Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22446/18.8T8LSB-A.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: ACÇÃO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
NOMEAÇÃO DE PATRONO
CRIANÇA
APOIO JUDICIÁRIO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
CONFLITO DE INTERESSES
INTERESSE DO MENOR
INCAPACIDADE DO MENOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A nomeação de advogado à criança, nos quadros do nº. 2, do artº. 18º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, tem fundamentalmente como ratio legis a tutela e salvaguarda dos interesses dos filhos menores, normalmente o vértice mais fragilizado nas querelas que os progenitores alimentam e sustentam, assim se justificando que aquela opere no quadro da lei do apoio judiciário, tal como prevê o nº. 3, do artº. 103º, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aplicável como princípio orientador ao processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, desde logo por força do nº. 1, do artº. 4º, do RGPTC ;
II – tal solução garante total isenção e imparcialidade na representação dos menores, na concretização do critério orientador do superior interesse da criança (que não dos seus pais) e evita que a sua posição possa ser contaminada ou influenciada pelos interesses dos seus progenitores, salvaguardando e tutelando que os únicos interesses que venham a ser afirmados em tribunal, pelo competente técnico jurídico nomeado, correspondam, com efectividade, aos interesses dos menores representados ;
III – tal nomeação oficiosa permite, assim, que a Assistência jurídica prestada aos menores se venha a concretizar de forma mais objectiva, serena, desinteressada e equidistante, afirmando-se imune a quaisquer pressões dos progenitores, assim garantindo plenamente a salvaguarda do estrito interesse daqueles ;
IV – sendo, ainda, a mesma susceptível de evitar ou prevenir uma “eventual alienação parental”, ou servir de alavancagem de “fenómenos disfuncionais de apegamento emocional exagerado a uma das partes”, assim se evitando que a posição processual do menor acompanhado por técnico de direito competente possa ser rotulada como um simples prolongamento acrítico e encapotado da posição de qualquer um dos progenitores, funcionando manipuladamente nas mãos destes ;
V - caso que assim não se entenda, e se admita que os próprios menores tivessem o direito de escolher o advogado que os representasse (o que não é admissível nos quadros da lei do apoio judiciário), sempre tal colidiria com a sua incapacidade para o exercício de direitos, suprível, in casu, pelo poder paternal – os artigos 123º e 124º, do Cód. Civil ;
VI - efectivamente, não cabendo a outorga de mandato forense nas excepções à incapacidade dos menores elencadas no artº. 127º, do mesmo diploma, e não resultando que tal outorga se possa qualificar como uma mera questão ou acto administrativo, tal suprimento de incapacidade para o exercício de tal direito sempre teria que ser operada mediante a intervenção de ambos os progenitores, não bastando para tal a mera intervenção de um ;
VII - com efeito, a outorga de mandato forense, tanto mais num processo em que se procede à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos menores em equação, não constitui, claramente, uma mera questão da sua vida administrativa, antes se traduzindo numa questão de particular importância para a vida dos menores, cujo exercício, conforme resulta da sentença proferida, pertence a ambos os progenitores, excluída que está a exclusividade de exercício a solo, assim impondo que o suprimento da incapacidade dos menores mandantes tivesse que ser operada por ambos os progenitores ;
VIII – o artº. 5º da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, ao enunciar as medidas processuais promotoras do exercício dos direitos processuais das crianças, no que concerne ao direito de serem Assistidas por advogado, prevê o direito de pedirem a designação de advogado – a alínea b) -, e não propriamente um direito de escolha ou de concreta indicação do advogado que preste tal Assistência ;
IX – tal normativo efectua uma clara distinção entre as situações em que a criança tem liberdade para escolher ou indicar a pessoa que lhe deva prestar Assistência para o auxiliar a exprimir as suas opiniões, bem como para representá-lo – as alíneas a) e c) -, daquela situação em que tem apenas o direito de pedir que lhe seja designado um advogado – a alínea b) -, em que tal direito de escolha/indicação não é legalmente estatuído ;
X - solução legal que bem se entende, pois, prevendo-se tal direito para efectiva tutela e defesa da posição processual da criança, caso existisse aquele direito de escolha sempre esta ficaria sujeita à influência de um ou de ambos os progenitores, o que poderia contaminar a necessária equidistância e isenção do profissional de direito. 
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I - RELATÓRIO
1AB………………….., progenitor pai, intentou, nos termos e para os efeitos do artº. 43º, do RGPTC, e 1909º, nº. 1, com expressa remissão para os artigos 1905º a 1908º, todos do Cód. Civil, processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais das crianças:
i. ÁL……………….……, nascido em 30/08/2007 ;
ii. AF…………….......….., nascido em 02/09/2008 ;
iii. AS……………………., nascido em 08/11/2010 ;
iv. AM………….……….., nascido em 27/07/2016,
contra a progenitora mãe M……………………………..
Tal processo tutelar cível foi instaurado em 08/09/2017.
2 – Em 14/06/2023, foi junto aos autos requerimento, assinado pelo menor Ál……………….., do qual consta, no que ora releva, o seguinte:
Eu, Ál…………….. e os meus três irmãos Af….., As….. e Am……. queremos um advogado que nos defenda aos quatro. Sabemos que estão a decidir o nosso futuro e queremos ir falar a tribunal. Não podem decidir o nosso futuro sem falarem connosco e com o nosso advogado. Temos o direito de crescer juntos e brincar juntos, nos amamos
Anexo a carta com a assinatura dos meus irmãos.
 Junto também o requerimento do pedido de apoio judiciário enviado por correio.
Anexo 6 docs
Lisboa, 14/6/2023
Pede deferimento
O/A Requerente
Ál………………..
3 – Juntamente com tal requerimento, foi apresentada cópia do “Requerimento de Proteção Jurídica Pessoa Singular”, no qual é peticionado Apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono, tem como Finalidade do pedido a Audição e Representação de menor – Proc. Nº. 22446/18.8T8LSB-A, nas Observações que o pedido é efectuado para este menor e mais 3 irmãos, também menores de idade que pretendem ser ouvidos e obter representação jurídica no processo RRP, bem como que querem um Advogado para os 4 irmãos e figura no local destinado à Assinatura do requerente conforme documento de identificação o seguinte: “Na qualidade de representante legal, M………………..”.
4 – Em 16/06/2023, foi proferido o seguinte DESPACHO:
Em face do pedido formulado pelos jovens e independentemente da procedência do pedido formulado junto da Segurança Social, desde já se concede patrocínio judiciário às 4 crianças.
Diligencie através do SINOA por patrono oficioso.
Notifique-o hoje mesmo de que o julgamento terá inicio no da 19 de junho de 2022, às 9h 30. Remeta cópia dos articulados apresentados pelos pais, após notificação para o disposto no artigo 39º, n.4 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de setembro”.
5 – Ainda no mesmo dia 16/06/2023, foi lavrada nos autos a seguinte cota:
Em 16-06-2023, foi nomeado o patrono abaixo indicado, através do Sinoa, aos menores Ál…., Af……. e As……….., conforme ordenado no despacho que antecede.
Dados e contactos da nomeação:
Cédula (…)7L
Nome: DD. (…)
NIF: (…)69
Telefone: (….)70
Telemóvel: (….)02”.
6 – Tal Patrono nomeado, aquando da apresentação de requerimento nos autos, datado de 21/06/2023, Juntou Ofício de nomeação da Ordem dos Advogados, que lhe foi remetido em 16/06/2023.
7 – Em 22/08/2023, foi proferida sentença, em cujo Dispositivo consta o seguinte:
“4. Dispositivo
De harmonia com o exposto, decide o Tribunal condenar A……………, e requerida M……………. na observância do seguinte regime de regulação das responsabilidades parentais dos seus filhos menores, Am………… nascido em 27 de julho de 2016, As…………….. nascido em 8 de novembro de 2010, Af………………., nascido em 2 de setembro de 2008 e Ál…………….., nascido a 30 de agosto de 2007.
1.Residência.
1.1
Af…………… e Ál…………….. fixam residência junto da mãe.
Am……………. e As……………….. fixam residência junto do pai.
1.2 Gestão da vida corrente e em questões de educação e saúde.
Incumbe à mãe o exclusivo exercício das responsabilidades parentais respeitantes aos dois filhos Af………… e Ál…………. e ao pai o exclusivo exercício das responsabilidades parentais dos filhos Am……. e As……., no que respeita à vida escolar, clínica/saúde, administrativa e ainda deslocações para o estrangeiro.
Apenas questões de particular importância como intervenções cirúrgicas estão excluídas desta exclusividade de exercício.
Ambos os pais ficam obrigados a manter a residência dos filhos em Lisboa e tem o dever de informar o outro progenitor sobre qualquer saída do país, destino e período de ausência.
De igual modo tem o dever de informar o outro progenitor, por escrito, sobre todas as questões de saúde e escolares que lhes forem fornecidas.
2. Contatos com o outro progenitor.
2.1 Os jovens Ál…… e Af…….. estarão com o pai, quando quiserem, devendo comunicar esse facto à mãe.
 2.2 As crianças As….. e Am……. estarão com a mãe, em semanas alternadas, na sequência em curso, que se iniciarão, segunda feira, após as atividades escolares e terminarão domingo, às 21 horas.
2.3 Será a mãe a ir levar as crianças domingo, a casa do pai e o pai a levá-las segunda a casa da mãe, ou à esquadra da PS mais próxima, de cada uma das casas, caso assim seja entre ambos seja acordado.
2.4 O pai providenciará e suportará os custos do transporte coletivo do As…… e Am….. para o Colégio que escolher, de modo a que a mãe as vá levar nem buscar nos dias que a esta estão atribuídos,
2.5 As férias escolares de Verão repartidas equitativamente entre ambos os progenitores, de modo a que as quinzenas sofram rotatividade plena.
2.6 Cabe ao progenitor que está com as crianças decidir se há ou não chamadas telefónicas;
2.7 No dia de aniversário dos menores, os mesmos tomarão uma das refeições principais com cada um dos progenitores, a combinar entre si qual a refeição que cabe a cada um, sendo que caso os menores se encontrarem em estabelecimento de ensino será lanche com um e jantar com outro. No caso de não haver acordo entre os progenitores nos anos pares escolhe a mãe e nos anos ímpares escolhe o pai.
2.8 No dia do Pai e dia de aniversário do pai os menores passarão o dia com o progenitor, sem prejuízo das atividades escolares dos menores.
2.9 No dia da Mãe e dia de aniversário da mãe os menores passarão o dia com a progenitora, sem prejuízo das atividades escolares dos menores.
(a divisão das férias cede perante os aniversários das crianças e dos pais)
2.10. Os menores poderão tomar uma das refeições principais no dia de aniversário de cada um dos avós.
2.10. O Natal, Ano Novo e Pascoa serão passados em bloco e de modo rotativo de modo a viabilizar a deslocação para áreas geográficas diversas.
3. Alimentos.
3.1 Fixa-se a pensão de alimentos ao Ál………. e Af………., a pagar pelo Pai, no valor de 350,00€ mensais por cada filho;
3.2 Determina-se a repartição de despesas extraordinárias em partes iguais entre os progenitores, desde que com o acordo de ambos;
3.3 Os estabelecimentos de ensino dos menores ficam respetivamente a cargo da Mãe, quanto ao Ál…….. e Af…….. e a cargo do Pai, quanto ao As…… e Am……, exceto se os pais acordarem dividir o pagamento dos quatro filhos.
Custas em partes iguais por ambos os progenitores, atenta a natureza do decaimento. Comunique à Conservatória de Registe Civil, nos temos e para os efeitos do artigo 1º, n.1 alínea j) do Código de Registo Civil.
Fixo o valor da ação em €30.000,01.
Registe e notifique”.
8 – Em 14/09/2023, os menores Ál……………… e Af…………….., por intermédio de Advogada, vieram requerer aos autos a junção de procuração forense, no âmbito da qual “vêm constituir como sua procuradora e advogada, Dra. SS. (….), a quem conferem poderes forenses gerais para os representar no âmbito do processo nº. (…)/18.8T8LSB e apensos que correm termos no Juiz 7 do Tribunal de Família e Menores de Lisboa”.
Tal procuração encontra-se assinada pelos identificados menores, após o que consta o seguinte:
M…………………, mãe dos menores, titular das responsabilidades parentais dos mesmos, residente na Rua ………………….pelo presente dá o seu consentimento ao acto praticado”, seguindo-se a assinatura de tal progenitora.
9 – Em 03/10/2023, o progenitor pai apresentou o seguinte requerimento:
Ab………….., Pai dos menores, notificado dos requerimentos apresentados pela Ilustre Advogada, a Exma. Sra. Dra. SS. (…)
Marques, vem expor e requerer o seguinte:
1. A Ilustre Advogada, a Exma. Sra. Dra. SS. (…), não está habilitada a representar os menores em juízo, sendo todos os actos praticados pela mesma ineficazes (ou nulos, pelo menos), devendo os mesmos ser desentranhados do processo, o que se requer.
2. Com efeito, em primeiro lugar, a lei não permite que os menores apontem directamente advogado que os represente,
3. Antes prevendo, apenas, o direito a que lhes seja nomeado um advogado (um patrono oficioso) – cfr. art.º 18.º do RGPTC e 103.º da LPCJP.
4. Na verdade, o legislador entendeu permitir apenas a nomeação de advogado por pretender garantir a isenção da representação dos menores, sem a influência de qualquer dos progenitores.
5. No caso concreto, em que ficou provado até à exaustão - como decorre inequivocamente da sentença definitiva proferida em 22 de Agosto de 2023 - que os menores são instrumentalizados pela Mãe, sobretudo os dois mais velhos, torna-se ainda mais evidente que a isenção na escolha do representante legal dos menores está posta em causa quando a Mãe assina tal procuração.
6. É evidente que quem procurou, escolheu e se responsabilizou por suportar os honorários da advogada em questão terá sido a Mãe dos menores, o que não se coaduna com as regras processuais de execução do direito das crianças em ter advogado nestes processos, a qual é feita através de nomeação.
7. Como tal, não têm os menores (ou a Mãe, por eles) direito a constituir directamente mandato judicial,
8. Muito menos têm o direito de, com esse novo mandato, revogar aquele que já havia sido constituído no processo e que foi consentido por este tribunal, do qual resultou na nomeação do Ilustre Colega, o Exmo. Sr. Dr. DD. (…), como patrono oficioso nomeado de acordo com as regras do apoio judiciário (indicado pela Ordem dos Advogados, portanto).
9. Em segundo lugar, mesmo que os menores tivessem o direito de escolher um advogado que os representasse, a sua incapacidade para o exercício de direitos não pode ser suprida exclusivamente com a intervenção da Mãe, uma vez que o Pai não está afastado do exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular importância, como resulta de forma clara da sentença definitiva proferida em 22 de Agosto de 2023
10. A assinatura de procuração forense é considerada um acto de particular importância, pela sua raridade e importância, pelo que, faltando, a assinatura do Pai, cuja oposição expressa agora manifesta, a mesma não é válida, nem produz efeitos, tornando todos os actos subscritos pela respectiva mandatária ineficazes ou, na pior das hipóteses, nulos.
11. Pelo que se requer que os mesmos sejam considerados ineficazes (ou declarados nulos), com o consequente desentranhamento do processo.
12. Admitindo, sem conceder, que o tribunal considere regular o novo mandato judicial supra referido, sempre se diga que relativamente à arguição de nulidade das gravações (cfr. requerimento de 15.09.2023, com a referência 36996037), cabe dizer o seguinte:
a) O prazo de arguição das nulidades é de 10 dias contados desde o dia da disponibilização das gravações (1 de Setembro), pelo que o requerimento que argui tais nulidades, sendo de dia 15.09.2023, caiu fora do prazo máximo para a sua apresentação (o terceiro dia útil de multa seria no dia 14.09.2023), pelo que se deve considerar extemporâneo e desentranhar o mesmo;
b) Ainda que assim não se entendesse, o que não se admite, não há qualquer nulidade, uma vez que as gravações são perfeitamente audíveis e mesmo as partes que se ouvem mais longe são passíveis de serem conhecidas e transcritas, jamais podendo tal particularidade ser considerada em nível tal que obrigasse a repetir o julgamento e a ouvir todas as testemunhas novamente (embora seja do conhecimento de todos que a Mãe quer a repetição do julgamento – o que, consequentemente, relançaria o caos na vida dos menores), devendo ser indeferida tal arguição.
Pelo que se requer:
a) Que a procuração forense que atribui poderes à Ilustre Advogada, a Exma. Sra. Dra. SS. (…), e todos os requerimentos posteriores firmados pela mesma, sejam considerados ineficazes (ou declarados nulos), com o consequente desentranhamento do processo; (……)”.
10 – Em 08/11/2023 foi apresentada nos autos a seguinte promoção:
Requerimento de 14/09 – Em relação à junção aos autos de procuração forense outorgada a favor da Dra. SS. (…), pelos menores Ál……….. e Af………, sempre se dirá que o art. 18.º do RGPTC dispõe que:
1. Nos processos previstos no RGPTC é obrigatória a constituição de advogado na fase de recurso.
2. É obrigatória a nomeação de advogado à criança, quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto, sejam conflituantes, e ainda quando a criança com maturidade adequada o solicitar ao tribunal.
Nos autos, em cumprimento do aludido art. 18.º, foi nomeado aos menores Ál…….., Af……, Am…….. e As….., o Dr. DD. (…) em 16.06.2023, a quem cabe o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos dos menores, tendo como critério orientador o superior interesse da criança e não o interesse dos pais, que apenas deve ser considerado na justa medida em que se mostre conforme ao interesse dos filhos.
Daqui se retira que o que se procurou foi salvaguardar o interesse dos filhos quando os pais se encontram em conflito nomeando-lhes alguém imparcial quanto a esse conflito e que tivesse em vista o seu superior interesse.
Perante tais circunstâncias não restam dúvidas que os menores se encontravam devidamente representados pelo Advogado que lhes foi nomeado, não podendo a procuração assinada pelos menores, com o “consentimento” da progenitora ter-se como juridicamente válida nem pode produzir efeitos representativos.
Até porque, no limite, a mesma só seria válida se fosse assinada por ambos os progenitores, detentores das responsabilidades parentais relativamente aos menores, uma vez que o progenitor não se encontra inibido.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.02.2021, onde se pode ler: “Com efeito o mandato constitui um acto qualificado por lei como de «particular importância», razão pela qual deveria ser autorizado pelos progenitores, isto é – id est - por ambos e não apenas pela mãe. Para além disso, a assinatura da progenitora, aposta e isolada numa procuração, que confere o mandato, não consegue assegurar, à partida e à chegada, a objectividade, isenção e distanciamento na defesa dos interesses da criança.
Atento o exposto, promovo se declare tal procuração ferida de nulidade para todos os efeitos legais, devendo ser desentranhada dos autos bem como todos os actos subsequentes praticados pela Exma. Advogada, Dra. SS. (…).
Deve, ainda, ser dado conhecimento à Segurança Social a quem foi apresentado requerimento de protecção jurídica”.
11 – Tendo a Sra. Juiz a quo, em 21/11/2023, proferido o seguinte DESPACHO:
Requerimento de 03.10.2023 e promoção que antecede, quanto à nulidade da procuração:
Nos termos do art. 18.º do RGPTC “nos processos previstos no RGPTC é obrigatória a constituição de advogado na fase de recurso”, sendo igualmente “obrigatória a nomeação de advogado à criança, quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto, sejam conflituantes, e ainda quando a criança com maturidade adequada o solicitar ao tribunal.”
Cumprindo tal desiderato, nos autos, em cumprimento do aludido art. 18.º, foi nomeado aos menores Ál…….., Af….., Am……. e As….., o Dr. DD. (…) em 16.06.2023, procurando-se salvaguardar o interesse dos filhos quando os pais se encontram em conflito nomeando-lhes alguém imparcial quanto a esse conflito e que tivesse em vista o seu superior interesse.
Todavia, foi junta procuração forense outorgada a favor da Dra. SS. (…), pelos menores Ál……. e Af………...
Não têm, porém, os menores poderes para assinarem procuração e conferirem poderes a mandatários, ainda que com o “consentimento” da progenitora, porquanto não têm plena capacidade de exercício de direitos e é a lei, no caso o citado art. 18º que indica, expressamente, como há-de fazer-se a representação judiciária neste caso.
Por contrária à lei, declaro nulo e sem nenhum efeito o mandato assim conferido, bem como ineficazes os atos praticados sob a sua égide nos vertentes autos.
Notifique”.
12 – Em 19/12/2023, o Ilustre Patrono nomeado aos menores apresentou nos autos o seguinte requerimento:
DD. (…), Patrono nomeado aos menores Ál……., Am………, Af……. e As…….., vem, em cumprimento do disposto no número 3 do artigo 34.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, comunicar que apresentou no dia de hoje, à Ordem dos Advogados, um pedido de escusa”.
Juntou, ainda, documento comprovativo de envio do pedido de escusa.
13 – Tendo a Sra. Juíza a quo, em 22/12/2023, proferido o seguinte DESPACHO:
“Req. 19/12 – Atento o pedido de escusa apresentado, diligencie junto da OA pela nomeação de novo defensor aos menores”.
14 – Consequentemente, em 22/12/2023, foi remetido ofício, à Ordem dos Advogados, com o seguinte teor:
Referência: 431519591
Regulação das Responsabilidades Parentais 22446/18.8T8LSB-A
Requerente: Ab…………..
Requerido: M…………..
Data: 22-12-2023
ASSUNTO: Pedido de Nomeação de Patrono Por ordem da Mma. Juiz de Direito venho solicitar a V.Exa., se digne providenciar no sentido de ser indicado novo patrono aos menores abaixo identificados a fim de os representar nos presentes autos, uma vez que o actual (Dr. DD. (…) ) pediu escusa.
Junto se anexa cópia do despacho proferido e do pedido de escusa.
Menor: Ál……………., nascido em 30-08-2007, freguesia de Ajuda [Lisboa], nacional de Portugal, domicílio: Rua …………………….
Menor: Af……………., nascido em 02-09-2008, freguesia de Ajuda [Lisboa], nacional de Portugal, domicílio: Rua ……………………………
Menor: Am……………, nascido em 27-07-2016, freguesia de Ajuda [Lisboa], nacional de Portugal, domicílio: Rua ……………………..
Menor: As………………….., nascido em 08-11-2010, freguesia de Ajuda [Lisboa], nacional de Portugal, domicílio: Rua ………………………..
Com os melhores cumprimentos.
A Oficial de Justiça …”.
15 – Em resposta a tal ofício, em 04/01/2024, foi junto aos autos ofício da Ordem dos Advogados, nomeando para o patrocínio … .
16 – Inconformados com o decidido, os menores Ál…………… e Af……………., por intermédio da Advogada a quem outorgaram procuração, interpuseram recurso de apelação, em 03/01/2024, por referência à decisão prolatada.
Apresentaram, em conformidade, os Recorrentes as seguintes CONCLUSÕES:
A. O presente recurso respeita à declaração de nulidade da procuração outorgada pelos menores.
B. O Tribunal, na sentença proferida decretou que “Incumbe à mãe o exclusivo exercício das responsabilidades parentais respeitantes aos dois filhos Af……… e Ál….. e ao pai o exclusivo exercício das responsabilidades parentais dos filhos Am….. e As….., no que respeita à vida escolar, clínica/saúde, administrativa e ainda deslocações para o estrangeiro
C. Em face de tal decisão, o consentimento da mãe à procuração outorgada é o bastante, uma vez que o exercício das responsabilidades parentais é exclusivo da mesma, sendo a outorga de procuração para os presentes autos, matéria incluída em questões administrativas.
D. Acresce que, tal decisão foi motivada pelo facto de o Tribunal reconhecer a não existência de relação entre os Recorrentes e o pai, pelo que condicionar a possibilidade de os mesmos escolherem por si mesmos o seu advogado, à aceitação do pai, é o mesmo que vedar aos Recorrentes o direito a escolherem mandatário.
E. Importa ter presente que nos presentes autos a nomeação de advogado aos menores surge na sequência do pedido formulado pelo próprio Recorrente Ál………., que formulou o pedido referindo expressamente que o fazia “para que os irmãos não fossem separados”.
Mais,
F. Não obstante tal entendimento, entendem os Recorrentes que os mesmos podem só por si escolher o seu advogado.
G. O Tribunal declarou nula a procuração, quando o Legislador entende que negócios jurídicos celebrados por menores são anuláveis, e não nulos.
H. E sendo anulável, se tal fosse o caso, tal não poderia ser conhecido oficiosamente pelo Tribunal, como foi.
I. Acresce ainda referir que os Requerentes têm legitimidade para escolher o seu mandatário, sendo tal um corolário lógico do Direito da Criança.
J. Ora, o artigo 103 da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, consagra no artigo 103º o caso em que é obrigatória a constituição de advogado para os menores, consagrando no nº 3 a regra se que tal nomeação é feita nos termos do apoio judiciário, mas tal não significa que os Jovens Recorrentes não possam escolher o advogado que os representará.
K. Tanto que, nos presentes autos, a constituição de mandatário para os menores ocorreu por pedido expressos dos mesmos!
L. A Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, adotada em Estrasburgo, em 25 de janeiro de 1996, dispõe no seu art.º 5.º:
«Nos processos perante uma autoridade judicial, que digam respeito a crianças, as Partes deverão considerar a possibilidade de lhes conceder direitos processuais adicionais, em especial: ) O direito de pedirem para serem As.........tidas por uma pessoa adequada, da sua escolha, que as ajude a exprimir as suas opiniões;
b) O direito de pedirem, elas próprias ou outras pessoas ou entidades por elas, a designação de um representante distinto, nos casos apropriados, um advogado;
c) O direito de nomear o seu próprio representante;
d) O direito de exercer, no todo ou em parte, os direitos das partes em tais processos.»
M. Tendo presente este quadro legal dificilmente poderemos negar o direito dos Recorrentes escolherem o seu advogado.
N. O Direito de escolha do advogado é um direito fundamental dos Recorrentes e a sua violação constitui uma violação do princípio constitucional previsto no artigo 20º da CRP.
O. Interpretar o artigo 18 do RGPTC e 103º da Lei de Proteção das Crianças e Jovens em Perigo no sentido que os menores não podem escolher o seu advogado, estando limitada a sua representação ao patrocínio judiciário, é inconstitucional, por violação do artigo 20º da CRP.
P. Importa ainda assinalar que o Tribunal entende que os menores, aqui Recorrentes devem ser representados, não pelo mandatário por si escolhido, com concordância de quem exerce as responsabilidades parentais, mas sim pelo defensor oficioso que lhes foi nomeado, sendo que releva assinalar o facto de o próprio defensor ter dito expressamente no início da audiência de discussão e julgamento e em requerimento apresentado com referência 36325578 de Junho de 2023, que entendia que havia conflito de interesses entre os menores.
Q. Ora, quando um advogado entende que os interesses que representa estão em conflito, ele próprio deve recusar a defesa– salvo devido respeito por opinião diversa.
R. Pelo que é de difícil compreensão que o próprio Defensor e o Tribunal – perante tal declaração confessa – tenham entendido que tal defensor se devia manter como defensor dos quatro menores, mesmo depois do próprio entender que os interesses dos menores – na sua opinião – eram antagónicos.
S. Pelo que é manifesto que a decisão do Tribunal ao entender que tal defensor deve ser o defensor dos menores é contra a lei, contra o espírito da lei e contra os princípios norteadores do direito da criança
T. Nos presentes autos, o conflito entre os progenitores é severo e nunca seria possível um acordo entre ambos na escolha de um advogado aos Recorrentes.
U. Os Recorrentes entenderam recorrer a um advogado, exactamente para garantir que um advogado estaria a defender exclusivamente os seus interesses, afastado do ruido da discussão do ex-casal.
V. O interesse dos menores no pedido formulado desde início, é não serem separados dos seus irmãos, vedar aos menores o direito a escolherem, eles mesmos o seu advogado, é uma violação do direito dos mesmos e viola o seu superior interesse”.
Nestes termos e nos melhores de Direito que Vs. Exas mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser considerado procedente por provado, e em consequência ser revogado o despacho que declarou nula a procuração outorgada pelos menores, com consentimento da mãe, titular das responsabilidades parentais
Conclui, no sentido de ser dado provimento ao recurso e, consequentemente, “ser revogado o despacho que declarou nula a procuração outorgada pelos menores, com consentimento da mãe, titular das responsabilidades parentais”.
17 – O Progenitor pai apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes CONCLUSÕES:
“A. A M.I. Advogada, Exma. Sra. Dra. SS. (…), vem interpor recurso da decisão do tribunal de primeira instância, de 21.11.2023, com a referência 430378109, o qual deu razão ao Pai, aqui Recorrido, quando este pediu – cfr. requerimento do Pai de 03.10.2023 com a referência 37174860 - que fosse dada sem efeito a procuração junta pela mesma, com vista a eventual representação dos menores Ál………. e Af………….
B. Inconformando-se com o despacho recorrido, que declarou nulo e sem nenhum efeito, por contrário à lei, o mandato em causa, bem como ineficazes os atos praticados sob a sua égide nos vertentes autos, vem a M.I. Advogada, Exma. Sra. Dra. SS. (…), pedir a revogação do referido despacho e a sua substituição por outro que admita o mandato, uma vez que o mesmo foi praticado com o consentimento da Mãe dos menores, alegadamente única titular do exercício das responsabilidades parentais dos mesmos.
C. Sucede que a Ilustre Advogada, a Exma. Sra. Dra. SS. (…), não está habilitada a representar os menores em juízo, sendo todos os actos praticados pela mesma ineficazes (ou nulos, pelo menos), devendo os mesmos ser desentranhados do processo, o que se determinou em primeira instância.
D. Com efeito, em primeiro lugar, a lei não permite que os menores apontem directamente advogado que os represente, antes prevendo, apenas, o direito a que lhes seja nomeado um advogado (um patrono oficioso) – cfr. art.º 18.º do RGPTC e 103.º da LPCJP.
E. Na verdade, o legislador entendeu permitir apenas a nomeação de advogado por pretender garantir a isenção da representação dos menores, sem a influência de qualquer dos progenitores.
F. No caso concreto, em que ficou provado até à exaustão - como decorre inequivocamente da sentença definitiva proferida em 22 de Agosto de 2023 - que os menores são instrumentalizados pela Mãe, sobretudo os dois mais velhos, torna-se ainda mais evidente que a isenção na escolha do representante legal dos menores está posta em causa quando a Mãe assina tal procuração.
G. É evidente que quem procurou, escolheu e se responsabilizou por suportar os honorários da advogada em questão terá sido a Mãe dos menores, uma vez que os menores Ál…….. e Af…………., com 15 e 16 anos, não trabalham, nem têm quaisquer rendimentos, e tal não se coaduna com as regras processuais de execução do direito das crianças em ter advogado nestes processos, a qual é feita através de nomeação.
H. Como tal, não têm os menores (ou a Mãe, por eles) direito a constituir directamente mandato judicial.
I. Muito menos têm o direito de, com esse novo mandato, revogar aquele que já havia sido constituído no processo e que foi consentido por este tribunal, do qual resultou na nomeação do Ilustre Colega, o Exmo. Sr. Dr. DD. (…), como patrono oficioso nomeado de acordo com as regras do apoio judiciário (indicado pela Ordem dos Advogados, portanto).
 J. Em segundo lugar, mesmo que os menores tivessem o direito de escolher um advogado que os representasse, a sua incapacidade para o exercício de direitos não pode ser suprida exclusivamente com a intervenção da Mãe, uma vez que o Pai não está afastado do exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular importância, como resulta de forma clara da sentença definitiva proferida em 22 de Agosto de 2023.
K. A assinatura de procuração forense é considerada um acto de particular importância, pela sua raridade e importância, pelo que, faltando, a assinatura do Pai, cuja oposição expressa agora manifesta, a mesma não é válida, nem produz efeitos, tornando todos os actos subscritos pela respectiva mandatária ineficazes ou, na pior das hipóteses, nulos.
L. Pelo que se requereu que os mesmos sejam considerados ineficazes (ou declarados nulos), com o consequente desentranhamento do processo.
M. Não tem, assim, razão, a Ilustre Advogada, a Exma. Sra. Dra. SS. (…), quando afirma que o exercício é exclusivo da Mãe, pois que a sentença definitiva proferida em 22 de Agosto de 2023 atribuiu o exercício das responsabilidades parentais a ambos os pais, com algumas excepções, nas quais não se inserem os actos de particular importância, que continuam a ter de ser decididos em conjunto.
N. E falta o consentimento do Pai, pelo que não é válida a procuração forense em que falte o consentimento do Pai, titular desse mesmo exercício.
O. Nesse mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25 de Fevereiro de 2021, proc. n.º 22918/16.9T8PRT-N.P1, que versa sobre igual temática, concluindo no seguinte sentido: “Não é juridicamente válida nem produz efeitos representativos, uma procuração forense subscrita pela progenitora, alegadamente em representação do seu filho de quinze anos de idade, por carecer da assinatura e do consentimento do outro progenitor do menor a quem não está vedado o exercício do respectivo poder paternal.” (sumário)
P. Quanto à argumentação da Recorrente sustentada na Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, adotada em Estrasburgo, em 25 de janeiro de 1996, dispõe no seu art.º 5.º, note-se que é o próprio diploma legal que distingue as situações em que a criança tem liberdade para escolher/indicar [als. a) e c)], da situação em que apenas tem direito a pedir que lhe designem alguém [al. b)].
Q. Ou seja, quando se trata de serem As.........tidos “por uma pessoa adequada, da sua escolha, que as ajude a exprimir as suas opiniões”, cfr. alínea a), é concedido aos menores o direito a escolherem essa pessoa.
R. Quando se trata, ainda, de terem um representante no processo, têm o direito de o nomear, cfr. alínea c),
S. Mas quando se trata de advogado, cfr. alínea b), apenas têm o direito de pedir a designação.
T. Está muito clara a distinção no artigo 5.º da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, adotada em Estrasburgo, em 25 de janeiro de 1996, a qual se coaduna com a disposição vertida no artigo 18.º do RGPTC, uma vez que o princípio que o legislador quis acautelar é o da isenção do advogado que representará a criança. E essa isenção apenas se garante quando o advogado é nomeado e não escolhido, na medida em que se assume, e bem, que os menores, enquanto sujeitos que necessitam de tutela, tenderão a deixar-se influenciar na sua escolha pelos pais ou por um dos pais.
U. Ainda para mais nos casos de alienação parental, como ficou provado que este o é, em que os menores foram instrumentalizados, ao longo de anos, para exprimir rejeição ao Pai e utilizados como veículo, pela Mãe, para a obtenção das pretensões da própria, normalmente, contrárias aos interesses dos filhos.
V. Aliás, a outorga da procuração pela progenitora confirma isso mesmo e evidencia o interesse da mesma, e não o dos filhos. W. Pelo que, ao agir, na celebração desse acto, como se o fizesse em representação dos filhos, está a progenitora, na verdade, a agir em representação de si mesma.
X. O que o legislador pretendeu evitar, procurando garantir a nomeação de um advogado isento, de acordo com o previsto na Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, ou seja, mediante indicação de patrono pela Ordem dos Advogados.
Y. Quanto ao alegado pela M.I. Advogada, Exma. Sra. Dra. SS. (…), de que o patrono oficioso das crianças, nomeado no processo, teria dito que os interesses dos mesmos lhe pareciam antagónicos, o que implicaria o dever de recusa do patrocínio, também tal argumento não pode colher.
Z. Em primeiro lugar, porque mesmo que o advogado o tenha afirmado, não o torna verdade, sendo necessário confirmar se há ou não conflito de interesses entre os menores, que impeça a representação pelo mesmo advogado.
AA. No caso não nos parece, uma vez que o que acontece é que os menores manifestaram interesses diferentes (sempre instrumentalizados pela Mãe, pelo que o Pai não lhes atribui essa vontade como sendo livre, não culpando os seus filhos por tais actos, mas sim a Mãe) entre si, mas não necessariamente conflituantes.
BB. O interesse aparentemente manifestado pelo Ál………. e Af……… não é, ao contrário do que diz a M.I. Advogada, Exma. Sra. Dra. SS. (…), o de não serem separados dos irmãos, mas tão-só o de forçar os dois irmãos mais novos a terem o mesmo regime dos mais velhos.
CC. Com efeito, a sentença definitiva proferida em 22 de Agosto de 2023, que regulou o exercício das responsabilidades parentais, estipulou que o As….. e o Am….. vivem com o Pai e os Ál….. e Af…… com a Mãe, mas estipulando que aqueles vão para casa da Mãe 6 a cada 14 dias.
DD. Mais se regulou uma cláusula aberta em que o Ál….. e o Af……. podem ir para o Pai sempre e quando quiserem.
EE. Ou seja, se o Ál…….. e o Af……… querem assim tanto não ser separados dos irmãos mais novos, nem por poucos dias que seja, basta-lhes acompanhar os irmãos nos dias em que estes estão em casa do Pai.
FF. Sucede que o Ál……… e o Af………… dizem não querer ir para o Pai (embora, ressalve-se, essa vontade não seja livre, como sabemos, pois estão alienados pela Mãe).
GG. E como não querem ir para o Pai, mas querem estar com os irmãos 100% do tempo, a solução aventada pela Mãe (que confirmou a mesma pretensão até à exaustão no processo) e pela M.I. Advogada, Exma. Sra. Dra. SS. (…) é a de forçar o As…. e o Am………. a terem o mesmo regime dos irmãos mais velhos.
HH. Na verdade, tal pretensão ignora por completo qualquer interesse do As…. e do Am….., pretendendo apenas que o regime de residência destes se adapte ao interesse dos mais velhos.
II. Aceitar o que se pretende no recurso seria a total desvalorização do interesse do As….. e do Am…….., que teriam de deixar de residir e de ir para o Pai, apenas porque os irmãos não querem, podendo, fazer o mesmo.
JJ. Mas mesmo que os interesses dos menores fossem realmente antagónicos entre si, e mesmo que isso implicasse, portanto, a impossibilidade de patrocínio de todos pelo mesmo advogado e consequente dever de recusa do advogado nomeado, o que não se concede, ainda assim, tal realidade não legitimaria a escolha directa de advogado pelos menores, mas tão-só o direito a ver-lhes nomeado novo defensor oficioso e, porventura, separadamente para cada um dos irmãos ou dos interesses”.
Conclui, no sentido da improcedência do recurso.
18 – O Ministério Público veio, igualmente, apresentar resposta às alegações, nas quais apresentou, no que ora releva, as seguintes CONCLUSÕES:
O Ministério Público mantém a posição já vertida nos autos, e, a qual entendeu que em relação à junção aos autos de procuração forense outorgada a favor da Dra. SS. (…), pelos menores Ál…………. e Af……., sempre se dirá que o art. 18.º do RGPTC dispõe que:
1. Nos processos previstos no RGPTC é obrigatória a constituição de advogado na fase de recurso.
2. É obrigatória a nomeação de advogado à criança, quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto, sejam conflituantes, e ainda quando a criança com maturidade adequada o solicitar ao tribunal.
Nos autos, em cumprimento do aludido artigo, foi nomeado aos menores Ál……, Af………, Am…….. e As….., o Dr. DD. (…) em 16.06.2023, a quem cabe o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos dos menores, tendo como critério orientador o superior interesse da criança e não o interesse dos pais, que apenas deve ser considerado na justa medida em que se mostre conforme ao interesse dos filhos.
Daqui se retira que o que se procurou foi salvaguardar o interesse dos filhos quando os pais se encontram em conflito nomeando-lhes alguém imparcial quanto a esse conflito e que tivesse em vista o seu superior interesse.
Perante tais circunstâncias não restam dúvidas que os menores se encontravam devidamente representados pelo Advogado que lhes foi nomeado, não podendo a procuração assinada pelos menores, com o “consentimento” da progenitora ter-se como juridicamente válida nem pode produzir efeitos representativos.
Até porque, no limite, a mesma só seria válida se fosse assinada por ambos os progenitores, detentores das responsabilidades parentais relativamente aos menores, uma vez que o progenitor não se encontra inibido.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.02.2021, onde se pode ler: “Com efeito o mandato constitui um acto qualificado por lei como de «particular importância», razão pela qual deveria ser autorizado pelos progenitores, isto é – id est - por ambos e não apenas pela mãe. Para além disso, a assinatura da progenitora, aposta e isolada numa procuração, que confere o mandato, não consegue assegurar, à partida e à chegada, a objectividade, isenção e distanciamento na defesa dos interesses da criança.
E, ainda, que a progenitora tenha o exclusivo exercício das responsabilidades parentais relativamente aos menores Ál………. e Af………, sempre se dirá que o conflito existente entre os progenitores impõe que a decisão relativamente à representação em juízo dos mesmos, tendo em vista o seu superior interesse, seja o mais imparcial e isenta possível, o que apenas se obtém com a nomeação pelo tribunal de defensor oficioso.
Assim, o Ministério Público mantém que tal procuração se encontra ferida de nulidade para todos os efeitos legais, pelo que a decisão proferida não padece de qualquer vicio, devendo ser mantida na integra.
Conclui, no sentido de negação ao provimento do recurso.
19 – Por despacho de 14/03/2024, determinou-se a subida dos autos ao presente Tribunal, sem que tivesse sido proferido despacho expresso a admitir o recurso, a fixar a sua espécie e a determinar o seu efeito, em contravenção ao prescrito no nº. 5, do artº. 641º, do Cód. de Processo Civil.
20 – Por despacho do Relator foi suprida tal omissão, admitindo-se o recurso como apelação – artº. 644º, nº. 2, alín. g) e h) -, a subir em separado – 645º, nº. 2 -, (ainda que se admita o conhecimento imediato e nos próprios autos, atenta a remessa da sua totalidade, assim se dispensando a extracção de certidão) e com efeito meramente devolutivo – artº. 647º, nº. 1, todos do Cód. de Processo Civil e 32º, nº. 4, do RGPTC.
21 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes Apelantes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede cinge-se a determinar se deve ou não ser admito o mandato judicial conferido à Dra. SS. (…), através da procuração forense outorgada pelos menores Ál………. e Af…………..
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade a considerar é a que decorre do iter procedimental supra exposto.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O despacho apelado raciocinou, basicamente, nos seguintes termos:
§ Em observância do estatuído no artº. 18º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível – aprovado pela Lei nº. 141/2015, de 08/09 -, no dia 16/06/2023, foi nomeado aos menores Al........., Af........., Am......... e As........., na qualidade de advogado, o Dr. DD. (…);
§ Tendo-se procurado, assim, salvaguardar o interesse dos filhos quando os pais se encontram em conflito, nomeando-lhes alguém imparcial quanto a esse conflito e que tivesse em vista o seu superior interesse ;
§ Pelos menores Al......... e Af......... foi junta procuração a favor da Dra. SS. (…);
§ Todavia, tais menores não têm poderes para assinarem procuração e conferirem poderes a mandatários, ainda que com o “consentimento” da progenitora, pois não possuem plena capacidade de exercício de direitos ;
§ sendo a representação judiciária, nesta situação, efectuada nos termos do citado artº. 18º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível ;
§ donde, por contrário à lei, é declarado nulo e sem nenhum efeito o mandato conferido, bem como ineficazes os actos praticados sob a sua égide.
Na pretensão alegacional apresentada, os menores Apelantes aduzem, no essencial, o seguinte:
Ø atenta a decisão regulatória das responsabilidades parentais, o consentimento da mãe à procuração outorgada é o bastante ;
Ø pois, o exercício das responsabilidades parentais é exclusivo da mesma e a outorga de procuração para os presentes autos é matéria incluída em questões administrativas – conclusões A. a C. ;
Ø o direito de qualquer cidadão poder escolher o seu advogado faz parte dos seus direitos fundamentais, não estando o mesmo vedado aos menores de idade, pois a incapacidade decorrente da menoridade não é absoluta – conclusões D. a F. ;
Ø ademais, os negócios jurídicos celebrados por menores são anuláveis, e não nulos, pelo que, sendo anulável, não poderia ser conhecido oficiosamente pelo tribunal - conclusões G. e H. ;
Ø a legitimidade do direito de escolha funciona como lógico corolário do direito da criança, dos direitos humanos e da Constituição da República Portuguesa ;
Ø  os artigos 18º do RGPTC e 103º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo – aprovada pela Lei nº. 142/2015, de 08/09 – reportam-se a casos em que a constituição de advogado para o menor é efectuada por imperativo legal, e não por vontade própria dos jovens, como sucede in casu ;
Ø Ao que acresce o facto de estarmos perante menores com a idade de 15 e 16 anos, o que permite considerar e valorar a maturidade daí adveniente - conclusões I. a K. ;
Ø Tal direito de escolha decorre, ainda, do estatuído no artigo 5º da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, adoptada em Estrasburgo, em 25/01/1996 - conclusões L. e M. ;
Ø Configurando-se, assim, como um direito fundamental dos recorrentes, traduzindo a sua afectação a efectiva violação do princípio constitucional previsto no artº. 20º, da Constituição da República Portuguesa ;
Ø Pelo que é inconstitucional a interpretação dos citados artigos 18º, do RGPTC, e 103º, da LPCJP, no sentido dos menores não poderem escolher o seu advogado, estando limitada a sua representação ao patrocínio judiciário, por violação do artº. 20º, da CRP - conclusões N. e O. ;
Ø  Acresce que no início da audiência de discussão e julgamento o próprio defensor oficioso nomeado aos menores afirmou expressamente que entendia existir conflito de interesses entre os menores, pelo que deveria ter recusado a defesa ;
Ø Sendo, assim, dificilmente entendível que quer o Defensor, quer o Tribunal, tenham entendido que aquele dever-se-ia manter como Defensor dos quatro menores ;
Ø pelo que a decisão prolatada pelo Tribunal é contra a lei, contra o espírito desta e contra os princípios norteadores do direito da criança ;
Ø sendo que, no caso concreto, é severo o conflito entre os progenitores, pelo que nunca seria possível um acordo entre ambos na escolha de um advogado aos filhos recorrentes - conclusões P. a V..
Por sua vez, em sede contra-alegacional, referencia o Recorrido progenitor pai, no essencial, o seguinte:
- inexiste legal permissão para que os menores indiquem directamente advogado que os represente, assistindo-lhes apenas o direito a que lhes seja nomeado um patrono oficioso – os artigos 18º do RGPTC e 103º, da LPCJP ;
- existindo, assim, o intuito ou pretensão de garantir a isenção da representação dos menores, sem a influência de qualquer dos progenitores - conclusões A. a I. ;
- mesmo que os menores tivessem o direito de escolher um advogado que os representasse, a sua incapacidade para o exercício de direitos não pode ser suprida exclusivamente com a intervenção da mãe, pois o progenitor não está afastado do exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular importância, conforme resulta da sentença proferida ;
- a outorga de procuração forense configura-se, assim, como um acto de particular importância, pelo que, faltando a assinatura do pai, não é a mesma válida, nem produz efeitos, devendo os actos praticados ser considerados ineficazes ou, na pior das hipóteses, nulos - conclusões J. a O. ;
- por outro lado, a posição definida no artº. 5º da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, efectua clara destrinça entre as situações em que a criança tem liberdade para escolher/indicar (alíneas a) e c)), da situação em que tem apenas o direito a pedir que lhe designem alguém (alínea b)) ;
- assim, a legal pretensão de acautelar a isenção do advogado que representará a criança apenas é garantido quando este é nomeado e não quando é escolhido ;
- o que se entende, assumindo-se que os menores, enquanto sujeitos que necessitam de tutela, tenderão a deixar-se influenciar na sua escolha por um ou ambos os pais - conclusões P. a X. ;
- relativamente ao último argumento dos Recorrentes, existe necessidade de confirmar se existe ou não conflito de interesses entre os menores ;
- ora, o que ocorre é manifestação, por parte dos menores, de interesses diferentes entre si, mas não necessariamente conflituantes ;
- e, mesmo que os interesses dos menores fossem antagónicos, e tal implicasse a impossibilidade de patrocínio de todos pelo mesmo advogado, tal não legitimaria a escolha directa de advogado pelos menores, mas tão-só o direito de ver-lhes nomeado novo defensor oficioso, porventura em separado para cada um dos menores ou dos interesses - conclusões Y. a JJ. 
Por sua vez, ainda em termos contra-alegacionais, o Magistrado do Ministério Público referenciou, em súmula, o seguinte:
§ a nomeação efectuada nos autos, ao abrigo do artº. 18º, do RGPTC, teve como critério orientador o superior interesse da criança, e não o interesse dos pais ;
§ efectivamente, é desiderato legal a procura da salvaguarda do interesse dos filhos quando os pais se encontram em conflito, nomeando-lhes alguém imparcial quanto a esse conflito e que tivesse em vista o seu superior interesse ;
§ assim, tal procuração assinada pelos menores, com o “consentimento” da progenitora, não é juridicamente válida nem produz efeitos representativos ;
§ no limite, tal procuração só seria válida se fosse assinada por ambos os progenitores, detentores das responsabilidades parentais relativamente aos filhos menores ;
§ atento o conflito existente entre os progenitores, a decisão relativamente à representação em juízo dos mesmos deve ser o mais imparcial e isenta possível, o que apenas se obtém com a nomeação pelo tribunal de defensor oficioso.
Apreciando:
Em primeiro lugar, enunciemos o quadro legal geral no âmbito do qual se apreciará acerca do objecto recursório.
Prevendo acerca da constituição de advogado, estatui o artº. 18º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível – aprovado pela Lei nº. 141/2015, de 08/09 -, que:
“1 - Nos processos previstos no RGPTC é obrigatória a constituição de advogado na fase de recurso.
2 - É obrigatória a nomeação de advogado à criança, quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto, sejam conflituantes, e ainda quando a criança com maturidade adequada o solicitar ao tribunal (sublinhado nosso).
O antecedente normativo – artº. 17º -, do mesmo diploma, no seu nº. 1, prevendo acerca da iniciativa processual, estatui que “salvo disposição expressa e sem prejuízo do disposto nos artigos 52.º e 58.º, a iniciativa processual cabe ao Ministério Público, à criança com idade superior a 12 anos, aos ascendentes, aos irmãos e ao representante legal da criança”.
Por sua vez, prescrevem os nºs. 1 a 3, do artº. 103º, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo – aprovada pela Lei nº. 142/2015, de 08/09 -, cujos princípios orientadores são aplicáveis aos processos tutelares cíveis (o preâmbulo do nº. 1, do artº. 4º, do RGPTC), que:
“1 - Os pais, o representante legal ou quem tiver a guarda de facto podem, em qualquer fase do processo, constituir advogado ou requerer a nomeação de patrono que o represente, a si ou à criança ou ao jovem.
2 - É obrigatória a nomeação de patrono à criança ou jovem quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto sejam conflituantes e ainda quando a criança ou jovem com a maturidade adequada o solicitar ao tribunal.
3 - A nomeação do patrono é efetuada nos termos da lei do apoio judiciário” (sublinhado nosso).
No âmbito da condição jurídica dos menores, e prevendo acerca da sua incapacidade, estatui o artº. 123º, do Código Civil, que “salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos”, aduzindo o artº. 122º, do mesmo diploma, serem menores os que ainda não tenham “completado dezoito anos de idade”.
O artº. 125º, ainda do Cód. Civil, estatui a propósito da anulabilidade dos actos dos menores, enquanto que o artº. 127º prevê acerca das excepções à incapacidade dos menores, considerando excepcionalmente válidos os actos aí elencados.
A Convenção Europeia dobre o Exercício dos Direitos das Crianças, adoptada em Estrasburgo, em 25 de Janeiro de 1996 – aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº. 07/2014, de 27/01 -, enunciando acerca das medidas processuais para promover o exercício dos direitos das crianças, e dos direitos processuais desta, prescreve no artº. 5º que “nos processos perante uma autoridade judicial, que digam respeito a crianças, as Partes deverão considerar a possibilidade de lhes conceder direitos processuais adicionais, em especial:
a) O direito de pedirem para serem assistidas por uma pessoa adequada, da sua escolha, que as ajude a exprimir as suas opiniões;
b) O direito de pedirem, elas próprias ou outras pessoas ou entidades por elas, a designação de um representante distinto, nos casos apropriados, um advogado;
c) O direito de nomear o seu próprio representante;
d) O direito de exercer, no todo ou em parte, os direitos das partes em tais processos” (sublinhado nosso).
Ajuizando acerca da necessidade (e, mesmo da obrigatoriedade) de nomeação de advogado a menor, aduz-se no douto Acórdão da RL de 13/07/2017 – Relator: António Santos, Processo nº. 1201/14.0T8VFX.L1-6 -, que incumbindo “ao Advogado o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas ( cfr. artº 97º, do EOA ), sendo que, no exercício da profissão, mantém sempre e em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão ( cfr. artº 89º, do EOA ), ou de influências exteriores [ abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente , antes devendo utilizar todos os conhecimentos técnicos , saberes e procedimentos que a legis artis consigna e que se supõe estarem na sua posse ] , é manifesto que em última instância é ao Advogado nomeado que compete aferir de qual o meio adequado a lançar mão para melhor defender os interesses legítimos do menor.
Acrescenta, citando a possibilidade de nomeação já prevista no transcrito artº. 103º, da LPCJP, importar “não olvidar que, regendo-se os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de protecção de crianças e jovens em perigo , na respectiva tramitação deve outrossim ser assegurado o princípio da Audição e participação da criança , de forma a que, a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, seja sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse [ cfr. artº 4º,nº1. Alínea c), do RGPTC ].
E, precisamente em sede de regulação das responsabilidades parentais [ cfr. art. 35º, n.º 3 e artº 5º (1) , ambos do RGPTC ], é o legislador peremptório em estabelecer que “ A criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é ouvida pelo tribunal, nos termos previstos na alínea c) do artigo 4.º e no artigo 5.º, salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselhar.
Ajuizando acerca do direito da criança à nomeação de advogado, defendem Teresa Silva Tavares e Sofia Vaz Pardal - https://www.publico.pt/2017/08/05/sociedade/opiniao/o-direito-da-crianca-a-nomeacao-de-advogado-1781276 - que tal direito “corresponde a um meio de defesa que a lei consagrou em seu benefício, sendo importante que os tribunais e todos os intervenientes judiciais saibam atuar, efetivamente, na salvaguarda dos interesses das crianças, para que os seus direitos se possam efetivar de forma consequente e consentânea com os seus interesses, que é o que se visa, sempre e a todo o tempo, salvaguardar”.
Pelo que, “salvaguardar uma criança é, também, garantir que o seu pedido de nomeação de advogado parte da sua iniciativa, sem pressões ou instrumentalizações laterais, tendo especial atenção às circunstâncias que envolvem tal pedido e à aferição do seu grau de maturidade”.
Assim, cabe ao advogado nomeado “ouvir e ajudar a criança a defender-se, percebendo as suas razões e o porquê da sua vontade, papel que é essencial e sem o qual este direito ficaria destituído do corpo útil que serviu de base à sua consagração.
Os direitos das crianças, como seja o direito de audição ou o direito à nomeação de advogado, são direitos importantes e que visam protegê-las, sendo ainda o espelho do reconhecimento do sistema legal pelo seu estatuto de sujeitos de direitos” (sublinhado nosso).
Enunciados os critérios gerais, centremo-nos na matéria controvertida.
Nomeadamente a de aferir se a obrigatoriedade de nomeação de advogado à criança – na situação em que os seus interesses e os dos seus pais sejam conflituantes, ou quando revelar suficiente maturidade para o solicitar ao tribunal – pode ocorrer mediante procuração pela mesma outorgada a mandatário judicial, ou seja, constituindo, por si, advogado nos autos ; ou se, ao invés, tal nomeação deve ocorrer nos quadros da lei do apoio judiciário, nomeando-lhe patrono oficioso.
Acerca da presente controvérsia apenas lográmos descortinar dois arestos proferidos pelas Relações, que ora apreciamos.
No douto Acórdão desta Relação e Secção de 17/12/2020 – Relator: Sousa Pinto, Processo nº. 2266/20.0T8CSC-A.L1-2, com um voto de vencido, citado nas alegações recursórias -, referenciou-se que “a incapacidade dos menores para o exercício de direitos não é absoluta, estipulando desde logo a lei a possibilidade de excepções a tal princípio.
Tal circunstancialismo, leva-nos a admitir que o legislador não terá pretendido impor uma barreira intransponível com a estipulação da idade da maioridade nos 18 anos, como sendo apenas a partir dela que haverá a possibilidade de total exercício de direitos, designadamente de celebração de negócios jurídicos.
Desde logo, verificam-se as excepções consignadas no artg. 127.º do CC e, principalmente, o facto do legislador ter entendido que os negócios jurídicos por eles celebrados sejam passíveis de anulabilidade (tendo esta que ser suscitada por quem a lei considera ter legitimidade para tal – art.º 125.º do CC) e não de nulidade, invalidade por sua natureza mais rigorosa e grave que visa tutelar princípios mais marcantes e que levaria a que pudesse ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado, podendo ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art.º 286.º do CC).
Deparamo-nos assim, desde logo, com uma actuação ilegítima por parte do tribunal, pois que sendo o negócio jurídico celebrado apenas passível de ser invalidado por anulabilidade, esta não poderia ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, antes teria de ser suscitada por quem para tal tivesse legitimidade, designadamente os pais da menor (art.º 125.º, n.º 1, al. a) do CC)”.
Neste aresto estava em equação a constituição de mandatário judicial em processo de promoção e protecção, por parte de jovem com 17 anos de idade, apenas por si, sem intervenção de qualquer dos progenitores ou legal representante.
Acrescentou-se que “não se deixa de entender que, pese embora inexista disposição expressa habilitadora da menor poder, por si só, constituir mandatário, passando procuração a advogado, considera-se que a harmonia do sistema poderá levar a tal admissão”.
Seguidamente, após transcrever o quadro legal equacionável, referencia-se que, tendo este presente, “dificilmente poderemos negar a uma menor de 17 anos o direito a escolher o seu advogado.
Na realidade, por via dos normativos e diplomas que vimos de apresentar, seremos forçados a concluir que quer o art.º 103.º, quer o art.º 5.º da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, (numa interpretação extensiva), permitem que se deva admitir que uma menor de 17 anos, que se presume terá maturidade adequada (não esquecer que o n.º 2 do art.º 103.º se aplica a todos os menores independentemente da idade, pelo que quem se apresenta com 17 anos terá à partida essa maturidade, na medida que está à beira de atingir a maioridade), possa, por si própria, escolher o seu advogado, o que no nosso ordenamento jurídico actual apenas poderá ser feito pela passagem de procuração a advogado, posto que o regime de apoio judiciário hoje em vigor não permite que seja o requerente de tal apoio, ou mesmo o tribunal, a fazer a escolha do causídico.
Não podem restar dúvidas que, na situação colocada pela recorrente, a letra da lei se quedou aquém do seu espírito, e aí haverá que adequar a letra ao respectivo espírito por via da indicada interpretação extensiva.
Com efeito, verifica-se que a lei tem um especial cuidado em conferir aos jovens uma atenção particular no que concerne aos seus direitos de informação, audição e participação nas matérias que directamente os envolvem e lhes dizem respeito, conferindo-lhes, por vezes, a faculdade de decidirem por si próprios sem a intervenção de quem os represente.
Tal é feito amiúde, sem que os progenitores ou quem tem a sua guarda de facto tenham uma intervenção em seu nome e representação, desde logo na possibilidade que lhes é conferida de, a partir dos 12 anos se poderem opor à proposta de acordo que a comissão de protecção lhes apresentar.
Foi aliás essa situação que se verificou no caso em apreço.
Nessa senda, o art.º 103.º, dedicado aos advogados, permite aos jovens – por eles próprios - a solicitação ao tribunal da nomeação de um advogado.
Ora, tal nomeação, atento o n.º 3 do mesmo preceito, de acordo com o normativo literal deveria ser feita nos termos do que dispõe a lei de apoio judiciário, o que sempre implicaria, à partida, que a mesma viesse a recair, com grande probabilidade, sobre um advogado desconhecido do menor.
A ser assim, se é obrigatória a existência de advogado na fase do debate, não se vê porque razão uma jovem com 17 anos de idade, não possa ela própria escolher o advogado que a representará e em quem depositará mais confiança”.
O presente aresto tem voto de vencido, no qual se indagou se o legislador especial, na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, configurou uma capacidade especial do exercício do adolescente com 17 anos de idade poder constituir o seu próprio advogado, passando-lhe procuração, nos termos excepcionais consentidos pelo artº. 127º, do Cód. Civil, tendo por base a regra geral contida nos artigos 122º e 123º, do mesmo diploma.
Respondendo, consignou-se que “salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício dos direitos, a capacidade judiciária tem por medida e base a capacidade do exercício dos direitos (art.ºs 123 do Cciv e 15/2 do CPC), sendo que a incapacidade dos menores estarem em juízo apenas pode ser suprida por intermédio dos seus representantes legais, salvo os actos que possam exercer pessoal e livremente, que não é o caso. Sendo solicitado ou havendo conflito real ou presumido entre o interesse dos filhos e o dos pais, o legislador da promoção e protecção estabeleceu no n.º 2, do art.º 103, a nomeação de advogado ao filho menor nos termos do regime do apoio judiciário e apenas isto. As excepções ao regime da incapacidade para o exercício dos direitos dos menores têm de vir expressamente previstos na lei (art.º 127/1 do Cciv) e não nos parece legítimo dada a natureza das normas que excepcionam o regime geral da incapacidade, a aplicação analógica de outros regimes a esta situação, e a interpretação extensiva (art.º 11 do Cciv) não permite concluir que o legislador do art.º 103 citado também quis atribuir ao adolescente a capacidade genérica de constituir advogado, de contrário, tê-lo-ia simplesmente dito”.
Por sua vez, no douto Acórdão da RP de 25/02/2021 – Relator: Carlos Portela, Processo nº. 22918/16.9T8PRT-N.P1, citado nas contra-alegações recursórias do progenitor pai -, em que se afere acerca de situação com alguma semelhança aos presentes autos, partindo do disposto nos artigos 17º e 18º, ambos do RGPTC, referenciou-se que “tendo o legislador consagrado no RGPTC a possibilidade de a criança, com idade superior a 12 anos, tomar a iniciativa processual em sede de instauração de providência tutelar cível, tal quer dizer, que para o legislador, implicitamente, uma criança com idade superior a 12 anos, é já uma criança com maturidade adequada.
No caso dos autos e perante tais regras, (nomeadamente a da segunda parte do nº2 do art.º 18º), estava pois o Tribunal “a quo”, obrigado a atender ao pedido do menor E…, nomeando-lhe um advogado que o representasse nos autos.
Sendo tal entendimento inquestionável, a verdade é que o que se discute é sim a questão de saber se tal procedimento se mostra “injustificado” no caso, pelo facto de antes ter sido junta ao processo uma procuração segundo a qual a mãe do E…, alegadamente por pedido expresso do mesmo, veio conferir à Sr.ª Dr. ª F…, os mais amplos poderes forenses gerais em direito permitidos.
A este propósito importa recordar, desde logo, que incumbe ao advogado o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente.
Isto sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas (cf. o art.º 97º, do EOA).
Por outro lado, é consabido que, no exercício da profissão, o advogado mantém sempre e em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão (cf. o art.º 89º, do EOA).
Ora na hipótese dos autos, nenhumas razões existem para se considerar que a ilustre advogada constituída através da procuração junta a fls.15, não cumpriria com zelo tais obrigações no exercício do seu mandato, deixando-se, por exemplo, influenciar pelas opiniões da progenitora/requerente B….
Mas não é esta a razão que sustenta a ideia de que o menor E… não pode ser representado nos autos pela referida Sr.ª Advogada, mas sim por um advogado oficioso nomeado nos termos legalmente previstos.
E a justificação para tal entendimento é, em nosso entender, a seguinte:
A previsão da obrigatoriedade de nomeação de advogado à criança, nos termos do art.º 18º do RGPTC, radica na circunstância de existir um conflito de interesses da criança e o dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto, e ainda quando a criança com maturidade adequada o solicitar ao tribunal.

Ora nos autos, resulta suficientemente comprovada a vontade do menor E… de ser representado por advogado.
Está por isso verificada a hipótese prevista na parte final do nº2 do art.º 18º da RGPTC” (sublinhado nosso).
Todavia, ressalva-se, se no caso concreto a nomeação de advogado também se impunha pelo facto dos seus interesses e dos seus pais serem conflituantes, o que preencheria, igualmente, a 1ª parte do nº. 2, do artº. 18º, tal representação “não pode resultar, em nosso entender, da procuração que esta junta ao processo a fls.15.
E isto porque a mesma só seria válida para no caso produzir efeitos representativos e nome do E…, se tivesse sido também subscrita pelo pai do menor, o aqui requerido C…, ao qual não está vedado o exercício do poder paternal.
Pelo exposto e porque a referida procuração não podia ser considerada como válida e juridicamente relevante, bem decidiu o Tribunal “a quo” quando em cumprimento do disposto no nº2 do art.º 18º do RGPTC, solicitou oficiosamente à Ordem dos Advogados a nomeação de Advogado para representar o menor E….” (sublinhado nosso).
Neste aresto são particularmente impressivos os argumentos consignados nas contra-alegações recursórias apresentadas pelo Digno Magistrado do Ministério Público, que, pela sua pertinência, se passam a transcrever:
“(….) a progenitora também não podia ter agido sozinha em representação da criança e à revelia da vontade do progenitor.
Com efeito, a procuração forense passada pela progenitora à Exma. Senhora Advogada, em representação do filprocho, não é juridicamente válida nem pode produzir efeitos representativos, uma vez que aquele instrumento carece da assinatura e do consentimento prévio do progenitor.
Com efeito o mandato constitui um acto qualificado por lei como de «particular importância», razão pela qual deveria ser autorizado pelos progenitores, isto é – id est - por ambos e não apenas pela mãe. Para além disso, a assinatura da progenitora, aposta e isolada numa procuração, que confere o mandato, não consegue assegurar, à partida e à chegada, a objectividade, isenção e distanciamento na defesa dos interesses da criança.
Na verdade, não devemos andar distraídos nem ser ingénuos: sem pretender quebrar o elevadíssimo respeito por opinião divergente, e até, porventura, mais avisado e sedimentado entendimento (com a especial e inarredável ressalva que ao contrário dos “factos”, as opiniões não são “falsas” nem “verdadeiras”, e muito menos, constituirão o critério barométrico da solução jurídica ideal e infalível) a nomeação de defensor oficioso ao abrigo do disposto no artigo 18.º n.º 2 do R.G.P.T.C. - Regime Jurídico Geral ou Organização Quadro do Processo Tutelar Cível aprovado e editado pela Lei n.º 141/2015 de 8.Setembro, que entrou em vigor a 8.Outubro.2015, garante uma assistência jurídica e acompanhamento processual da criança mais distante, desinteressada, objectiva e tendencialmente imunizada, isto é – id est - que não esteja comprometida com as mundividências e interesses pessoais de cada um dos progenitores.
Com efeito, aquela disposição legal, para além de possuir como objectivo, o de dar voz a quem a não tem e suprir uma incapacidade de acção em razão da idade, também visa assegurar a defesa dos interesses da criança por técnico de direito legalmente habilitado que revele uma equidistância, serenidade e desapegamento a todos os intervenientes e partes processuais, principalmente e sobretudo os pais.
Por outro lado, o recurso à nomeação oficiosa, tal como foi feito pelo d. despacho recorrido, garante que o processo de nomeação ou de representação da criança por um especifico defensor, observa os requisitos de transparência legal e tem de ser insusceptível de critica desconstrutiva ou suspeição por qualquer dos progenitores.
Com efeito, em abstracto, esteve nas intenções do legislador prevenir e evitar que a nomeação de defensor ao menor possa ser vista como instrumento que potencie uma eventual alienação parental ou alavanque fenómenos disfuncionais de apegamento emocional exagerado a uma das partes, pois esteve subjacente aos instrumentos legais (internacionais e internos) que a posição processual da criança devidamente assistida e representada por advogado não seja, nem possa ser encarada como se o filho fosse um aliado acrítico ou uma mera extensão parcial e encapotada de qualquer dos progenitores, derramando para o processo uma perspectiva contaminada ou mundividência dos factos influenciada por um dos pais, qual joguete na mão de um deles.
Se a vontade do menor, formada na sua arena interior, for ao encontro dos desejos de um dos pais, essa manifestação ou declaração terá de ser veiculada nos autos por um advogado cuja nomeação foi a resultante de um processo de selecção independente e transparente, insusceptível de controlo prévio por qualquer dos progenitores, como parece ser óbvio, creio” (sublinhado nosso).
Donde se deve concluir no sentido de não poder ser considerada juridicamente válida, nem susceptível de produzir efeitos representativos, uma procuração forense subscrita apenas por um dos progenitores, alegadamente em representação do filho menor, em virtude de carecer do consentimento e assinatura do demais progenitor, não estando este privado do exercício do respectivo poder paternal.
Aqui chegados, é tempo de retornar ao caso concreto, aplicando as enunciadas directrizes ou princípios.
Conforme resulta dos pontos 2 e 3 do relatório, em 14/06/2023, foi junto aos autos requerimento, assinado pelo menor Al........., no qual era solicitada a nomeação de advogado que o defendesse, bem como aos demais 3 irmãos, contendo, em anexo, carta com a assinatura destes, bem como comprovativo de apoio judiciário entretanto formulado.
Logo em 16/06/2023, e independentemente da sorte do pedido formulado junto da Segurança Social, é proferido despacho a conceder o patrocínio judiciário às 4 crianças, diligenciando-se pela nomeação de Patrono Oficioso através do Sinoa, o que veio a ser concretizado no mesmo dia – pontos 4 e 5 do relatório -, inclusive mediante remessa de ofício de nomeação, por parte da Ordem dos Advogados, ao Patrono nomeado – ponto 6 do relatório.
Prolatada sentença de Regulação das Responsabilidades Parentais, datada de 22/08/2023, em 14/09/2023 os menores Al.........  e Af......... , por intermédio de Advogada, vieram requerer aos autos a junção de procuração forense, no âmbito da qual “vêm constituir como sua procuradora e advogada, Dra. SS. (….), a quem conferem poderes forenses gerais para os representar no âmbito do processo nº. (…)/18.8T8LSB e apensos que correm termos no Juiz 7 do Tribunal de Família e Menores de Lisboa”.
Tal procuração foi assinada por ambos os menores, então com as idades, respetivamente, de 16 e 15 anos, após o que consta o seguinte:
M……………………, mãe dos menores, titular das responsabilidades parentais dos mesmos, residente na Rua ………………….. pelo presente dá o seu consentimento ao acto praticado”, seguindo-se a assinatura de tal progenitora – pontos 7 e 8 do relatório.
Temos, então, uma situação em que dois menores, com as idades de 16 e 15 anos, a quem já havia sido nomeado, a seu pedido, advogado oficioso, vêm juntar aos autos, decorridos aproximadamente 3 meses daquela nomeação, procuração forense, na qual mandatam como sua procuradora determinada Advogada, sendo este acto objecto de expresso consentimento da progenitora mãe.
Vejamos.
Não se discute nos autos a obrigatoriedade de nomeação de advogado às crianças em equação, nos quadros do transcrito nº. 2, do artº. 18º do RGPTC. O que parece evidente no que concerne ao preenchimento da 2ª parte de tal normativo no que se reporta aos menores Al........., Af......... e As........., então com 16, 15 e 12 anos, daí decorrendo presuntiva maturidade para o solicitarem junto do Tribunal.
E, por outro lado, indiscutível parece, ainda, o preenchimento do estatuído na 1ª parte do mesmo normativo, decorrendo com evidência dos autos a existência de conflituantes interesses entre os progenitores e os menores filhos, o que igualmente justifica a obrigatoriedade daquela nomeação.
Efectivamente, atento o clima de exacerbada litigância entre os progenitores, que emana com veemência dos autos, traduzido num litígio que subsiste há quase 7 anos, e em que a sentença reguladora do exercício das responsabilidades parentais é prolatada quase 6 anos após o início do processo tutelar, sem que se encontre ainda transitada, parece evidente e cristalino que os interesses daqueles são antagónicos, desde logo no que concerne à própria subsistência do litígio, que em nada beneficia o equilíbrio e saudável crescimento e desenvolvimento dos filhos.
Ora, atenta a ratio legis daquela nomeação, fundamentalmente prevista para tutela e salvaguarda dos interesses dos filhos menores, normalmente o vértice mais fragilizado nas querelas que os progenitores alimentam e sustentam, cremos justificar-se que aquela opere no quadro da lei do apoio judiciário, tal como prevê o transcrito nº. 3, do artº. 103º, da LPCJP, aplicável como princípio orientador ao presente processo tutelar cível, desde logo por força do nº. 1, do artº. 4º, do RGPTC.
Efectivamente, tal solução (que foi, em concreto, adoptada nos presentes autos) garante total isenção e imparcialidade na representação dos menores, na concretização do critério orientador do superior interesse da criança (que não dos seus pais) e evita que a sua posição possa ser contaminada ou influenciada pelos interesses dos seus progenitores, salvaguardando e tutelando que os únicos interesses que venham a ser afirmados em tribunal, pelo competente técnico jurídico nomeado, correspondam, com efectividade, aos interesses dos menores tutelados.
Tal nomeação oficiosa garante e permite, assim, que a assistência jurídica prestada aos menores se venha a concretizar de forma mais objectiva, serena, desinteressada e equidistante, afirmando-se imune a quaisquer pressões dos progenitores, assim garantindo plenamente a salvaguarda do estrito interesse daqueles.
Na terminologia supra referenciada, tal nomeação é ainda susceptível de evitar ou prevenir uma “eventual alienação parental”, ou servir de alavancagem de “fenómenos disfuncionais de apegamento emocional exagerado a uma das partes”, assim se evitando que a posição processual do menor acompanhado por técnico de direito competente possa ser rotulada como um simples prolongamento acrítico e encapotado da posição de qualquer um dos progenitores, funcionando manipuladamente nas mãos destes.
Todavia, ainda que assim não se entenda, e se admita que os próprios menores tivessem o direito de escolher o advogado que os representasse (o que não é admissível nos quadros da lei do apoio judiciário), sempre tal colidiria com a sua incapacidade para o exercício de direitos, suprível, in casu, pelo poder paternal – os artigos 123º e 124º, do Cód. Civil.
Efectivamente, não cabendo a outorga de mandato forense nas excepções à incapacidade dos menores elencadas no artº. 127º, do mesmo diploma, e não resultando que tal outorga se possa qualificar como uma mera questão ou acto administrativo, tal suprimento de incapacidade para o exercício de tal direito sempre teria que ser operada mediante a intervenção de ambos os progenitores, não bastando para tal a mera intervenção da progenitora mãe.
Com efeito, a outorga de mandato forense, tanto mais num processo em que se procede à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos menores em equação, não constitui, claramente, uma mera questão da sua vida administrativa, antes se traduzindo numa questão de particular importância para a vida dos menores, cujo exercício, conforme resulta da sentença proferida, pertence a ambos os progenitores, excluída que está a exclusividade de exercício a solo. O que, deste modo, sempre impunha que o suprimento da incapacidade dos menores mandantes tivesse que ser operada por ambos os progenitores.
E, nem se afirme, em desabono do consignado, que a regulação efectuada nos autos ainda não transitou em julgado. Efectivamente, se é certo este não trânsito, também é certo que, neste momento, é o teor de tal decisão que prevalece, atento o efeito meramente devolutivo do recurso interposto.
Ora, o progenitor pai, não só não deu o seu assentimento à outorga do referenciado mandato forense, consentindo na outorga da procuração, como impugnou tal acto, deduzindo expressa oposição ao mesmo, conforme resulta do requerimento mencionado no ponto 9 do relatório, no qual pugna pela ineficácia ou nulidade quer da outorgada procuração, quer dos posteriores requerimentos subscritos pela procuradora forense, o que sempre preencheria a legitimidade para a anulabilidade de tal acto, nos termos enunciados no artº. 125º, do Cód. Civil.
Aliás, é na sequência de tal requerimento e da posterior posição assumida pelo Digno Magistrado de Ministério Público, que é proferida a decisão sob apelo que, corroborando-os, declara nulo e sem nenhum efeito o mandato conferido, bem como ineficazes os actos praticados sob a sua égide.
Por outro lado, não entendemos que o supra exposto seja contraditado pelo quadro legal transcrito, nomeadamente pelo enunciado no citado artº. 5º da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças.
Efectivamente, este normativo, ao enunciar as medidas processuais promotoras do exercício dos direitos processuais das crianças, no que concerne ao direito de serem assistidas por advogado, prevê o direito de pedirem a designação de advogado – a alínea b) -, e não propriamente um direito de escolha ou de concreta indicação do advogado que preste tal assistência.
Ou seja, tal como referenciado pelo progenitor pai em sede contra-alegacional, aquele normativo efectua uma clara distinção entre as situações em que a criança tem liberdade para escolher ou indicar a pessoa que lhe deva prestar assistência para o auxiliar a exprimir as suas opiniões, bem como para representá-lo – as alíneas a) e c) -, daquela situação em que tem apenas o direito de pedir que lhe seja designado um advogado – a alínea b) -, em que tal direito de escolha/indicação não é legalmente estatuído.
Solução legal que bem se entende, pois, prevendo-se tal direito para efectiva tutela e defesa da posição processual da criança, caso existisse aquele direito de escolha sempre esta ficaria sujeita à influência de um ou de ambos os progenitores (nos termos supra argumentados), o que poderia contaminar a necessária equidistância e isenção do profissional de direito. 
Desta forma, o que surge como direito fundamental da criança e, consequentemente, dos Recorrentes menores, no que concerne ao acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva – o artº. 20º, da Constituição da República Portuguesa -, é a previsão de poder contar com o necessário acompanhamento de advogado em processo que corra termos perante autoridade judicial, nomeadamente em sede de patrocínio judiciário, e não propriamente que se deva reconhecer uma qualquer tutela constitucional de um alegado direito de escolha, sem que tal determine inconstitucionalidade interpretativa do disposto no citado artº. 18º, do RGPTC, em contravenção com o consignado no mencionado artº. 20º, da Constituição da República Portuguesa.
Por fim, de forma a sustentarem a sua pretensão, aduzem, ainda, os Recorrentes existir conflito de interesses entre os menores irmãos, pelo que o defensor oficioso nomeado deveria ter recusado a defesa, sendo dificilmente entendível que o mesmo Defensor, bem como o Tribunal, tenham entendido que aquele dever-se-ia manter como Defensor dos quatro menores.
Prevendo acerca de conflito de interesses, estatuem os nºs. 3 e 4, do artº. 99º, do Estatuto da Ordem dos Advogados – aprovado pela Lei nº. 145/2015, de 09/09 – que:
“3 - O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.
4 - Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito”.
Ora, a decisão recorrida não decidiu, nem apreciou, acerca do invocado conflito de interesses na representação dos 4 irmãos menores por parte do mesmo Patrono nomeado, pelo que, desde logo, estaríamos perante questão nova, insusceptível de ser apreciada na presente sede recursória.
Todavia, sempre se dirá o seguinte:
- em primeiro lugar, sempre seria necessário apreciar, em concreto, se existe o aludido conflito de interesses entre os representados menores ;
- ou se, ao invés, estamos apenas perante interesses diferenciados, nomeadamente no que concerne ao facto de pretenderem fixar residência junto da mãe ou do pai ;
-  em segundo lugar, no limite, caso se viesse a concluir pela efectiva existência de conflito de interesses entre os irmãos menores, com consequente impossibilidade de patrocínio de todos pelo mesmo Patrono nomeado, tal não determinava legitimidade ou capacidade dos menores recorrentes em escolherem o seu advogado, mas apenas, e tão-só, o direito de nomeação de tantos patronos oficiosos quantos os interesses conflituantes reconhecíveis nos concretos menores.
Por todo o exposto, em guisa conclusiva, num juízo de total improcedência das conclusões recursórias, decide-se pela confirmação do despacho recorrido/apelado.
*
Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas do presente recurso ficam a cargo dos Recorrentes – entendendo-se não aplicável as isenções subjectivas consignadas nas alíneas i) e l), do nº. 1, do artº. 4º, do Regulamento das Custas Processuais -, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que gozem.
***
IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, na improcedência do recurso interposto, em:
a) confirmar o despacho recorrido/apelado ;
b) determinar que a responsabilidade pelas custas do presente recurso fique a cargo dos Recorrentes - entendendo-se não aplicável as isenções subjectivas consignadas nas alíneas i) e l), do nº. 1, do artº. 4º, do Regulamento das Custas Processuais -, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que gozem – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.
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Lisboa, 23 de Maio de 2024
Arlindo Crua
Rute Sobral
Laurinda Gemas

[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.