Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1875/20.2T8FNC-A.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
TÍTULO EXECUTIVO
JUROS DE JUROS
RETENÇÃO NA FONTE
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Sumário: IIntentada, no ano 2020, execução com base em acórdão do STJ proferido em 2012 que condenou a ora executada-embargante no pagamento aos ora exequentes-embargados de indemnização dos danos materiais decorrentes de inundação, devida por força do contrato de seguro de riscos habitação celebrado entre as partes, bem como dos respetivos juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, tal título apenas abrange estes juros, mas já não os calculados sobre os mesmos, como se fosse caso de capitalização de juros.

IIVindo a executada-embargante invocar, na oposição que deduziu mediante embargos, que, além do mais, a quantia de juros de mora peticionada foi por si objeto de retenção na fonte e entrega aos cofres do Estado, nos termos da lei fiscal, o Juízo de Execução continua a ter competência em razão da matéria para a ação, bem como para apreciar as exceções suscitadas na oposição.

IIIÉ legal a retenção na fonte efetuada, aquando do pagamento por parte da Seguradora ora executada dos juros de mora relativos a uma indemnização por danos estritamente materiais, determinada por decisão judicial com fundamento na responsabilidade contratual. Consequentemente, com essa retenção e a entrega aos cofres do Estado do valor ora peticionado, extinguiu-se a respetiva obrigação.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados



I−RELATÓRIO


Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A. interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedente a oposição mediante embargos que deduziu por apenso à ação executiva para pagamento de quantia certa contra si intentada por BM e UW.

No Requerimento Executivo (“requerimento de execução de decisão judicial condenatória”), apresentado em 08-05-2020, os Exequentes pediram a condenação da Executada no pagamento da quantia global de 22.671,44 €, indicando, no segmento atinente à liquidação da obrigação, o capital de 13.485,23 € acrescido do valor de 9.186,21 € como “dependente de simples cálculo aritmético”, alegando que:
- Por douto acórdão do STJ transitado em julgado (proferido no processo n.º 299/... e cuja cópia juntaram), a Executada (antes denominada Companhia de Seguros Império, S.A., posteriormente designada por “Império-Bonança, Companhia de Seguros, S.A.”, mais tarde, após fusão, “Companhia de Seguros Fidelidade, S.A.”) foi condenada a pagar aos Exequentes o montante de 119.660,89 €, a título de indemnização, e o montante de 81.662,14 €, a título de juros.
- A Executada, aquando do pagamento daquelas quantias, em 27-10-2012, aplicou uma taxa de retenção sobre o valor dos juros, não pagando aos Exequentes o montante de 13.485,23 €;
- A retenção desse valor foi ilegítima, como é hoje Jurisprudência dos nossos tribunais, pelo que os Exequentes têm o direito a receber aquele valor acrescido do referente aos juros, entretanto vencidos desde aquela data e vincendos, ascendendo os liquidados (até à data de apresentação do Requerimento Executivo) ao montante de 9.186,21 €.

Citada a Executada, deduziu Oposição mediante embargos, em cujo requerimento inicial, além de pedir a suspensão da execução sem prestação de caução, invocou as seguintes exceções (assim sistematizadas):
I– Do cumprimento do acórdão condenatório
·  Da obrigação legal a cargo da Demandada de efetuar retenção na fonte
II– Da incompetência deste Tribunal em razão da matéria
III– Da prescrição
IV– Do abuso do direito
V– Da inexistência de título executivo no que se refere aos alegados juros sobre juros.

Na parte final do seu requerimento, mais especificamente, no ponto 2 do seu requerimento probatório, requereu o seguinte:

PROVA DOCUMENTAL: Para efeitos da boa decisão da causa, nos termos do disposto nos arts. 411º, 429º, 432º, 436º, nºs 1 e 2 do C.P.C., a Embargante requer respeitosamente a V. Ex.cia se digne ordenar:
i)- a notificação dos Exequentes/Embargados para juntarem aos autos cópia da declaração anual de IRS que apresentaram referente aos rendimentos auferidos em 2012, assim como respectiva nota de liquidação, com vista à prova do invocado no art. 32º destes embargos de Executado, sendo certo que a Embargante não possui os ditos documentos, os quais se encontram na posse dos Exequentes/Embargados;
ii)- a notificação da Administração Tributária, Serviços de Finanças de S... C..., com sede à Rua ... São ... - Edif. ... ..., r/c ,...-...-...- S... ..., para informar os autos se recebeu, no ano de 2012, da sociedade comercial Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A., a quantia de 13.474,25€ (treze mil, quatrocentos e setenta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos), referente a montante retido a título de IRS, relativo a rendimentos pagos à Exequente e marido, correspondentes a rendimentos da categoria E – rendimentos de capitais, para juntar a nota de liquidação de IRS referente aos rendimentos auferidos pelos Exequentes em 2012, bem como para informar se os Exequentes apresentaram reclamação ou impugnação da dita liquidação, assim como, na afirmativa, qual o despacho que incidiu sobre a mesma, com vista à prova do invocado nos art.s 29º, 30º, 32º, 40º a 43º destes embargos de Executado, sendo certo que a Embargante não possui os ditos elementos e documentos, os quais se encontram na posse da AT.

Os Exequentes-Embargados vieram contestar, pugnando pela improcedência das exceções e, concomitantemente, da oposição mediante embargos. Também requereram a condenação da Embargante como litigante de má-fé, alegando que “A Executada não aprende com as decisões do passado e como é evidente, não as respeita”.

Em 21-10-2020, a Embargante pronunciou-se a este respeito e veio juntar documentos aos autos.

Foi agendada a realização de audiência prévia, mencionando-se que a mesma se destinava a realizar tentativa de conciliação e a “facultar às partes a discussão e facto e de direito, por poder estar em causa a eventual prolação de saneador-sentença”.

Realizou-se tal audiência, em 12-02-2021, no decurso da qual, após saneador tabelar, foi proferida decisão da qual consta o seguinte: “Considero que o estado dos autos permite, com a necessária segurança, o imediato conhecimento da causa nos termos do disposto no artigo 595.º, n.º 1, alínea b), ex vi artigo 732.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, por conseguinte, indefere-se o requerimento de prova vertido no ponto «2. Prova documental» da petição inicial, por não relevarem para a decisão da causa, por se destinarem a comprovar factualidade que não releva para a decisão da causa, mormente por a entrega nos cofres do Estado do montante retido, a apresentação pelos exequentes de reclamação junto da Autoridade Tributária, e se os exequentes declararam os montantes em causa, como se analisará, não importarem para a causa”.  Continuou então o Tribunal, passando a conhecer do mérito da causa, conforme saneador-sentença cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Em face de tudo quanto ficou exposto, julgo IMPROCEDENTES os presentes embargos de executado e, por conseguinte, a execução deverá prosseguir os seus termos com ressalva de deverem ser corrigidos os seguintes lapsos de escrita, invocados pela embargante, constantes no requerimento executivo e verificados, consequentemente, os cálculos dos juros, a saber:
a) o capital não corresponde a €13.485,23, mas sim a €13.474,25 — cf. documento n.º 2 junto com a contestação subscrito em nome dos próprios exequentes;
b) a data do vencimento dos juros não corresponde a 27/07/2012, mas a 27 de Junho de 2012 — cf. recibo junto como documento n.º 6 com a petição inicial.
Custas pela executada — artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Fixa-se o valor da causa no montante da causa dos autos de execução a que se reporta, ou seja, em €22.671,44 (vinte e dois mil, seiscentos e setenta e um Euros e quarenta e quatro cêntimos), nos termos do disposto nos artigos 306.º, n.ºs 1 e 2, e 307.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique, incluindo o(a) agente de execução.”

Inconformada, veio a Executada-Embargante interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (apesar de extensas e repetitivas, reproduzimos as mesmas, salvo no que é manifestamente despiciendo, para assim evidenciar o objeto do recurso):
1. Não pode a Recorrente concordar com o douto despacho proferido no saneador-sentença que indeferiu o requerimento de prova vertido no ponto “2.Prova documental” da petição inicial de embargos de executado, nem com o douto saneador-sentença que julgou improcedentes os embargos de executado.
(…)
5. Ainda que a Recorrente considere que foram invocados vários factos importantes para a decisão da causa, que são controvertidos, tendo sido prematura a prolação de saneador-sentença, não pode concordar com o elenco dos factos já provados.
6. Resulta dos acórdãos juntos com o requerimento executivo, como Doc. 1 junto aos embargos de executado e como Doc. 4 junto ao requerimento de 21-10-2020, recibo junto à contestação como Doc. 1 e recibo junto ao requerimento de 21-10-2020 como Doc.6, que quem foi condenada no pagamento de quantias aos Exequentes, quem procedeu ao pagamento do capital no montante de €119.960,89, procedeu ao pagamento de €68.187,89 de juros directamente aos Exequentes e reteve o montante de €13.474,25 a título de retenção na fonte de IRS à taxa de 16,5%, para entrega aos cofres do Estado, foi a Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A. que, à data dos ditos factos, tinha personalidade jurídica e judiciária distintas da executada.
7. Pelo que deverá alterar-se a redacção dada aos factos provados nºs 1, 3, 4 e 6, por forma a que onde consta “executada”, passe a constar “Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A., actualmente incorporada na executada.”
(…)
9. Resulta dos autos que foram proferidos três acórdãos pelo Supremo Tribunal de Justiça, datados, respectivamente, de 09 de Fevereiro de 2012, 19 de Abril de 2012, e 28 de Junho de 2012. (cfr. acórdão junto ao requerimento executivo, Doc. 1 junto aos embargos de executado e Doc. 4 junto ao requerimento de 21-10-2020)
10. O saneador-sentença foi omisso no que se refere ao acórdão de 19 de Abril de 2012, desconhecendo-se o motivo, dado que foi neste que, na sequência da reclamação apresentada pelos Exequentes, foi a então Ré condenada nos juros legais contados deste a citação.
11. Pelo que deverá aditar-se nos termos do disposto no art. 607º, nº4 do C.P.C., aplicável ex vi art. 663º, nº2 do C.P.C., aos factos provados que: “Por douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de ... 2012, foi acordado “(...) em conceder provimento à revista dos recorrentes BM UW revogando.-se o acórdão recorrido e condenando a Companhia de Seguros Bonança, S.A. a pagar o montante de 24.050.000$00 (119.960,89 euros) – artº 34º da Contestação) e no que vier a liquidar-se em execução de sentença dentro dos limites do pedido acrescenta-se com juros legais contados desde a citação. (...)” cf. acórdão do STJ junto aos embargos de executado de 09.07.2020, que aqui se dá por integralmente reproduzido.”, por ser importante para a boa decisão da causa.
(…)
13.A sociedade incorporada Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A., contra quem correu os autos principais, e que efectuou o pagamento do capital e dos juros, retendo parte dos mesmos para entrega aos cofres do Estado, era uma sociedade que devia dispor, e dispunha de contabilidade organizada, sendo obrigada a reter o imposto e a entregar aos cofres do Estado. (cfr.s art. 1º, nºs 1 e 2, 5º, nºs 1 e 2, al. g), 12º, nº1, al. b), 21º, 101º , nº1, al. a), 103º, 108º, nº2 do CIRS)
14. O acto de retenção é um acto tributário, cuja validade só pode ser apreciada pelos Tribunais competentes, ou seja, os Tribunais Tributários.
15. O Juízo de execução não é materialmente competente para apreciar a questão da validade da retenção efectuada, pelo que deverá ser revogada a douta sentença recorrida, declarando a extinção da acção executiva.
16. Tendo sido paga a quantia ilíquida a título de juros, não estamos perante uma questão de (in)cumprimento do acórdão condenatório, mas uma questão de natureza fiscal a dirimir em sede própria (cfr. art. 140º do CIRS, art.s 68º e 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), e cuja competência cabe aos Tribunais Administrativos e Fiscais.
17. A Executada alegou que foi processado a favor dos Exequentes a quantia ilíquida de 81.662,14€, tendo sido entregue aos Exequentes o montante líquido de 68.187,89€ e retido o restante valor, de 13.474,25€, a título de Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, que foi entregue aos cofres do Estado, enquanto substituta tributária daqueles.
18.A Executada não concorda que tivesse existido “falta de pagamento”, dado que alegou o pagamento da quantia ilíquida devida a título de juros (81.662,14€), ainda que tivesse justificado porque motivo parte do pagamento foi realizado por força da figura da substituição tributária prevista na legislação fiscal.
19. Para prova do cumprimento da obrigação de pagamento da quantia ilíquida a que a devedora foi condenada a título de juros, designadamente, para efeitos de uma apreciação jurídica da causa segundo as várias soluções plausíveis de direito, inclusive aquela que a Executada defende (assim como a apreciação de eventual abuso de direito e enriquecimento sem causa, caso se considere que, in casu, não era devida a retenção), é importante a prova de que o valor retido foi entregue aos cofres do Estado, tendo, desta forma, sido efectivamente despendida a quantia ilíquida de 81.662,14€ a título de juros, parte paga directamente aos Exequentes, parte entregue aos cofres do Estado por conta daqueles, por via da substituição tributária, ao abrigo das imposições legais previstas na legislação fiscal. (68.187,89€ + 13.474,25€) (cfr. ac. do STA de 14-04-2010, Proc. nº 047472B).
20. Apesar de ter sido alegada essa entrega aos cofres do Estado, não foi submetida a produção de prova, não tendo sido considerada provada ou não provada, na medida em que o Venerando Tribunal a quo considerou irrelevante para a boa decisão da causa, tendo proferido saneador-sentença, onde decidiu, designadamente, que a retenção na fonte efectuada foi ilegal, pelo que julgou improcedentes os embargos, ordenando a prossecução da acção executiva, entendimentos com os quais não concorda.
21. Saber se as quantias retidas foram entregues aos cofres do Estado constitui matéria importante para a boa decisão da causa, face às várias soluções plausíveis de direito, não se encontrando os autos ainda em condições para o conhecimento imediato do mérito da causa, tendo o douto saneador-sentença violado o disposto no art. 595.º, n.º 1, alínea b), ex vi artigo 732.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil.
(…)
25. Em 2007 e 2008, foram introduzidas alterações às redacções dos arts. 5º e 12º do CIRS (anteriormente arts. 6º e 13º do CIRS), as quais retiram da abrangência do imposto de capitais os juros de mora pelo atraso no pagamento de indemnizações devidas em consequência de lesão corporal, doença ou morte, nelas se incluindo as pensões e indemnizações devidas ao abrigo de contrato de seguro, decisão judicial ou acordo homologado judicialmente.
26.Alteração que se encontra conforme com a jurisprudência que entendia que era inconstitucional a retenção dos juros.
27.Para aferir se se encontra ou não em conformidade com a legalidade a retenção na fonte efectuada pela devedora de quantias a título de juros, para entrega aos cofres do Estado, há que aferir em que é que a devedora foi condenada e o que estabelecia a legislação fiscal à data da retenção da fonte. (art. 12º, nº1 do Código Civil, arts. 7º, nº1, 98º, nºs 1 a 3 e 101º, nº1 do CIRS)
28.Na situação em apreço nestes autos, estávamos perante um capital/indemnização pago por força de uma decisão judicial ao abrigo de um contrato de seguro multi-riscos, destinando-se a ressarcir danos materiais, com o limite do capital seguro acordado pelas partes, pelo que estamos no âmbito de responsabilidade civil contratual.
29. A sociedade incorporada foi condenada no pagamento de uma indemnização por danos materiais, por força de um contrato de seguro, assim como no pagamento de juros de mora à taxa legal contados desde a citação.
30. O capital e juros são coisas distintas.
31. Os juros são frutos civis (art. 212º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil), constituídos por coisas fungíveis que representam o rendimento de uma obrigação de capital.
32. Os juros em que a então Demandada foi condenada correspondem a juros devidos pela mora no pagamento da dita quantia, tratando-se de juros moratórios sobre uma indemnização devida a título de ressarcimento de danos materiais.
33. Os juros não constituem, eles próprios, a indemnização, são um acréscimo pecuniário do credor, calculado à taxa legal, que resulta do não pagamento atempado da indemnização pelo devedor, tendo uma fonte diversa da que fundamenta o dever de indemnizar.
34. À data da retenção na fonte (27-06-2012), era aplicável o Código de Imposto sobre os Rendimentos de Pessoas Singulares (CIRS), aprovado pelo D. L. nº 442-A/88, de 30 de Novembro, com as alterações introduzidas até á Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro. (cfr. art. 12º, nº1 do Código Civil e art.s 7º, nº1 e 98º, nº1 do CIRS)
(…)
36. Os juros, designadamente de mora, para que estivessem sujeitos a retenção na fonte, designadamente, os juros que estejam relacionados com o atraso no pagamento de uma indemnização por danos materiais, teriam que estar integrados no art. 101º do CIRS, caso o credor fosse pessoa singular.
37. Nos termos do art. 101º, nº1, al. a) do CIRS, as entidades que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada são obrigadas a reter o imposto, mediante a aplicação, aos rendimentos ilíquidos de que sejam devedoras, da taxa de 16,5 %, tratando-se de rendimentos das categorias E, ou seja, rendimentos de capitais.
38.De acordo com o n.º 1 do artigo 5.º do CIRS, (…).
39. Sendo que, quanto ao que deve ser considerado como integrado no conceito de "frutos e demais vantagens económicas", referido no n.º 1 do artigo 5.º do Código do lRS, define a alínea g) do n. 2 do mesmo normativo que, entre outros, se encontram compreendidos nesse conceito, (…).
40. Os juros ou quaisquer acréscimos de crédito pecuniário, resultantes da dilação do respetivo vencimento ou de mora no seu pagamento, legais ou contratuais, são considerados rendimentos de capitais, a menos que se trate de i) juros devidos ao Estado ou a outros entes públicos por atraso na liquidação ou mora no pagamento de quaisquer contribuições, impostos ou taxas; ou ii) juros atribuídos no âmbito de uma indemnização não sujeita a tributação nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do CIRS.
41. No caso em análise, os juros de mora em que a devedora foi condenada estão relacionados com uma indemnização por danos materiais.
42. Nada referindo o n.º 1 do artigo 12.º do CIRS quanto a indemnizações por danos materiais, os juros de mora em causa (atribuídos pelo atraso no pagamento da referida indemnização por danos materiais), devem ser considerados rendimentos de capitais.
43. E, sendo considerados como rendimentos de capitais, nos termos em que os mesmos se encontram definidos no CIRS, estavam por força do art. 101º do CIRS sujeitos a retenção na fonte a uma taxa de 16,50%.
44. Pelo que, à data da retenção na fonte, os juros de mora devidos por indemnizações por danos materiais, conforme era o caso, estavam sujeitos à retenção na fonte, devendo a Seguradora, enquanto substituta tributária, reter os mesmos e entregar aos cofres do Estado, sob pena de sanções de vária ordem, designadamente pagar aos cofres do Estado o valor correspondente à quantia que deveria ter sido retida e juros compensatórios, para além da responsabilidade contra-ordenacional e criminal. (cfr. arts. art. 21º, 103º, nºs 1 a 5, 108º, nº2 do CIRS, art. 20º da LGT.)
45. Para além de o disposto nos arts. 5º, 12º e 101º do CIRS o prever, a Administração Tributária perfilhava o entendimento de que os juros de mora referentes a indemnizações por danos materiais encontravam-se sujeitos à retenção na fonte.
46. No Processo nº 2020 ..., PIV nº ..., sancionado por despacho de 24 de Junho de 2020, da Subdiretora-Geral do IR, foi emitida informação vinculativa pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no sentido de que os juros de mora relacionados com uma indemnização por danos materiais devem ser considerados rendimentos de capitais, encontrando-se sujeitos a retenção na fonte. (cfr. ficha doutrinária disponível para consulta em
https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/rendimento/ circ/Documents/FD_PIV_....pdf )
47. Informação vinculativa que não foi junta aos autos em primeira instância, dado que o Venerando Tribunal a quo decidiu proferir saneador-sentença, ao invés de ordenar a prossecução dos autos e dar às partes a oportunidade de alterar os requerimentos de prova.
48. Ainda que se reporte ao art. 94º do CIRC, ou seja, a retenção na fonte quando o sujeito passivo é pessoa colectiva, e a taxa de retenção seja de 25% por ser aquela aplicável ao dito caso, a doutrina dele constante é importante para o caso em apreço, por se referir se os juros de mora atribuídos pelo atraso no pagamento de uma indemnização por danos materiais são enquadrados em rendimentos de capitais e estão sujeitos a retenção na fonte.
49. Mas que por se tratar de doutrina, poderá ser atendida, inclusive por esta Veneranda Relação.
50. Conforme conjugação do disposto nos arts. 1º, 5º, nºs 1 e 2, al. g), 12º, nº1, al. b) a contrario, 101º, nº1, al. a), do CIRS, era devida a retenção dos juros moratórios à taxa de 16,50%, devendo a Demandada, então Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A. como substituta tributária, efectuar essa retenção e entregar o valor descontado aos cofres do Estado, nos termos do disposto nos art.s 21º, 98º, nº1, 101º, nº1, al. a), do CIRS.
51. Pelo que, o douto saneador sentença, ao considerar que os juros em questão não eram rendimentos de capitais, nem estavam sujeitos a retenção na fonte, violou as supra citadas disposições legais.
52.Existindo a obrigação de retenção na fonte, a mesma é uma imposição legal, cujo cumprimento se verifica no momento do pagamento. (cfr. art.s 7º, nº1 e 98º, nºs 1 a 3, 101º, nº1 do CIRS).
53.Mesmo que no título executivo dado à execução não conste nenhuma menção quanto à possibilidade de a devedora proceder à retenção na fonte, no momento do cumprimento da sentença condenatória, deverá ser atendida a legislação fiscal, e serem realizados os descontos legais, designadamente a retenção na fonte para entrega aos cofres do Estado, enquanto substituta tributária, caso exista essa previsão e imposição legal, sob pena de consequências a vários níveis, incluindo contra-ordenacionais e penais, para além de ter de voltar a despender, mais uma vez, o equivalente ao valor que deveria ter sido retido, acrescido de juros compensatórios. (cfr. art.s 7º, nº1 e 98º, nºs 1 a 3, 101º, nº1 do CIRS)
54. As obrigações fiscais terão de ser analisadas à luz da legislação em vigor à data do seu cumprimento, e “cumprir” a sentença sem atender à legislação fiscal, para além de não ter em atenção à unidade do ordenamento jurídico, pode constituir um incentivo à evasão fiscal, incentivando a prática de infracções fiscais quer pelo sujeito passivo quer pelas entidades que dispõem e devam dispor de contabilidade organizada.
55. Não cabia à devedora levantar a questão sobre se era ou não devida a retenção na fonte.
(…)
57.E prevendo a legislação fiscal a retenção na fonte dos juros, designadamente, dos juros de mora, a haver outras interpretações para os juros, o que só se concede como hipótese de raciocínio, cabia aos Exequentes invocar essa questão nos autos principais, caso considerasse que os juros devidos pelo atraso no pagamento do capital não eram juros de mora, pelo que não configuravam rendimentos de capitais, inclusive por forma a poderem se precaver perante a Administração Tributária.
58. Saber se os juros de mora são considerados rendimentos de capitais e se a entidade legalmente obrigada a reter na fonte cumpriu ou não a obrigação a que estava adstrita, trata-se de matéria jurídico-tributária, sendo a entidade recebedora do imposto a Administração Tributária, que não é parte nos processos onde se discutem as indemnizações.
59. Mesmo que não existisse a imposição legal de retenção na fonte por parte da devedora, por força da figura de substituição tributária, teriam os Exequentes de se haver com a Administração Tributária, por se tratar de um rendimento susceptível de ser considerado rendimento de capitais, conforme exposto e defendido pela Administração Tributária, sendo sujeito a tributação.
60. Por outro lado, a Executada invocou que a Administração Fiscal considerava que eram rendimentos de capitais, e que a devedora estava obrigada a reter na fonte, tendo a sociedade incorporada entregue aos cofres do Estado o valor retido (cfr. arts. 37º, 63º a 65º dos embargos de executado), matéria que foi desvalorizada pelo Tribunal e que não foi objecto de produção de prova, mas que é importante para a boa decisão da causa.
61. Para além de já ter decorrido o prazo prescricional para reagir junto da AT de forma graciosa ou contenciosa, o certo é que quem deve reagir é quem não concorda com a retenção e com o enquadramento em rendimentos de capitais, e não quem considera que estava a cumprir as imposições legais.
(…)
64. A retenção e entrega de IRS aos cofres do Estado, mesmo contra a vontade dos Exequentes, não se traduziu numa actuação ilegal ou abusiva, já que existia uma imposição legal de substituição tributária e visava evitar o risco de incorrer em infracção fiscal.
65. Acresce que, ainda que substituta tributária, em face da imposição legal prevista na legislação fiscal, os sujeitos passivos, em última instância, são os Exequentes, sendo que tinham a obrigação de apresentar declaração de IRS e caso nada fosse devido a título de rendimentos de capitais, seria devolvida, mesmo oficiosamente, pela Administração Tributária aos próprios Exequentes a quantia entregue/paga a mais. (cfr. art. 96º, nºs 1 e 2 do CIRS)
66.Mesmo que a sociedade incorporada Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A. não tivesse retido e entregue aos cofres do Estado a dita quantia, incorrendo, dessa forma, entre outros, em eventual responsabilidade contra-ordenacional, teriam os Exequentes de apresentar a declaração de IRS por referência a 2012, que declarar à Administração Tributária a dita quantia na declaração anual de impostos referente aos rendimentos auferidos em 2012, e liquidar impostos sobre os juros moratórios, sujeitos à taxa de 16,50%, por se tratarem de rendimentos de capitais, sob pena de incumprimento das suas obrigações tributárias.
67. Caso os Exequentes considerassem que não devia ter sido aplicada a dita retenção na fonte, poderiam ter recorrido aos meios típicos de reacção contra o acto tributário (retenção na fonte), através dos órgãos competentes da administração pública ou dos tribunais tributários. (cfr. art. 140º do CIRS, assim como arts. 96º, nº1, 97º, nº3 do CIRS, art.s 70º e 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), todos na redacção então em vigor)
68. Caso os Exequentes considerassem que não devia ter sido aplicada a dita retenção na fonte, poderiam e deveriam ter reclamado ou impugnado a liquidação junto da Administração Tributária, podendo ter reagido graciosa e contenciosamente contra a dita retenção na fonte, caso a tivessem considerado ilegal. (cfr. art. 140º do CIRS, assim como arts. 96º, nº1, 97º, nº3 do CIRS, art.s 70º e 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), todos na redacção então em vigor)
(…)
70. Porém, de duas uma, ou os Exequentes não deduziram qualquer reclamação junto da Administração Tributária, pelo que consideraram correcta a retenção na fonte realizada, apesar da ressalva aposta do recibo, ou deduziram reclamação, a qual foi julgada improcedente pela Administração Tributária.
71. Não assiste aos Exequentes o direito a receber da Executada o montante retido na fonte a título de IRS, porquanto para além de tal configurar igualmente um enriquecimento sem causa dos Exequentes, configuraria um empobrecimento sem causa no mesmo montante da parte da Executada, por si e enquanto sucessora dos direitos e obrigações da sociedade incorporada, porquanto estaria a pagar duplamente esse montante, aos Exequentes e ao Estado, ultrapassando igualmente o valor a que foi condenada a título de juros.
72. Sendo certo que, desde 2008, o CIRS tem diferente redacção no que se refere aos rendimentos de capitais, não resultando do texto do saneador-sentença que tivesse sido atendida a dita alteração e a real redacção à data da retenção na fonte, sendo certo que os acórdãos invocados têm data anterior à alteração.
(…)
74. Dado que o valor ilíquido dos juros moratórios ascendia a 81.662,14€, o valor retido (13.474,25€) respeitou a taxa de 16,50%, imposta pelo CIRS.
75. Encontra-se aceite pelas partes que a devedora fez a dita retenção na fonte.
76. Quanto à entrega do dito valor retido aos cofres do Estado, apesar de ter sido tempestivamente alegada nos embargos do executado, foi desconsiderado pelo Venerando Tribunal a quo, e não sujeito à produção de prova, por considerar que não era pertinente para a causa, dada a solução que o Venerando Tribunal a quo considerava correcta.
77. A entrega aos cofres do Estado das quantias retidas é importante para a boa decisão da causa, porquanto prova o cumprimento da obrigação da sociedade incorporada. (cfr. douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14-04¬2010, Proc. nº 047472B)
78. Acresce que, foram invocados outros factos importantes, entre outros, o entendimento da AT, a actuação dos Exequentes, os quais não foram sujeitos à produção de prova, dado que o Venerando Tribunal a quo optou por proferir saneador-sentença, ao invés de ordenar a prossecução dos autos e que são importantes para a boa decisão da causa, designadamente do abuso de direito, excepção que para além de expressamente invocada, trata-se de uma excepção peremptória imprópria de conhecimento oficioso e do enriquecimento sem causa invocado no art. 65º dos embargos de executado.
79. A causa ainda não se encontrava susceptível de ser decidida no saneador, em face às várias soluções plausíveis de direito, inclusive na parte em que julgou improcedente a excepção de abuso de direito, não se verificando o disposto no artigo 595.º, n.º 1, alínea b), ex vi artigo 732.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, pelo que deverá revogar-se a douta sentença, que deve ser substituída por outra decisão que ordene o prosseguimento dos ulteriores termos processuais, retomando a fase do saneamento do processo, com a elaboração do despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.
80. Caso se entenda que, nos embargos de executado, ainda que tempestivamente alegado, não era necessária a prova da entrega do valor retido aos cofres do Estado, deverá revogar-se a douta sentença, julgando os embargos procedentes, dado que a retenção na fonte ocorreu e foi realizada ao abrigo de uma imposição legal.
81. Os Exequentes peticionaram juros sobre os juros retidos, ainda que tivessem sido omissos quanto ao modo de cálculo, designadamente qual a taxa que aplicaram.
82. Por douto acórdão do STJ, foi a então Demandada condenada no pagamento do capital e dos juros sobre o capital, e não igualmente em juros sobre juros.
83. Dado que o capital foi entregue a 27-06-2012, conforme aceite pelas partes, no caso de se entender que assiste aos Exequentes o direito de haverem os juros retidos, apenas seriam devidos estes juros retidos, e não também em juros sobre os juros, não tendo existido condenação em juros sobre juros.
84. Existem circunstâncias em que são permitidos os juros sobre juros, ou seja, a capitalização dos juros, as quais não foram invocadas, nem provadas, sendo que cabia aos Exequentes invocá-las caso delas quisessem prevalecer-se, competindo-lhes o ónus de alegação e prova (cfr. art. 342º, nº1 do Código Civil), o que não sucedeu.
85. Os Exequentes jamais alegaram, muito menos provaram, a existência de convenção posterior ao vencimento ou notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização. Pelo que não se verificam os circunstancialismos que afastam a proibição do anatocismo. (cfr. art. 560º do Código Civil)
86. É certo que consta do facto provado nº 5 do saneador sentença que “5. (…)
87. Ora, da dita frase oposta resulta que os Exequentes discordaram da retenção na fonte efectuada, e que caso não fosse efectuado o pagamento recorreriam aos tribunais.
88. Nada aludindo os Exequentes a qual tribunal, se judicial ou tributário, nem constando do mesmo qualquer interpelação, muito menos judicial, à destinatária para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.
89. A concessão de juros sobre juros fora dos circunstancialismos previstos no art. 560º, nº1 do Código Civil, para além de violador e fazer tábua rasa do disposto no art. 560º do Código Civil, que impôs, como regra, a proibição do anatocismo e a existência de ónus a cargo do putativo credor para que fosse levantada a dita proibição, o que não foi cumprido, traduz-se igualmente numa violação do douto acórdão do STJ dado à execução nestes autos, que condenou no pagamento de capital e juros, e não de capital, juros e juros sobre juros.
90. Pelo que, não tendo a sociedade incorporada sido condenada no pagamento de juros sobre juros, existindo a proibição do anatocismo, e não se verificando os circunstancialismos que afastam a proibição do anatocismo, deverá ser revogada a douta sentença que condenou a Embargante/Executada no pagamento de juros sobre juros.
91. Caso assim não se entenda, dir-se-á que foi alegado que, no caso de se entender serem devidos juros sobre juros, o alegado direito a receber juros sobre juros já prescreveu, no que se refere a juros vencidos até cinco anos antes da citação para a presente acção executiva. (art. 310º, al. d) do Código Civil). (cfr. art. 85º dos embargos de executado)
92. A Executada invocou a prescrição no que se refere aos juros retidos, mas também quanto aos juros sobre juros.
93. O douto saneador-sentença abordou a questão dos juros por referência aos valores retidos na fonte, mas não também em relação aos juros sobre juros, incorrendo em nulidade por omissão de pronúncia. (cfr. art. 615º, n.º 1, d) do C.P.C.)
94. Ainda que se entenda que os juros vincendos habilitados por sentença se reportem a juros sobre capital e não juros sobre juros, caso se entenda serem devidos juros sobre juros, o que jamais se concede, dada a inexistência de título executivo para tal, deverão ser considerados prescritos os juros até 5 anos antes da apresentação do requerimento executivo. (cfr. art.s 310º, al. d) e 311º, nº2 do Código Civil)
95. Por outro lado, nos embargos de executado foram impugnados os valores peticionados a título de juros sobre juros, igualmente quanto ao seu cálculo, ou seja, quanto à sua liquidação.
96. No ponto “III – Decisão” do saneador-sentença, o Venerando Tribunal a quo efectuou a rectificação de erros de escrita no que se refere ao valor retido a título de juros, ainda que tivesse aludido na al. a) a capital quando se tratam de juros retidos, e a data da retenção, que definiu como data do vencimento dos juros, quando, in casu, será dos juros sobre juros, mas nada disse quanto ao valor dos juros, tendo incorrido em omissão de pronúncia.
97. Tratando-se o valor peticionado de juros moratórios sobre juros moratórios, a serem devidos, seria à taxa legal de 4%. (cfr. art. 559º do Código Civil e Portaria nº291/2003, de 08 de Abril)
98. Caso se atendesse às referências invocadas no requerimento executivo (valor retido de 13.485,23€, a data de retenção de 27-07-2012 e a data da entrada do requerimento executivo (08-05-2020)) o valor a título de juros de juros ascenderia a 4200,00€. (valor retido x 4%/365 x nº de dias = 13.485,23€ x 4% / 365 x 2842 dias = 4200,00€)
99. Caso se atenda às referências referidas no saneador-sentença (valor retido de 13.474,25€, data de retenção de 27-06-2012) e a data da entrada do requerimento executivo (08-05-2020), o valor a título de juros de juros ascenderia a 4240,88€. (valor retido x 4%/365 x nº de dias = 13.474,25€ € x 4% / 365 x 2872 dias = 4240,88€)
100. Pelo que valores muito inferiores aos 9186,21€ liquidados e peticionados no requerimento executivo.
101. Pelo que, caso fossem devidos juros sobre juros, o que jamais de concede, deveria ser reduzido o valor a esse título para 4240,88€, sendo igualmente considerados prescritos aqueles calculados até 5 anos antes da apresentação do requerimento executivo.
102. Considera a Recorrente que os autos ainda não se encontram em condições para prolação de decisão sobre a causa face às várias soluções plausíveis de direito, devendo revogar-se o douto saneador sentença, assim como o douto despacho que indeferiu a prova documental requerida, devendo ser substituídos por decisão que ordene o prosseguimento dos ulteriores termos processuais, retomando a fase do saneamento do processo, com a elaboração do despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, seguindo-se os ulteriores trâmites processuais.
103. O momento próprio para aferir da pertinência ou não dos requerimentos probatórios é no despacho proferido após o despacho que identifica o objecto do litígio e enuncia os temas de prova, o que não foi feito, dado que o Mmº Juiz proferiu saneador-sentença.
104. Caso seja anulada ou revogada a douta sentença recorrida, deverá igualmente ser revogado o douto despacho que indeferiu os requerimentos probatórios efectuados no ponto «2. Prova documental» da petição inicial de embargos de executado, devendo os autos baixar à primeira instância para selecção do objecto do litígio e temas de prova, podendo as partes manter ou alterar os requerimentos probatórios.
105. Caso assim não se entenda, deverá revogar-se o douto despacho, sendo admitido os ditos requerimentos de prova, por serem importantes para a prova da factualidade invocada, a qual é importante para a boa decisão da causa.
106. Decidindo como decidiu, o douto saneador-sentença recorrido violou o disposto nos art.s 211º, nº1 e 212º, nº3 da CRP, arts. 1º, nºs 1 e 2, 5º, nºs 1 e 2, al. g), 7º, nº1, 12º, nº1, al. b), 21º, 98º, nºs 1 e 3, 101º, nº1, al. a), 103º, nºs 1 a 5, 108º, nº2, 140º do CIRS, art. 20º da LGT, arts. 68º e 102º do CPPT, arts. 9º, nºs 1 a 3, 12º, nº1, 310º, al. d), 311º, nº2, 334º, 342º, nº1, 560º, nºs 1 a 3 do Código Civil, art. 595º, nº1, al. b), 615º, nº1, al. d) do C.P.C.
107. Ao decidir como decidiu, o douto despacho que indeferiu o ponto «2. Prova documental» da petição inicial dos embargos de executado, violou o disposto no art. 595º, nº1, al. b) do C.P.C., os princípios do direito à prova, que constitui uma concretização do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (art.20º CRP), os princípios do inquisitório e da cooperação, ínsitos nos arts. 7º, nºs 1 e 2, 410º e 411º do C.P.C.

Termina a Apelante pedindo que sejam revogados o saneador-sentença, assim como o despacho que indeferiu a prova documental requerida, sendo substituído por acórdão que declare extinta a ação executiva, ordenando-se o levantamento das penhoras realizadas; Caso assim não se entenda, que sejam substituídos por acórdão que revogue o douto saneador-sentença, assim como o despacho que indeferiu a prova documental requerida, e ordene o prosseguimento dos ulteriores termos processuais, retomando a fase do saneamento do processo, com a elaboração do despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, seguindo-se os ulteriores trâmites processuais.

Os Exequentes-Embargados apresentaram alegação de resposta defendendo que deve ser negado provimento ao recurso.

Foi proferido despacho de admissão do recurso, com subida nos próprios autos, acrescentando-se o seguinte:
A recorrente invoca que na factualidade provada nos pontos 1, 3, 4 e 6 em vez de “executada” deverá constar “Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A., actualmente incorporada na executada”.
A Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A. ao ter sido incorporada na executada passou a fazer parte desta última, passando, na prática, as suas responsabilidades para a executada como se tivessem sempre sido dela, não podendo a executada se eximir do pagamento de quantias em que aquela tenha sido condenada por força dessa incorporação.
Daí que, por razões de simplificação, se fez constar na mencionada factualidade provada a executada, sendo inócuo constar executada ou, como pretende a recorrente, “Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A., actualmente incorporada na executada”, não se retirando daí qualquer efeito ao nível jurídico.
Todavia, pretendida essa explicitação, defere-se a requerida reclamação nos termos do disposto nos artigos 616.º, n.º 2, alínea b), e 617.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, passando a ler-se “Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A., actualmente incorporada na executada” nos factos dados como assentes n.ºs 1, 3, 4 e 6, onde se lê “executada”.
Já no que concerne à não enunciação do despacho de 19 de Abril de 2012, em vez de se referir tão-só ao despacho de 28 de Junho de 2012, página 4 final, resulta do teor deste último que foi no mesmo que se decidiu definitivamente a forma de contagem dos juros moratórios.
Por razões de facilidade de consulta, os despachos em causa constam de fls. 1224 a 1225 e 1235 a 1237 (folhas creme do vol. VI) dos autos declarativos que, apesar de pedido formulado a 28.01.2021 somente foi remetido a 10 de Março de 2021 a este Tribunal, instruindo os autos com o único propósito de facilitar o encadeamento de actos praticados nesses autos e cujas cópias as partes juntaram aos seus articulados e que daí no saneador se aluda antes aos documentos dos embargos à execução e não também aos dos autos declarativos.
A recorrente invoca ainda que deveria ter sido produzida prova sobre a entrega nos cofres do Estado da quantia retida na fonte.
Ora, do facto n.º 6 consta tal retenção. Da fundamentação da solução propugnada no saneador-sentença resulta que a entrega nos cofres do Estado é relevante [sic – supomos que se pretendeu escrever irrelevante] para a extinção da obrigação exequenda por se ter reputado que a retenção na fonte não deveria ter lugar no caso dos autos, cabendo à executada reclamar junto do Estado a devolução das quantias que tenha retido indevidamente e entregue ao Estado.
Daí que seja entendimento da 1.ª instância não ocorrer nulidade por não se ter admitido a produção de prova nessa matéria por se reputar de inócua para a decisão da causa.
Na verdade, estamos perante questões prejudiciais. Concluindo-se que a retenção na fonte não tem apoio na lei, fica prejudicado saber se a executada entregou ou não nos cofres do Estado a quantia retida dada como provada, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 1, final da 1.ª parte, do Código de Processo Civil.
Mas, ainda que se concluísse que a retenção na fonte teve respaldo na lei, a entrega nos Cofres do Estado da quantia retida não influencia o desfecho da causa, pois a quantia retida não pertenceria aos exequentes mas sim ao Estado, tendo este, nessa perspectiva, legitimidade para reclamar o seu pagamento, e não já os exequentes. Daí que se tenha expressamente referido no ponto B.2. do saneador que:
«Saber se, efectivamente, a executada entregou ou não nos cofres do Estado tais montantes não releva para a decisão da causa, porquanto se se concluir que a lei impunha à seguradora que procedesse a essa retenção, a omissão de entrega nos cofres do Estado desse montante constitui, eventualmente, a prática de um crime de abuso de confiança fiscal, não sendo assacável aos exequentes qualquer responsabilidade nessa matéria, não reclamando a Administração Fiscal junto deles esse pagamento».
Quanto ao documento a que as conclusões de recurso fazem alusão não foi o mesmo junto aos autos, não valendo, pois, salvo melhor entendimento, como documento. Mas ainda que tivesse sido junto, a lei prevê que a junção de documento deve ter lugar em momento contemporâneo com a alegação do facto que se pretende provar com o documento — artigo 423.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Acresce que na convocação da audiência prévia se fez constar expressamente que poderia ser proferido despacho saneador-sentença, pelo que constituiria objecto da diligência «b) facultar às partes a discussão de facto e de direito, por poder estar em causa a eventual prolação de saneador-sentença.» (ponto III do despacho com conclusão de 18.01.2021).
Poderia, pois, a recorrente ter junto esse documento na audiência prévia, dado ter sido alertada de que poderia ser proferido saneador-sentença.
Pelo que parecer que a ter sido junto esse documento sempre se teria de reputar como extemporâneo. Acresce que interpretações da lei efectuadas pela AT não vinculam os Tribunais, não sendo fonte de direito, havendo casos de circulares e outros instrumentos vinculativos da AT que vêm a não merecer o acolhimento dos Tribunais, sendo as decisões dessa entidade revogadas.
Acresce que o entendimento da AT na matéria somente traduz que a executada ao reter na fonte não estaria de má-fé mas a crer que praticaria acto de acordo com a lei, não obstante a aposição dos exequentes no recibo que não aceitavam essa retenção.
Não exime a executada da obrigação exequenda, concluindo-se que essa retenção na fonte não tem acolhimento legal. Em suma, a questão resume-se a saber se a retenção na fonte levada a cabo no caso concreto tinha ou não suporte legal à data.
Na positiva, a obrigação exequenda não é devida.
Na negativa, com essa retenção não logrou extinguir a obrigação pelo pagamento. A entrega nos cofres do Estado do valor retido, se indevido, não extingue pelo cumprimento essa obrigação. Independentemente de os exequentes terem ou não mecanismo legal para reagir junto do Estado contra essa retenção, com os inerentes custos e dispêndio de esforços. Reiterando-se não se verificar a nulidade assacada ao despacho saneador.
É de notar que no recurso a recorrente não conclui como pedido principal que o despacho saneador-sentença seja revogado e substituído por outro que ordene a produção de prova.
Não, a recorrente conclui que deve ser revogado o despacho saneador, «assim como o douto despacho que indeferiu a prova documental requerida, sendo substituído por acórdão que declare extinta a acção executiva, ordenando-se o levantamento das penhoras realizadas».
Ou seja, o que é pretendido como pedido principal do recurso é que o despacho saneador-sentença seja substituído por outro saneador-sentença que conclua pela extinção da execução e consequente cancelamento das penhoras. O que para tal suceder parece que se teria de concluir que a retenção na fonte foi legal, ficando, pois prejudicada a produção de prova no que concerne à entrega nos cofres do Estado das quantias retidas e interpretação da AT na matéria de retenção na fonte.
Somente entendendo o Venerando Tribunal ad quem não ser de extinguir a execução – ou seja, que a retenção na fonte não teria respaldo na lei — é que é pedido a título subsidiário que o despacho saneador-sentença seja substituído por outro que indique temas de prova.
Por tudo isto não se vislumbra ocorrer nulidade do despacho saneador-sentença.”

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

IIFUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir (pela ordem que nos parece mais lógica, tendo em atenção o disposto no art. 608.º ex vi do art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC):
1.ª)-Se devia ter sido julgada procedente a exceção de incompetência absoluta, em razão da matéria;
2.ª)-Se a sentença é nula por omissão de pronúncia, quanto às questões da prescrição e da (incorreta) liquidação/cálculo da quantia exequenda na parte atinente aos “juros sobre juros”;
3.ª)-Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto, designadamente no tocante à redação dos pontos 1, 3, 4 e 6, e com o aditamento de novo facto;
4.ª)-Se inexiste título executivo quanto aos peticionados “juros de juros”;
5.ª)-A considerar-se que o título dado à execução abrange esses juros, se procede a exceção da prescrição no que aos mesmos concerne;
6.ª)-Se a prestação devida (pagamento dos juros nos termos determinados no acórdão condenatório) se extinguiu com a retenção na fonte efetuada pela ora Apelante, apreciando se o estado dos autos já permitia, sem necessidade de mais provas, conhecer das demais exceções perentórias.

Questão prévia

A Exequente interpôs recurso de duas decisões, aparentemente autónomas, invocando o disposto nos artigos 644.º, n.º 1, al. a), 644.º, n.º 2, alíneas b) e d), e 645.º, n.º 1, al. a), do CPC, aplicáveis ex vi dos arts. 852.º e 853.º do mesmo Código.
A perspetivar-se a primeira dessas decisões como um típico despacho de rejeição de um meio de prova, da mesma caberia apelação autónoma, com subida em separado, nos termos conjugados dos artigos 644.º, n.º 2, al. d), 645.º, 852.º e 853.º, todos do CPC.
Logo, dela não cumpriria conhecer no presente recurso, já que interposto de decisão final e com subida nos próprios autos - cf. art. 644.º, n.º 1, al. a) e demais artigos indicados. Não se está perante a situação de recurso único prevista no n.º 4 do art. 644.º, nem perante a formação de único processo nos termos do n.º 3 do art. 645.º (neste último, estão em causa apelações que subam conjuntamente, em separado, dos autos principais).
Parece-nos, no entanto, que não se está aqui, em bom rigor, perante um típico despacho de rejeição de meio de prova, tanto assim que tal implicaria pronúncia sobre os requerimentos probatórios propriamente ditos.
Na verdade, a decisão em apreço resume-se a uma específica justificação por parte do Tribunal a quo da posição assumida, que determinou a prolação do saneador-sentença, de que o estado do processo já permitia, sem necessidade de mais provas, em particular a documental referida no aludido ponto 2., a apreciação total das exceções invocadas no requerimento inicial de embargos.
Por isso, não faria sentido a apelação autónoma tendo por objeto uma decisão, que, assim interpretada, se mostra abrangida pela decisão final, constituindo pressuposto e parte integrante da mesma.

1.ª questão – Da exceção de incompetência absoluta em razão da matéria

Na decisão recorrida, teceram-se a este respeito as seguintes considerações:
Tem vindo a ser entendimento dos Altos Tribunais com competência para julgar acções cíveis que os Tribunais comuns são competentes para executar sentença condenatória por eles proferida, mesmo que o exequente invoque que a parte da indemnização que o executado não lhe pagou corresponde à retenção na fonte que este entendeu aplicar — cf., com indicações jurisprudenciais, ac. do TRL de 26.06.2008, ECLI:PT:TRL:2008:605.2008.6.DD.
Na verdade, a competência material afere-se da forma como o autor estrutura a sua pretensão.
Os exequentes instauraram a execução com fundamento em sentença condenatória proferida por tribunal comum, que condenou a executada a lhes pagar determinada quantia que esta lhes deixou de pagar com fundamento em retenção na fonte.
Executam, pois, a decisão daquela sentença que a executada deixou de cumprir.
É certo que invocam o motivo pelo qual a executada deixou de cumprir e reputam esse fundamento como ilegítimo.
Todavia, daí não decorre que estejam a deixar de executar a sentença. Para aferir da exequibilidade do título executivo o tribunal limita-se a aferir se do mesmo resulta a obrigação de pagamento em falta, o que sucede. A sentença condenatória não procedeu a qualquer alusão à retenção na fonte dos juros objecto da condenação.
Já constitui matéria de embargos à execução saber se essa retenção foi legítima e, por conseguinte, se a executada nada deve aos exequentes ou se terá de ser a mesma quem terá de reclamar a devolução do valor que reteve junto da Administração Fiscal por se considerar não haver lugar a essa retenção.
Em suma, com a execução os exequentes não estão a reagir contra um acto tributário, mas sim perante postura da executada de lhes deixar de entregar a totalidade do valor no qual foi condenada, sem que a sentença procedesse a qualquer referência, nem as partes vêm alegar que o tivessem solicitado, à retenção na fonte quanto aos juros objecto da sentença.
Nem os exequentes careciam de justificar no título executivo a razão pela qual somente executavam parte da sentença. Bastaria tão-só mencionar qual o valor que executavam.
Face ao exposto, por os tribunais comuns serem os competentes para executarem as respectivas condenações, julga-se improcedente a excepção de incompetência material invocada pela executada.

A Apelante argumenta, em síntese, que o Juízo de execução não é materialmente competente para apreciar a questão da (in)validade da retenção efetuada, pelo que deverá ser revogada a douta sentença recorrida, declarando-se extinta a ação executiva.

Os Apelados discordam, invocando, em abono da sua posição, a jurisprudência firmada designadamente pelo acórdão do STJ de 16-06-2003 relatado pelo Conselheiro Moitinho de Almeida.

Apreciando.

A competência constitui, como é consabido, um pressuposto processual relativo ao Tribunal, a apreciar em função dos termos em que a ação foi posta e a determinar pela forma como o autor/exequente/requerente estrutura o pedido e a respetiva causa de pedir (sendo esta, grosso modo, o conjunto dos factos juridicamente relevantes de que emerge o direito invocado pelo autor). Neste sentido, a título exemplificativo, veja-se o acórdão do STA de 27-02-2003, no proc. n.º 0285/03, e o acórdão do Tribunal dos Conflitos de 05-05-2004, no proc. n.º 0374, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
De referir que, salvo nos casos especialmente previstos na lei, a competência se fixa no momento em que a ação é proposta - cf. art. 38.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26-08 (LOSJ) -, o que releva, além do mais, no sentido da aplicação ao caso dos preceitos legais na redação então em vigor.
Encontrando-se o poder jurisdicional dividido por várias “espécies” de tribunais segundo a natureza da matéria das causas, a competência em razão da matéria distribui-se por “categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre elas” (Antunes Varela, Miguel Bezerra, e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 207).
Dentro da organização judiciária, os tribunais judiciais gozam de competência não discriminada (competência genérica), enquanto os restantes tribunais, designadamente os da jurisdição administrativa e fiscal, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas. É o que resulta do art. 40.º, n.º 1 da referida LOSJ, do art. 64.º do Código de Processo Civil e do art. 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, normativos que consagram a regra da competência residual dos tribunais judiciais/comuns: a competência destes tribunais só se verifica quando as regras reguladoras da competência de outra ordem jurisdicional não abarcam o conhecimento da questão que é submetida à apreciação do tribunal.

De entre os tribunais ditos “especiais” destacam-se precisamente os da jurisdição administrativa e fiscal, que são “(…) os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto” - art. 1.º, n.º 1, do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-02, na redação da Lei n.º 114/2019, de 12-09, em vigor à data da propositura da presente ação.

Assim, a “pedra de toque” para efeitos de determinação da competência material dos tribunais administrativos há muito que não reside na dicotomia “atos de gestão pública/atos de gestão privada”, mas sim no próprio critério constitucional plasmado no art. 212.º, n.º 3, da Lei Fundamental, ou seja, compete aos tribunais dessa jurisdição especial o julgamento de ações que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das denominadas relações jurídicas administrativas e fiscais (exemplificativamente, veja-se o acórdão do STJ de 20-10-2005, no proc. n.º 05B2224, disponível para consulta em www.dgsi.pt). Nesta linha se inserem as previsões das alíneas a) e o) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF, das quais resulta, em traços gerais, que incumbe, em princípio, à jurisdição administrativa e fiscal o julgamento de quaisquer ações que tenham por objeto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais, ou seja, todos os litígios originados no âmbito da administração pública globalmente considerada, com exceção dos que o legislador ordinário expressamente atribua a outra jurisdição.

Por outro lado, no caso dos autos, importa ter presente o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 85.º do CPC, incluído nas disposições especiais sobre execuções e atinente à competência para a execução fundada em sentença:
“1- Na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, exceto quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado.
2- Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham.”

Este preceito deve ser conjugado com o disposto no art. 129.º da LOSJ, cujo n.º 1 estabelece precisamente que: “Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil”. E ainda, no que tange especificamente à criação do Juízo de Execução do Funchal, com o art. 90.º, n.º 1, al. g), do DL n.º 49/2014, de 27-03 (que regulamenta a LOSJ).

De referir, finalmente, no tocante à competência do tribunal em relação às questões incidentais, o disposto no art. 91.º do CPC:
“1- O tribunal competente para a ação é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa.
2- A decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respetivo, exceto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia.”

E, quanto às questões prejudiciais, o previsto no artigo 92.º do CPC:
“1- Se o conhecimento do objeto da ação depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
2- A suspensão fica sem efeito se a ação penal ou a ação administrativa não for exercida dentro de um mês ou se o respetivo processo estiver parado, por negligência das partes, durante o mesmo prazo; neste caso, o juiz da ação decidirá a questão prejudicial, mas a sua decisão não produz efeitos fora do processo em que for proferida.”

Lembramos a propósito as palavras de Miguel Teixeira de Sousa no seu post disponível em https://blogippc.blogspot.com/2015/04/conhecimento-de-excepcoes-peremptorias.html, intitulado “Conhecimento de excepções peremptórias no despacho saneador? Depende!...”, em que o referido Professor, a propósito do acórdão do STJ de 26-03-2015 (proferido no processo n.º 1847/08.5TVLSB.L1.S1), explica que:
“Quando é invocada uma excepção peremptória, o objecto do processo passa a comportar, além do facto constitutivo invocado pelo autor, um facto impeditivo, modificativo ou extintivo alegado pelo réu. Consequentemente, o objecto da decisão passa a ser não só aquele facto alegado pelo autor, mas também este facto invocado pelo réu. Este objecto passa de uno (o tribunal só tem de se pronunciar sobre a pretensão do autor) para plúrimo (o tribunal também tem de se pronunciar sobre a excepção invocada pelo réu).”

Numa situação próxima da que nos ocupa, embora no domínio da anterior legislação, pronunciou-se o STJ no acórdão de 15-01-2004, proferido no proc. n.º 03B4010 (é este, aliás, o acórdão que os Apelados indicaram, embora, por lapso, com a data incorreta - mencionando a data do acórdão da Relação do Porto recorrido - e sem referirem o n.º do processo), designadamente nos seguintes termos:
«Há, porém, que ter em conta o disposto nos artigos 90º, nº1 e 96º, nº1, do Código de Processo Civil, nos termos dos quais "para a execução que se funde em decisão proferida por tribunais portugueses, é competente o tribunal de 1ª instância em que a causa foi julgada" e "O tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa".
"Assim, tendo o embargante alegado como meio de defesa que o montante dito em dívida corresponde ao que foi retido na fonte, nos termos do Cód. do IRS, pode o Tribunal comum conhecer dessa matéria, com base na competência por extensão prevista no art.96º nº1 do CPC".
Esta é a jurisprudência da Relação do Porto (ver os acórdãos de 18 de Fevereiro de 2002, processo 0151876, e de 8 de Maio de 2003, processo nº 0331980).
E também este Supremo se considera competente para apreciar se é devido IVA, tratando-se de uma relação jurídica de direito privado (acórdão de 29 de Abril de 2003, revista nº4046/02), e em situação em tudo semelhante à dos presentes autos (acórdãos de 11 de Outubro de 2001, revista nº1993/01 e de 23 de Outubro de 2003, revista nº2749/03).
Com efeito, as disposições mencionadas pela Recorrente e que definem o âmbito do contencioso tributário devem ser interpretadas à luz do disposto no artigo 96º, nº2 do Código de Processo Civil, que é lei especial, com efeitos limitados: a decisão proferida não constitui caso julgado fora do processo, precisamente por a competência em razão da matéria pertencer àquele contencioso (nº2, in fine).»

Em face dos citados preceitos legais e jurisprudência, torna-se claro que o Juízo de Execução do Funchal é competente, em razão da matéria, para conhecer da presente ação executiva para pagamento de quantia certa, cujo título executivo é uma decisão judicial condenatória, o que inclui, como não podia deixar de ser, a defesa deduzida no apenso de embargos.

De salientar, aliás, que a exceção suscitada pela Embargante não se resume à “validade da retenção efetuada”, mas antes ao cumprimento da obrigação pecuniária em apreço, alegando que realizou a prestação devida, fazendo-o conforme determinado no CIRS, com a retenção na fonte e entrega aos cofres do Estado da quantia ora peticionada. Tendo a questão sido suscitada em sua defesa pela Embargante é até inusitado vir afirmar, do mesmo passo que a invoca, que o Tribunal não é competente para dela conhecer. Ou seja, na sua ótica, se bem se percebe, o Juízo de Execução do Funchal seria competente para julgar válida a retenção na fonte efetuada, mas já não seria competente para a julgar inválida. Não pode ser assim, como é óbvio.

Acresce que a Embargante nem sequer requereu a suspensão da instância dando conta de ter sido intentada (ou da sua intenção de o fazer) uma ação num Tribunal da jurisdição administrativa e fiscal para ver apreciada uma tal questão, parecendo considerar que só os Exequentes é que podiam vir suscitar tal questão em sede de reclamação junto da Autoridade Tributária, o que desconhece se sucedeu.

De referir, por último, que não se trata nos presentes autos de decidir se o ato de retenção de fonte deve ser anulado ou corrigido, muito menos se a quantia que, a esse título, possa ter sido entregue aos cofres do Estado deve ser restituída ou entregue a alguma das partes, sendo certo que a decisão que aqui vier a ser proferida a respeito da questão suscitada, na medida em que verse sobre obrigações tributárias (originárias e subsidiárias), não constitui caso julgado fora deste processo.

Improcedem, pois, sem necessidade de mais considerações, as conclusões da alegação de recurso a este respeito, mostrando-se acertada a decisão recorrida que julgou improcedente a exceção dilatória de incompetência absoluta.

2.ª questão – Da nulidade da sentença

Defende a Executada, ora Apelante, que o saneador-sentença é nulo por ter omitido pronúncia sobre as questões da prescrição dos “juros sobre juros” e da liquidação ou cálculo dos mesmos (cf. art. 615.º, n.º 1, d), do CPC).

Os Apelados nada responderam a este propósito.

No despacho de admissão do recurso, o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre outras questões, fora do âmbito de aplicação do art. 617.º do CPC, nada referindo a respeito destas (putativas) causas de nulidade da sentença.

Vejamos.
Nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Intrinsecamente relacionado com este preceito legal, dispõe o art. 608.º do CPC que:
“1- Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
2- O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Atentando na sentença recorrida, verificamos que na mesma foi apreciada a questão da prescrição da “obrigação exequenda”, respeitante a juros, nos seguintes termos:

“B.4.−DA PRESCRIÇÃO
A embargante pugna que a obrigação exequenda se encontraria prescrita por respeitar a juros, tendo já decorrido cinco anos desde a data em que os exequentes tiveram conhecimento da retenção na fonte.
Porém, olvidam o disposto no artigo 311.º do Código Civil que dispõe:
“1. O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
2. Quando, porém, a sentença ou outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo”.
Tratando-se de prescrição de curto prazo, existindo sentença transitada em julgado que reconheça o direito em relação ao qual foi invocada a prescrição — juros —, passa a aplicar-se o prazo ordinário de prescrição e não o prazo curto, porquanto o título executivo é agora a decisão judicial.
O montante de juros retidos na fonte foi reconhecido como devidos no título executivo dado à execução. Logo, o prazo para reclamar o seu pagamento é de 20 anos e não de 5.
Donde, à data da instauração da execução, bem como até à presente data, não se encontra decorrido o prazo de prescrição de 20 anos.”

Ora, face ao que foi decidido, parece-nos claro que não se pode aqui falar de omissão de pronúncia, mas, tão só, de eventual erro de julgamento, por não ter sido atribuída relevância jurídica decisiva à circunstância de tal obrigação exequenda se reportar, não apenas ao montante de juros de mora titulados por acórdão transitado em julgado, mas também abranger um valor relativo a juros vencidos sobre aquele outro montante.

Já no que concerne ao (supostamente) errado cálculo dos ditos juros de juros, a verdade é que, contrariamente ao que a Apelante afirma tal questão não foi suscitada no Requerimento Inicial de embargos. Interpretando essa peça processual, de harmonia com as regras constantes dos artigos 236.º a 238.º do CPC (porque traduzida em declarações escritas dirigidas ao Tribunal - como é pacífico – exemplificativamente, acórdão do STJ de 21-04-2005, na Revista n.º 942/05 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, como proc. n.º 05B942), não podemos, de modo algum, acompanhar o que aquela defende. É bem certo que, no art. 78.º desse articulado, consta o seguinte A Executada desconhece como os Exequentes chegaram ao valor de 9186,21€ a título de juros sobre juros, os quais são igualmente excessivos e indevidos”. Todavia, essa afirmação está inserida na parte V da dedicada à “Inexistência de título executivo” no que se refere aos juros sobre juros, limitando-se a Embargante a alegar, a este respeito, que, mesmo que se entendesse que devia pagar aos Exequentes a quantia que reteve e entregou aos cofres do Estado (relativa a juros moratórios), inexistia título quanto ao mais peticionado na execução, pois não foi condenada, no acórdão em que a mesma se baseia, no pagamento de juros sobre juros, mas apenas de juros sobre o capital, não se verificando os pressupostos do art. 560.º do CC; insistindo que, a não se entender assim, sempre teria ocorrido a prescrição quanto aos juros vencidos até 5 anos antes da citação, nos termos do art. 310.º, al. d), do CC. Nada, rigorosamente nada, foi alegado pela Embargante no sentido de demonstrar que a liquidação feita no Requerimento Executivo estava incorreta, sendo certo que a afirmação produzida não o foi sequer no contexto de defesa por impugnação de direito. Portanto, tal afirmação apenas pode ser entendida como reportada às exceções efetivamente invocadas, ou seja: o valor peticionado a título de juros sobre juros não ser devido, não apenas pelas razões antes expendidas, mormente no tocante à invocada obrigatoriedade legal de retenção na fonte, mas também por falta de título executivo e, ainda que assim não se considere, haver de ser reduzido por se verificar, quanto a uma parte do crédito, a prescrição.

Logo, não se pode considerar que tenha sido suscitada a questão de erro na liquidação da quantia exequenda, o que significa, obviamente, que não foi omitida pronúncia a este propósito. Tão pouco tendo cabimento, desde já o salientamos, a sua apreciação no âmbito do presente recurso, uma vez que se trata de questão nova. Neste sentido, da inadmissibilidade da apreciação de questões novas nos recurso, veja-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão do STJ de 23-03-2017, na Revista n.º 4517/06.5TVLSB.L1.S1 - 2.ª Secção, com sumário disponível em www.stj.pt: “Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso (art. 627.º, n.º 1, do CPC).”

Também Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª edição, Almedina, pág. 119, explica que: A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto, de em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso”.

Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso a este propósito, indeferindo-se a arguição da nulidade do saneador-sentença.

3.ª questão – Da impugnação da decisão da matéria de facto

Na decisão recorrida, considerou-se que, tendo por base o título executivo dado à execução e a certidão junta com a Contestação, se encontravam provados, com interesse para o conhecimento e apreciação da causa, os seguintes factos [acrescentámos, face ao teor dos documentos juntos aos autos, designadamente o doc. 1 junto com o Requerimento Executivo, o doc. 1 junto com o Requerimento Inicial dos presentes embargos e os documentos 1 e 4 juntos neste apenso com o requerimento de 21-10-2020, a matéria de facto que consta entre parenteses retos – cf. art. 662.º, n.º 1, do CPC]:
1.No dia 8 de maio de 2020, foi apresentado à execução n.º 1875/20.2T8FNC, em apenso, acórdão do STJ de 9 de fevereiro de 2012 [proferido no processo n.º 299/1999.L1.S1, ação que teve início no então Tribunal de Círculo do Funchal], transitado em julgado a 3 de setembro de 2012, que condenou a ora Executada [aí ré, antes denominada “Companhia de Seguros Império, S.A.” e, à data da prolação do acórdão, “Império - Bonança, Companhia de Seguros, S.A.”] a pagar aos ora Exequentes 119.960,89 € [equivalentes a 24.050.000$00, considerando o STJ estar verificado o sinistro coberto pelo seguro, por incluído no risco “inundações”, e que, apesar de ter sido peticionada a “liquidação dos danos para execução de sentença”, a ré seguradora aceitava, na sua contestação, danos na casa dos aí autores até ao esse montante, pelo que o mesmo já era de considerar liquidado] e no que «vier a liquidar-se em execução de sentença dentro dos limites do pedido» com fundamento em indemnização por dano verificado em casa de habitação coberto por apólice de seguro — cf. título executivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido [mencionando-se aí que, por contrato de seguro celebrado entre os ora Exequentes e a ora Executada, ficou garantida a cobertura dos danos diretamente causados aos bens seguros (sendo o valor do seguro, quanto à casa dos aí autores, de 30.600.000$00 ꞊ 152.632,16 €, e, quanto ao respetivo recheio, de 3.000.000$00 ꞊ 14.963,94 €) pela ocorrência de qualquer dos riscos mencionados no art. 3.º das condições gerais da apólice, cujo ponto 3.1.3 se referia a inundações, estabelecendo que garantia “danos causados aos bens seguros em consequência de enxurradas ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais”, não ficando garantida a cobertura dos danos sofridos pelos bens seguros em consequência de fenómenos geológicos de aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundamentos de terrenos].
2.Por despacho de 28 de junho de 2012, página 4 (final), do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, proferido nos mencionados autos declarativos, consta que «os juros moratórios sobre os montantes quer já apurados quer a liquidar são devidos desde a citação na acção declarativa» — cf. despacho do STJ junto com o requerimento de 21-10-2020 (referência 3899980), que aqui se dá por integralmente reproduzido [onde se lê “despacho” deverá ler-se “acórdão”].
3.A Executada [então denominada “Império - Bonança”] procedeu ao pagamento do capital em que tinha sido condenada pelo referido aresto no montante de 119.960,89 €, a 27 de junho de 2012 — cf. recibo junto por requerimento de 23-11-2020 (49268321) documento 5, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
4.Na mesma data, a Executada [então denominada “Império - Bonança”] procedeu ao pagamento de 68.187,89 € de juros e declarou ter retido o montante de 13.474,25 € a título de retenção na fonte de IRS à taxa de 16,5% — cf. recibo junto por requerimento de 23-11-2020 (49268321) documento 6 e documento n.º 1 junto com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
5.Nesse recibo, o procurador dos Exequentes apôs a seguinte declaração:
«Assinamos o recibo dos juros com a ressalva de que não aceitamos a retenção no valor do IRS uma vez que essa medida é ilegal e inconstitucional. Se essa companhia não nos pagar o valor retido, no montante de 13.474,25 euros, iremos em tribunal».
6.Porém, a Executada [então denominada “Império - Bonança”] reteve na fonte tal montante.

A Exequente vem, sem embargo de reputar prematura a prolação de saneador-sentença, impugnar os factos provados nos pontos 1, 3, 4 e 6, pugnando pela sua alteração por forma a que onde consta “executada” passe a constar “Império Bonança - Companhia de Seguros, S.A., actualmente incorporada na executada.” Invoca, para tanto, os acórdãos juntos com o Requerimento Executivo, com o Requerimento Inicial de embargos de executado (doc. 1) e com o seu requerimento de 21-10-2020 (doc. 4), bem como o recibo junto à Contestação como doc. 1 e o recibo junto ao requerimento de 21-10-2020 como doc. 6.

Os Apelados nada disseram a este respeito.

O Tribunal recorrido, no despacho de admissão do recurso pronunciou-se indevidamente sobre tal questão, que extravasa o âmbito de aplicação do disposto no art. 617.º do CPC, sendo certo que também não era caso para aplicar o art. 616.º do CPC.

Mas, face ao teor dos referidos documentos e por uma questão de rigor, já foi feita a retificação que reputamos adequada, nos termos acima referidos, pelo que nada mais cumpre determinar a este propósito.

Pretende ainda a Apelante que seja aditado ao elenco dos factos provados o seguinte:
Por douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 19-04-2012, foi acordado “(...) em conceder provimento à revista dos recorrentes BM e UW revogando-se o acórdão recorrido e condenando a Companhia de Seguros Bonança, S.A. a pagar o montante de 24.050.000$00 (119.960,89 euros) – artº 34º da Contestação) e no que vier a liquidar-se em execução de sentença dentro dos limites do pedido acrescenta-se com juros legais contados desde a citação. (...)” cf. acórdão do STJ junto aos embargos de executado de 09.07.2020, que aqui se dá por integralmente reproduzido.”, por ser importante para a boa decisão da causa.
No seu entender, trata-se de facto importante para a decisão da causa, já que foram proferidos três acórdãos pelo Supremo Tribunal de Justiça, datados, respetivamente, de 09-02-2012, 19-04-2012, e 28-06-2012. (cf. acórdão junto ao Requerimento Executivo, doc. 1 junto ao Requerimento Inicial de embargos de executado e doc. 4 junto ao requerimento de 21-10-2020), sendo o saneador-sentença omisso no que se refere ao acórdão de 19-04-2012, no qual, na sequência da reclamação apresentada pelos Exequentes, foi a então Ré condenada nos juros legais contados deste a citação.

Os Apelados também nada responderam a este propósito.

Apreciando.

Por uma questão de rigor já foram oficiosamente retificados os pontos 1. e 2. do elenco dos factos provados.
Importa ainda, proceder ao aditamento nos moldes pretendidos pela Apelante, o que sempre se faria oficiosamente (cf. art. 662.º, n.º 1, do CPC), por se tratar de factualidade relevante e plenamente provada, desde logo, em face do documento 1 junto com o Requerimento Inicial dos embargos e do documento 2 junto com o requerimento de 21-10-2020.

Assim, adita-se ao elenco dos factos provados o seguinte:
1-A. Tendo sido requerida a aclaração do acórdão referido em 1., veio o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão datado de 19-04-2012 (cuja cópia foi junta como doc. 1 com o Requerimento Inicial de embargos, aqui se dando por reproduzido o seu teor), decidir o seguinte: “Nesta conformidade, na parte decisória do acórdão onde consta acorda-se em conceder provimento à revista dos recorrentes BM e UW revogando-se o acórdão recorrido e condenando a Companhia de Seguros Bonança, S.A. a pagar o montante de 24.050.000$00 (119.960,89 euros) – artº 34º da Contestação) e no que vier a liquidar-se em execução de sentença dentro dos limites do pedido acrescenta-se com juros legais contados desde a citação.

Facto a aditar

No art. 29.º do Requerimento Inicial, foi alegado pela Executada-Embargante que entregou aos cofres do Estado o valor de 13.474,25 € retido.

Na sua Contestação, os Exequentes-Embargados afirmaram que “desconhecem se a executada entregou à autoridade tributária, o valor dos juros retidos, nem se trata de facto pessoal ou de que deva ter conhecimento, o que equivale a impugnação” (cf. art. 20.º).

Parece assim que estes se pretenderam prevalecer do disposto no art. 574.º, n.º 3, do CPC, ex vi do art. 551.º do mesmo Código, prevendo aquele que se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.

Sucede que, contrariamente ao que terá sido perspetivado pelo Tribunal a quo, nos parece tratar-se de facto essencial ou, pelo menos, complementar do atinente à retenção na fonte, em que se baseia a exceção deduzida do cumprimento, por via de substituição tributária, pelo que pode e deve ser considerado pelo juiz, nos termos do art. 5.º do CPC.

Ademais, não se trata de facto que só possa ser provado por documento (cf. art. 574.º, n.º 2, do CPC – neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 11-10-2018, no proc. n.º 9902/17.4T8LSB-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt).

Ora, posto isto, importa referir que, contrariamente ao que os Exequentes afirmam, estamos perante facto de que estes deviam e devem ter conhecimento, como melhor resultará da apreciação da última questão, mas que desde já decorre da circunstância inelutável de ter sido comprovadamente retida na fonte pela Executada uma importância com o fundamento de se tratar de imposto (IRS) devido pelos próprios Exequentes.

Assim sendo, estes, melhor do que ninguém, sabem ou têm obrigação de saber, se essa quantia foi ou não entregue à Autoridade Tributária, estando refletida na sua declaração de IRS relativa ao ano 2012. Basta ver que nos termos do art. 97.º do CIRS, na redação então aplicável, se estabelece, quanto ao pagamento do imposto, que o IRS deve ser pago no ano seguinte àquele a que respeitam os rendimentos e que as importâncias efetivamente retidas ou pagas nos termos dos artigos 98.º a 102.º (como foi o caso) são deduzidas ao valor do imposto respeitante ao ano em que ocorreu a retenção ou pagamento.

Portanto, o facto está confessado, plenamente provado, pelo que, ao abrigo dos artigos 607.º, n.º 4, ex vi 663.º, n.º 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, se determina que seja aditado ao elenco dos factos provados, passando a contar do ponto 6, nos seguintes termos:
6.Porém, a Executada [então denominada “Império - Bonança”] reteve na fonte tal montante, entregando-o aos cofres do Estado.

4.ª questão - Da falta de título executivo quanto ao valor peticionado a título de “juros sobre juros”

Na sentença recorrida considerou-se a este propósito o seguinte:
“B.3.−DOS JUROS SOBRE OS MONTANTES RETIDOS NA FONTE
A embargante pugna que não existe base legal para os exequentes exigirem o pagamento de juros sobre o montante de juros que reteve na fonte.
Como constata o mencionado aresto do TRP de 12.04.2005, ECLI:PT:TRP:2005:0520551.45, é verdade que se trata de um pedido de juros sobre juros, mas já reconhecidos judicialmente, e não pagos nessa parte.
No tocante ao chamado anatocismo, estabelece o artigo 560.º do Código Civil que pode haver juros de juros a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.
Porém, tal situação ocorrerá na pendência da obrigação de que emerge o direito aos juros a capitalizar, e não em casos como o presente.
Com efeito, liquidados tais juros e satisfeita a obrigação que os gerou, bem até como parte daqueles, cessou o vencimento dos mesmos, pelo que a parte dos juros não paga se apresenta como um crédito determinado, de modo tal que não cabe já qualquer capitalização, pois se apresenta com autonomia.
Assim, não sendo satisfeito, dá por sua vez lugar a juros demora, nos termos gerais — cf. o citado aresto.
Logo, não existe qualquer óbice à cobrança na execução dos juros que se venceram desde a data da retenção na fonte sobre o montante retido.”

A Executada-Apelante discorda, argumentando, em síntese, que mesmo que se entenda que assiste aos Exequentes o direito de haverem a quantia relativa aos juros retidos, a condenação não abrange os juros sobre juros conforme foi peticionado (sem indicação da taxa aplicada) e reconhecido na sentença recorrida; além disso, não se verificam os circunstancialismos que afastam a proibição do anatocismo (cf. art. 560.º do CC).

Os Apelados limitam-se a afirmar, no que ora importa, que como, até este momento, a Executada não pagou, nem depositou, a quantia de 13.474, 25 €, tem de pagar juros sobre esta quantia, nos termos constantes do Requerimento Executivo.

Vejamos.

Não se confundindo com a causa de pedir, o título executivo constitui - conforme resulta, além do mais, do disposto no art. 703.º do CPC - pressuposto indispensável de qualquer execução, sua condição necessária e suficiente (assim, exemplificativamente, veja-se o acórdão do STJ de 03-11-2011, no proc. n.º 1552/07.0TBOAZ-E.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt; na doutrina, Marco Carvalho Gonçalves, in “Lições de Processo Civil Executivo”, 2.ª edição, Almedina, págs. 47-58). Não havendo execução sem título, a falta ou insuficiência do mesmo determina, como é sabido, o indeferimento liminar, ainda que parcial do requerimento executivo [cf. art. 726.º, n.ºs 2, al. a), e 3, do CPC] ou a rejeição oficiosa, ainda que em parte, da execução (cf. art. 734.º do CPC) ou, no apenso de embargos de executado, a procedência dos mesmos, com a consequente extinção da execução (total ou parcial) [cf. art. 729.º, al. a), e 732.º, n.º 4, do CPC].

A presente execução tem por base uma decisão judicial, mais precisamente, um acórdão condenatório (incluindo a sua retificação), o que se reconduz à previsão da alínea a) do n.º 1 do referido art. 703.º, sendo certo que deste acórdão nada consta quanto à figura da capitalização de juros ou anatocismo prevista no art. 560.º do CC; ou seja, inexiste segmento condenatório do qual resulte que além dos juros de mora, a Ré ficava obrigada a pagar juros sobre tais juros.

É bem certo que o n.º 2 do art. 703.º do CPC estabelece que se consideram abrangidos pelo título executivo os “juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante”. Porém, uma vez que a obrigação constante do título é já uma obrigação de juros (e não de capital), é evidente que não se está perante a previsão deste normativo.

Nem cumpre discutir se vigora ou não um regime de inadmissibilidade geral do anatocismo (sobre esta controvérsia, veja-se, com muito interesse, o acórdão da Relação de Lisboa de 14-01-2020, no proc. n.º 26897/18.0T8LSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, relatado pela ora 1.ª Adjunta e com intervenção do ora 2.º Adjunto) ou se estão (ou não) verificados, in casu, os pressupostos para que pudesse ter lugar ao abrigo do art. 560.º do CC, tanto mais que nada – rigorosamente nada – foi alegado a esse propósito no Requerimento Executivo.

Cabe apenas constatar que, face aos termos do título dado à execução, os únicos juros de mora que a Executada, ora Apelante, foi condenada a pagar, não se mostram capitalizados, sendo certo que os Exequentes não vieram, cumulativamente com o acórdão condenatório do STJ, dar à execução outra decisão judicial que tivesse determinado a capitalização dos juros - cf. art. 10.º, n.º 5, e 729.º, al. a), do CPC.

Logo, inexiste título executivo quanto ao montante de “juros sobre juros” peticionados, o que implica a absolvição da instância executiva, neste particular, sem prejuízo de se poder vir a concluir, a final, pela improcedência dos embargos, na eventualidade de procedência das exceções perentórias (6.ª questão), nos termos do n.º 3 do art. 278.º do CPC.

Consequentemente, fica prejudicada a apreciação da 5.ª questão, atinente à prescrição (do direito a “juros de juros”).

6.ª questão – Da relevância jurídica da retenção na fonte e do abuso do direito

No saneador-sentença recorrido foram julgadas improcedentes as exceções do cumprimento por via de retenção na fonte e do abuso do direito, pese embora estivesse por demonstrar o facto alegado pela Embargante atinente à entrega aos cofres do Estado da quantia retida. Entendeu o Tribunal da 1.ª Instância que o estado dos autos permitia, com a necessária segurança, o imediato conhecimento da causa nos termos do disposto no art. 595.º, n.º 1, al. b), ex vi art. 732.º, n.º 2, todos do CPC, por tal factualidade não relevar para a decisão da causa, tão pouco importando saber se teve lugar a apresentação pelos Exequentes de reclamação junto da Autoridade Tributária e se aqueles declararam os montantes em causa (estes últimos são, note-se, factos cuja ocorrência não foi alegada no Requerimento Inicial, mas meros factos instrumentais cuja indagação pretendia para prova de outros).

Fundamentou-se nos seguintes termos o decidido quanto a estas questões (sublinhado nosso):

“B.2.− DA RETENÇÃO NA FONTE E DO ABUSO DE DIREITO
As partes concordam que a quantia exequenda se reporta a juros de indemnização em que a executada, por sentença transitada em julgado, foi condenada a pagar aos exequentes. Mais concordam que o fundamento da falta de pagamento consiste em retenção na fonte. Saber se, efectivamente, a executada entregou ou não nos cofres do Estado tais montantes não releva para a decisão da causa, porquanto se se concluir que a lei impunha à seguradora que procedesse a essa retenção, a omissão de entrega nos cofres do Estado desse montante constitui, eventualmente, a prática de um crime de abuso de confiança fiscal, não sendo assacável aos exequentes qualquer responsabilidade nessa matéria, não reclamando a Administração Fiscal junto deles esse pagamento.
Assim, a questão central dos presentes embargos à execução consiste em saber se assiste razão à seguradora em não proceder ao pagamento da quantia exequenda com fundamento em retenção na fonte. Se se concluir que não poderia ter procedido a tal retenção, contrariamente ao por si pugnado, cabe a si e não aos exequentes diligenciar junto da Administração Fiscal por essa devolução. O acto de retenção não constitui um acto daquela Administração, mas sim da seguradora. No âmbito da acção civil releva somente saber se a executada cumpriu ou não a sentença dada em execução. Concluindo-se que não a cumpriu, na íntegra, por não lhe assistir razão na retenção na fonte, cabe tão-só nos poderes do presente Tribunal declarar que falece a excepção invocada e, consequentemente, ordenar que a execução prossiga para pagamento dessa quantia. É alheio ao processo saber se a seguradora entregou ou não nos cofres do Estado essa quantia e o modo como deverá proceder para obter a devolução.
Nem se invoque que se corre o risco de a Administração Fiscal ter outro entendimento e a seguradora ficar lesada, pois esta última não fica impedida de recorrer aos Tribunais Tributários, nem, caso obtenha decisão desfavorável por facto que não lhe seja imputável, instaurar a respectiva acção civil a peticionar a condenação dos exequentes a ressarci-la do montante que entregou junto da Administração Fiscal com fundamento na decisão emanada da jurisdição fiscal.
Donde, não cabia aos exequentes terem reclamado junto da Autoridade Tributária contra a retenção na fonte, por se tratar de facto a que foram totalmente alheios, não estando privados de exercer o seu direito ao pagamento junto dos Tribunais comuns que emitiram a condenação que se executa nos autos principais.
Nem ficaram com o seu direito precludido de instaurar a acção executiva por não terem, como afirma a seguradora, reclamado junto desta contra a retenção na fonte. Dessa alegada omissão não resulta que tenham reconhecido a licitude de tal retenção na fonte, nem a executada invoca factos dos quais se possa retirar que os exequentes a fizeram crer que concordavam com essa retenção.
A figura do abuso de direito constitui uma das válvulas reconhecidas na lei contra soluções materialmente injustas, em que uma parte actua escudada no Direito, mas violando a boa-fé objectiva, ao arrepio da mais elementar noção de Justiça. Constitui, pois, um instituto excepcional, cujos pressupostos têm de resultar dos autos ou ser devidamente alegados. Ora, não só não se vislumbra que resulte dos autos que a conduta dos exequentes tenha induzido erroneamente a executada de que não viriam a instaurar a presente execução, como a embargante não invoca factos que se traduzam naquele instituto. Não se verifica, pois, dos autos e do alegado que a instauração da execução traduza qualquer abuso de direito para efeitos do disposto no artigo 334.º do Código Civil.
Tanto mais que a próprio embargante juntou recibo no qual representante dos exequentes apôs que não concordavam com a retenção na fonte e que iriam recorrer à via judicial.
Urge, pois, aferir se o acto de retenção na fonte dos juros da indemnização em que a executada foi condenada a pagar aos exequentes tem ou não apoio legal.
Tem vindo a ser entendimento maioritário da jurisprudência dos nossos Altos Tribunais que a retenção na fonte desses juros não encontra apoio legal.
Embora se trate de arestos que têm subjacente acidentes de viação, da sua fundamentação não resulta qualquer restrição da interpretação das normas do CIRS a esses casos, mas sim se reportam a todas as indemnizações que sejam de receber por força de contrato de seguro.
Veja-se, elucidativamente, as palavras vertidas no ac. do TRP de 12.04.2005, ECLI:PT:TRP:2005:0520551.45:
 «Por sua vez, afora casos que aqui não interessam, estabelece o artº 13º nº 1 do respectivo código que, o IRS não incide sobre as indemnizações recebidas ao abrigo de contrato de seguro ou devidas a outro título.
Trata-se do reconhecimento de que o ressarcimento do dano não corresponde a qualquer enriquecimento, porquanto se limita a reconstituir a situação existente antes da lesão e que, como tal, não deve ser tributado.
Como o juro, excepção feita ao remuneratório, visa tão só recompor o valor da indemnização pelo prejuízo resultante da lesão, seja por atraso no respectivo pagamento seja por compensação devida ao credor pela falta de certas utilidades que o devedor aproveita, tudo se passa como se integre essa indemnização, mantendo o valor real da mesma até que o lesado efectivamente a receba.
A esta luz, também os juros devidos ao aqui recorrido nos termos da referida decisão judicial, devem considerar-se como integrantes da indemnização, pelo que também nessa parte é aplicável o citado artº 13º do CIRS, que exclui da tributação tais indemnizações.».
No fundo, salvo o devido respeito, parece consubstanciar uma verdade de “La Palisse” que não se possa considerar rendimento os juros advenientes do atraso de pagamento de uma indemnização por accionamento de seguro. Os juros em causa somente se verificaram por a seguradora não ter pago a indemnização no seu devido tempo, tendo havido necessidade de os exequentes recorrerem aos meios judiciais para que reconhecerem que a indemnização era devida. Donde, os juros assumem não a natureza de remuneração, mas sim de compensação pelo atraso no pagamento que se mantém até a sua efectiva boa cobrança.  Daí que não sejam montantes passíveis de ser tributáveis, ainda mais ao abrigo de um código, como o próprio nome indica, que regula imposto sobre o rendimento.
Acresce que as sentenças judiciais são para cumprir nos termos estritos em que foram proferidas. No título executivo dado à execução nenhuma menção é efectuada à possibilidade de a executada proceder à retenção na fonte. Cabia a esta última ter invocado na acção declarativa, nem que fosse à cautela, que o eventual montante em que fosse condenada a pagar a título de juros teria de ser retido na fonte para se eximir, caso o Tribunal o entendesse, ao pagamento directo nesse montante aos exequentes. O Tribunal ordenou o pagamento aos exequentes e não que parte desse pagamento ocorresse nos cofres do Estado.
Improcedem, pois, nesta parte, os presentes embargos à execução.”

As objeções da Apelante ao assim decidido podem ser resumidas da seguinte forma:
- A Executada invocou que a Administração Fiscal considerava que eram rendimentos de capitais e que a devedora estava obrigada a reter na fonte, tendo entregue aos cofres do Estado o valor retido, matéria que foi desvalorizada pelo Tribunal e que não foi objeto de produção de prova, mas que é importante para a boa decisão da causa, numa apreciação jurídica segundo as várias soluções plausíveis de direito, tanto da questão do cumprimento da obrigação de pagamento da quantia ilíquida a que a devedora foi condenada a título de juros, como da apreciação de eventual abuso de direito e enriquecimento sem causa, caso se considere que, in casu, não era devida a retenção, (cf. ac. do STA de 14-04-2010, proc. n.º 047472B), não se encontrando os autos ainda em condições para o conhecimento imediato do mérito da causa, tendo o saneador-sentença violado o disposto no art. 595.º, n.º 1, al. b), ex vi art. 732.º, n.º 2, todos do CPC, e também o direito à prova, que constitui uma concretização do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º CRP), os princípios do inquisitório e da cooperação, ínsitos nos arts. 7.º, n.ºs 1 e 2, 410.º e 411.º do CPC, pelo que deverá ser igualmente revogado o despacho que indeferiu os requerimentos probatórios constantes do ponto 2. (Prova documental) do requerimento inicial;
- A Executada efetuou o pagamento do capital e dos juros, estes no valor de 81.662,14 €, sendo uma parte paga diretamente aos Exequentes, parte entregue aos cofres do Estado por conta daqueles, por via da substituição tributária, ao abrigo das imposições legais previstas na legislação fiscal, pois era uma sociedade que devia dispor e dispunha de contabilidade organizada, sendo obrigada a reter o imposto e a entregá-lo aos Cofres do Estado, como fez, por se tratar de rendimento de capitais, sujeitos à taxa de 16,50%; mesmo que não o tivesse feito, sempre teriam os Exequentes de liquidar tal imposto, elaborando em conformidade a sua declaração de IRS, porque se reportava a uma indemnização por danos materiais, por força de contrato de seguro multi-riscos celebrado entre as partes, e respetivos juros de mora; aplicando-se a legislação fiscal à data da retenção da fonte (cf. art. 12.º, n.º 1 do Código Civil, arts. 7.º, n.º 1, 98.º, n.ºs 1 a 3, e 101.º, n.º 1, do CIRS), designadamente os artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, 5.º, n.ºs 1 e 2, al. g), 12.º, n.º 1, al. b), 21.º, 101.º, n.º 1, al. a), 103.º, 108.º, n.º 2, do CIRS, aprovado pelo DL n.º 442-A/88, de 30-11, com as alterações introduzidas até à Lei n.º 64-B/2011, de 30-12, 212.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, e 20.º da LGT, e conforme informação vinculativa pela Autoridade Tributária e Aduaneira no proc. n.º 2020 002122, PIV n.º 17612, sancionado por despacho de 24 de junho de 2020, da Subdiretora-Geral do IR;
- Aos Exequentes cumpria terem suscitado a questão de saber se não era devida retenção na fonte, designadamente junto da Administração Fiscal ou tribunais competentes (cf. art. 140.º do CIRS, arts. 96.º, n.º 1, 97.º, n.º 3, do CIRS, arts. 70.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, todos na redação então em vigor);
- Não assiste aos Exequentes o direito a receber da Executada o montante retido na fonte a título de IRS, porquanto para além de tal configurar igualmente um enriquecimento sem causa dos Exequentes (pois tinham a obrigação de apresentar declaração de IRS e caso nada fosse devido a título de rendimentos de capitais, seria devolvida, mesmo oficiosamente, pela Administração Tributária aos próprios Exequentes a quantia entregue/paga a mais - cf. art. 96.º, n.ºs 1 e 2, do CIRS), configuraria um empobrecimento sem causa no mesmo montante da parte da Executada, porque estaria a pagar duplamente esse montante, aos Exequentes e ao Estado, ultrapassando o valor a que foi condenada a título de juros.

Os Apelados, por seu turno, argumentam, em suma, que:
- Durante muitos anos, a Jurisprudência Portuguesa defendeu que o montante dos juros a pagar pelas Companhias de Seguros, estava sujeito a retenção na fonte, mas essa orientação mudou com a decisão do STJ, datada de 27-02-2003, publicado no site da DGSI, em que foi relator o senhor Doutor Juiz Conselheiro Moitinho de Almeida; orientação jurisprudencial que foi confirmada pelo Tribunal Constitucional;
- Embora estejamos perante uma condenação do tribunal assente em responsabilidade contratual, ela visa também indemnizar aqueles, por perdas e danos; a Executada foi condenada a pagar os juros sobre o montante em que os Exequentes tinham ficado prejudicados, acrescido dos juros, exatamente para os compensar, da desvalorização monetária, que decorreu nos últimos anos;
- A Executada foi informada pelos Exequentes de que não prescindiam dos juros retidos abusiva e ilegalmente por aquela;
- Desconhecem se a Executada entregou à Autoridade Tributária, o valor dos juros retidos, não se tratando de facto pessoal ou de que devam ter conhecimento, mas lembram o adágio popular bem conhecido: “Quem paga mal, paga duas vezes”.

Vejamos.

Importa apreciar, se existiu, quanto a estas questões, erro de julgamento, o que inclui saber se o estado dos autos já permitia uma tomada de posição segura a esse respeito, nos termos do disposto no art. 595.º, n.º 1, al. b), do CPC, o qual estabelece que o despacho saneador se destina a “(C)onhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.”
Atentemos, a propósito e antes de mais, na explicação dos Professores Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no seu “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, págs. 659-661 (sublinhado nosso): “O juiz conhece do mérito da causa no despacho saneador, total ou parcialmente, quando para tal, isto é, para dar resposta ao pedido ou à parte do pedido correspondente, não haja necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo.
Tal pode acontecer por inconcludência do pedido (…), procedência ou improcedência de exceção perentória (…) e procedência ou improcedência do pedido. (…)
Esse conhecimento só deve ter lugar quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não apenas tendo em vista a partilhada pelo juiz da causa (…)
Na apreciação das exceções perentórias, o juiz deve começar pelas que têm natureza preclusiva (…): a ocorrência da prescrição, da usucapião ou da caducidade dispensa a indagação sobre a existência do direito. (…)
Discutia-se, antes da revisão de 1995-1996 do CPC de 1961, se era admissível o despacho saneador que julgasse improcedente uma exceção perentória e, consequentemente, ordenasse o prosseguimento da causa, e, a sê-lo, se constituía uma decisão de mérito.  (…)
Desde aquela revisão, a redação do nº 1-b e da 2.ª parte do n.º 3, qualificando a decisão sobre a exceção perentória, sem distinguir entre procedência e improcedência, como decisão de mérito e atribuindo-lhe, também em qualquer caso, o valor de sentença, bem como a redação que o art. 691-2 do CPC de 1961 teve (…) vieram solucionar a questão em conformidade com a última orientação referida” (isto é, a de que, por economia processual, devia ter logo lugar o conhecimento da exceção).

Do maior interesse sobre esta problemática é o artigo de Paulo Ramos de Faria, “Relevância das (outras) soluções plausíveis da questão de direito”, publicado na Julgar Online, outubro de 2019, em que afirma, com inteira razão, que existe o “(D)ever de realização do julgamento imediato. Reunidos os pressupostos da sua admissibilidade, a realização do julgamento imediato da causa não é apenas um poder do tribunal de primeira instância. É um dever tributário do princípio da economia processual.(pág. 11).

De entre as considerações desenvolvidas pelo autor neste artigo, citamos ainda, pelo seu interesse, duas passagens: “A desnecessidade de mais provas para o imediato conhecimento do pedido não equivale a ausência de controvérsia sobre a questão de facto apresentada pelo autor. Pode esta subsistir e, não obstante, ser possível o conhecimento do mérito da causa. Assim ocorrerá, desde logo, nos casos em que deve ser formulado um juízo de manifesta inviabilidade da ação. Este juízo pode evoluir e reforçar-se entre a apreciação liminar e a fase do saneamento processual, levando à decisão de improcedência nesta ocasião. Em termos simétricos, a manifesta inviabilidade da oposição − por exemplo, limitada à inconsequente invocação de uma difficultas praestandi − levará à imediata decisão de procedência do pedido.” (pág. 9).
Conclui o autor que “Quando o saneador-sentença admite recurso, a existência de diferentes soluções plausíveis não é irrelevante para a decisão de julgar imediatamente a causa na fase intermédia da ação, mas também não é determinante. É um fator a considerar numa decisão gestionária e pragmática, podendo justificar o sacrifício da economia processual e da celeridade na decisão da causa, quando existem razões para admitir que posição a tribunal superior sobre o regime legal adequado ao julgamento de mérito não é concordante.
4.3. Julgamento do recurso do saneador-sentença. Sendo interposto recurso do saneador-sentença, e estando efetivamente assentes todos os factos essenciais relevantes respeitantes à solução de direito adotada na decisão impugnada, o processo só deve prosseguir no tribunal a quo quando o tribunal da Relação, depois de afirmar (à luz dos factos alegados) que o direito aplicável ao caso não é o definido pelo tribunal recorrido, conclui que permanece controvertida a factualidade alegada idónea para constituir a base da decisão que aplica o direito adequado; ou quando o tribunal da Relação entende que a insuficiência ou imprecisão (incluindo contradição) dos elementos de facto alegados impede a conscienciosa fixação com precisão do regime jurídico a aplicar. Ali, o processo prossegue para as fases de instrução e discussão da causa; aqui, segue-se a prolação de um despacho convidando a parte à correção dos vícios da articulação.
A existência de outras soluções plausíveis, continuando controvertida a factualidade que as sustenta, não tem uma utilidade operativa autónoma, não constituindo um critério suficiente de procedência do recurso. O fundamento decisivo da cassação é a adoção errada − ou prematura, no caso de viciação da alegação − pelo tribunal a quo de um certo enquadramento jurídico sobre o mérito da causa – quando não seja a existência de uma mera falha na conclusão de estarem assentes os factos essenciais, à luz da abordagem de direto correta já adotada, ou na deteção da relevância de factos controvertidos, sempre de acordo com esta abordagem. Este erro obriga à instrução da causa (salvo se o enquadramento adotado pelo tribunal ad quem também assentar em factos assentes) ou, no caso de insuficiência ou imprecisão dos elementos de facto alegados, à formulação de um convite ao aperfeiçoamento da articulação”. (págs. 51-52, sublinhado nosso).

Volvendo ao caso sub judice, o único (outro) verdadeiro facto que na perspetiva da Apelante, e na nossa, desde já adiantamos, se reveste de relevância para a decisão da causa diz respeito à entrega aos cofres do Estado da importância retida, facto que, como já se viu, se encontra provado, o que torna inútil a discussão sobre se podia conhecer-se do mérito da causa sem a prova documental requerida no ponto 2. do Requerimento Inicial. Todavia, sempre se dirá que, se o facto tivesse sido devidamente impugnado, nos parece que teria sido preferível determinar, nos termos do art. 590.º, n.º 1, al. c), do CPC, a junção de documentos com vista a permitir esse conhecimento.

O mais referido pela Apelante não passa de uma alusão, em termos genéricos, à posição da Administração Fiscal, o que não constitui, por certo, matéria de facto juridicamente relevante, tanto mais que não foi alegado que a atuação da Apelante tenha tido respaldo numa concreta Informação vinculativa prestada a pedido daquela, nos termos previstos na lei (cf. art. 68.º da Lei Geral Tributária). E a única Informação vinculativa que agora (já em sede de recurso) vem invocar data de 24 de junho de 2020, pelo que certamente nenhuma influência teve na atuação da Apelante, levada a cabo no ano 2012. Não significa isto que tal informação não possa ser tida em consideração no plano da interpretação da lei, num plano equiparado ao doutrinário ou jurisprudencial.

Assim, estamos já em condições de avançar não ter sido prematuro o conhecimento do mérito da causa no saneador, por não serem necessárias mais provas, incluindo a prova documental requerida no ponto 2. do Requerimento Inicial, para apreciação das exceções perentórias deduzidas do cumprimento e do abuso do direito, e, saliente-se, apenas destas, não se acrescentando o enriquecimento sem causa, também invocado pela Apelante na sua alegação recursória e já antes incipientemente aflorado no Requerimento Inicial de embargos (cf. art. 65.º), uma vez que não foi apreciado na decisão recorrida, não tendo sido arguida a nulidade da mesma por omissão de pronúncia a este respeito, pelo que se trata, no plano da conformação do objeto do recurso, de questão nova da qual não cumpre conhecer, conforme considerações supra.

Do cumprimento da prestação

Determina o art. 769.º do CC que a prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante. Prevê, todavia, o art. 770.º do CC um conjunto de situações em que a prestação feita a terceiro extingue a obrigação, referindo designadamente os casos em que a lei o determinar.
A Apelante invoca, a este propósito, a lei fiscal e a figura da substituição tributária e a sua responsabilidade pela importância retida e entrega aos cofres do Estado.
Atentemos nos preceitos legais, na redação vigente a 27-06-2012 (cf. designadamente o art. 12.º do CC), que devem orientar a tomada de posição a respeito da questão crucial de saber se a Executada devia ter procedido, como fez, retendo a quantia ora em apreço e entregando-a aos cofres do Estado.
Preceituava o art. 1.º do Código do IRS (aqui na redação da Lei n.º 30-G/2000, de 29-12), sob a epígrafe, “Base do imposto”, que:
1 - O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de actos ilícitos, depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos:
Categoria A - Rendimentos do trabalho dependente;
Categoria B - Rendimentos empresariais e profissionais;
Categoria E - Rendimentos de capitais;
Categoria F - Rendimentos prediais;
Categoria G - Incrementos patrimoniais;
Categoria H - Pensões.
2 - Os rendimentos, quer em dinheiro quer em espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que sejam auferidos.

O que se discute é se estamos perante rendimentos de capitais, pelo que rege o disposto no art. 5.º do CIRS, com a epígrafe “Rendimentos da categoria E”, importando, em particular, a alínea g) do n.º 1, na redação da Lei n.º 67-A/2007, de 31-12, que citamos, incluindo, para melhor enquadramento, as antecedentes, todas atinentes à tributação dos juros:
1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:
a)- Os juros e outras formas de remuneração decorrentes de contratos de mútuo, abertura de crédito, reporte e outros que proporcionem, a título oneroso, a disponibilidade temporária de dinheiro ou outras coisas fungíveis;
b)- Os juros e outras formas de remuneração derivadas de depósitos à ordem ou a prazo em instituições financeiras, bem como de certificados de depósitos;
c)- Os juros, os prémios de amortização ou de reembolso e as outras formas de remuneração de títulos da dívida pública, obrigações, títulos de participação, certificados de consignação, obrigações de caixa ou outros títulos análogos, emitidos por entidades públicas ou privadas, e demais instrumentos de aplicação financeira, designadamente letras, livranças e outros títulos de crédito negociáveis, enquanto utilizados como tais;
d)- Os juros e outras formas de remuneração de suprimentos, abonos ou adiantamentos de capital feitos pelos sócios à sociedade;
e)- Os juros e outras formas de remuneração devidos pelo facto de os sócios não levantarem os lucros ou remunerações colocados à sua disposição;
f)- O saldo dos juros apurado em contrato de conta corrente;
g)- Os juros ou quaisquer acréscimos de crédito pecuniário resultantes da dilação do respectivo vencimento ou de mora no seu pagamento, sejam legais sejam contratuais, com excepção dos juros devidos ao Estado ou a outros entes públicos por atraso na liquidação ou mora no pagamento de quaisquer contribuições, impostos ou taxas e dos juros atribuídos no âmbito de uma indemnização não sujeita a tributação nos termos do n.º 1 do artigo 12.º;”

Não se bastando o legislador com a inclusão dos juros no citado n.º 1 do art. 5.º, por via da definição daqueles como frutos civis (cf. art. 212.º do CC), discriminou então, no citado artigo, variadas situações, parecendo-nos inevitável concluir que os juros em apreço nos autos se reconduzem à previsão da primeira parte da alínea g) do n.º 2 do art. 5.º do CIRS, uma vez que decorrem da falta de pagamento no tempo devido por parte da Executada (Seguradora) da quantia indemnizatória atinente aos danos (nos bens seguros) verificados na casa de habitação dos Exequentes cobertos pelo contrato de seguro que com aquela tinham celebrado.

Resta, pois, apreciar se tais juros caem na ressalva feita na parte final da alínea g), ou seja, se foram atribuídos no âmbito de uma indemnização não sujeita a tributação nos termos do n.º 1 do art. 12.º do CIRS, artigo que, sob a epígrafe, “Delimitação negativa de incidência”, estabelece designadamente que:
1 - O IRS não incide, salvo quanto às prestações previstas no regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, na sua redacção actual, sobre as indemnizações devidas em consequência de lesão corporal, doença ou morte, pagas ou atribuídas, nelas se incluindo as pensões e indemnizações auferidas em resultado do cumprimento do serviço militar: (redação da Lei n.º 64-A/2008, de 31-12)
a)- Pelo Estado, regiões autónomas ou autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos ou organismos, ainda que personalizados, incluindo os institutos públicos e os fundos públicos; ou (Redação da Lei n.º 67-A/2007, de 31-12)
b)- Ao abrigo de contrato de seguro, decisão judicial ou acordo homologado judicialmente; (redação da Lei n.º 67-A/2007, de 31-12)
c)- Revogada (redação da Lei n.º 67-A/2007, de 31-12)
d)- Revogada (redação da Lei n.º 67-A/2007, de 31-12)
e)- Pelas associações mutualistas. (redação do Decreto-Lei n.º 292/2009, de 13-10)

A indemnização em apreço nos autos, embora tenha sido paga ao abrigo de contrato de seguro e decisão judicial, não é devida em consequência de lesão corporal, doença ou morte, reportando-se estritamente a danos em bens seguros no âmbito do contrato de seguro de riscos relativos à habitação.

Daí que, sendo considerados como rendimentos de capitais, nos termos em que se encontram definidos no CIRS, e sendo a Seguradora Executada uma sociedade anónima com contabilidade organizada (cf. art. 123.º do CIRC), estavam, nos termos conjugados do art. 98.º e 101.º, n.º 1, al. a) [esta na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30-12] do CIRS, sujeitos a retenção na fonte a uma taxa de 16,5%, conforme defende a Apelante, não se descortinando motivo para entender que a interpretação ora propugnada afronte quaisquer preceitos ou princípios constitucionais.

É, aliás, nesta linha de pensamento que, numa situação próxima, se posicionou a Autoridade Tributária e Aduaneira, precisamente na Informação vinculativa, no processo n.º 2020 002122, PIV n.º 17612, sancionado por Despacho, de 24 de junho de 2020, da Subdiretora-Geral do IR, disponível para consulta em https://www.apeca.pt/docs/informacaoapeca/133_FD_PIV_17612.pdf, aí se afirmando designadamente que: “4. Estando em causa juros de mora relacionados com uma indemnização por danos materiais, e nada referindo o n.º 1 do artigo 12.º quanto a esse tipo de indemnizações, os juros de mora em causa (atribuídos pelo atraso no pagamento da referida indemnização por danos materiais), devem ser considerados rendimentos de capitais.”

Não se desconhece, mas não nos convence, a posição adotada pela Relação de Lisboa no acórdão de 11-10-2018 (no proc. n.º 9902/17.4T8LSB-A.L1-6) já acima citado, numa situação em que, ao que parece, o título executivo era uma sentença condenatória da embargante no pagamento da quantia de 168.773,65 €, acrescida de juros de mora, em consequência do incumprimento de um contrato de intermediação financeira, vindo a considerar-se, conforme consta do respetivo sumário, que: “Os montantes atribuídos a título de indemnização e em sede de incidência objectiva para efeitos de IRS mostram-se abrangidos pela Categoria G - Incrementos patrimoniais (artº 9º, do CIRS), impondo-se ainda e para o mesmo efeito considerar a norma de delimitação negativa de incidência do 12.º do mesmo Código.

Tão pouco colhe a argumentação dos Exequentes quando defendem que os juros de mora em apreço servem para compensar a desvalorização monetária, invocando a este respeito a jurisprudência do STJ firmada pelo acórdão de 30-10-2003, relatado pelo Conselheiro Moitinho de Almeida. Com efeito, esse acórdão, proferido no processo n.º 03B2749, disponível para consulta no site www.dgsi.pt, versa sobre situação diferente, discutindo-se aí a validade da retenção na fonte dos juros emergentes do pagamento de uma indemnização fundada em acidente de viação, como se pode verificar desde logo pelo respetivo sumário, cujo teor é o seguinte: “O artigo 5º, nº. 1 alínea g) do Código do IRS viola os artigos 13º, 103º, nº. 1 e 104º, nº. 1 da Constituição da República Portuguesa ao sujeitar àquele imposto os juros de mora com função compensatória da desvalorização monetária, relativos a indemnização fixada a título de responsabilidade civil extracontratual.”

Também o STA, no acórdão da 2.ª Secção (Contencioso Tributário) de 09-05-2012, proferido no proc. n.º 245/12-30, disponível em www.dre.pt, apreciou uma situação próxima desta última, posicionando-se, conforme consta do respetivo sumário, da seguinte forma:
“I - Os juros de mora não são tributáveis em sede IRS quando forem atribuídos no âmbito de uma indemnização devida por responsabilidade civil extracontratual e na medida em que se destinem a compensar os danos decorrentes da desvalorização monetária ocorrida entre o surgimento da lesão e o efectivo ressarcimento desta. II - Todavia, tais juros de mora já serão tributáveis em sede de IRS, se o valor da indemnização foi corrigido monetariamente. III - Neste caso, a tributação não viola o princípio constitucional da igualdade, uma vez que o montante dos juros não poderá ser perspectivado como expressão monetária da indemnização.”

De igual modo, numa situação de juros recebidos no âmbito de indemnização fixada, por sentença de 19-04-2001, em sede de responsabilidade civil extracontratual, em consequência dos danos sofridos em 1990, veja-se o acórdão do TCA Sul de 25-06-2019, no processo n.º 239/09.3BEBJA, disponível em www.dgsi.pt, com destaque para as seguintes passagens do respetivo sumário:
«5.- Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
6.- Nos termos do artº.805, nº.3, do C.Civil (redacção do dec.lei 262/83, de 16/06), norma que estabelece o momento da constituição em mora do devedor, mais devendo ser concatenada, em sede de cálculo da indemnização com a teoria da diferença consagrada no artº.566, nº.2, do mesmo diploma (em sede, tanto de danos emergentes como de lucros cessantes - cfr.artº.564, nº.1, do C.Civil), consagra o legislador, como regra, a constituição em mora do devedor desde a citação (sem prejuízo de, no caso concreto, a constituição em mora do devedor poder considerar-se independente de interpelação, nos termos do artº.805, nº.2, al.b), do C.Civil).
7.- Levando em consideração a fundamentação jurídica e o dispositivo da decisão judicial identificada na matéria de facto, os juros pagos pela Companhia de Seguros ao impugnante e ora recorrente têm natureza moratória e sede legal no artº.805, nº.3, do C.Civil.
8.- O juro pode ser visto como um fruto civil, constituído por coisas fungíveis, as quais representam um rendimento ou remuneração de uma obrigação de capital (previamente cedido ou devido a outro título), vencível pelo decurso do tempo e que varia em função do valor do capital, da taxa de remuneração e do tempo de privação.
9.- Atendendo à sua fonte ou origem imediata, os juros podem ser voluntários/convencionais e legais, sendo aqueles devidos por força de negócio jurídico anterior e estes directamente por força da lei.
10.- A definição de rendimentos de capitais, introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, no artº.5, nº.1, do C.I.R.S., traduz e incorpora uma regra de incidência tão ampla que é capaz de englobar qualquer situação, envolvente de valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias de rendimentos em que opera o I.R.S.
11.- Nos termos do artº.5, nº.2, al.g), do C.I.R.S., o tributo incide, tanto sobre os juros resultantes da dilação do vencimento do crédito, como sobre os juros de mora no pagamento, sejam, uns e outros, de natureza legal ou contratual. No primeiro caso, existe dilação do vencimento do crédito e, portanto, da sua exigibilidade. No segundo, existe mora no pagamento de um crédito já vencido.
12.- A interpretação da norma, até aqui simples de compreender, complica-se, porém, quando se entra em linha de conta que alguns juros ou acréscimos de crédito podem ter natureza de indemnizações, não sendo então, imediata, a sua sujeição a I.R.S., já que algumas indemnizações não se configuram como rendimento (concepção de rendimento-acréscimo, supra identificada) para efeitos de I.R.S.
13.- De acordo com a doutrina e a jurisprudência que perfilhamos, se numa dada decisão judicial, o valor monetário equivalente à indemnização devida a título de responsabilidade civil extracontratual foi fixado atendendo-se já aos factores decorrentes da erosão monetária e se, além disso, ficou consagrada a obrigação de pagamento de juros sobre aquele valor, contados a partir da citação, o montante equivalente a estes últimos não pode perspectivar-se como integrador da citada “teoria da diferença”, à qual se deverá submeter aquilo que é imposto pelo dever de reparação do dano sofrido em consequência da lesão, antes se devendo visualizar estes juros como uma compensação pela demora no pagamento. E, assim, tendo os juros por fonte uma obrigação diversa daquela donde advém o dever de indemnizar, enquadram os mesmos a previsão do artº.5, nº.2, al.g), do C.I.R.S., ficando sujeitos a tributação em sede de I.R.S.
14.- O que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr. artº.204, da C.R.Portuguesa).
15.- O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no citado artº.13, da C.R.Portuguesa. Por sua vez, a vinculação das autoridades administrativas ao princípio da igualdade encontra consagração no artº.266, nº.2, do diploma fundamental. As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam correctamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.
16.- O artº.103, nº.1, da C.R.Portuguesa, consagra os objectivos do sistema fiscal, a saber: a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, tal como a repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
17.- O artº.104, nº.1, da C.R.Portuguesa, normativo que integra a “Constituição fiscal”, consagra as características e objectivos do imposto sobre o rendimento pessoal, especificamente, o ser único e progressivo, o visar a diminuição das desigualdades e as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.»

Ora, no caso dos autos, estamos perante responsabilidade (exclusivamente) contratual e apenas se apurou que o valor dos danos na casa de habitação dos Exequentes, tal como aceite pela Ré à data da Contestação, era de 24.050.000$00/119.960,89 €, que assim se considerou liquidado até essa data. Portanto, resulta do acórdão que o valor da indemnização - para compensação de danos estritamente patrimoniais - foi atualizado/liquidado nessa data, não se vendo motivo para equacionar uma interpretação normativa diversa da acima referida, sem embargo do princípio geral da reconstituição natural consagrado no art. 562.º do CC, segundo o qual a obrigação de indemnizar abrange a cobertura dos danos em ordem a que se reconstitua a situação anterior à lesão. Tanto mais que, por um lado, o mecanismo de atualização por correção monetária da obrigação de indemnização, nos termos do art. 566.º, n.º 2, do CC, que consagra a teoria da diferença, pode ser compatível com a fixação de juros de mora, nos termos do art. 805.º, n.º 3, ambos do CC.  E, sobretudo, porque está em causa um contrato de seguro de danos, assumindo preponderância o princípio indemnizatório, face ao respetivo regime legal, então consagrado no Código Comercial (aplicado no acórdão do STJ dado à execução), cujo art. 435.º determinava que “Excedendo o seguro o valor do objecto segurado, só é válido até à concorrência desse valor” [equivalente ao art. 128.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16-04, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, nos termos do qual “(A) prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro”]. Veja-se que aos Exequentes-Apelados cabia, obviamente, na ação em que foi proferido o acórdão condenatório, a prova, não apenas da ocorrência do sinistro, mas também do valor das coisas à data do mesmo, mas apenas veio a ser fixado no acórdão um valor tido por confessado, pelo que está fora de questão pensar que possa ter ocorrido uma suposta desvalorização monetária, como agora invocam, sem qualquer suporte fáctico.

Não se pode, pois, transpor acriticamente para o caso dos autos a jurisprudência que invocam e outra firmada em situações diversas ou com base em considerações que não têm razão de ser no caso dos autos, designadamente a seguinte:
- acórdão do STJ de 03-03-2004, na revista n.º Revista n.º 4269/03 - 7.ª Secção, cujo sumário está disponível em www.stj.pt: “I - Como decorre do preâmbulo respectivo, foi intenção do DL 262/83, de 16-6, combater os efeitos desequilibradores da inflação nas relações jurídicas creditícias, nomeadamente na área ou domínio da responsabilidade extracontratual.  II - Foi por isso que, em prejuízo, nesse âmbito, da regra in illiquidis non fit mora estabelecida na 1.ª parte do n.º 3 do art.º 805 CC, a 2.ª parte desse dispositivo, aditada pelo DL 262/83, de 16-6, veio estabelecer uma forma de actualização da indemnização fundada nessa forma de responsabilidade civil, de modo a manter íntegra a indemnização a que o lesado tivesse direito. III - Assim criado um termo inicial específico para a mora no domínio da responsabilidade civil extracontratual, o facto de a lei se lhes referir como moratórios não deve fazer esquecer a verdadeira função - compensatória - desses juros, que constituem, afinal, ainda, uma - ou fazem parte da indemnização devida. IV - Não pode tributar-se, como se de acréscimo patrimonial se tratasse, o que, afinal, não passa de compensação pela perduração da situação infortunística, resultante da falta de atribuição atempada da competente indemnização. V - Como assim, pedidos e concedidos, ao abrigo do art.º 805, n.º 3, CC juros legais sobre o quantitativo indemnizatório a contar da citação, não se está perante juros de mora em sentido próprio, nem diante de rendimentos de capital. VI - Por isso não sendo, nomeadamente, passíveis de IRS os juros das indemnizações por acidentes de viação, as seguradoras não podem efectuar qualquer retenção dessas importâncias a esse título, revelando-se, consoante art.º 763, n.º 1, CC, justificada a recusa de receber a indemnização com tal indevida dedução.”
- acórdão da Relação do Porto de 31-05-2004, no proc. n.º 0450327, disponível em www.dgsi.pt: “I - Os juros de mora incidentes sobre indemnização devida ao lesado, por acidente de viação, não são passíveis de tributação em sede de IRS, nem pode, a esse título, ser retida, pela seguradora condenada, qualquer montante. II - Tais juros fazem parte integrante da referida indemnização, não visando esta senão a reintegração do lesado ao estado anterior à lesão, pelo que não existe qualquer acréscimo patrimonial, com o recebimento da quantia ressarcitória dos danos sofridos.”
- acórdão da Relação do Porto de 12-04-2005, no proc. n.º 0520551, disponível em www.dgsi.pt (citado na decisão recorrida): “Os juros devidos por indemnização relativa a danos sofridos em acidente de viação não são passíveis de IRS, não podendo a seguradora proceder à sua retenção na fonte.”
- acórdão da Relação de Lisboa de 06-07-2005, no proc. n.º 4345/2005-2, disponível em www.dgsi.pt: “I O pressuposto da tributação reside na capacidade contributiva do sujeito passivo, revelada directamente pelo rendimento ou, indirectamente, pelo património ou utilização deste. II Uma indemnização pela ocorrência de facto ilícito, não constitui, a se, uma divida pecuniária, nem um ganho, porque o objecto originário da indemnização reside no dano, que só posteriormente é traduzido na sua expressão monetária, caso a reconstituição natural não seja possível. I Os juros moratórios decorrentes da indemnização por facto ilícito têm natureza compensatória, fazendo parte integrante do capital, e por isso não estão sujeitos à incidência de IRS, sendo-lhes inaplicável o preceituado no artigo 6º, nº1, alínea g) do CIRS.”

Revertendo ao caso dos autos, e tendo em atenção os citados preceitos e o disposto no art. 28.º da Lei Geral Tributária, atinente à responsabilidade em caso de substituição tributária, é forçoso concluir que, com a retenção na fonte e a entrega aos cofres do Estado por parte da Executada, ora Apelante, da importância peticionada a título de juros de mora vencidos sobre o valor indemnizatório, se extinguiu a correspondente obrigação.

Neste sentido, veja-se o acórdão do STA de 14-04-2010, no processo n.º 047472B, disponível em www.dgsi.pt: “A Administração dá cumprimento à sentença que a condenou a pagar à autora determinada quantia pelo facto da inexecução de um acórdão anulatório, se processa, na totalidade, aquele montante ilíquido e deposita na conta daquela, por transferência bancária, o respectivo montante líquido, depois de, na qualidade de substituto legal, descontar e reter o valor considerado devido de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas (IRS).”

Consequentemente, conclui-se que não assiste aos Exequentes o direito que se arrogam, ficando prejudicado apreciar a questão do abuso do direito.

Assim, procedem em parte as conclusões da alegação de recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida.

Vencidos os Exequentes-Embargados e Apelados, são responsáveis pelo pagamento das custas processuais em ambas as instâncias (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).

***

IIIDECISÃO

Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o saneador-sentença recorrido e, em substituição deste, julgar procedente a Oposição deduzida mediante embargos, com a consequente extinção da execução.
Mais se decide condenar os Exequentes-Embargados, ora Apelados, no pagamento das custas processuais, em ambas as instâncias (ação executiva/apenso de embargos e recurso).

D.N.


Lisboa, 27-05-2021


Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua

(Acórdão assinado eletronicamente)