no sentido de incapacidade da mãe em cuidar das suas filhas. XLVII. É essencial, assim, a elaboração e produção de prova através de relatórios periciais do foro psicológico (atualizado), do foro psiquiátrico e da realidade social da progenitora para ser possível chegar às conclusões que o douto tribunal a quo chegou. XLVIII. O tribunal a quo optou por indeferir a produção de tais relatórios, não obstante pedidos pela progenitora e, neste sentido, aceitando a mesma a eles sujeitar-se. XLIX. Assim, com esta posição, faltam-lhe elementos essenciais que lhe permitissem tomar a decisão que tomou, uma vez que não é certo que a mesma defenda o superior interesse das menores e, obviamente, salvaguarde os direitos da progenitora ao imputar-lhe uma incapacidade que não teve a preocupação em concretizar e diagnosticar. 4. DA EXISTÊNCIA DE FATOS PROVADOS RELATIVOS ÀS MENORES QUE RESULTARAM DA PROVA PRODUZIDA COM RELEVO PARA A DECISÃO FINAL QUE NÃO CONSTAM DA DOUTA DECISÃO A QUO E DE UM FATO PROVADO, ERRADAMENTE, DADO COMO PROVADO NOS TERMOS EM QUE O FOI (FATO PROVADO N.º 22) L. Quanto ao fato provado n.º 22, o que resultou provado foi que as menores queriam uma família e não uma outra família – a título de exemplo indicamos o depoimento da Dra. SM minutos 30 e seguintes que refere que são as próprias menores a perguntar quando vão viver com o pai) LI. Também em nenhum momento resultou referido que as menores coloquem de lado a vontade de viver com a mãe ou que tal não desejem – a questão é que o tribunal não permite tais opções. LII. Assim, desde logo, e atendendo à prova produzida, o fato provado n.º 22 não poderia ter a redação que lhe foi dada no sentido de as menores estarem na expectativa de ter outra família, mas sim na expectativa de poderem viver com a sua família – assim o tribunal permitisse. LIII. Por outro lado, da prova produzida, resultaram fatos provados que deveriam ter sido considerados pelo douto tribunal a quo porque relevantes para a decisão final e não o foram. LIV. Assim, resultou de mais provado que as menores têm uma enorme afiliação e ligação quer à mãe quer ao pai… Isso resultou, não só, de todos os depoimentos prestados, mas também resulta inequivocamente dos vários relatórios juntos pelas próprias equipas técnicas que acompanham o processo. LV. E esses fatos provados são essenciais para a boa decisão da causa, pois o que estamos aqui a discutir é a possibilidade de adoção e o corte de laços com a família biológica…. LVI. E, obviamente que tais fatos terão de ser considerados no sentido da defesa do superior interesse das crianças… LVII. Atendendo a tais laços tão fortes, à idade das crianças – que consequências para as crianças o corte com a tomada de decisão que consta da sentença… LVIII. Ao não serem valorados tais fatos dados como mais que provados, há uma impossibilidade de os considerar na fundamentação e na justificação da decisão final, o que origina uma falta de fundamentação da sentença. 5. DA DESCONSIDERAÇÃO INJUSTIFICADA DE ALTERNATIVA NO SEIO FAMILIAR DAS MENORES E DA EXISTÊNCIA DE FATOS PROVADOS RELATIVOS À ATUAÇÃO DAS EQUIPAS COM RELEVO PARA A DECISÃO FINAL E NÃO CONSIDERADOS LIX. Admitindo, o que todo não se concede, que efetivamente os progenitores não são alternativas para as menores, há ainda alternativas no seio da família biológica que, injustificadamente não foram consideradas. LX. Atendendo, assim, aos fatos provados e no que a esta possibilidade diz respeito temos o fato provado n.º 37 que refere “As equipas técnicas intervenientes identificam as seguintes razões que não permitem contemplar o irmão HT como efetiva alternativa: - Horário de trabalho das 10h às 22h, que inclui os fins de semana, sem possibilidade de alterar; - Ausência de rede de suporte – pondera delegar os cuidados na mãe e talvez a sua namorada (residente em Inglaterra) possa vir para Portugal; - Reside com a sua mãe, referindo que se for necessário lhe aluga um quarto para que as crianças fiquem consigo, mas não identifica nenhuma questão atual ou passada que possa afetar a capacidade parental da progenitora - Apresenta-se como alternativa em abstracto, sem um plano concreto, e sem efetiva reflexão sobre o que é ser prestador de cuidados destas duas crianças, desconhecendo as necessidades e as dificuldades actuais da DTN e da CTN.” LXI. E sem mais temos descartada a alternativa que se constituiu relativamente ao irmão das menores – o HT. LXII. No entanto, basta analisar todo o processo e a análise feita pelas equipas técnicas (se de verdadeiro processo ou análise podemos falar, o que se duvida) para se concluir que tais razões que levaram a não considerar a alternativa não correspondem à verdade dos fatos e à realidade. LXIII. Tal como consta dos elementos do processo e é confirmado pelo próprio depoimento do HT, ele encontra-se em Portugal há pouco mais de um ano vindo da Guiné. LXIV. Quando chegou a Portugal entrou em contacto com a casa de acolhimento onde se encontravam as irmãs, a informar de que estava em Portugal e pretendia reunir condições estáveis para poder cuidar das irmãs. (Cfr. Depoimento de HT – Minutos 9.00 e seguintes) LXV. Nas palavras do HT, o que ele percebeu após o primeiro contacto, foi que entrariam em contacto posterior com ele para falar das irmãs…contacto este que nunca veio ocorrer… LXVI. As equipas técnicas consideram que o não contacto por parte do HT demonstra desinteresse, não se importar verdadeiramente com as irmãs e, por isso, não pode ser uma alternativa… LXVII. Nós perguntamos – uma pessoa que está em Portugal há menos de um ano, que tem de regularizar a sua situação, obter documentação, procurar trabalho, de prover o seu sustento e habitação, não sabe como as instituições funcionam, como são os procedimentos, sendo que na ideia dele ficou à espera de um contacto por parte das instituições, enquanto organizava toda a sua vida para poder, também, cuidar das suas irmãs – é isso que demonstra algum desinteresse… Obviamente que a resposta terá que ser – claro que não. LXVIII. Passando depois desta falta de contacto inicial do HT (e independentemente qual a justificação para tal), temos então, posteriormente, a sua insistência em apresentar-se como alternativa - e aqui, já com condições económicas e sociais estáveis, que a seu ver permitiam cuidar das suas irmãs e apresentar-se com uma verdadeira alternativa. LXIX. Mas mesmo assim entendem as equipas técnicas que não o podem considerar como verdadeira alternativa… LXX. E chegamos ao fato provado sob o n.º 37… A questão é que da prova produzida é deveras manifesto que as conclusões das equipas técnicas são assentes em preconceitos e generalizações, primeiro, e depois, numa falta de informação e investigação adequada que permitissem analisar efetivamente e verdadeiramente a situação do irmão HT como verdadeira alternativa. LXXI. E por isso, e não obstante as conclusões das equipas técnicas, deveria ter sido o próprio tribunal a quo a exigir uma análise mais profunda à situação do HT. LXXII. Antes de mais falamos de generalizações e preconceitos, desde logo, porque foi manifesto que o HT como alternativa foi visto como aquelas pessoas que, neste tipo de processo, normalmente, na altura do debate judicial aparecem sempre como uma possibilidade de alternativa. Depoimento de Testemunha TV (que se refere a título de exemplo e que transmite a opinião geral manifestada, sendo que se optou por este exemplo por não se referir especificamente ao HT mas a uma opinião genérica): Minutos 1hora 55m - Isto é o mais comum – é muito raro no debate judicial não ter sido apresentada uma alternativa judicial no debate. LXXIII. Ora, se é certo que tal ocorre muitas vezes, no caso concreto, bastaria atentar à situação do HT para se verificar que não é o caso. LXXIV. Por outro lado, as conclusões das equipas técnicas explanadas no fato dado como provado n.º 37, como se referiu supra, são assentes numa gritante falta de informação e diligências adequadas que são exigíveis fazer e que nunca foram feitas… LXXV. O que temos é uma única entrevista, em que as técnicas conseguem concluir que o HT não é alternativa porque não perguntou como estavam as irmãs e por isso não é preciso fazer mais diligências ou investigação – e isto, não obstante o HT se ter apresentado voluntariamente e dizer querer cuidar das irmãs … Não interessa os constrangimentos de uma videochamada, não interessa o saber a personalidade do HT, não conhecer o HT verdadeiramente os procedimentos e muito possivelmente como se deveria comportar ou responder ou mesmo qual função da pessoa com quem estava a falar, etc, etc, etc…. Cfr. Depoimento Dra. MV – Minutos 22.50 e seguintes e Minutos 45.00 e seguintes Depoimento Dra. MV – Minutos 51.40 e seguintes Adv. Relativamente a esta possibilidade do HT a única diligência que foi feita foi uma videochamada? Test. Sim Senhor Depoimento Dra. PN – Minutos 25.30 e seguintes Adv. A Senhora Dra. não fez diligências sem ser essa entrevista Test. Não LXXVI. Sinceramente, este tipo de intervenção assemelha-se mais a um “achismo”, que quase mais não é que uma opinião de senso comum… Salvo o devido respeito, não é possível retirar conclusões sérias através de uma única entrevista (à distância através de uma videochamada) sem quaisquer outras informações e, sem mais, descartar tal possibilidade como alternativa. LXXVII. Mas mesmo assim, as conclusões constantes do ponto dado como provado n.º 37 não correspondem sequer à realidade e são contrariadas pelos próprios esclarecimentos do HT em Tribunal – A questão é que o fato dado como provado é verdadeiro mas pois ele apenas refere que tais são as conclusões das técnicas – e isso não se pode contrariar pois efetivamente foi o que elas referiram … o que se contraria e se coloca em causa são essas mesmas conclusões e a necessidade de as contextualizar e explicar, bem como demonstrar que estão erradas. LXXVIII. Tem horário de trabalho das 10h às 22, que inclui fins de semana sem possibilidade de alterar – Tal é contrariado pelas próprias declarações do HT. Refere o HT que efetivamente está a trabalhar num horário alargado e em dois trabalhos para reunir o máximo de condições possíveis e enquanto não tem outras responsabilidades – tem possibilidade de alterar o seu horário e escolher várias opções e obviamente ficar com apenas um trabalho quando tiver outras responsabilidades, designadamente cuidar das suas irmãs; (Cfr. Depoimento de HT – Minutos 24.30 – 25.30); Cfr. Depoimento de HT – Minutos 41.45 – 42.20); LXXIX. Ausência de rede de suporte – pondera delegar os cuidados na mãe e talvez a sua namorada (residente em Inglaterra) possa vir para Portugal – Mais uma vez não é consentâneo com as declarações prestadas pelo HT. Refere que consegue cuidar ele próprio das suas irmãs, sendo que menciona a sua namorada como uma mera possibilidade de ela vir apara Portugal num futuro próximo, mas que tal não significa que ele não seja capaz de cuidar das suas irmãs sozinho e com a ajuda que todas as pessoas têm (escola, creche, etc). A possível vinda da sua namorada é como um possível projeto de vida com ele (com ou sem as suas irmãs). Quanto à mãe, foi claro, que se tal for decidido está disposto a cuidar das irmãs sem a sua mãe (nunca falou em delegar os cuidados na sua mãe – antes pelo contrário), sendo que também ficou claro que ela aceita que tal situação ocorra. (Cfr. Depoimento de HT – Minutos 27.00 – 28.10); Cfr. Depoimento de HT – Minutos 41.30 – 41.45); Cfr. Depoimento de HT – Minutos 56.00 – 57.30); LXXX. Reside com a sua mãe, referindo que se for necessário lhe aluga um quarto para que as crianças fiquem consigo, mas não identifica nenhuma questão atual ou passada que possa afetar a capacidade parental da progenitora – O que ficou demonstrado e foi referido foi que ele reside com a mãe desde dezembro de 2022 e não teve problemas com ela e que ela está muito mal por causa da situação das suas filhas. Além disso, foi claro que, caso entendam necessário, passa a viver sozinho com as suas irmãs e a sua mãe concorda e aceita essa situação, arranjando ela uma outra solução. (Cfr. Depoimento de HT – Minutos 16.56 – 17.10); (Cfr. Depoimento de HT – Minutos 27.00 – 28.10); Cfr. Depoimento de HT – Minutos 41.15 – 41.30); LXXXI. Apresenta-se como alternativa em abstracto, sem um plano concreto, e sem efetiva reflexão sobre o que é ser prestador de cuidados destas duas crianças, desconhecendo as necessidades e as dificuldades actuais da DTN e da CTN – Quando questionado respondeu que se sentia preparado para cuidar e viver com as suas irmãs e arranjaria mesmo uma solução caso as entregassem amanhã quer a nível de habitação, quer acompanhamento escolar. (Cfr. Depoimento de HT – Minutos 29.40 – 30.00); (Cfr. Depoimento de HT – Minutos 40.00 – 41.15); (Cfr. Depoimento de HT – Minutos 50.25 – 51.45); (Cfr. Depoimento de HT – Minutos 54.00 – 54.30); Cfr. Depoimento de HT – Minutos 57.30 – 58.30); Cfr. Depoimento de HT – Minutos 59.30 – 57.45); LXXXII. Quanto às necessidades e dificuldades das irmãs, a informação que tem é essencialmente através da mãe e dos telefonemas que ela faz … Mas nem podia ser de outra maneira e tudo o resto é trabalhado depois do ponto inicial que nunca foi feito – o considerar o HT como uma verdadeira e efetiva alternativa. LXXXIII. Basta, assim, atentar ao depoimento do HT para contrariar a visão que foi referida e concluir que, efetivamente, ele deseja, sente-se mais que preparado, tem noção da responsabilidade que isso acarreta e que tem soluções e alternativas credíveis para cuidar e ser responsável pelas suas irmãs, sendo, assim, totalmente incompreensível não ter sido considerada a necessidade de efetuar diligências de forma a considerar ou confirmar se o HT se poderia constituir como uma verdadeira alternativa. LXXXIV. Como se referiu, basta atentar para o depoimento do HT e a resposta do mesmo às questões que lhe foram feitas para se concluir que o que consta das conclusões referidas no ponto 37 dos fatos dados como provados estão erradas e não correspondem à realidade. LXXXV. E a verdade é que, como todas estas conclusões foram também unicamente retiradas de uma entrevista com o HT, bastará apenas contrapor e ouvir as suas declarações em sede de debate judicial para as contrariar e concluir, sem margem para dúvidas, que as mesmas não são consentâneas com a realidade ou com a verdadeira situação do HT. LXXXVI. E, por isso, era exigível um aprofundamento e diligências mais profundas no sentido de verificar se o HT poderia ser uma verdadeira alternativa, diligências estas que nunca foram feitas, sendo, por isso, totalmente desadequadas as conclusões das equipas técnicas sem tais diligências. LXXXVII. Assim, e para concluir relativamente ao HT e ao fato de ele poder ou não ser uma verdadeira alternativa apenas se questiona – Uma pessoa que está em Portugal há pouco mais de um ano, e que durante este período conseguiu ter a sua situação regularizada, arranjar casa, ter trabalho, auferir mensalmente cerca de €1.300,00, estar disponível para cuidar das suas irmãs sozinho não é alternativa ….???? LXXXVIII. Então, a tia CT, que foi considerada efetiva alternativa (que apenas não se concretizou por manifesta incapacidade por parte de quem era responsável por tal, não ter conseguido convencer as autoridades inglesas a conceder visto à crianças), não obstante existirem informações dos serviços sociais ingleses que demonstravam preocupação e reservas no acolhimento em face de problemas de violência doméstica (relatório de 05/12/2019) e que as equipas técnicas entenderem, mesmo assim, desenvolverem diligência e concluíram estarem reunidas as condições para a considerar… LXXXIX. Qual a razão de não ser o HT considerado e analisado seriamente como alternativa…. E a verdade é que não há nenhuma razão válida e que vá ao encontro do superior interesse das menores. XC. Assim, e considerando a prova produzida, além do ponto 37 dado como provado que são as conclusões das equipas técnicas e sobre as quais já supra nos pronunciamos teria necessariamente de constar um novo ponto essencial para a decisão final do seguinte teor – As equipas técnicas não desenvolveram as diligências necessárias e adequadas de forma a analisar a situação do HT no sentido de o mesmo poder ou não ser considerado como efetiva alternativa. XCI. E perante tal fato dado como provado, a decisão do tribunal a quo teria necessariamente de ser diferente, pois era o próprio que não podia decidir como decidiu sem ter ordenado a realização de tais diligências. 6. DO DIREITO XCII. Como bem realça o douto tribunal a quo, no enquadramento jurídico que faz “Os pais gozam dos direitos, constitucionalmente consagrados, à não privação dos filhos, excepto no caso de incumprimento dos seus deveres fundamentais para com estes, que coloque em perigo a sua segurança, saúde, formação moral ou educação, e ao auxílio do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos (vide artigos 36.º, n.º 6 e 68.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 1918.º do Código Civil). A Constituição da República consagrou, no seu artigo 69.º, o direito das crianças à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições, direito esse que é especial em relação às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal. Com a Lei de Protecção de Crianças e jovens em Perigo (LPCJP), aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, visou-se concretizar tal princípio, por forma a garantir o bem estar e o desenvolvimento integral das crianças e jovens em perigo, que residam ou se encontrem em território nacional (cfr. artigos 1.º, 2.º e 3.º, da LPCJP). A intervenção para a promoção e protecção dos direitos da criança ou jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal, ou quem tenha a guarda de facto, ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo (vide artigo 3.º, n.º 1, da LPCJP).” XCIII. Mais à frente refere “Nos termos previstos no artigo 38.º- A da L.P.C.J.P. a medida de confiança a família de acolhimento ou instituição com vista a futura adopção só pode ser aplicada quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil, sendo que a aplicação desta medida protectiva é da competência exclusiva dos tribunais (vide artigo 38.º, da LPCJP)” XCIV. Concluindo que: “Pelo que, não sendo a família de origem capaz de zelar pelos interesses das menores e de lhes proporcionar um ambiente afectivo e harmonioso, condições de vida saudáveis, seguras e protectoras do seu equilíbrio e desenvolvimento integral, haverá que promover a integração das crianças numa família alternativa. Conclui-se, deste modo, que de forma a salvaguardar o superior interesse da CTN e da DTN, impõe-se aplicar a medida de promoção e protecção de confiança a família de acolhimento ou instituição com vista à adopção (vide artigo 1978.º, n.º 1, alínea d), do Código Civil e artigos 35.º, n.º 1, alínea g), 38.º, 38.º A, 62.º, n.º 2, n.º 3, alínea b), 62.º-A, todos da LPCJP” XCV. Ora, salvo o devido respeito, e considerando o supra exposto e o próprio enquadramento jurídico feito pelo tribunal a quo, a decisão final violou, entre outros, os preceitos aí mencionados, não se fazendo a melhor justiça. XCVI. Além disso, antes de mais, e como supra se referiu, ao não ter ouvido ou fundamentado a não audição das menores, violou, também, os mais elementares direitos das crianças, concretizados e explanados nas normas referidas em 2. supra que, em consequência, foram violadas. XCVII. No que se refere à aplicação de promoção e proteção de confiança a família de acolhimento ou instituição com vista à adoção, o tribunal a quo fundamente tal decisão nos termos do artigo 1978.º, n.º 1, alínea d) do Código Civil. XCVIII. Ora, a verdade é que não estão reunidos os requisitos e pressupostos da aplicação de tal norma. XCIX. Efetivamente, no que respeita à mãe é aludida à sua incapacidade, derivados de problemas quer a nível psicológico, quer psiquiátrico. C. Mas a verdade é que na presente data não existe qualquer informação atual, credível, profissional e técnica que permita sequer um qualquer diagnóstico, aferir ou não de tal incapacidade atual, se a situação da progenitora é efetivamente a mesma incapacitante para cuidar das suas filhas, se tem tratamento, etc. CI. Assim, o douto tribunal a quo, ao decidir como decidiu, sem procurar obter todos estes elementos e bastando-se com opiniões que não conseguem sequer dar qualquer diagnóstico concreto acerca dos possíveis problemas ou porque não são da área ou porque não existe informação suficiente ou proximidade da mãe, viola não só o artigo 1978.º, n.º 1, alínea d) do Código Civil, como as normas supra referidas da Constituição da República Portuguesa (vide artigos 36.º, n.º 6 e 68.º, n.º 2), os princípios orientadores da própria LCPCJ e a própria Convenção Europeia dos Direitos Humanos (designadamente os seus artigos 8.º e 12.º). CII. Mas mesmo que se considerasse que os progenitores não são alternativa a cuidar das menores, o que de todo não se concede, nem assim a decisão do tribunal a quo é a mais acertada e conforme com a lei. CIII. É aceite sem grande discussão, julgamos, que das normas internacionais e nacionais sobre a família e a criança, designadamente Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Convenção sobre os Direitos da Criança, Constituição da República Portuguesa, Código Civil e da própria LPCPJ, resulta que, mormente no que diz respeito à escolha da medida de proteção, se deve privilegiar a manutenção ou integração das menores na família natural, nuclear ou alargara. CIV. Ocorre que existe uma alternativa que, injustificadamente, não foi deviamente analisada e considerada, tendo esta, muito possivelmente, melhores condições que a anteriormente considerada. CV. Tal omissão, viola o superior interesse das menores que, com esta possibilidade, não veriam os seus laços com a sua família biológica cortados como acontece na medida adotada, violando, assim, os princípios basilares da LCPCJ e das normas nacionais e internacionais que norteiam a intervenção no que à aplicação de medidas de proteção a menores diz respeito e já referidas tais como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Convenção sobre os Direitos da Criança, Constituição da República Portuguesa e o Código Civil. CVI. Face a tudo supra exposto entende-se, pois, não estarem reunidas as condições para seja tomada qualquer decisão de aplicação de medida de confiança a família de acolhimento ou instituição com vista a futura adoção, não sendo esta certamente a solução que defende o superior interesse das menores ou os princípios orientadores que devem nortear a intervenção para a promoção dos direitos e proteção dos menores, errando, assim o tribunal a quo na decisão tomada que urge alterar”. - o progenitor: “A) O Apelante considera que a medida estabelecida em Douta Decisão é excessiva porquanto deveria ter sido aplicada outra medida nomeadamente, a medida de apoio junto do progenitor (dos pais) prevista no art.º 35.º, n.º1, a) da Lei 147/99 de 1 de Setembro, em simultâneo com o acolhimento residencial das menores em instituição, art.º 35.º, n.º 1, f), da mesma lei. B) Tais medidas nomeadamente as que se referem às menores, art.º 35.º, n.º 1, f) teriam a duração estrita, enquanto os pais não desenvolvessem as suas aptidões parentais, designadamente ao abrigo do previsto nos art.º 39.º e 41.º da citada Lei. C) Deverá, pois, a decisão que determina a confiança a família de acolhimento ou instituição com vista à futura adoção ser revogada, devendo-se promover quanto ao Apelante a frequência de programa de educação parental, e em conjunto manter as menores, enquanto a parentalidade do Apelante não for desenvolvida, na instituição de acolhimento ou em família de acolhimento.”. O Ministério Público apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela improcedência dos dois recursos. Nenhum dos progenitores apresentou contra-alegações ao recurso interposto pelo outro. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR De acordo com as disposições conjugadas dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objecto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Nestes termos, quanto aos dois recursos interpostos, as questões a decidir são: a) do direito da criança em ser ouvida no processo de promoção e protecção e das consequências processuais resultantes da sua não audição e da ausência de despacho fundamentado dispensando tal audição; b) da impugnação e pretendida alteração da decisão sobre matéria de facto; c) da adequação da medida de promoção e protecção aplicada pelo tribunal a quo em face das circunstâncias de facto apuradas nos autos. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A decisão sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade: Relativamente às crianças CTN e DTN 1. CTN … nasceu no dia 02 de Julho de 2015, tendo actualmente 8 anos de idade. 2. DTN … nasceu no dia 07 de Janeiro de 2017, tendo actualmente 6 anos de idade. 3. As crianças CTN e DTN são filhas de A e de B. 4. O processo de promoção e protecção em benefício das menores, foi aberto na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Lisboa Ocidental, após sinalização da PSP por exposição a violência doméstica entre os progenitores. 5. A 11 de Outubro de 2016, a referida Comissão deliberou a aplicação da Medida de Apoio junto dos Pais em benefício de CTN …, posteriormente aplicada a DTN …, após o nascimento desta. 6. Em 30 de Março de 2017 aquela CPCJ deliberou pela prorrogação da medida tendo o respectivo acordo de promoção e protecção sido celebrado em 11 de Maio de 2017. 7. A 02 de Novembro de 2017, a CPCJ deliberou o arquivamento do processo e sua remessa ao Ministério Público, face ao incumprimento reiterado do Acordo de Promoção e Protecção, mantendo-se os factores de perigo identificados: - Negligência ao nível dos cuidados; - Exposição a violência doméstica grave; - Exposição a comportamentos que afectam gravemente o seu desenvolvimento (agressividade da mãe e violência doméstica). 8. A 19 de Fevereiro de 2018, foi judicialmente aplicada às crianças a medida de Promoção e Protecção de apoio junto dos Pais, A e B, com a duração de 1 ano, celebrado o respectivo acordo de promoção e protecção. 9. Em 16 de Abril de 2018, decidiu-se aplicar a medida cautelar de acolhimento residencial das crianças em conjunto com a progenitora, a qual não se concretizou por inexistência de vaga ou resposta adequada e positiva de nenhuma das instituições contactadas. 10. Em 5 de Novembro de 2018, decidiu-se aplicar em benefício das menores, a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, a título cautelar, por 6 meses. 11. Em 19 de Junho de 2019, por acordo homologado por decisão judicial, foi aplicada em benefício das menores CTN e DTN, a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, a qual foi revista, mantida e prorrogada. 12. Em 10 de Outubro de 2019 decidiu-se suspender as visitas da mãe após episódios agressivos para com os adultos da Casa de Acolhimento, com sistemáticos comportamentos que desorganizavam emocionalmente as crianças, até que a mesma retomasse o acompanhamento médico necessário e cumprisse a medicação prescrita. 13. A medida de Acolhimento Residencial foi sendo revista, mantida e prorrogada sucessivamente, sem que os progenitores efetuassem qualquer movimento no sentido de inverter a situação e se constituírem como alternativa segura ao projecto de vida das filhas. 14. Por despacho proferido em 06.07.2020, decidiu-se: «a) Autorizar os contactos telefónicos e/ ou por videochamada entre as crianças DTN e CTN e a tia materna CT. b) Autorizar as crianças DTN e CTN a viajarem na companhia da tia materna CT, para Inglaterra, durante as férias de verão, pelo período de 2 meses. c) Determinar que, no período supra referido, a tia materna deverá promover os contactos telefónicos e/ ou por videochamada, entre as crianças DTN e CTN e os progenitores. d) Durante o período supra referido, o acompanhamento da execução da medida deverá ser efectuado pela EATTL, através de meios à distância e pelos serviços sociais ingleses, com vista à elaboração de um projeto de vida definitivo para estas crianças.» 15. A viagem das menores DTN e CTN para Inglaterra, na companhia da tia materna CT, não se concretizou, em virtude da recusa de atribuição de visto às crianças, pelas autoridades inglesas. 16. Em sede de revisão, por decisão proferida em 08 de Fevereiro de 2023, transitada em julgado, foi determinada a substituição da medida de acolhimento residencial, pela medida de acolhimento familiar, por 6 meses, ficando as menores confiadas à guarda e cuidados de uma família de acolhimento, a qual ainda não foi concretizada por inexistência de resposta ajustada às necessidades das crianças. 17. Actualmente, as crianças CTN e DTN têm 8 e 6 anos de idade, respetivamente, e estão acolhidas desde 8 de Novembro de 2018 (nesta data tinham 3 e 1 ano respetivamente). 18. CTN e DTN estão a passar os anos mais significativos da sua infância em acolhimento residencial, sem figuras de referência familiar que promovam relações e vínculos seguros por parte das mesmas. 19. Desde o seu acolhimento, as crianças CTN e DTN já tiveram projetos de vida de integração familiar, que não se concretizaram, nomeadamente junto da mãe A, do pai B e, posteriormente, junto da tia materna em Inglaterra, CT. 20. As crianças CTN e DTN beneficiam de acompanhamento psicológico há cerca de 4 anos, após o acolhimento residencial. 21. As crianças têm manifestado uma enorme carência afectiva, grande sofrimento, instabilidade e desorganização emocional com a manutenção do acolhimento, nomeadamente birras intensas, crises de choro, agitação motora, fuga da realidade, dificuldade de resistência à frustração. 22. Na actualidade, CTN e DTN revelam a necessidade premente e estão na expectativa “de ter uma outra família”. Relativamente à progenitora e família materna 23. A mãe das menores, A, nasceu em 15 de Março de 1980, tendo actualmente 43 anos de idade. 24. Da avaliação efectuada por todas as equipas técnicas intervenientes, a progenitora apresenta fragilidades ao nível da saúde mental, discurso persecutório fora da realidade, postura agressiva, reactiva e impulsiva, oscilações de humor e comportamento imprevisível. 25. As equipas técnicas tentaram sensibilizar a progenitora para a necessidade muito relevante de acompanhamento e de apoio ao nível da saúde mental, de forma consistente e regular. 26. A mãe das menores nunca reconheceu as suas fragilidades de saúde mental, e recusou qualquer acompanhamento psiquiátrico ou toma de medicação. 27. As visitas da mãe às filhas CTN e DTN, na Casa de Acolhimento, eram caracterizadas por um descontrolo excessivo, discurso delirante, agressivo, permanente agitação e nervosismo da progenitora. 28. O comportamento da progenitora supra descrito, nos momentos das visitas, desestabilizava emocionalmente as menores, as quais não se sentiam seguras e protegidas na presença da mãe. 29. A progenitora foi submetida a avaliação pericial psicológica, constando das conclusões do respectivo relatório, datado de 23 de Novembro de 2018, que: « (…) da avaliação psicológica observa-se uma personalidade pautada pela rigidez e impulsividade contida à mínima, associada a uma estrutura de personalidade bordeline (estado limite), assente em mecanismos de defesa pouco flexíveis e primários (imaturos), dispondo de baixa capacidade assertiva e de contenção sobre os seus impulsos, que se reflete nos seus processos comunicacionais e que dificulta de certa forma o exercício de uma parentalidade estável e potenciadora de desenvolvimento psicológico saudável das filhas (…) Em relação às competências parentais, a examinada demonstra possuir recursos internos e competência parentais algo limitadas para que consiga identificar e responder de forma autónoma, segura e responsável às necessidades básicas e psicoafectivas das suas filhas, funcionando num registo parental imaturo e algo disfuncional em geral.» 30. A progenitora apresenta grande instabilidade a nível laboral e habitacional, sendo que, em Lisboa residiu em vários quartos alugados, hostel, e manteve-se integrada no Centro de Acolhimento Temporário Mãe de Água (CATMA), para pessoas em situação de sem-abrigo. 31. Desde Dezembro de 2022, a progenitora reside com o seu filho HT, na Rua …, nº .., R/C esquerdo, em Albufeira, numa casa arrendada de tipologia T1, constituída por um quarto, uma sala e uma cozinha. 32. Desde Maio de 2023, a progenitora trabalha num restaurante como ajudante de cozinha, auferindo o vencimento mensal de cerca de 850,00 euros. 33. Do certificado de registo criminal da progenitora não consta averbada qualquer condenação. 34. Relativamente à tia materna das menores, CT, o visto das crianças para Inglaterra foi recusado, não se perspetivando hipótese da CTN e da DTN conseguirem visto. 35. A tia materna, gradualmente deixou de contactar as sobrinhas, por qualquer meio, bem como a equipa técnica da Casa de Acolhimento de Santa Joana / do Relvado, onde as menores se encontram acolhidas. 36. A mãe recusa qualquer possibilidade de as crianças ficarem aos cuidados de outro familiar, à excepção do seu filho, HT …, de 27 anos, que colocou como alternativa. 37. As equipas técnicas intervenientes identificam as seguintes razões que não permitem contemplar o irmão HT como efectiva alternativa: - Horário de trabalho das 10h às 22h, que inclui os fins de semana, sem possibilidade de alterar; - Ausência de rede de suporte pondera delegar os cuidados na mãe e talvez a sua namorada (residente em Inglaterra) possa vir para Portugal; - Reside com a sua mãe, referindo que se for necessário lhe aluga um quarto para que as crianças fiquem consigo, mas não identifica nenhuma questão actual ou passada que possa afectar a capacidade parental da progenitora - Apresenta-se como alternativa em abstracto, sem um plano concreto, e sem efectiva reflexão sobre o que é ser prestador de cuidados destas duas crianças, desconhecendo as necessidades e as dificuldades actuais da DTN e da CTN. Relativamente ao progenitor e família paterna 38. O pai das menores, B, nasceu no dia 19 de Dezembro de 1973, tendo actualmente 49 anos de idade. 39. O progenitor efectua visitas semanais às crianças, aos domingos, mantendo uma postura de grande passividade na relação com as filhas. 40. O pai sempre apresentou dificuldades em cumprir os planos de intervenção, delineados pela Casa de Acolhimento, em que o mesmo se assumisse como o principal cuidador das filhas, nomeadamente ao nível da sua capacitação parental (responder às necessidades básicas, dar contenção emocional, impor regras e limites), alargamento dos convívios com as menores e condições habitacionais adequadas. 41. Durante as visitas, nos momentos de agitação e desorganização emocional das crianças, o pai não demonstra capacidade para gerir a situação e conter emocionalmente as filhas, recorrendo sempre à ajuda dos cuidadores da Casa de Acolhimento. 42. O pai revela dificuldade em identificar, reconhecer e responder adequadamente às necessidades básicas e psico-emocionais das filhas, não conseguindo responder a perguntas sobre o dia-a-dia das crianças, as suas dificuldades e os apoios de que estas beneficiam. 43. O progenitor nunca apresentou um projecto de vida autónomo para cuidar sozinho das filhas, sendo que o mesmo nunca conviveu sozinho com as menores, fora do contexto da Casa de Acolhimento. 44. O progenitor não identifica estas dificuldades, nem os motivos que levaram ao acolhimento, mantendo a crença de que foi devido a dificuldades sócio- económicas e habitacionais. 45. O pai não dispõe dos recursos internos necessários para se constituir como uma figura segura, nomeadamente no que concerne à capacidade de imposição de regras e limites às filhas, ou à capacidade de as conseguir tranquilizar nos momentos de desorganização emocional, assumindo uma postura passiva. 46. Não obstante um novo investimento das Equipas na capacitação do pai, face à vontade expressa pelo mesmo em se constituir como alternativa, as equipas técnicas intervenientes não perspectivam que o progenitor consiga adquirir as competências parentais necessárias para promover o desenvolvimento integral saudável das filhas. 47. Paralelamente, o progenitor mantém a sua situação socio- económica e habitacional inalterada e sem perspetivas reais de mudança, continuando a residir num espaço partilhado, e à procura de casa. 48. Do certificado de registo criminal do progenitor não consta averbada qualquer condenação. Parecer técnico 49. As Equipas Técnicas intervenientes consideram que CTN e DTN não têm perspetiva de poder vir a integrar a sua família de origem, mantendo-se na incógnita se os pais alguma vez vão reunir competências e condições para o efeito, sendo certo que nenhum conseguirá a curto/ médio prazo, o que significaria prolongar indefinidamente o seu acolhimento. 50. As Equipas Técnicas intervenientes consideram que, caso as menores CTN e DTN fossem entregues aos cuidados do pai ou da mãe, os progenitores colocariam em perigo grave a segurança, a saúde, a educação, o desenvolvimento saudável e o equilíbrio emocional das filhas. 51. As Equipas Técnicas intervenientes consideram que, no momento actual, não existem elementos da família alargada materna ou paterna, que reúnam condições pessoais, sociais, habitacionais e económicas, para se constituírem como uma alternativa contentora e securizante para as crianças. 52. O parecer técnico da Equipa de Apoio Técnico ao Tribunal de Lisboa (EATTL), do Núcleo de Assessoria Técnica ao Tribunal- Promoção e Protecção (NATT- PP), bem como da Equipa Técnica da Casa de Acolhimento do Relvado (CA) é no sentido de que o projecto de vida das crianças CTN e Clarice é o encaminhamento para a adopção. * Na decisão recorrida, foi consignado, sob a epígrafe “2. Factos Não Provados”: “Não resultaram provados outros factos com relevo para a decisão final.” IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Sustenta a progenitora das crianças em sede deste recurso a existência de um vício na decisão recorrida, por o tribunal a quo não ter procedido à audição das crianças, com 8 e 6 anos de idade, não resultando do processo que as mesmas não tenham “capacidade para se pronunciar e ser ouvidas a respeito” do seu encaminhamento/projecto de vida, nem tendo o tribunal a quo fundamentado e justificado a razão dessa não audição, pelo que aquela decisão deve ser anulada – cfr. IVª a XVIª conclusões recursórias. A este propósito, o Ministério Público apenas se pronuncia no ponto 3. das conclusões das contra-alegações, afirmando: “As menores não foram ouvidas considerando a sua idade, maturidade bem como a decisão em causa a tomar.” Estes autos consubstanciam um processo de promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral – art.º 1º da L.P.C.J.P.. O critério decisório primordial na tomada de decisões relativas a crianças e jovens é o do superior interesse da criança (cfr. al. a) do art.º 4º da L.P.C.J.P., no que ao processo de promoção e protecção respeita). Por isto, bem se compreende que a criança tenha a possibilidade de participar no processo que a si respeita, de ser ouvida e manifestar os seus pontos de vista. Esta audição e participação é reconhecida e consagrada em diversos instrumentos legais internacionais: no Princípio 3º do anexo I à Recomendação nº R (84) sobre as Responsabilidades Parentais adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 28 de Fevereiro de 1984; no art.º 12º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, de 0806, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 49/90, de 12/09); no art.º 24º, nº 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; na Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças (Adoptada em Estrasburgo em 25/01/1996 e aprovada para ratificação pela resolução da Assembleia da República nº 7/2014, de 07/12/2013, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 3/2017, de 27/01/2014); e nos art.ºs 11º, nº 2, 23º, al. b), 41º, nº 2, al. c) e 42º, nº 2, al. a), do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental (Regulamento Bruxelas II bis). De igual forma, a L.P.C.J.P. consagra a audição da criança e do jovem como princípio orientador da intervenção, ao dispor, no art.º 4º, al. j), que a criança e o jovem têm direito a ser ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e de protecção. Este princípio é concretizado no art.º 84º do mesmo diploma, que estipula: “as crianças e os jovens são ouvidos (…) pelo juiz sobre as situações que deram origem à intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção, nos termos previstos nos artigos 4º e 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro”. A al. c) do nº 1 do art.º 4º deste último diploma (doravante designado por R.G.P.T.C.) configura como princípio orientador a “audição e participação da criança”, dispondo que “a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal (…)”. Concretizando este princípio, enuncia, por sua vez, o art.º 5.º do R.G.P.T.C. que: “1 - A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz promove a audição da criança, a qual pode ter lugar em diligência judicial especialmente agendada para o efeito. (...) 6 - Se o interesse superior da criança ou do jovem o justificar, o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, pode proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, afim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos actos processuais posteriores, incluindo o julgamento”. A este propósito, no Acórdão do STJ de 14/12/2016, relatora Prazeres Beleza, acessível em www.dgsi.pt, salienta-se que a audição da criança num processo que lhe diz respeito “não pode ser encarada apenas como um meio de prova, com o qual se pretende fazer prova de um facto relevante no processo. É muito mais vasta a finalidade da audição. Trata-se antes de mais de um direito da criança a que o seu ponto de vista seja considerado no processo de formação da decisão que a afecta.” O exercício do direito de audição está dependente e relacionado com a maturidade da criança em causa. Como se escreve, de forma esclarecedora, no citado Acórdão do STJ: “A lei portuguesa actual – cfr. artigos 4º, i) e 84º da Lei nº 147/99 de 1 de Setembro, na anterior e na actual redação, que lhes foi dada pela Lei nº 142/2015, de 8 de Setembro de 2015, e artigos 4º e 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro, e que se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (artigo 5º da Lei nº 141/2015) –, seguindo os diversos instrumentos internacionais vinculativos (ou não) do Estado Português, alterou a forma de determinar a obrigatoriedade de audição da criança. Onde dantes se estabelecia como obrigatória a audição da criança com mais de 12 anos “ou com idade inferior quando a sua capacidade para compreender o sentido da intervenção o aconselhe” (nº 1 do artigo 84º da Lei nº 147/99), diz-se agora que a criança deve ser ouvida quando tiver “capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em conta a sua idade e maturidade” art.4º, c), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível). Se antes da entrada em vigor da Lei nº 141/2015 se exigia que o tribunal ouvisse as crianças com mais de 12 anos e, quanto àquelas que tivessem idade inferior, ponderasse a sua maturidade e justificasse a decisão de não as ouvir – salvo se a criança tivesse uma idade em que é notória essa falta de maturidade, naturalmente –, após a sua entrada em vigor essa ponderação não pode deixar de se revelar na decisão – continuando a ser dispensada quando for notório que a baixa idade da criança não a permite ou aconselha.”. Tem sido entendimento jurisprudencial – com o qual concordamos - que a ponderação acerca da maturidade da criança terá de se revelar na decisão, apenas estando dispensada a justificação para a sua não audição quando for notório que a sua baixa idade (que se tem considerado ser o caso de crianças com idade inferior a três anos) não o permite ou aconselhe. Ou seja, quando a criança não é ouvida, terá sempre de existir um despacho, devidamente fundamentado, a dispensar tal audição – cfr., neste sentido, por todos: Acórdãos do STJ de 14/12/2016 (já citado); do TRC de 08/05/2019, relator Isaías Pádua; do TRP de 04/11/2019, relator Miguel Baldaia Morais; e do TRL de 14/07/2020, relator Nuno Ribeiro, e de 09/11/2021, relator Luís Filipe Sousa, todos, acessíveis em www.dgsi.pt. No caso destes autos, é notório que as crianças CTN e DTN – respectivamente, com 8 e 6 anos de idade à data de prolação da decisão recorrida – não foram ouvidas pelo tribunal em nenhuma fase do processo. Por outro lado, dos autos, e, máxime, da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal a quo não emitiu qualquer pronúncia sobre o exercício do direito de audição das duas crianças, nem apresentou qualquer justificação para a respectiva dispensa, sendo certo que, face à idade da CTN e da DTN, não é notório (cfr. o que acima deixámos dito) que não tenham maturidade para exerceram o seu direito a serem ouvidas. Quanto às consequências processuais da falta de audição da criança quando a audição é devida, ou da falta de justificação para a não audição, entende-se, na esteira do mencionado Acórdão do STJ de 14/12/2016 [posição também propugnada no citado Acórdão do TRL de 14/07/2020, relator Nuno Ribeiro] que tal falta, não obstante configurar uma falta processual, afecta a validade das decisões finais dos correspondentes processos, por corresponder a um princípio geral com relevância substantiva e, por isso mesmo, processual, não sendo de aplicar o regime das nulidades processuais. Neste sentido, chamamos, ainda, aqui à colação as palavras de: - Salazar Casanova, que sustenta que as razões que permitem a audição de uma criança em juízo, após o ano de 2003, são de “ordem substantiva” e que se devem ao superior interesse da criança, e “assim, onde determinada diligência processual colida com tal interesse, há-de prevalecer este” - in “O regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho e o princípio da audição da criança”, Scientia Juridica, Tomo LV, nº 306 – Abril/Junho 2016, p. 236; - Paulo Guerra, que aduz que, atento o princípio do respeito pelas opiniões da criança, reconhecido pelo art.º 12º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, “fácil é de concluir que o regime das nulidades processuais2 não é, de facto, o mais adequado à catalogação do vício da falta de audição de uma criança em sede judiciária. (…) Na realidade, e para finalizar, se é verdade que a criança não tem, em regra, capacidade de exercer sozinha os seus legais direitos, também o é que haverá certos direitos ligados à substância e ao «ser» da criança que só podem gozados por ela própria, de viva voz, sem interferência de terceiros. E aí basta-lhe a sua capacidade regra de gozo de direitos. E bastará ao tribunal afirmar essa essência e substância para declarar que a omissão da audição de uma criança com maturidade para o efeito, quando conveniente, afeta a subsistência da decisão que não a admitiu, não por força da constatação de uma nulidade processual civil de natureza secundária, mas por aplicação direta do princípio básico (de essência) da existência de uma criança – ter direito a ser ouvida por quem vai decidir relevantes aspetos da sua vida.”- in “A Audição de Crianças em Tribunal – e quando não se ouvem?”, em “Questões do Regime Geral do Processo Tutelar Cível”, caderno de “Colecção Formação Contínua”, E-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Julho 2019, p. 89-90, acessível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=wpeLi5nKGq0%3D&portalid=30. Por todo o exposto, perante a não audição das crianças CTN e DTN e a falta de decisão fundamentada sobre a respectiva dispensa, cumpre anular a decisão recorrida e determinar que o processo baixe a fim de, ou serem ouvidas as crianças, se a sua capacidade de compreensão assim o determinar, ou ser justificada a sua não audição – procedendo, pois, as IVª a XVIª conclusões recursórias da apelante. * O juízo supra efectuado não prejudica a análise - até por razões de economia e celeridade processual - da questão que, de seguida, se vai expor, e que determina também nova decisão a proferir pelo tribunal a quo. Como acima já se sublinhou, estamos perante um processo de promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (art.º 1º da L.P.C.J.P.) cujo critério decisório primordial é o do superior interesse da criança (al. a) do art.º 4º da L.P.C.J.P.). Na decisão recorrida, foi aplicada às crianças CTN e DTN a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, insurgindo-se os progenitores, em sede deste recurso, contra essa decisão. A medida de confiança a instituição com vista a futura adopção é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no art.º 1978º do Cód. Civil, e consiste na colocação da criança ou jovem sob a guarda de instituição com vista a futura adopção - art.º 38º-A, proémio, e al. b) da L.P.C.J.P.. Dispõe o referido art.º 1978º do Cód. Civil – para o que aqui interessa - que: “1 - O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e protecção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações: (…) d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança; (…) 2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança. 3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças. 4 – A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do nº 1 não pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3º grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela.”. Destes normativos, resulta que a medida de confiança com vista a futura adopção tem como pressuposto que se demonstre não existir ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, através da verificação objectiva - independente de culpa da actuação dos pais - de qualquer das situações descritas no nº 1 do art.º 1978º do Cód. Civil, devendo o tribunal atender ao interesse da criança. No caso da alínea d) deste preceito, a situação de perigo grave para a segurança, saúde e formação do menor deve resultar de acção ou omissão dos pais, que de modo positivo ou negativo, censurável ou não, colocam a criança numa situação objectiva de perigo grave. O art.º 121º da L.P.C.J.P. contém as regras a atender na elaboração da decisão a proferir após a realização do debate judicial (caso dos autos), nos seguintes moldes: “1 - A decisão inicia-se por um relatório sucinto, em que se identifica a criança ou jovem, os seus pais, representante legal, ou a pessoa que tem a guarda de facto e se procede a uma descrição da tramitação do processo. 2 - Ao relatório segue-se a fundamentação que consiste na enumeração dos factos provados e não provados, bem como na sua valoração e exposição das razões que justificam o arquivamento ou a aplicação de uma medida de promoção e proteção, terminando pelo dispositivo e decisão.”. Relativamente à enunciação dos factos provados e não provados, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração”, Almedina, p. 718, chamam, desde logo, à atenção que: “O importante é que, na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz use uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da ação.”; salientando, de seguida, que “Tanto na enunciação dos factos provados como dos não provados, dentro dos limites dos temas da prova que foram enunciados ou que porventura foram adicionados posteriormente, o juiz deve sinalizar cada um dos factos essenciais que foram alegados no processo por cada uma das partes, de forma a cobrir todas as soluções plausíveis da questão ou questões de direito e evitar que, em sede de recurso de apelação, seja sentida a necessidade de anulação da audiência final para ampliação da matéria de facto (art.º 662º, nº 2, al. c) in fine).”; acrescentando, ainda, que, “Em tal enunciação cabe necessariamente uma pronúncia (positiva, negativa, restritiva ou explicativa) sobre os factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as exceções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a ação ou a exceção proceda”. Aqueles autores, in ob. citada, p. 719, referem mesmo que “tanto na exposição dos factos que julgue provados como daqueles que considere não provados, o juiz” não pode cingir-se a uma preconcebida solução jurídica do caso, devendo antes “assegurar a recolha de todos os factos que se mostram relevantes em função das diversas soluções plausíveis da questão de direito. Na verdade, não é de excluir que, apesar de o concreto juiz entender que basta um determinado enunciado de factos provados ou não provados para que a ação proceda ou improceda, o tribunal superior, em sede de recurso, divirja daquela perspetiva e considere outras soluções dependentes do apuramento de outros factos. Em tais circunstâncias, melhor será que o juiz, de forma previdente, use um critério mais amplo, inscrevendo na matéria de facto provada e não provada todos os elementos que possam ter relevo jurídico, evitando ou reduzindo as anulações de julgamento decretadas ao abrigo do art.º 662º, nº 2, al. c), in fine”. Por outro lado, como é sabido, aquilo que deve constar da fundamentação de facto de uma sentença não são juízos valorativos, conclusivos ou de direito, mas verdadeiros enunciados de facto, no sentido de factos jurídicos ou juridicamente relevantes atinentes sobretudo, ainda que não em exclusivo, a ocorrências da vida real, assim como ao estado, à qualidade ou à situação real das pessoas ou das coisas - Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 406-407, e RLJ, Ano 122, nº 3784, p. 219. Tem sido consensual na doutrina e na jurisprudência que, para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei. Assim, para Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. III, 4ª ed., 1985, p. 209, juridicamente relevantes são os factos que constituem “ocorrências da vida real, isto é, os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos humanos (…) vistos à luz das normas e critérios do direito”. O presente processo de promoção e protecção reveste a natureza de processo de jurisdição voluntária – cfr. art.º 100º da L.P.C.J.P.. Por isto, está subordinado às regras dos arts. 986º e ss do Cód. Proc. Civil, nomeadamente, para o que aqui releva, à prevalência do princípio do inquisitório relativamente ao princípio do dispositivo, o que confere ao tribunal o poder-dever de investigar livremente os factos, coligir provas e recolher as informações necessárias e convenientes (nº 2 do art.º 986º do Cod. Proc. Civil); e a relevância dos critérios de oportunidade sobre os da legalidade estrita (art.º 987º do Cod. Proc. Civil). Como esclarece António José Fialho, in “Conteúdo e limites do princípio inquisitório na jurisdição voluntária”, acessível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/19279/1/fialho_2016.pdf, p. 69-70: “nos processos de jurisdição voluntária, em que prevalece o princípio inquisitório, os factos essenciais que constituem a causa de pedir não delimitam o âmbito de cognição do tribunal já que este pode considerar outros factos (complementares, concretizadores, instrumentais, notórios, de que tenha conhecimento no exercício das suas funções192 ou que sejam constitutivos do desvio da função processual) para além daqueles que são alegados pelas partes (artigo 986.º, n.º 2)193. / Em princípio, nestes procedimentos, o tribunal não está dependente dos factos direta ou indiretamente alegados pelos interessados, dispondo de ampla iniciativa probatória na instrução da causa e na admissão das provas que entenda necessárias ao apuramento da verdade e da justa composição dos interesses em presença no litígio.”. Mais referindo o mesmo autor, na mesma obra, a p. 71: “Na jurisdição voluntária, o princípio inquisitório prevalece sobre o princípio dispositivo, não adstringindo ou limitando o tribunal às demonstrações probatórias que as partes possam oferecer para fundamentar a decisão, mas admitindo também aquelas que o juiz possa trazer ao processo, por sua própria iniciativa.”. Como resulta do que acima deixámos dito, a decisão a proferir neste processo deve atender prioritariamente ao interesse superior da criança e do jovem, superior interesse este, que, como é sabido, tem de ser ponderado casuisticamente em face de uma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes. No caso, essas circunstâncias relevantes passam não só pela verificação de qual a situação de perigo vivenciada pelas crianças, como pela aferição das capacidades e competências parentais dos progenitores para promover e proteger os direitos individuais, sociais e económicos e culturais das filhas, por forma a garantir o seu bem estar e desenvolvimento integral, e, ainda, pela análise da existência de familiares com idoneidade, disponibilidade, capacidade e interesse para cuidar as crianças, na ausência daquelas capacidades e competências parentais dos progenitores (porquanto a lei dá preferência, como se sabe, a soluções que mantenham a criança dentro do círculo da sua família natural, como se vê, designadamente, da primeira parte da al. h) do art.º 4º da L.P.C.J.P.). Atendendo a estas considerações, vemos que a decisão recorrida não enuncia factos concretos que foram sendo alegados desde a propositura da acção, nomeadamente no Requerimento Inicial do Ministério Público e nos relatórios e informações sociais (quer da instituição onde as crianças foram estando acolhidas, quer das Equipas Técnicas responsáveis pelo acompanhamento da execução das medidas de promoção e protecção aplicadas) que foram sendo juntos aos autos; factos concretos esses, que são essenciais à análise judicial a fazer relativamente: (i) à situação de perigo vivenciada pelas crianças; (ii) necessidade de aplicação de medida de promoção e protecção; (iii) escolha de qual a medida adequada à salvaguarda do superior interesse da CTN e da DTN – note-se que a decisão recorrida não enuncia tais factos dando-os como provados ou não provados, sendo, pelo contrário, completamente omissa quanto aos mesmos. Na verdade, ao nível da fundamentação de facto (cfr. ponto “III- Fundamentação de facto”, sob os nºs 1 e 2), a decisão recorrida encontra-se, não só eivada de factos conclusivos e juízos valorativos, como omissa quanto a factos essenciais à decisão, nomeadamente os acima referenciados, e que foram alegados nos autos. Concretizando: Quanto à situação de perigo vivenciada pelas crianças: na decisão recorrida faz-se referência a esta matéria nos factos provados sob os nºs 4. a 7., mas de forma conclusiva, sem a enunciação de factos concretos de onde resulte a vivenciada a situação de perigo, sendo certo que no Requerimento Inicial do Ministério Público são alegados factos concretos reveladores dessa alegada situação de perigo. Veja-se que a decisão recorrida limita-se a, nos factos provados sob o nº 7., concluir que: “A 02 de novembro de 2017, a CPCJ deliberou o arquivamento do processo e sua remessa ao Ministério Público, face ao incumprimento reiterado do Acordo de Promoção e Protecção, mantendo-se os factores de perigo identificados: - Negligência ao nível dos cuidados; - Exposição a violência doméstica grave; - Exposição a comportamentos que afectam gravemente o seu desenvolvimento (agressividade da mãe e violência doméstica).” Ora, “Negligência ao nível dos cuidados”, “Exposição a violência doméstica grave”, “Exposição a comportamentos que afectam gravemente o seu desenvolvimento (agressividade da mãe e violência doméstica)” são asserções conclusivas, importando, antes, trazer à fundamentação de facto (provada - não provada) factos concretos descrevendo a vivência das crianças e os cuidados concretos que lhe eram - ou não -prestados pelos progenitores, descrição essa, da qual seja possível, aí sim, tirar as conclusões que eram sujeitas a “Negligência ao nível dos cuidados”, à “Exposição a violência doméstica grave” e à “Exposição a comportamentos que afectam gravemente o seu desenvolvimento (agressividade da mãe e violência doméstica)”. Donde, encontram-se omissas na decisão recorrida as situações fácticas de vivência de situação de perigo pelas crianças que foram, inclusive, alegadas, de modo fáctico, no Requerimento Inicial pelo Ministério Público. De igual forma, encontram-se omissas na decisão recorrida as situações fácticas de vivência de situação de perigo pelas crianças que foram alegadas no art.º 8º das alegações do Ministério Público apresentadas ao abrigo do art.º 114º da L.P.C.J.P. – cfr., ainda, alegado incumprimento das diversas cláusulas contempladas no acordo de promoção e protecção assinados pelos progenitores em 19/02/2018, que se encontra relatado no relatório da EATTL de 24/10/2018. Relativamente às visitas da progenitora às filhas (enquanto as mesmas decorreram), apenas são mencionados nos factos provados: “episódios agressivos para com os adultos da Casa de Acolhimento, com sistemáticos comportamentos que desorganizavam emocionalmente as crianças” (nº 12); “As visitas da mãe às filhas CTN e DTN, na Casa de Acolhimento, eram caracterizadas por um descontrolo excessivo, discurso delirante, agressivo, permanente agitação e nervosismo da progenitora.” (nº 27); “O comportamento da progenitora supra descrito, nos momentos das visitas, desestabilizava emocionalmente as menores, as quais não se sentiam seguras e protegidas na presença da mãe” (nº 28). Ora, tais asserções são notoriamente conclusivas, devendo ser concretizadas em factos, ou seja, o que importa apurar e constar na decisão recorrida é a descrição fáctica, situada no tempo, do que ocorreu em cada uma das visitas e que permitem a conclusão de que a progenitora revelou “episódios agressivos”, “descontrolo excessivo, discurso delirante, agressivo, permanente agitação e nervosismo da progenitora”. Por outro lado, deverá também ser traduzida em factos concretos a vivência/reacção das crianças a cada um desses acontecimentos, de forma a permitir a conclusão que os comportamentos da progenitora “desorganizavam emocionalmente as crianças” e que as mesmas “não se sentiam seguras e protegidas na presença da mãe”. Mais, importa apurar, através da enunciação de factos concretos (repete-se e sublinha-se), o comportamento da progenitora nos contactos telefónicos (descritos nos autos: v.g., relatórios sociais) que tem estabelecendo com as filhas após a decisão de suspensão das visitas, bem como a reacção das crianças a esses contactos. No que concerne à caracterização psicológica/psiquiátrica da progenitora das crianças, consta no art.º 24.: “Da avaliação efectuada por todas as equipas técnicas intervenientes, a progenitora apresenta fragilidades ao nível da saúde mental, discurso persecutório fora da realidade, postura agressiva, reactiva e impulsiva, oscilações de humor e comportamento imprevisível.”. Mais uma vez, vemos que estas asserções, de “facto” nada têm, consubstanciando, antes, meros juízos conclusivos e a opinião (“avaliação”) de “todas as equipas técnicas intervenientes”. Note-se, mais uma vez, que o importa apurar a este propósito são os factos concretos que permitem a conclusão de que a progenitora “apresenta fragilidades ao nível da saúde mental, discurso persecutório fora da realidade, postura agressiva, reactiva e impulsiva, oscilações de humor e comportamento imprevisível” - o que se realiza através da descrição dos concretos comportamentos/discursos/posturas/reacções da progenitora, situando-os, ainda, no espaço e no tempo. De igual forma, quanto ao dado como provado no art.º 37., referente ao irmão (HT) das crianças, o que importa apurar e traduzir em factos em sede de fundamentação da decisão, nos termos do citado art.º 121º, nº 2 da L.P.C.J.P., não são as razões que “as equipas técnicas intervenientes identificam” e que “não permitem contemplar o irmão HT como efectiva alternativa”, mas sim, as circunstâncias fácticas atinentes à disponibilidade, idoneidade e interesse deste pelas irmãs e para delas cuidar, bem como as suas condições habitacionais e laborais, revelando-se também essencial constar dos factos a partir de quando este familiar revelou interesse pelas irmãs e como foi manifestando – ou não - esse interesse ao longo do tempo, bem como as diligências que foi - ou não - concretizando ao longo do tempo para tornar possível o acolhimento, a curto prazo, das irmãs no seu agregado. Relativamente às visitas do progenitor às filhas, apenas consta dos factos dados como provados: que em tais visitas, o progenitor mantém “uma postura de grande passividade na relação com as filhas” (nº 39) e, “nos momentos de agitação e desorganização emocional das crianças,” “não demonstra capacidade para gerir a situação e conter emocionalmente as filhas, recorrendo sempre à ajuda dos cuidadores da Casa de Acolhimento” (nº 41). Tais asserções são, também, notoriamente conclusivas, devendo ser concretizadas em factos, ou seja, o que importa apurar e constar na decisão recorrida é a descrição fáctica, situada no tempo, do que ocorreu em cada uma das visitas e que permitem a conclusão de que o progenitor revela “uma postura de grande passividade na relação com as filhas” e que “nos momentos de agitação e desorganização emocional das crianças,” “não demonstra capacidade para gerir a situação e conter emocionalmente as filhas, recorrendo sempre à ajuda dos cuidadores da Casa de Acolhimento”. Relativamente ao dado como provado em 40., urge, de igual forma, enunciar os factos concretos (situando-os, ainda, no espaço e no tempo) que permitam a conclusão ali contida de que o progenitor das crianças “sempre apresentou dificuldades em cumprir os planos de intervenção, delineados pela Casa de Acolhimento, em que o mesmo se assumisse como o principal cuidador das filhas, nomeadamente ao nível da sua capacitação parental (responder às necessidades básicas, dar contenção emocional, impor regras e limites), alargamento dos convívios com as menores e condições habitacionais adequadas.”. Em suma, o tribunal a quo não se pronunciou sobre qualquer os factos acima mencionados que são essenciais à decisão da causa. Nos termos do art.º 662º, nº 2, al. c), parte final, do Cód. Proc. Civil, a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, considere indispensável a ampliação desta – cfr. António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª ed., Almedina, 2018, p. 307. É esta a situação que, de forma manifesta, se verifica no caso dos autos, uma vez que, como resulta do acima enunciado, o tribunal a quo omite completamente a pronúncia sobre factos essenciais para a decisão, sendo de sublinhar que, atendendo à natureza de jurisdição voluntária que este processo reveste, sempre incumbiria ao tribunal a quo o poder-dever de investigar livremente os factos, coligir provas e recolher as informações necessárias e convenientes - impondo-se, por tudo isto, ampliar a matéria de facto em conformidade. Note-se que, no caso, não pode este tribunal substituir-se ao tribunal recorrido, na medida em que, parte da factualidade em causa é desconhecida, afigurando-se-nos necessária a produção de prova suplementar (sujeita a contradição), prova essa, que o tribunal a quo, ao abrigo do princípio do inquisitório, entenda adequada realizar sobre toda a descrita factualidade. É aqui de relembrar, ainda, que considerando este princípio (do inquisitório) e o disposto no art.º 611º, nº 2 do Cód. Proc. Civil (aplicável ex vi do art.º 126º da L.P.C.J.P.), deverão os factos acima referenciados (a apurar e a enunciar na nova decisão a proferir) terem a actualidade ali propugnada, ou seja, reportarem-se à situação existente no momento do encerramento do debate judicial que vier a ser realizado. Assim, em conformidade com o disposto no citado art.º 662º, nº 2, al. c) do Cód. de Proc. Civil, anula-se a decisão recorrida também com este fundamento, devendo o processo baixar à 1ª instância também com vista à ampliação da matéria de facto – e respectiva fundamentação -, de modo a que à discussão da causa seja trazida a pertinente factualidade. A nova apreciação sobre a matéria de facto a realizar em 1ª instância abrangerá a matéria acima referida, sem prejuízo, claro está, da apreciação de outros pontos da matéria de facto, já julgada, caso isso se torne necessário para evitar contradições (art.º 662º, nº 3, al. c), do Cód. de Proc. Civil). * Face ao exposto, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas nos recursos dos progenitores das crianças – cfr. art.ºs 608º, nº 2, 2ª parte, e 663º, nº 2, ambos do Cód. Proc. Civil, aplicáveis ex vi dos arts. 124º, nº 1 e 126º da L.P.C.J.P.. * Atendendo à natureza análoga destes autos aos enunciados na al. f) do nº 2 do art.º 4º do Regulamento das Custas Processuais [“os processos de confiança judicial de menor, tutela e adopção e outros de natureza análoga que visem a entrega do menor a pessoa idónea, em alternativa à institucionalização do mesmo”] – uma vez que está em causa a aplicação de uma medida de promoção de confiança a instituição com vista à adopção -, não há lugar a condenação em custas (cfr., neste sentido, Salvador da Costa, in “As Custas Processuais”, 7ª ed., 2018, Almedina, p. 124-125). V. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em anular a decisão recorrida: (i) por falta de audição das crianças, devendo as mesmas serem ouvidas, se a sua capacidade de compreensão assim o determinar, ou ser justificada a sua não audição; (ii) para ampliação da matéria de facto e respectiva fundamentação nos termos do art.º 662º, nº 1, al. c) do Cód. Proc. Civil; (iii) seguindo-se a prolação de nova decisão – tudo, nos moldes expressamente mencionados no texto supra. Sem custas. * Lisboa, 5 de Dezembro de 2023 Cristina Silva Maximiano Edgar Taborda Lopes Micaela Sousa |