Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6904/2006-6
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I - Decorre do disposto no artigo 543º nº 1 do referido código que, apresentados os documentos e assegurado o contraditório, o juiz, se não tiver ordenado a junção e verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, não os admitirá no processo, recusando a sua junção ou mandando retirá-los do mesmo se tiverem sido juntos, e ordenará a sua entrega ao apresentante.
II - Documentos impertinentes ou desnecessários são os que dizem respeito a factos estranhos à matéria da causa; desnecessários são os relativos a factos da causa, mas que não importa apurar para o julgamento da acção.
III - O juízo acerca da força probatória dos documentos não deve nem pode ser feito no momento em que se decide sobre a admissibilidade da sua junção ao processo. Nesse momento relevam apenas a oportunidade da sua apresentação e que os mesmos não se mostrem impertinentes ou desnecessários, à luz do disposto nos artigos 523º e 543º do Código de Processo Civil.
IV - Verificados esses requisitos de admissibilidade dos documentos, tem de aceitar-se a sua junção aos autos, independentemente de qualquer juízo sobre a sua aptidão para demonstrar o facto ou os factos cuja prova visam.
(F.G.)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório:
B, SA, intentou, em 16 de Julho de 2002, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra F, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 6.695,05 euros, acrescida de juros de mora vencidos no montante de 364,65 euros e vincendos até integral pagamento, com fundamento em que a pedido do réu contratou com a ré a construção e instalação de roupeiros em sua casa. Foi feito o orçamento no valor de 9.687,84 euros tendo o réu entregue o sinal de 2.992,79 euros em 27/8/2001, data em que ficou acordado com o réu que os técnicos da autora se deslocariam novamente a sua casa para rectificar algumas medidas, o que o réu inviabilizou por não estar em casa na hora agendada. Posteriormente acordaram que os técnicos da autora se deslocariam a casa do réu na segunda semana de Setembro de 2001, o que veio a acontecer, tendo a autora concluído os roupeiros em 15/10/2002 e, pretendendo instalá-los em casa do réu, não conseguiu contactá-lo para o efeito. Por carta datada de 22/10/2001 o réu veio exigir a devolução do sinal que entregou. Os roupeiros permanecem nas instalações da autora e não podem ser vendidos a outro cliente.
Na contestação o réu alegou, em suma, que a obra foi adjudicada em 27 de Agosto de 2001, aguardando que lhe comunicassem a data da entrega e montagem dos roupeiros. No dia 25 de Agosto um técnico da autora deslocou-se à sua residência a fim de rectificar as medidas e foi em consequência disso que foi entregue o sinal. Ficou acordado que o prazo de entrega dos roupeiros seria de 30 dias após adjudicação. Nunca foi contactado em data posterior para proceder à rectificação das medidas e os roupeiros não lhe foram entregues no prazo fixado, pelo que perdeu o interesse nos mesmos.
Em reconvenção pediu que a autora fosse condenada a devolver-lhe a quantia entregue a título de sinal acrescida de juros de mora a contar da data da interpelação – 22/10/2001.
Na resposta a autora impugnou a matéria da reconvenção.

No decurso da audiência de discussão e julgamento a autora requereu a junção de quatro documentos.
O réu declarou não se opor à sua junção, mas impugnou-os.
Foi proferido despacho que não os admitiu.

Desse despacho agravou a autora, formulando as seguintes conclusões:
1ª Os documentos em causa são todos documentos internos da Autora, ora Agravante, cuja relevância, autenticidade e verdadeiro significado resultaria claramente do confronto dos mesmos com as testemunhas arroladas pela Autora.
2ª Assim, se tivesse sido admitida a junção e, em consequência, a análise destes documentos pelas testemunhas arroladas pela Autora, todas elas suas funcionárias e portanto cientes dos procedimentos comerciais em vigor no seu seio, teria resultado, com toda a certeza, outra apreciação dos factos controvertidos, sendo consequentemente diversa a resposta que foi dada pelo Tribunal a quo à matéria de facto constante dos autos, nomeadamente no que concerne aos quesitos 1º, 5º, 7º, 8º e 9º, erradamente dados como não provados.
3ª O Tribunal recorrido fez, desta forma, e salvo o devido respeito, uma apreciação superficial do valor dos documentos cuja junção recusou, confundindo os requisitos da respectiva admissibilidade processual com o seu valor probatório, apesar de ser claro que, tal como expendeu o Tribunal da Relação de Lisboa no seu douto Ac. de 14-12-1995, “a junção de documentos depende da sua pertinência com a causa e não pode ser confundida com o efeito probatório a considerar em julgamento” (in Col. De Jurisprudência, 1995, 5º, pág. 150).
4ª A ratio legis do art. 523º, n.º 2 do C.P.C. é, precisamente, permitir a junção tardia de documentos, fixando o limite do encerramento da discussão em 1ª instância como momento a partir do qual, aí sim, devem os mesmos ser considerados de apresentação extemporânea, pelo que “quando uma das partes oferece a junção de documentos para a prova de certos quesitos, o tribunal da 1ª instância não tem que pronunciar-se sobre o seu valor probatório, antecipando-se a fase das respostas aos quesitos. II – Não admitindo o documento nessas condições, o tribunal que julga em 1ª instância autolimita-se no carrear de elementos probatórios para a decisão da causa e limita também a última instância competente para a fixação da matéria de facto, que é o tribunal da Relação.” – cfr. Ac. STJ, de 27-11-1991, a que corresponde o n.º convencional JSTJ00012831, in www.dgsi.mj.pt.
5ª Atento o supra exposto, é inequívoco concluir-se pela ilegalidade do despacho recorrido, por manifesta violação do disposto no art. 523º, n.º 2 do C.P.C., bem como pela ostensiva obliteração, salvo o devido respeito, do princípio da Justiça e da verdade material, motivo pelo qual deverá o mesmo ser revogado, ordenando-se a admissão dos documentos e anulando-se todo o processado posterior.
6ª Sem prescindir, entende ainda a Agravante que a douta decisão, ora recorrida, não obedece aos requisitos de fundamentação exigidos pela lei, uma vez que não concretiza em que medida são os documentos “inócuos para produzir prova” e não aduz a base legal que terá estado subjacente à não admissão da junção dos mesmos.
7ª A decisão ora impugnada refere que os documentos cuja junção foi requerida pela ora Agravante “nem afloram de perto a matéria concreta contida na matéria que se propõem provar”, no entanto, não especifica porquê, o que, de resto, não poderia fazer, face à relação directa que resulta dos mesmos com os quesitos assinalados aquando do requerimento indeferido.
8ª Refere ainda o despacho sob censura que não consta dos documentos em causa qualquer assinatura e que dois deles eram cópias, no entanto, não explicita em que medida é que esses factos constituem motivo de recusa de admissão nos autos, quando a Autora, ora Agravante, deixou bem claro no requerimento que ditou para a acta qual o motivo da requerida junção.
9ª O Tribunal a quo limitou-se a aderir à impugnação do Réu, que, refira-se, não se opôs à junção dos documentos requerida pela Agravante, acrescentando apenas algumas considerações de carácter genérico que não preenchem, de forma alguma, a obrigação de fundamentação a que estava legalmente adstrito, nos termos do disposto nos arts. 158º e 668º, n.º 1, b), aplicável ex vi do art. 666º, n.º 3, todos do C.P.C., sendo, portanto, nulo o despacho recorrido e todo o processado posterior.
Nestes termos, deverá ser dado total provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, o despacho recorrido, anulando-se os termos subsequentes do processo que dele dependam absolutamente.

Não houve contra alegação.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção e a reconvenção improcedentes, absolvendo o réu e a autora, respectivamente, dos correspondentes pedidos.

Desta apelaram a autora e o réu.
Na sua alegação a autora formulou a seguinte síntese conclusiva:
1ª O presente recurso tem por objecto a douta sentença proferida nos presentes autos, na parte em que absolveu o Réu F, julgando improcedente o pedido da A., porque entende não ter havido mora da Apelante e portanto não assistir ao Apelado o direito de resolver o contrato; por considerar que, ainda que houvesse mora, o que não admite, tal não seria suficiente para a conversão em incumprimento definitivo; por entender que existiu efectivamente uma desistência da obra pelo Apelado e por considerar que, sem prescindir no alegado, o Tribunal recorrido deveria ter feito outra qualificação jurídica dos factos em causa, atribuindo a indemnização requerida pela Apelante.
2ª Como é do mais essencial bom senso, estando em causa o fabrico de um roupeiro com medidas especiais e individualizadas, a ser instalado num espaço específico e estritamente delimitado, o empreiteiro, in casu a Apelante, não pode iniciar a respectiva construção sem ter a mais absoluta certeza de todos os dados imprescindíveis à execução do mesmo, nomeadamente medidas correctas, pelo que o prazo de 45 dias para a respectiva conclusão só começa a contar do momento em que as medidas foram rectificadas.
3ª Tendo resultado provado que a Apelante enviou técnicos a casa do Apelado para efectuar a correcção das medidas e que só não o fez naquela data porque este não se encontrava em casa – cfr. pontos 15 e 16 da matéria de facto provada reproduzida na sentença – conclui-se que o atraso, a ter ocorrido, o que não se concede, se deveu única e exclusivamente ao Apelado, não havendo, pois, mora da Apelante.
4ª Ainda que houvesse efectivamente mora da Apelante, o que não se concede, tal não constituiria facto idóneo para o Apelado invocar ter perdido o interesse na prestação e, consequentemente, converter essa alegada perda de interesse em incumprimento definitivo, porquanto, tal como é dito na douta sentença ora recorrida, não houve motivos objectivos que o justificassem.
5ª Assim, face ao exposto, não assistia ao Apelado qualquer direito de resolução do contrato, conforme este pretende fazer crer, pelo que a sua comunicação à Apelante exigindo a devolução do sinal constituiu uma efectiva desistência da obra pelo Apelado, nos termos e com os efeitos previstos no art. 1229º do C.C., constituindo-se este na imediata obrigação de indemnizar a Apelante.
6ª É que, conforme referem, em anotação ao citado normativo, os Drs. Pires de Lima e Antunes Varela no seu “Código Civil Anotado”, Vol. II, 4ª Edição, pág. 908 e ss., “a desistência pode ter lugar a todo o tempo, ainda que, diz a lei, tenha já sido iniciada a execução da empreitada. Logo, é de aplicar o disposto neste artigo a partir da celebração do contrato, e mesmo que a obra não tenha sido começada. A todo o momento o dono da obra pode considerá-la inoportuna ou afastar o empreiteiro, contanto que o compense dos lucros que ele obteria com a regular execução da empreitada (...).
4. A lei não exige forma especial para a desistência. Trata-se de uma declaração negocial que pode ser feita por qualquer dos meios admitidos (cfr. art. 217º). (...)”.
7ª Atendendo a toda a natureza do contrato aqui em causa, ao bem cujo fabrico foi adjudicado à Apelante e a todas as especificidades do mesmo, não seria necessário alegar e muito menos provar que o prejuízo que esta sofreu corresponde exactamente ao preço que ficou por liquidar pelo Apelado, uma vez que esse montante já contemplava mão-de-obra, matéria prima e, portanto, o respectivo lucro que iria auferir com a entrega dos roupeiros.
8ª Assinale-se que o mencionado montante não foi peticionado enquanto “pagamento do preço por inteiro” – como refere a sentença recorrida – sendo, sim, peticionado a título de indemnização decorrente da desistência da obra pelo Apelado, nos exactos termos e de acordo com os critérios estabelecidos no art. 1229º do C.C., não fazendo, pois, qualquer sentido, salvo o devido respeito, a decisão do Tribunal a quo quando diz que “conforme decorre do disposto nº n.º 2, do artigo 1211º, o preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto da aceitação da obra. Não havendo qualquer convenção ou uso que determine que o preço deva ser pago antes, não pode a autora vir aqui exigir o pagamento do preço por inteiro.”
9ª Acresce que, se dos factos disponíveis nos autos o Tribunal a quo concluiu que o Apelado não tinha fundamentos para resolver o contrato da forma que o fez, desencadeando uma “impossibilidade objectiva de cumprimento imputável ao réu”, nos termos do princípio “jura novit curia”, poderia e deveria ter julgado procedente o pedido da ora Apelante, ainda que qualificando juridicamente aqueles factos de forma diversa da alegada, uma vez que a causa de pedir e, portanto, os respectivos factos que a compõem, manter-se-iam inalterados.
10ª É que, tendo o Tribunal de 1ª Instância entendido que dos factos provados resultava um direito da Apelante a ser indemnizada nos termos do art. 801º do C.C. ou até pelo direito à indemnização pelo interesse contratual positivo, conclui-se que o Tribunal, fazendo uso do poder-dever que lhe é atribuído pelo referido art. 664º do C.P.C., deveria ter julgado procedente o pedido da A., ora Apelante, uma vez que os factos que lhe servem de base são precisamente os mesmos que fundamentaram este entendimento. 11ª Face ao exposto, é forçoso concluir-se pela procedência do presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, por manifesta violação do disposto nos arts. 217º, 257º, n.º 2, 801º, 804º, n.º 2, 808º, n.º 2, 1211º e 1229º, todos do C.C. e ainda do disposto nos arts. 514º, n.º 1 e 664º, do C.P.C.
Nestes termos deverá ser dado total provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, a douta sentença recorrida.

Na sua alegação o réu deduziu as seguintes conclusões:
1ª Entre a A. Recorrida e a R. Recorrente foi celebrado um contrato de empreitada para a construção de roupeiros a montar na residência do R. Recorrente;
2ª Aquando da celebração do contrato, o R. frisou a sua urgência na realização da obra tendo ficado acordada que esta seria entregue no prazo de 30 dias após a confirmação de medidas;
3ª No domicilio da R. estava sempre gente em casa pelo que a A. poderia ter rectificado as medidas logo que o entendesse;
4ª o A. adjudicou a obra e pagou o respectivo sinal no dia 27/8/2001.
5ª Os roupeiros deveriam estar prontos a 27/9/2001;
6ª A Autora recorrida não cumpriu o contrato.
7ª O devedor entrou em mora e o credor perdeu o interesse na prestação.
8ª O R. Recorrente perdeu o interesse no contrato devido à mora do credor, e considerando-se o contrato não cumprido então o efeito prático só poderá ser a desistência, o que significa a não manutenção do contrato - resolução do contrato com a consequente devolução do sinal.
9ª Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor independentemente do direito à indemnização pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro. (artº 801º nº2).
10ª A douta sentença violou o estabelecido no artº 801º e 808º do C. Civil.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso mantendo a douta decisão de absolvição do R. Recorrente do pedido e condenando a A. Recorrida no pedido reconvencional.

Autora e réu contra-alegaram.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Fundamentos:
2.1. De facto:
Mostram-se provados os seguintes factos:
a) A Autora dedica-se ao fabrico e comercialização de roupeiros, revestimentos e pavimentos e comercialização de mobiliário e de tecidos de decoração.
b) No exercício dessa actividade a Autora foi contactada pelo Réu, tendo em vista a aquisição de roupeiros por aquela fabricados e a posterior instalação dos mesmos no domicílio daquele sito na Rua João XXI,..., em Lisboa.
c) O Réu retirou e forneceu as medidas para o fabrico de tais roupeiros pela Autora, tendo em atenção o espaço que na sua residência havia destinado à colocação dos mesmos.
d) Tendo em vista a adjudicação à Autora, dos trabalhos pretendidos pelo Réu, foi por aquela apresentado o respectivo orçamento.
e) Por fax datado de 24/8/01, enviado à autora, que se mostra junto a fls. 10 e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, o réu solicitou o esclarecimento de dois aspectos do orçamento frisando que o assunto era urgente.
f) O réu propôs a entrega do trabalho à autora no dia 27/8/01 caso o primeiro orçamento fosse por esta rectificado.
g) Em conformidade, a autora apresentou ao réu um novo orçamento datado de 25/8/01 com o valor de 9.687,84 euros cuja cópia se mostra junta a fls. 11 que se dá aqui por inteiramente reproduzido.
h) O supra mencionado orçamento veio a ser aceite pelo Réu.
i) Em 27/8/2001 o réu entregou à autora, a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de 2.992,79 euros.
j) A autora não procedeu à instalação dos roupeiros em casa do réu.
k) Por carta datada de 22/10/2001, cuja cópia se encontra junta a fls. 13, o réu exigiu da autora a devolução da quantia referida em i), dela constando, além do mais, o seguinte: “Uma vez que está, largamente, excedido o prazo de 45 dias, estabelecido no orçamento acima mencionado, venho comunicar-vos que já não estou interessado na encomenda feita de acordo com tal orçamento, pelo que exijo a devolução, imediata, do sinal que vos foi pago”.
l) Por carta datada de 25/10/2001, a autora manifestou ao réu a sua intenção de concluir a obra, conforme consta do documento junto a fls. 14 cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido.
m) Em resposta, por fax datado de 02-11-2001, uma vez mais o Réu veio a exigir da Autora a devolução do sinal prestado.
n) Nesse dia a autora enviou ao réu a carta junta a fls. 16 e 17 dos autos cujo teor se considera reproduzido, manifestando mais uma vez a intenção de instalar os roupeiros.
o) A autora enviou técnicos seus à residência do réu para procederem ao levantamento das medidas exactas do espaço onde os referidos móveis seriam instalados.
p) O réu não estava em casa aquando do referido em o).
q) A autora iniciou o fabrico dos roupeiros.
r) Os roupeiros foram fabricados de acordo com as medidas fornecidas pelo réu e com o desenho exclusivo que este pretendeu.
s) No apartamento onde os armários deviam ser montados estava gente das 9 às 17 horas.

2.2. De direito:
2.2.1. Considerando o que dispõe o artigo 710º do Código de Processo Civil, importa conhecer em primeiro lugar do agravo interposto pela autora, também apelante, constituindo as únicas questões a decidir, em face das conclusões da alegação respectiva, saber se o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação e se os documentos apresentados em audiência final deveriam ter sido admitidos.
Para o conhecimento do agravo releva a seguinte dinâmica processual:
a) na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 16 de Novembro de 2004 a autora formulou o seguinte requerimento:
A Autora requer ao abrigo do disposto no artº 523º do C.P.Civil a junção de quatro documentos.
O documento nº 1 para prova dos quesitos 1º, 3º,7º e 8º.
O documento nº 2 para prova do quesito 5º.
O documento nº 3 para prova dos quesitos 1º, 3º,4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º.
O documento nº 4 para prova dos quesitos 1º e 3º.
Os documentos que se solicita a junção são documentos internos da Autora, os quais só agora são juntos pelo facto de ter havido necessidade de provar a deslocação à casa do Réu no dia 30 de Agosto de 2001, tendo por essa razão a Autora pesquisado no local onde guarda todos os processos referentes aos seus clientes, os documentos que fizessem prova desse facto.”;
b) o réu declarou não se opor à junção, impugnando-os;
c) sobre tal requerimento recaiu o despacho recorrido no qual se escreveu o seguinte:
Analisando todos esses documentos, verifica-se que todos eles são inócuos para produzir prova sobre quaisquer desses factos. Aliás, nem afloram de perto a matéria concreta contida na matéria que se propõem provar.
Assim, e sem esquecer que dos mesmos não consta qualquer assinatura e dois deles são meras cópias e considerando que só devem ser juntos aos autos documentos que se mostrem úteis para a boa decisão da causa, não se admite a sua junção.”

De acordo com o disposto na al. b) do nº 1 do artigo 668º e no nº 3 do artigo 666º do Código de Processo Civil a sentença ou o despacho são nulos quando não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A motivação das decisões impõe-se por duas razões: uma substancial, pois cumpre ao juiz demonstrar que da norma abstracta formulada pelo legislador soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto; e outra de ordem prática, uma vez que as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão, sobretudo a parte vencida para impugnar, quando seja admissível recurso, o fundamento ou fundamentos invocados.(1)
Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 668º citado.
In casu, o despacho recorrido mostra-se suficientemente fundamentado, apresentando, no que agora releva, as razões tidas por pertinentes e que conduziram à decisão de não admitir a junção aos autos dos documentos apresentados em audiência pela autora, aqui agravante.
O acerto ou desacerto da respectiva decisão é questão diversa e será ulteriormente equacionada, por se tratar de matéria que não cabe no campo dos vícios geradores de nulidade do despacho recorrido.

Não está em causa a oportunidade da junção dos documentos apresentados pela autora, aqui agravante, matéria regulada no artigo 523º do Código de Processo Civil, mas averiguar se merece censura o juízo sobre a sua impertinência/desnecessidade fundamentador da recusa da sua junção.
Decorre do disposto no artigo 543º nº 1 do referido código que, apresentados os documentos e assegurado o contraditório, o juiz, se não tiver ordenado a junção e verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, não os admitirá no processo, recusando a sua junção ou mandando retirá-los do mesmo se tiverem sido juntos, e ordenará a sua entrega ao apresentante.
Ao juiz é atribuído o poder de recusar ou mandar retirar do processo os documentos impertinentes ou desnecessários, evitando-se que o processo se transforme, como refere Alberto dos Reis(2), numa espécie de “barril de lixo” que nenhum contributo útil tem a dar para a boa decisão da causa. Este poder constitui uma manifestação do poder geral de direcção do processo consagrado no nº 1 do artigo 265º do mesmo código, que confere ao juiz, “…o poder-dever de adoptar uma posição mais interventora no processo e funcionalmente dirigida à plena realização do fim deste…”.(3)
Sobre o que deve entender-se por documentos impertinentes ou desnecessários ensina Alberto dos Reis(4) que impertinentes são os que dizem respeito a factos estranhos à matéria da causa; desnecessários são os relativos a factos da causa, mas que não importa apurar para o julgamento da acção.
Lebre de Freitas(5) define documentos impertinentes como aqueles que representem factos irrelevantes para a decisão da causa e documentos desnecessários os que representem factos já provados (designadamente por admissão).
No caso vertente, a autora apresentou três documentos internos que versam, nomeadamente, sobre a alegada rectificação de medidas dos roupeiros a fornecer pela mesma ao réu e tentativas frustradas de contacto com o réu com vista à sua instalação. O quarto documento constitui um fax dirigido pela autora à D, Lda, em 20 de Setembro de 2001, relativo à encomenda por aquela de três roupeiros.
Estes documentos estão manifestamente relacionados com factos impugnados e incluídos na base instrutória, que a autora expressamente referiu ao requerer a sua junção, sendo que alguns desses factos resultaram não provados, como é o caso dos que figuram nos artigos 1º, 5º, 7º, 8º e 9º.
Neste contexto não pode afirmar-se que os documentos apresentados pela autora são impertinentes ou desnecessários, uma vez que visam demonstrar factos controvertidos incluídos na base instrutória e, por conseguinte, considerados relevantes para a boa decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (artigo 511º nº 1 do Código de Processo Civil).
O juízo acerca da força probatória dos documentos não deve nem pode ser feito no momento em que se decide sobre a admissibilidade da sua junção ao processo. Nesse momento relevam apenas a oportunidade da sua apresentação e que os mesmos não se mostrem impertinentes ou desnecessários, à luz do disposto nos artigos 523º e 543º do Código de Processo Civil. E, verificados esses requisitos de admissibilidade dos documentos, tem de aceitar-se a sua junção aos autos, independentemente de qualquer juízo sobre a sua aptidão para demonstrar o facto ou os factos cuja prova visam.
O valor probatório dos documentos é apreciado numa fase processual posterior, quando se procede ao julgamento da matéria de facto, altura em que o juiz aprecia livremente todas provas no seu conjunto e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (artigos 655º do Código de Processo Civil). Qualquer juízo antecipado sobre a força probatória dos documentos (ou outros meios de prova) é prematuro.
O despacho recorrido ao recusar a junção aos autos dos documentos com fundamento em que “eles são inócuos para produzir prova sobre quaisquer desses factos”;“dos mesmos não consta qualquer assinatura e dois deles são meras cópias e considerando que só devem ser juntos aos autos documentos que se mostrem úteis para a boa decisão da causa” fez assentar a sua apreciação no valor probatório dos mesmos, quando deveria apenas ter conhecido da verificação ou não dos requisitos da sua admissibilidade.
Ocorrendo estes, como é o caso, não podia rejeitar a sua junção com tal fundamento.
Pelo que, na procedência das conclusões do agravo, deve revogar-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que admita nos autos os documentos em causa, se razão diversa a tal não obstar, anulando-se os termos subsequentes do processo que dele dependam absolutamente, designadamente o julgamento no tocante aos pontos da matéria de facto a cuja prova os documentos se destinam e a sentença recorrida, sem prejuízo da reapreciação de outros pontos da matéria de facto com o objectivo de evitar contradições na decisão.

2.2.2. O provimento do agravo prejudica a apreciação das apelações, pelo que delas não se toma conhecimento.

No tocante às custas do agravo, não tendo o agravado dado causa ou expressamente aderido à decisão recorrida, que não acompanhou, ocorre a isenção subjectiva prevista no artigo 2º nº 1 al. o) do Código das Custas Judiciais, na redacção anterior ao DL nº 324/2003, de 27 de Dezembro.
As custas das apelações serão pelo vencido a final.

3. Decisão:
Nesta conformidade, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa:
a) em conceder provimento ao agravo e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que admita nos autos os documentos em causa, se razão diversa a tal não obstar, anulando-se os termos subsequentes do processo que dele dependam absolutamente, designadamente o julgamento no tocante aos pontos da matéria de facto a cuja prova os documentos se destinam e a sentença recorrida, sem prejuízo da reapreciação de outros pontos da matéria de facto com o objectivo de evitar contradições na decisão;
b) em não tomar conhecimento das apelações, por prejudicado.
c) Custas das apelações pelo vencido a final.

27 de Abril de 2006
(Fernanda Isabel Pereira)
(Maria Manuela Gomes)
(Olindo dos Santos Geraldes)