Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4994/08.0TBAMD-A.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
ARRENDAMENTO
COMUNICABILIDADE
DOCUMENTO ESCRITO
RECIBO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Tendo a executada deduzido pelo menos um fundamento de oposição à execução que não é manifestamente improcedente, a oposição não pode ser liminarmente indeferida.
II - O art. 1068 do CC, na redacção dada pela Lei 6/2006, de 27/02 (NRAU – com início de vigência em 28/06/2006), consagra, como regra geral dos arrendamentos de prédios urbanos, de todos eles, a regra da comunicabilidade do arrendamento ao outro cônjuge nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente.
III - No entanto, esta alteração não afecta os efeitos já produzidos, por força da 2ª parte do nº. 1 do art. 12 do CC: ainda que seja atribuída eficácia retroactiva à lei, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
IV - A consequência da falta de celebração por escrito do contrato de arrendamento, depois do RAU e antes do NRAU, é a nulidade (art. 220 do CC) se não vier a ser exibido o recibo da renda, recibo este que o senhorio pode conseguir que o arrendatário exiba (art. 7/2 do RAU).
V - “[…se] se fizerem dois exemplares [de um contrato] e um destes se mostrar assinado por um dos intervenientes e o outro pelo outro interveniente, […] então os dois exemplares, no seu conjunto, integram um contrato formal-mente regular” (Galvão Telles).
(da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

“A” veio, a 26/09/2008, requerer execução para pagamento de quantia certa contra “B”, identificando como interveniente associado o cônjuge desta, “C”.
Juntou como título executivo um contrato de arrendamento e uma notificação judicial avulsa.
O contrato de arrendamento identifica o arrendatário como sendo a executada, casada com o referido interveniente no regime de bens de adquiridos. O senhorio é o exequente. O prazo de arrendamento é de 2 anos e o contrato está datado de 21/06/2005. O arrendamento é para habitação. A renda é de 4800€ anuais (= 400€ mensais) No documento junto aos autos o espaço destinado à assinatura do senhorio está em branco. Na parte destinada à assinatura do arrendatário está assinado pela executada.
A notificação judicial avulsa tem dois requeridos: a executada e o seu cônjuge. Nela o requerente (senhorio/exequente) diz que o contrato foi celebrado entre o requerente e os requeridos e que as rendas não são pagas desde a vencida em Janeiro de 2006, o que totaliza 9600€. Pretende a resolução do contrato. Quer a notificação dos requeridos para que fiquem cientes de que o contrato fica resolvido, de que deverão restituir o locado no fim dos 3 meses seguintes à data em que tiverem conhecimento da presente notificação e de que são responsáveis pelas rendas vencidas até à data da resolução e em montante igual ao da renda até à data da restituição e que se o local não for restituído no referido prazo é devido ao requerente montante igual ao dobro da renda por cada mês que decorra até à restituição. A 10/12/2007 foi ordenada a notificação. Os requeridos foram notificados, ela a 27/12/2007 e ele a 22/12/2007.
O requerente refere, no requerimento executivo, o essencial do que antecede, mas entretanto diz que também já estão em dívidas as rendas vencidas até Out2008, data do requerimento executivo. O exequente quer a execução do total de 13.600€, acrescido de montante igual ao dobro da renda desde Abril de 2008 até efectiva restituição do locado.
Diz que nos termos do nº. 2 do art. 15 do NRAU, o contrato de arrendamento constitui título executivo [quando] acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário das rendas em dívida.
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A executada veio, a 15/06/2009, deduzir oposição à execução, alegando o seguinte:
“1. O contrato de arrendamento junto ao título executivo não está assinado pelo senhorio.
2. Por outro lado, a notificação judicial avulsa foi dirigida a uma pessoa estranha ao arrendamento [a pessoa identificada como cônjuge da executada no contrato de arrendamento].
3. Pelo que o título executivo é nulo, nos termos alínea e) do art. 15 do NRAU e inexequível, por força da al. a) do art. 814 CPC.
4. Devendo assim a executada ser absolvida da execução.
5. Ademais, no dia 04/07/2007, as partes celebraram um acordo de pagamento das rendas em atraso (doc. nº 1).
6. Tal acordo deveria acompanhar a notificação judicial avulsa e o exequente não o fez
7. Omitindo factos relevantes para a decisão da causa,
8. Por isso, o exequente litiga com má fé, nos termos da al. b) do art. 456º do CPC.
9. Devendo ser condenado a pagar uma indemnização à executada num valor nunca inferior a 500€.”
Nos pontos 10 a 16 alega factos com vista ao deferimento da desocupação e a diligências no sentido do respectivo realojamento, cumprindo-se o nº 6 o art. 930 do CPC.
Depois termina dizendo que se deve decidir:
“a) Pela nulidade e inexequibilidade do título executivo, nos termos alínea e) do art. 15 do NRAU e da al. a) do art. 814 CPC, e a consequente absolvição da execução;
b) Pela condenação do exequente como litigante de má fé no pagamento de pelo menos 500€;
c) Pela suspensão da execução, nos termos do art. 930-B do CPC, se assim não se entender;
d) Pelo deferimento da desocupação, pelo prazo de um ano, e ainda diligências no sentido do respectivo realojamento, cumprin-do-se o nº 6 do art. 930º do CPC.”
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A 09/06/2011 foi proferido o seguinte despacho de indeferimento liminar da oposição à execução:
“Vem a executada opor-se à execução para pagamento de quantia certa instaurada pelo exequente:
Invoca, em síntese, que a notificação judicial avulsa de comunicação de resolução do contrato de arrendamento, que funda a presente execução, é nula porque assinada por pessoa estranha ao arrendamento.
Que, por consequência, o exequente litiga de má-fé.
À cautela, atenta a situação familiar e o facto de residir no locado pessoa com problemas cardíacos, solicita deferimento da desocupação.
Apreciando:
Quanto à questão do deferimento da desocupação, é manifes-to que, atento o fim da execução, só por lapso terá sido suscitado, sendo questão totalmente impertinente aos autos uma vez que não é solicitada a entrega do imóvel.
Quanto ao invocado vício na notificação judicial avulsa é também manifestamente infundada tal invocação.
Para tanto, não pondo em causa a executada o teor do arrendamento e da própria comunicação (apenas a virtualidade de produzir os efeitos resolutivos pretendidos pelo exequente), deve atentar-se que:
- O contrato de arrendamento junto à execução foi celebrado pelo exequente, na qualidade do senhorio e pela executada e marido, na qualidade de inquilinos (fls. 10 a 12 da execução, aqui dadas por integralmente reproduzidas [estas folhas correspondem ao requerimento da notificação judicial avulsa este parênteses foi colocado neste acórdão]);
- A notificação judicial avulsa, por funcionário judicial, concretizou-se no locado e na pessoa do marido da executada, seu destinatário juntamente com a executada (fls. 17 da execução, aqui dada por reproduzida).
Face a estes elementos, ainda que a execução seja proposta apenas contra a executada, existe título executivo válido constituí-do nos termos do art. 9/7 da Lei n.º 6/2006, sendo penhoráveis bens desta, o que, aliás, vem ocorrendo nos limites legais.
Deve, assim, a oposição ser liminarmente indeferida.
Pelo exposto, indefere-se liminarmente a oposição apresen-tada.
Custas pela oponente, sem prejuízo do apoio judiciário.”
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A executada vem recorrer deste despacho – para que seja substi-tuído por outro que admita a oposição e suspenda a execução -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1. A recorrente colocou em crise o teor do contrato de arren-damento, o qual não está assinado pelo senhorio, nem o marido da executada é outorgante.
2. A recorrente colocou em crise a comunicação da notifi-cação judicial avulsa, a qual foi dirigida a uma pessoa estranha ao arrendamento.
3. A recorrente não assinou o original da notificação judicial avulsa.
4. O marido da executada não é inquilino, pois não assinou qualquer contrato.
5. O despacho recorrido violou o art. 9/7 da Lei 6/2006.
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Das questões a decidir
Dado o requerimento inicial da execução, esta destina-se ao pagamento de uma quantia certa.
Não têm, por isso, aplicação as normas dos arts. 930 e 930-B do CPC invocadas pela executada, nem as questões colocadas ao abrigo das normas respectivas, que têm a ver com a suspensão da execução e deferimento da desocupação.
Nem a executada mantém essas questões no recurso.
Assim, as questões a decidir são apenas as de saber se a oposição à execução não devia ter sido liminarmente indeferida e, no caso de não o dever ter sido, o que é que se segue.
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Os factos são aqueles que resultam do relatório que antecede.
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As razões para o indeferimento
Nos termos do nº. 2 do art. 15 da Lei 6/2006, norma invocada pelo exequente, o contrato de arrendamento é título executivo para a acção [executiva…] de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
O despacho recorrido entende que a notificação judicial avulsa junta com o contrato de arrendamento serve como título executivo desta execução, invocando para tanto o facto de aquela ter sido dirigida a um dos arrendatários (que seria o marido da executada), como decorreria do contrato de arrendamento [invoca para o efeito o disposto no art. 9/7 da Lei 6/2006 - esta norma refere-se à forma como deve ser feita a comunicação do senhorio destinada à cessação do contrato -, mas o pressuposto de que parte e que importa discutir é o de que o marido da executada também era inquilino, pois que, no resto, a norma invocada pelo exequente (art. 15/2 da Lei 6/2006) era suficiente para o efeito].
Assim, entendeu implicitamente que a oposição era manifestamente improcedente e indeferiu-a liminarmente [art. 817/1c) do CPC].
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Os fundamentos da oposição
Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no n.º 1 do art. 814, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados no processo de declaração (art. 816, na redacção em vigor desde o Dec.-Lei 226/2008, de 20/11, ambos do CPC).
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Quanto à notificação judicial avulsa a executada veio dizer que aquela foi dirigida a uma pessoa estranha ao arrendamento [a pessoa identi-ficada como cônjuge da executada]. Note-se que ela não punha em causa que também ela tivesse sido notificada. O que dizia é que a notificação foi [ainda] dirigida a [outra] pessoa, que é estranha ao arrendamento.
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Quem é arrendatário
Quanto a saber quem são as partes no contrato, diga-se o seguinte:
Os dizeres do contrato, são claros no sentido de que parte no contrato, como segundo outorgante, arrendatário, é apenas a mulher, executada, que é dada como casada com x.
Para que fossem, os dois, partes nesse contrato, teria que se dizer que o 2º outorgante eram a executada e x, casados um com o outro, e não que era aquela, casada com este.
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Da comunicabilidade do direito de arrendamento
Mas a qualidade de arrendatário pode não resultar só do contrato…
Os bens, num dos regimes de comunhão, são comunicáveis por força dos arts. 1724 e 1732 do CC.
Em excepção a essa regra, o art. 83 do RAU consagrava a regra da incomunicabilidade do arrendamento urbano para habitação.
O art. 1068 do CC, na redacção dada pela Lei 6/2006, de 27/02 (NRAU – com início de vigência em 28/06/2006), consagra, como regra geral dos arrendamentos de prédios urbanos, de todos eles, a regra contrária, ou seja a da comunicabilidade do arrendamento ao outro cônjuge nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente.
Quer isto dizer que actualmente o cônjuge daquele que celebra um contrato de arrendamento passa a ser também arrendatário (excepto se o regime de bens for o da separação). Neste sentido, veja-se José Diogo Falcão - A transmissão do arrendamento para habitação por morte do arrendatário no NRAU, ROA 2007, III vol, págs. 1167/1168; no mesmo sentido, Rita Lobo Xavier, O Direito, 2004, II/III, O Regime dos Novos Arrendamentos Urbanos e a perspectiva do Direito da Família”, págs. 321 a 329 e 331, embora com referência ao anteprojecto que estava a ser apresentado e criticando-o; e Jorge Duarte Pinheiro, O direito do arrendatário face ao casamento e ao divórcio. Centenário do nascimento do Prof. Doutor Paulo Cunha, Almedina, 2012, pág. 479; contra, fazendo uma interpretação restritiva do art. 1068 do CC, de modo a não abranger os arrendamentos para habitação, veja-se Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 5ª edição, Almedina, 2009, vol. I, págs. 366 a 368).
A posição do despacho recorrido poderia ter-se baseado nesta construção para dizer que o marido da executada também era arrendatário. Mas não o terá feito, tendo-se antes baseado, para chegar a tal conclusão, no teor da notificação judicial avulsa.
Mas qualquer destas duas vias não serve.
A última, por já se ter visto que o contrato só tem um arrendatário.
A primeira pelo que se segue:
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Aplicação da lei no tempo
Antes de 28/06/2006, como se viu, vigorava a regra contrária da incomunicabilidade, pelo que, se em 2005, alguém que era casado no regi-me de comunhão de adquiridos, celebrasse um contrato de arrendamento urbano, o direito de arrendamento era bem próprio dele e não também do cônjuge. E, por isso este não era arrendatário.
Ora, se considerarmos que a Lei 6/2006 se aplica aos factos anterio-res, sem ressalva dos efeitos já produzidos, isto implicaria, no exemplo acabado de referir, que, no momento da entrada em vigor da nova lei se iria alterar a natureza do direito em causa; o direito de arrendamento, que era próprio do cônjuge, passaria, com a aplicação retroactiva da nova lei, a ser um bem comum, dos dois cônjuges. Ora, por força da norma da 2ª parte do nº. 1 do art. 12 do CC, ainda que seja atribuída eficácia retroactiva à lei, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
Se em 2005, a executada, que já era casada, “adquiriu” um arrenda-mento como bem próprio, não pode ser a entrada em vigor da Lei 6/2006 que vai converter esse bem em bem comum. Tratar-se-ia de um confisco parcial.
Quer dizer que a entrada em vigor da nova Lei 6/2006, assumida-mente retroactiva, não vai implicar, no caso, que o direito de arrendamento da executada passe de bem próprio para bem comum do casal (é a posição desenvolvida por Jorge Duarte Pinheiro, estudo citado, pág. 480, e que se tentou reproduzir, e também do ac. do TRL de 29/05/2012, 1321/11.2YXLSB.L1-1; contra, apoiando-se na aplicação da 2ª parte do nº. 2 do art. 12 do CC, vai José Diogo Falcão, obra citada, págs. 1182 e 1185: “Como já referimos, o NRAU aplica-se aos contratos de arrendamento celebrados antes da sua entrada em vigor, com excepção de alguns aspectos de regime para os quais existem normas transitórias, como é o caso da norma constante do art. 57.° da Lei n.° 6/2006. Entendemos, por isso, que se aplica a estes contratos de arrendamento a norma constante do art. 1068 do Código Civil, que estabelece a comunicabilidade do direito ao arrendamento.”).
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Em conclusão…
Assim, dir-se-ia que, de facto o cônjuge da executada é estranho ao arrendamento – já que o contrato só tem um arrendatário (a executada, casa-da com o interveniente…).
Mas esta objecção não tem qualquer interesse porque a executada também foi notificada avulsamente. E o facto de a pessoa identificada como seu marido também ter sido notificada, ou seja, o facto de ter havido mais uma notificação, não pode apagar o facto de a executada ter sido notificada. Ou seja, existe o comprovativo de comunicação ao arrendatário (executada) do montante em dívida e a executada não tem razão para o pôr em causa.
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Questão nova
É certo, entretanto, que a executada, na 3ª conclusão do recurso diz que a recorrente não assinou o original da notificação judicial avulsa. Mas esta é uma afirmação que nunca antes tinha sido feita e por isso é uma tentativa de levantar uma questão nova em sede de recurso, o que não tem cabimento legal.
É o que decorre, entre o mais, de, como diz Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, Abril de 2009, págs. 50 e 81, em Portugal, os recursos ordinários serem de revisão ou de reponderação da decisão recorrida, não de reexame; o objecto do recurso é constituído por um pedido que tem por objecto a decisão recorrida.
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Da nulidade do contrato de arrendamento
A executada diz que também pôs em causa o contrato de arrendamento.
E de facto fê-lo, dizendo que o mesmo não estava assinado pelo senhorio e mais à frente acrescentando que por isso o título executivo era nulo.
O despacho recorrido não diz nada quanto a este argumento na síntese que faz do articulado de oposição.
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O documento junto aos autos pelo exequente como contrato de arrendamento não se mostra, de facto, assinado pelo senhorio.
A assinatura do contrato é elemento essencial da declaração escrita de cada uma das partes. Sem a assinatura do declarante não se pode dizer que a declaração escrita tenha sido feita por ele.
Como diz Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, Coim-bra Editora, 1997, pág. 106: “Quando a lei exige que um contrato conste de documento, esse documento tem de ser da autoria de ambas as partes; ambas devem corporizar nele as suas vontades, assumindo ou certificando a respectiva autoria mediante a sua subscrição ou assinatura. Os instrumentos contratuais precisam de ser assinados pelos dois contraentes […]”.
O contrato de arrendamento tinha de ser reduzido a escrito (art. 7/1 do RAU).
Qual a consequência de o contrato não estar reduzido a escrito (já que não se mostra assinado por uma das partes)?
A consequência, nos contratos celebrados desde o RAU (Dec.-Lei 321-B/90, de 15/10) e até ao NRAU, poderá ser a nulidade, do art. 220 do CC, se não vier a ser exibido o recibo da renda (nº. 2 do art. 7 do RAU, na redacção da Lei 6/2001, de 11/05: A inobservância da forma escrita só pode ser suprida pela exibição do recibo de renda e determina a aplicação do regime de renda condicionada, sem que daí possa resultar aumento de renda). Ora, o senhorio poderá tentar fazer com que o arrendatário o exiba.
(Tem-se em conta as posições de Aragão Seia, Arrendamento Urbano, Almedina, 1995, págs. 129/130; Pinto Furtado, obra citada, pág. 485; e, de forma diferente, Pais de Sousa, Anotações ao regime do arrendamento urbano, 4ª edição, Rei dos Livros, págs. 75/76).
Assim, de facto, o contrato pode vir a ser declarado nulo, o que acarretará, pela lógica das coisas, a inexequibilidade do título que ele forma com a notificação judicial avulsa. Um título que é composto por um documento que consubstancia um contrato nulo não pode produzir efeito.
Por isso, um dos fundamentos da oposição não pode ser considerado manifestamente infundado.
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É certo que se poderá discutir (com base no que vier dizer o exequente, quando tiver oportunidade de contestar a oposição…) esta eventual nulidade e as consequências dela com referência a vários fundamentos (entre eles o da possibilidade do documento junto aos autos ser apenas um dos exemplares do contrato, estando o outro, devidamente assinado pelo senhorio, em poder da executada…; ora, um contrato que está sujeito a forma escrita, pode resultar da conjugação de duas declarações em escritos separados, um deles assinado por uma das partes, e outro assinado pela outra – neste sentido, veja-se Galvão Telles, obra citada, pág. 111: “[…se] se fizerem dois exemplares e um destes se mostrar assinado por um dos intervenientes e o outro pelo outro interveniente, […] então os dois exemplares, no seu conjunto, integram um contrato formalmente regular”.
De resto, pensa-se que terá sido esta, naturalmente, a posição seguida ao dar-se seguimento à execução, com base num contrato apenas assinado por um dos contraentes. Como era o senhorio a juntar aos autos o exemplar do contrato apenas assinado pela executada, ter-se-á entendido que tal corresponderia à situação provável de a executada ter um outro exemplar assinado pelo senhorio. Até porque, juntando o senhorio o contra-to de arrendamento apenas assinado pela arrendatária, está naturalmente a assumir, com o seu comportamento, que o contrato existe.
Em suma, é provável que não exista nenhuma nulidade do contrato de arrendamento.
Só que isso não possibilita, só por si, repete-se, o indeferimento liminar da oposição que invoca a nulidade do contrato. A questão terá que ser deixada à discussão das partes.
Pelo que o fundamento invocado não foi afastado – nem pode ser afastado com os elementos que existem nos autos –, pelo que a oposição deduzida com base nele não pode ser liminarmente indeferida.
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Consequências da revogação do despacho
Tendo que ser recebida a oposição e não tendo havido citação prévia do executado, impõe-se a suspensão da execução, por força do nº. 2 do art. 818 do CPC.
A executada deverá, no prazo de apenas 5 dias, dado o atraso de todo o processo, juntar aos autos os 6 documentos a que se refere na sua oposição, em especial o doc. 1 a que se refere no artigo 5 da mesma, já que não o chegou a fazer.
O prazo de 20 dias para o exequente contestar a oposição, com a cominação de que na falta de contestação se consideram confessados os factos articulados pela executada (art. 817/3 do CPC), começará a correr a partir da notificação, pela 1ª instância, da revogação do despacho de indeferimento da oposição (art. 234-A/4 do CPC), notificação que só deverá ocorrer em simultâneo com a notificação dos documentos que forem juntos pela executada na sequência do despacho agora dado.
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(…)

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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revoga-se o despacho de indeferimento liminar da oposição, recebe-se a oposição e suspende-se a execução.
Determina-se a notificação, na 1ª instância, da executada para, no prazo de apenas 5 dias, dado o atraso de todo o processo, juntar aos autos os 6 documentos a que se refere na sua oposição, em especial o doc. 1 a que se refere no artigo 5 da mesma, já que não o chegou a fazer.
E, depois de serem juntos tais documentos, a secção de proces-sos na 1ª instância, deverá notificar ao exequente a revogação do despacho de indeferimento da oposição (art. 234-A/4 do CPC), notificação que deverá fazer em simultâneo com a notificação dos documentos que forem juntos, e a partir dessa notificação começará a correr o prazo de 20 dias para o exequente contestar a oposição, com a cominação de que na falta de contestação se consideram confessados os factos articulados pela executada (art. 817/3 do CPC).
Custas por quem for condenado a final na oposição.

Lisboa, 18 de Outubro de 2012

Pedro Martins
Eduardo Azevedo
Lúcia Sousa