Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CAPACETE | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR DE ARRESTO DEFERIMENTO RECURSO ERRO NO MEIO PROCESSUAL CONVOLAÇÃO PARA OPOSIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/09/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. Notificada da decisão cautelar proferida sem a sua prévia audição, pode a requerida: 1.1 - recorrer, nos termos gerais, para o que dispõe do prazo de 15 dias (arts. 138.º, n.º 1, 363.º, n.º 1, 372.º, n.º 1, al. a) e 638º, n.º 1, 2.ª parte, do C.P.C.); ou, 1.2 - deduzir oposição, para o que dispõe do prazo de dez dias (arts. 138.º, n.º 1, 293.º, n.º 2, 363.º, n.º 1, 365.º, n.º 3 e 372.º, n.º 1, al. b), do C.P.C.). 2. A utilização de um ou outro dos referidos meios é feita em alternativa, pelo que, confrontada com uma decisão cautelar que decreta o arresto, cabe à requerida optar por um deles, consistindo: 2.1 - o recurso, na discordância quanto: 2.1.1 - à integração jurídica que o tribunal fez dos factos que indiciariamente considerou provados; ou, 2.1.2 - à própria decisão da matéria de facto indiciariamente provada a partir dos meios de prova que o tribunal teve ao seu dispor aquando da prolação da primeira decisão. 2.2 - a oposição: 2.2.1 - na alegação de novos factos; e, 2.2.2 - na apresentação meios de prova (quer os já anteriormente produzidos, quer novos meios de prova), suscetíveis de infirmar os factos fundamentadores da primeira decisão, de modo revertê-la, total ou parcialmente; 3. No caso concreto, em que a requerida/recorrente: 3.1 - outra coisa não faz, ao longo da motivação e das conclusões do recurso, do que descrever uma versão dos factos distinta da alegada pela requerente no requerimento inicial e na qual assentou a decisão que decretou o arresto, de modo a procurar convencer da inexistência de qualquer crédito da requerente/apelada, sobre si; 3.2 - após as conclusões, apresenta documentos e rol de testemunhas, é de concluir que, sob a veste de recurso, apresentou um verdadeiro articulado de oposição, o que configura um evidente erro na qualificação do meio processual utilizado. 4. Num tal quadro, é dever do juiz, nos termos do art. 193.º, n.º 3, do C.P.C.: 4.1 - corrigir oficiosamente tal erro; e, 4.2 - determinar que se sigam os termos adequados do procedimento cautelar subsequentes à apresentação do articulado de oposição, orientando-se, se necessário, pelo disposto no art. 547.º do mesmo código, que consagra o princípio da adequação formal. 5. O procedimento referido em 4. pressupõe a apresentação da peça “recursória” dentro do prazo legal previsto para a dedução da oposição. 6. Tendo a peça “recursória” sido apresentada no último dia do prazo de 15 dias referido em 1.1, de que a requerida dispunha para recorrer, correspondente ao 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo de 10 dias referido em 1.2, de que dispunha para deduzir oposição, é dever do juiz ordenar a sua notificação para, no prazo legal, proceder ao pagamento da multa prevista na al. c) do n.º 5 do art. 139.º, do C.P.C., acrescida da penalização a que alude o n.º 6 do mesmo artigo. 7. Decorrido tal prazo: 7.1 - comprovado o pagamento da multa e da penalização, deverá o juiz, então, proceder em conformidade com o descrito em 4.2; 7.2 - não tendo a requerida procedido a tal pagamento, deverá o juiz, então, retirar as consequências de tal omissão e decidir conforme for de direito. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO[1]: Neste procedimento cautelar de arresto intentado por SP contra AP, Lda., a requerida foi notificada da decisão que decretou o arresto em bens de sua pertença, nos termos e para os efeitos do art. 366.º, n.º 6, ex vi do art. 376.º, n.º 1, do Código de Processo Civil[2], no dia 22 de dezembro de 2020, tendo interposto o presente recurso. Em sede de motivação do recurso, começa a recorrente por afirmar que «a decisão que determinou o arresto dos bens da requerida é destituída de fundamento legal e factual, porquanto, não se verificam os requisitos para que o mesmo seja decretado, nomeadamente, não há qualquer fundamento legal para que os requerentes tenham a legitima expectativa de ansiar por uma indemnização, bem como, não há, nem houve por parte da requerida qualquer intenção de se furtar ás suas responsabilidades, apenas os montantes astronómicos pedidos pela aqui requente sem qualquer adesão à realidade, bem como a sua notória má fé, poderiam levar a requerida a uma situação de incapacidade económica», para logo a seguir alegar que «a aqui requerida aceita a matéria vertida nos pontos 1º e 2º no douto requerimento de procedimento cautelar, e contesta toda a restante matéria por não corresponder à verdade.» A partir daqui a requerida/recorrente outra coisa não faz, ao longo da motivação, do que descrever uma nova versão dos factos, a sua versão dos factos, da realidade, se se quiser, de modo a procurar convencer da inexistência de qualquer crédito da requerente, aqui apelada, sobre si. Conclui assim as respetivas alegações: «Face a todo o descrito, não há qualquer fundamento para que tenha sido decretado o presente procedimento cautelar, desde logo, - o barco foi entregue nas datas possíveis dadas as alterações solicitadas, - o barco foi desmantelado o que impossibilitou qualquer inspeção ao mesmo - ainda assim foram feitas várias propostas para resolução das alegadas anomalias da embarcação - não há por isso qualquer fundamento para que os requerentes possam legitimamente aspirar a serem indemnizados - não há nem houve qualquer intenção por parte da requerida de se furtar às suas eventuais responsabilidades - há sim, um grave prejuízo económico para a requerida, decorrente dos presentes autos, que denotam uma enorme má fé e que oportunamente será invocada em tribunal. Nestes termos e nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exª., deverá a decisão que decreta o arresto dos bens da requerida ser revogada uma vez que nem há qualquer legitimo fundamento legal para uma eventual indemnização, nem tão pouco, qualquer tentativa por parte da requerida em se furtar às suas responsabilidades.» * A requerente contra-alegou, concluindo assim: «1.ª No presente recurso, e atento o seu conteúdo e formulação, o ora Recorrente confunde oposição ao despacho que decretou a providência cautelar com recurso a esse mesmo despacho. 2.ª Na presente instância recursória não é legalmente admissível a alegação de novos factos, a junção de prova ou o requerimento de produção de prova. 3.ª O ora Recorrente não observou o ónus da impugnação da decisão da matéria de facto, como lhe é imposto pelos nº1 e 2, a), do art. 640º, do CPC, uma vez que sobre o mesmo recaí o ónus de especificação de cada um dos pontos de discórdia com a decisão recorrida, seja quanto às normas jurídicas e à sua interpretação, seja a respeito dos factos que considera incorrectamente julgados e dos meios de prova que impunham uma decisão diferente, devendo o recurso ser imediatamente indeferido nessa parte. 4.ª O ora Recorrente, nos arts. 639º, n.º 1, 642º e 641º, n.º 2, al.b), todos do CPC, não observou o ónus de, nas suas alegações, formular conclusões indicar as normas que entende violadas, mal interpretadas ou erroneamente aplicadas e não concretizou os pontos de facto e os meios probatórios a considerar em sede de recurso e que podem conduzir a decisão diversa da prolatada pelo douto tribunal a quo, pelo que tal incumprimento e ao abrigo do art. 641º, n.º 2, al.b) do CPC determina a rejeição do presente recurso. Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser liminarmente rejeitado, assim se fazendo justiça.» * II - ÂMBITO DO RECURSO: O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º). No caso concreto, este tribunal vai conhecer da possibilidade de convolação do presente recurso em oposição, nos termos do art. 193.º, n.º 3. * III - FUNDAMENTOS: 3.1 - Fundamentação de facto: A factualidade relevante para a decisão deste recurso é a que decorre do relatório que antecede. * 3.2 - Enquadramento jurídico: Conforme decorre do art. 372.º, n.ºs 1, al. a) e b), a partir da data em que foi notificada nos termos e para os efeitos do art. 366.º, n.º 3, a requerida dispunha de dois meios de reação contra a decisão que decretou o arresto: - ou recorria, nos termos gerais, para o que dispunha do prazo de 15 dias para o efeito, o qual, acrescido da dilação de 5 dias, terminou no dia 11 de janeiro de 2021 (arts. 138.º, n.º 1, 245.º, n.º 1, al. b), 363.º, n.º 1, e 638º, n.º 1, 2.ª parte), precisamente o dia em que apresentou o presente recurso; - ou deduzia oposição, para o que dispunha do prazo de dez dias, o qual, acrescido da dilação de 5 dias, terminou no dia 6 de janeiro de 2021 (arts. 138.º, n.º 1, 245.º, n.º 1, al. b), 293.º, n.º 2, 363.º, n.º 1, e 365.º, n.º 3). A utilização de um ou outro dos referidos meios é feita em alternativa, pelo que, confrontada com a decisão cautelar de arresto, à requerida cabia optar por um deles. A oposição consiste: a) na alegação de novos factos; e, b) na apresentação meios de prova (quer os já anteriormente produzidos, quer novos meios de prova), suscetíveis de infirmar os factos fundamentadores da primeira decisão, de modo revertê-la, total ou parcialmente; O recurso, por sua vez, consiste na discordância: a) quanto à integração jurídica que o tribunal fez dos factos que indiciariamente considerou provados; ou, b) quanto à própria decisão da matéria de facto indiciariamente provada a partir dos meios de prova que o tribunal teve ao seu dispor aquando da prolação da primeira decisão[3]. O que fez a requerida no caso concreto? a) não deduziu oposição no prazo de dez dias de que dispunha para o efeito; b) interpôs recurso no último dia do prazo de que dispunha para o efeito. Sucede que os fundamentos invocados no recurso que interpôs da decisão cautelar: a) não são os próprios do recurso; b) são os próprios da oposição. Na verdade, a leitura das alegações e das conclusões do recurso interposto pela requerida, não permite outra conclusão que não seja a de que sob a capa de um recurso, o que ela fez foi, afinal, deduzir oposição. Como se viu, em sede de motivação do recurso, começa a recorrente por afirmar que «a decisão que determinou o arresto dos bens da requerida é destituída de fundamento legal e factual, porquanto, não se verificam os requisitos para que o mesmo seja decretado, nomeadamente, não há qualquer fundamento legal para que os requerentes tenham a legitima expectativa de ansiar por uma indemnização, bem como, não há, nem houve por parte da requerida qualquer intenção de se furtar ás suas responsabilidades, apenas os montantes astronómicos pedidos pela aqui requente sem qualquer adesão à realidade, bem como a sua notória má fé, poderiam levar a requerida a uma situação de incapacidade económica», para logo a seguir alegar que «a aqui requerida aceita a matéria vertida nos pontos 1º e 2º no douto requerimento de procedimento cautelar, e contesta toda a restante matéria por não corresponder à verdade.» A partir daqui a requerida/recorrente outra coisa não faz, ao longo da motivação, do que descrever uma nova versão dos factos, a sua versão dos factos, da realidade, se se quiser, de modo a procurar convencer da inexistência de qualquer crédito da requerente, aqui apelada, sobre si. A confirmação de que assim é resulta, aliás, à evidência, das conclusões apresentadas pela apelante, acima transcritas, e para cuja leitura se remete. Acresce, qual «cereja no topo do bolo», para que nenhuma dúvida subsista de que se trata, efetivamente, de uma oposição e não de um recurso, a requerida, após a apresentação das conclusões, além de juntar documentos, arrola testemunhas, com as quais pretenderia, certamente, fazer prova da nova factualidade alegada na motivação do recurso. É evidente o equívoco da requerida quanto à utilização do meio utilizado para impugnar a decisão cautelar de arresto. Nos termos do art. 193.º, n.º 3 «o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.» Assim, apresentado sob a veste de recurso (art. 372.º, n.º 1, al. a)), um verdadeiro articulado de oposição (art. 372.º, n.º 1, al. b)), pode e deve o juiz, oficiosamente, corrigir o erro na qualificação do meio processual utilizado pelo(a) requerido(a), e determinar que os prossigam os termos processuais adequados, à luz até do princípio da adequação formal consagrado no art. 547.º. No entanto, para que tal possa suceder, necessário se torna que a peça processual onde se manifesta o erro na qualificação do meio processual utilizado, seja tempestivamente apresentada. Por outras palavras: - para que o erro na qualificação do meio processual utilizado pela requerido, consubstanciado na apresentação de uma peça processual qualificada como recurso, quando na verdade é um articulado de oposição, possa ser corrigido; - para que o juiz possa convolar a peça processual qualificada como recurso para um articulado de oposição, e determinar o prosseguimento dos termos processuais adequados, nomeadamente com produção dos meios de prova apresentados pela requerida, necessário é que a peça processual erradamente qualificada como recurso tenha sido apresentada no prazo em que o deveria ter sido o articulado de oposição em que a mesma, afinal, se traduz: 10 dias. Uma vez que, no caso concreto, o recurso foi interposto em data posterior àquela em que o deveria ter sido o articulado de oposição, o relator, afigurando-se-lhe, por essa razão, não ser mais possível a correção, equacionou a possibilidade de rejeitar o recurso, tendo determinado, para o efeito, a audição da recorrente e da recorrida nos termos do art. 655.º, n.º 1. Na sequência da pronúncia da recorrente, independentemente da inconsistência dos confusos argumentos invocados para justificar a apresentação da peça processual configurada como recurso, importa considerar o seguinte: o prazo de dez dias de que a recorrente dispunha para deduzir oposição, acrescido da dilação de cinco dias, terminou, tal como acima referido, no dia 6 de janeiro de 2021. A peça processual apresentada como recurso, mas que na realidade configura um verdadeiro articulado de oposição, foi apresentada no dia 11 de janeiro de 2021, ou seja, no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo de que a requerida dispunha para deduzir oposição. Dispõe o art. 139.º, n.º 5, al. c), que «independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos: (...) c) Se o ato for praticado no terceiro dia, a multa é fixada em 40 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de sete UC.» Acrescenta o n.º 6 que «praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por mandatário.» Assim, há que: a) convolar o presente recurso de apelação, apresentado nos termos do art. 372.º, n.º 1, al. a), para um articulado de oposição nos termos do art. 372.º, n.º 1, al. b); b) determinar a baixa do processo à 1.ª instância, onde o senhor juiz a quo deverá ordenar a notificação da requerida para, no prazo legal, proceder ao pagamento da multa prevista na al. c) do n.º 5 do art. 139.º, acrescida da penalização a que alude o n.º 6, após o que: c) caso a requerida proceda ao pagamento da multa acrescida da penalização referidas, deverá determinar que se sigam os adequados termos do procedimento cautelar subsequentes à apresentação do articulado de oposição; d) caso a requerida não proceda a tal pagamento, deverá retirar as consequências decorrentes de tal omissão e decidir conforme for de direito. *** IV - DECISÃO: Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 4.1 - em julgar verificado o erro na qualificação do processual utilizado pela recorrida para impugnar a decisão cautelar que decretou o arresto em bens de sua pertença; 4.2 - em convolar a peça recursória em articulado de oposição, nos termos do art. 372.º, n.º 1, al. b), do C.P.C.; 4.3 - em determinar a remessa do processo ao tribunal recorrido, para que o senhor juiz a quo determine a notificação da requerida para proceder ao pagamento da multa prevista na al. c) do n.º 5 do art. 139.º, do C.P.C., acrescida da penalização a que alude o n.º 6, após o que: 4.3.1 - caso a requerida proceda ao pagamento da multa e da penalização referidas, determinará que se sigam os adequados termos do procedimento cautelar de arresto subsequentes à apresentação do articulado de oposição; 4.3.2 - caso a requerida não proceda a tal pagamento, retirará as consequências decorrentes de tal omissão e decidirá conforme for de direito. Sem custas. Lisboa, 9 de março de 2021 José Capacete Carlos Oliveira Diogo Ravara _______________________________________________________ [1] Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original. [2] Pertencem a este diploma todos os preceitos que vierem a ser citados sem indicação da respetiva fonte. [3] Cfr. a este propósito, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, (2.ª Edição), pp. 251-256. |