Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9073/22.4T8ALM.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I – A cláusula de não concorrência tem natureza onerosa e bilateral, visando a compensação económica compensar o trabalhador pelo prejuízo que este poderá sofrer pela limitação da sua liberdade de trabalho.
II – A aposição ao pacto de não concorrência de uma condição suspensiva que torna a eficácia do pacto dependente de uma apreciação do empregador, por ocasião da cessação do contrato, sobre se lhe é conveniente invocar nesse momento tal obrigação, torna possível ao empregador retirar um benefício da cláusula de não concorrência (que dificulta a resolução ou denúncia pelo trabalhador durante a vigência do contrato, limitando a liberdade de desvinculação), sem que tenha que suportar qualquer contrapartida, o que, além de avesso ao princípio da boa fé objectiva, viola a exigência legal de onerosidade do pacto de não concorrência prescrita no artigo 136.º, n.º 2, alínea c) do Código do Trabalho e implica a nulidade de uma tal cláusula contratual.
III – Esta nulidade é de conhecimento oficioso.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
1.1. AAA, intentou a presente acção de processo comum contra Air Liquide – Medicinal, S. A., pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 14.447,52, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese: que foi admitida ao serviço da R. em 1 de Setembro de 2020 para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de trabalhador de engenharia de grau III; que auferia, ultimamente, a retribuição mensal de € 1.504,95; que aquando da celebração do contrato de trabalho, as partes estabeleceram uma cláusula de não concorrência, por vontade de A. e R.; que o vínculo laboral entre as partes cessou no dia 26 de Julho de 2022 e a A. celebrou contrato de trabalho com outro empregador onde foi exercer funções em tudo distintas das que exercia ao serviço da R.; que informou a R. como devia, mas esta não procedeu em conformidade com o estabelecido no contrato, não lhe pagando o valor correspondente à compensação convencionada na  de não concorrência; que A. e R., tendo por base o princípio da liberdade contratual, deliberam acordar as obrigações e contrapartidas inerentes ao pacto de não concorrência, pelo que só pode a R. ser condenada no pagamento da compensação peticionada.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação, a R. veio a apresentar contestação na qual defendeu a sua absolvição e alegou, em síntese: que não enviou à A. qualquer comunicação escrita ao abrigo da cláusula 13.ª, do contrato de trabalho outorgado entre as partes, pelo que as obrigações estabelecidas na dita cláusula não chegaram a produzir quaisquer efeitos; que a propositura da presente acção radicará em equívoco na leitura da cláusula 13.ª do contrato de trabalho, já que foi a mesma estabelecida no interesse da R.; que as obrigações contempladas na cláusula 13.ª não chegaram a efectivar-se por não verificação da condição suspensiva estabelecida; que a A. estava ciente que a eficácia da obrigação de não concorrência prevista na cláusula aposta no contrato de trabalho e a correspondente obrigação da compensação aí prevista estava sujeita à condição de envio pela R. de comunicação aquando da cessação do contrato de trabalho, comunicação essa que a R. não fez em momento algum.
Findos os articulados, fixou-se à causa o valor de € 14.447,52 e foi proferido despacho saneador-sentença que conheceu da matéria de facto e de direito e terminou julgando improcedente a acção e absolvendo a R. do pedido.
1.2. A A., inconformada, interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
(...)
1.3. Respondeu a R. recorrida, pugnando por que se negue provimento ao recurso, confirmando-se a sentença. Concluiu do seguinte modo:
(...)
(...)
1.4. O recurso foi admitido por despacho de 30 de Maio de 2023.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em douto Parecer, no sentido de que a condição suspensiva constante do n.º 3 da cláusula 13.ª do contrato celebrado pelas partes não é válida, pelo que é devida pela ré à autora a compensação prevista no n.º 2 dessa cláusula e o recurso merece provimento. Exarou no mesmo as seguintes considerações:
«A questão a decidir nestes prende-se com a interpretação a fazer da cláusula 13.ª do contrato de trabalho através do qual a autora e a ré estiveram vinculadas e, mais particularmente, sobre a validade da estipulação vertida no n.º 3 dessa cláusula.
Nos números 1 e 2 dessa cláusula foi estabelecido um pacto de não concorrência a vigorar pelo período de dois após a cessação do contrato e o valor da compensação mensal que a ré deveria pagar à autora durante o mesmo.
No n.º 3 sujeitou-se a uma condição suspensiva aquela cláusula de não concorrência. Ora, a questão a decidir é se esta condição pode ser aposta ao referido pacto. Pronunciando-se sobre o tema, escreveu Júlio Gomes o seguinte:
“Conseguir-se-ia, assim, que o trabalhador ficasse imediatamente vinculado enquanto o empregador só ficaria definitivamente vinculado mais tarde. Tais cláusulas têm sido denunciadas pela doutrina e jurisprudência germânicas por defraudarem a exigência de onerosidade: para que o trabalhador fique vinculado por um pacto de não concorrência é necessário que lhe seja assegurada uma contrapartida, ou seja, que nesse momento da celebração do pacto o empregador assuma o compromisso, igualmente definitivo, de lhe pagar tal contrapartida (…)” – “As cláusula de não concorrência no Direito do Trabalho – Algumas questões”, in RDES, 1999, n.º 1, p. 37.
Assinala o mesmo autor, que a existência da cláusula de não concorrência desde o início do contrato já permite ao empregador retirar um benefício da mesma “(…) já que ela dificulta a rescisão pelo trabalhador ainda durante a vigência do contrato (…)” – ibidem, p. 36.
No mesmo sentido se pronunciou João Zenha Martins. Com efeito, a propósito da possibilidade da renúncia pelo empregador ao pacto de não concorrência, com razões que considera valerem igualmente para a estipulação de condição suspensiva, escreveu este autor: “(…) admitir que o empregador pudesse de motu proprio pôr fim à obrigação de não concorrência significaria propiciar-lhe a extracção da obrigação de não concorrência de um efeito sucedâneo ao que é produzível por um pacto de permanência, por um lado, (…) e por outro, sem ter de assumir a contrapartida que abona ao pacto de não concorrência uma qualificação sintagmática.” – “Os pactos de não concorrência no Código do Trabalho”, in RDES, 2006, n.º 3 e 4, p. 367.
Pelo que, rejeitam os citados autores a validade de condições suspensivas, de natureza potestativa, estabelecidas em favor do empregador.
Assim, como se sustentou na fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-12-2013 (p. 2525/11.3TTLSB.L1-4), a propósito da proibição da renúncia pelo empregador ao pacto de não concorrência, “(…) trata-se, de facto, de um expediente fraudulento sancionável com a nulidade, para iludir as disposições imperativas. A possibilidade de desistência unilateral pelo empregador viola a boa fé, consentindo ao empregador a denúncia do pacto quando o trabalhador já sofreu uma limitação na própria liberdade do trabalho, cerceando-se a possibilidade de procurar uma outra ocupação e, nesta hipótese, o pacto de opção ou faculdade de desistir unilateralmente será nula, mas não a própria cláusula de não concorrência (…)”.
Esta decisão tomada pelo TRL foi confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 30-04-2014 (p. 2525/11.3TTLSB.L1.S1).
Acompanhando-se a doutrina e a jurisprudência citadas, deverá considerar-se que a condição suspensiva constante do n.º 3 da cláusula 13.ª do contrato celebrado pelas partes não é válida, pelo que é devida pela ré à autora a compensação prevista no n.º 2 dessa cláusula.
[…]»
Notificadas as partes, a R. veio expressar a sua discordância com aquele douto Parecer e a A. a sua concordância.
Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
2. Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Ao tribunal de recurso cabe ainda apreciar as questões que se suscitem nas contra-alegações (artigo 81.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho).
Assim, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – saber se o tribunal a quo impediu o exercício do contraditório no que concerne “à validade da interpretação do n.º 3 da cláusula 13.ª do contrato de trabalho” ao decidir do mérito da causa no despacho saneador;
2.ª – saber se o tribunal a quo errou na interpretação do n.º 3 da cláusula 13.ª do contrato de trabalho ao decidir que a mesma faz depender o cumprimento das obrigações instituídas nos n.ºs 1 e 2 da “cláusula de não concorrência”, de uma comunicação da recorrida à ora recorrente;
3.ª – saber se a recorrida incumpriu o dever de informação e de esclarecer a recorrente no que concerne às cláusulas contratuais estipuladas;
4.ª – saber se é nula a previsão da possibilidade de o empregador “renunciar” ao pacto de não concorrência firmado no contrato de trabalho até ao momento da cessação do contrato de trabalho ou num período de tempo curto após esse momento ou de “condicionar” à sua vontade a eficácia desse “pacto” e, em caso afirmativo, quais os efeitos dessa nulidade, o que pressupõe se afira se esta questão da nulidade é de conhecimento oficioso.
Subsidiariamente, cabe conhecer da questão suscitada nas contra-alegações de saber se os factos apurados eram suficientes para a decisão final da causa no despacho saneador, tendo em consideração a perspectiva da eventual redução do negócio jurídico.
3. Da oportunidade da decisão de mérito no despacho saneador
A recorrente alega que o tribunal a quo inviabilizou a prossecução do processo até final, não quis conhecer o entendimento das partes relativamente à matéria alegada e impediu o exercício do contraditório no que concerne “à validade da interpretação do n.º 3 da cláusula 13.ª do contrato de trabalho” ao decidir do mérito da causa no despacho saneador (conclusões 1.ª a 7.ª).
Verifica-se, contudo, que a recorrente não fundamenta suficientemente esta sua alegação, vg. especificando qual a excepção que possa ter sido deduzida na contestação relativamente à qual a recorrente apenas poderia responder na audiência prévia ou no início da audiência final (artigo 3.º, n.º 4 do Código de Processo Civil), apenas aludindo a uma divergência quanto à interpretação da cláusula contratual em que fundou o seu pedido na petição inicial. Ora, o facto de a R. ter uma interpretação divergente da da A. quanto ao contrato que integra a causa de pedir, naturalmente, não consubstancia a dedução de uma excepção, quer de natureza dilatória, quer peremptória – cfr. o artigo 576.º do CPC – pelo que nenhum contraditório se vislumbra ter sido preterido com a prolação do saneador sentença.
Além disso, a recorrente não tira desta mesma alegação quaisquer consequências, vg. no que concerne a uma eventual nulidade processual, que não argui – nem, diga-se, se vislumbra –, ou a uma eventual necessidade de os autos prosseguirem para a realização da audiência de julgamento com vista ao apuramento de factos concretos que fossem relevante para a decisão do pleito. Limita-se a afirmar conclusivamente que “a argumentação produzida em sede de articulados”, afinal nada é se não complementada com a prova que seria produzida em audiência de julgamento e fá-lo sem identificar quaisquer factos concretos carecidos de prova por referência aos articulados que justifiquem a necessidade de uma actividade instrutória.
Assim, e considerando que a Mma. Juiz a quo fundamentou suficiente e convincentemente a sua decisão de proferir logo no despacho saneador a decisão de mérito, por considerar apurados todos os factos necessários para o efeito, perante as questões suscitadas pelas partes e que lhe incumbia apreciar nos termos do artigo 608.º do Código de Processo Civil, como se infere do conteúdo dessa mesma decisão, improcede esta questão prévia.
O que se decide sem prejuízo, naturalmente, da apreciação a que se procederá da pretendida ampliação do âmbito do recurso deduzida pela recorrida salvaguardando a possibilidade de procedência das questões suscitadas pela recorrente (artigo 636.º do Código de Processo Civil) e das que sejam de conhecimento oficioso, caso venha a revelar-se necessário.
4. Fundamentação de facto
A sentença da 1.ª instância considerou apurados os seguintes factos:
 «1. Datado de 1 de Setembro de 2020, autora e ré outorgaram o convénio constante de fls. 10-13, dos autos, denominado “Contrato Individual de Trabalho”, sendo o seguinte o seu teor no que ora releva:
«(…) Entre:
AIR LIQUIDE – MEDICINAL, S.A. (…) de ora em diante designada por Primeira Contraente; e,
AAA (…) designada por SEGUNDO CONTRAENTE,
É livremente, de boa-fé e em plena consciência celebrado o presente contrato de trabalho, o qual se regerá pelo disposto nas cláusulas seguintes:
PRIMEIRA (OBJECTO E ÂMBITO)
1. A PRIMEIRA CONTRAENTE contrata o SEGUNDO CONTRAENTE e este aceita, com a categoria profissional de Trabalhador de Engenharia Grau III para, sob a sua autoridade e direcção, exercer a função de Responsável Projectos Zona Sul, ou quaisquer outras que venham a ser necessárias, compatíveis com a sua qualificação profissional e aptidões.
(…)
SEGUNDA (INÍCIO E VIGÊNCIA)
O presente contrato tem início no dia 1 de Setembro de 2020, com um período experimental de 180 dias, e vigorará por um período indeterminado de tempo, cessando nos termos legais.
(…)
QUINTA (RETRIBUIÇÃO)
1. O SEGUNDO CONTRAENTE auferirá a retribuição base mensal ilíquida de € 1.250,00 (…).
DÉCIMA TERCEIRA
(CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA)
1. Durante os 2 (dois) anos posteriores à cessação, por qualquer motivo, do contrato de trabalho, o SEGUNDO CONTRAENTE obriga-se, no território nacional em que a PRIMEIRA CONTRAENTE e o Grupo a que pertence, estejam presentes, a não prestar trabalho por conta própria ou alheia ou mediante qualquer forma de intermediação directa ou indirecta em empresas que se dediquem a actividade igual ou similar à prosseguida pela PRIMEIRA CONTRAENTE ou por qualquer outra sociedade do grupo a que esta pertence.
2. Em contrapartida das obrigações previstas na presente cláusula, o SEGUNDO CONTRAENTE terá direito a receber, durante o período de limitação a actividade previsto no número anterior, uma compensação mensal equivalente a 40% do valor da última retribuição base mensal auferida antes da cessação do contrato.
3. Por se entender que a obrigação prevista no número 1 é estabelecida em benefício exclusivo da PRIMEIRA CONTRAENTE, a eficácia das obrigações decorrentes dos números 1 e 2 está sujeita à condição de envio, pela PRIMEIRA CONTRAENTE ao SEGUNDO CONTRAENTE, até à data de cessação do contrato de trabalho (caso a cessação seja da iniciativa da PRIMEIRA CONTRAENTE) ou até quinze dias após a data da cessação do contrato de trabalho (caso a cessação seja da iniciativa do SEGUNDO CONTRAENTE), de comunicação escrita manifestando expressamente a vontade de executar tais obrigações, pelo que na ausência de tal comunicação o SEGUNDO CONTRAENTE não ficará vinculado ao estipulado no número 1 nem a PRIMEIRA CONTRAENTE vinculada ao pagamento previsto no número 2. (…)»
 (cfr., o documento de fls. 10-13, dos autos).
2. Ultimamente, ao serviço da ré, a autora auferia a retribuição mensal de € 1.504,45. (acordo das partes – cfr., artigo 6.º, da petição inicial, e artigo 2.º, da contestação – e documento de fls. 13v., dos autos).
3. Datada de 20 de Junho de 2022, a autora endereçou missiva à ré, subordinada ao assunto “denúncia de contrato de trabalho”, sendo o seguinte o seu teor:
«(…)
Eu, AAA (…) venho por este meio, nos termos do artigo 400.º, n.º 3, do Código do Trabalho (…) denunciar o contrato de trabalho celebrado com a V. Empresa em 1 de Setembro de 2020, pretendendo que o mesmo termine no dia 25 de Julho de 2022.
(…)».
 (cfr., documento de fls. 30, dos autos).
4. Datada de 14 de Julho de 2022, a autora endereçou missiva à ré, que a recebeu no dia 15 de Julho de 2022, sendo o seguinte o seu teor:
«(…)
Assunto: Manifestação de vontade para execução das obrigações previstas na Cláusula Décima Terceira do Contrato de Trabalho celebrado em 1 de Setembro de 2020 (Cláusula de Não Concorrência) entre a Air Liquide – Medicinal SA e AAA
Eu, AAA (…) venho por este meio, nos termos e para os efeitos da cláusula décima terceira do contrato de trabalho celebrado convosco a 1 de Setembro de 2020 (…) manifestar a minha vontade de executar as obrigações decorrentes do n.º 1 e do n.º 2 e dentro do prazo estipulado do n.º 3, todos da cláusula décima terceira, cláusula de não concorrência.
Pretendo assim que a mesma entre em vigor a partir do dia 26 de Julho de 2022, dia seguinte ao término do contrato de trabalho, de acordo com o anexo enviado nesta carta, ficando a aguardar informação sobre como pretendem efectuar o pagamento da compensação mensal equivalente a 40% do valor da minha última retribuição base mensal.
(…)».
(cfr., os documentos de fls. 14 e 15, dos autos).
5. Datada de 7 de Setembro de 2022, o Exmo. Sr. Dr. … remeteu missiva à ré, que a recebeu no dia 13 de Setembro de 2022, sendo que o seu teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (cfr., documentos de fls. 15v.-17, dos autos).
6. A ré não procedeu ao pagamento, à autora, de quaisquer valores emergentes da cláusula 13.ª, do convénio transcrito em 1.. (o acordo das partes, cfr., o artigo 8.º, da petição inicial, e o artigo 1.º, da contestação).
7. Nem a autora nem o Exmo. Sr. Dr. … receberam da ré qualquer resposta ao teor das missivas referidas em 4. e 5.. (acordo das partes, cfr., o artigo 11.º, da petição inicial, e o artigo 1.º, da contestação).
8. A ré não enviou à autora qualquer comunicação escrita ao abrigo da cláusula 13.ª, do convénio referido em 1.. (cfr., a expressa admissão do facto pela ré, no artigo 8.º, da contestação, a par do que resulta da valoração conjunta dos documentos constantes dos autos e nos quais se não surpreende – e nem a autora o refere, antes pelo contrário – qualquer manifestação de vontade da ré com arrimo em tal cláusula).
5. Fundamentação de direito
5.1. A primeira questão substantiva a enfrentar – a segunda acima elencada quando se traçou o objecto do recurso – prende-se com saber se o tribunal a quo errou na interpretação do n.º 3 da cláusula 13.ª do contrato de trabalho, quando decidiu que a mesma faz depender o cumprimento da compensação instituída no “pacto de não concorrência” firmado, de uma comunicação da recorrida à ora recorrente.
Alega a recorrente que entre si e a ré, ora recorrida, foi estabelecido um pacto de não concorrência, pelo que deve ser-lhe reconhecido o direito à respectiva compensação e que o tribunal a quo fez uma interpretação simplista traduzida à letra do n.º 3 da Cláusula 13.ª do contrato, tendo em conta o que a recorrida diz que quis escrever e comunicar, e não o que verdadeiramente comunicou à trabalhadora, sendo abusivo que a R. venha tentar interpretar o n.º 3 dessa cláusula, que já não é parte integrante do pacto, como algo cujo conteúdo estaria posteriormente e completamente na sua mão, e não na vontade de ambas as partes (conclusões 8.ª a 10.ª e 14.ª a 18.ª).
A sentença recorrida, por seu turno, acolheu a tese da ora recorrida e entendeu que a A. não tem direito a qualquer indemnização ou compensação em razão da cláusula 13ª constante do Contrato de Trabalho que celebrou com a R, com base no seguinte raciocínio:
«[…]
O pacto de não concorrência está, como não poderia deixar de ser no âmbito dos contratos de natureza sinalagmática e por apelo aos princípios que regem as obrigações, sujeito ao princípio da liberdade contratual, conquanto se não violem normas de natureza imperativa. Nesta conformidade, nada impede que as partes, a par da estipulação desse pacto, estipulem, também, os efeitos ou as condições a que está sujeita a sua eficácia e/ou produção de efeitos. E foi, justamente, tanto o que as partes estipularam: a par do pacto de não concorrência, cujos pressupostos estão, como dito, sustentados na lei, acordaram também as partes que os seus efeitos se produziriam findo o contrato caso a ré desse pacto se pretendesse prevalecer, comunicando, por escrito, à autora, até à data de cessação do contrato de trabalho, caso a mesma proviesse da sua iniciativa, ou até quinze dias após a data da cessação do contrato de trabalho, no caso de a cessação ser promovida pela autora, a vontade de executar tais obrigações a ele subjacentes. A ausência dessa comunicação demandaria a desoneração da autora do pacto de não concorrência e, por decorrência lógica, desobrigava a ré do pagamento do correspectivo sinalagma, a saber, a compensação.
Ora, tal como se colhe dos factos provados, a ré não comunicou à autora, mormente nos quinze dias que se seguiram à cessação do vínculo laboral – na medida em que operada por iniciativa da autora – a vontade de executar as obrigações subjacentes ao pacto de permanência. Daqui decorre, de forma que ao tribunal se afigura de linear clareza, que nem a autora estava obrigada a não exercer actividade não concorrente com a ré e nem esta obrigada a pagar qualquer compensação.
Nesta conformidade, é, pois, indiferente que a autora haja efectuado à ré as comunicações a que aludem os factos provados sob os pontos 4. e 5., na medida em que o acordo das partes não lhe atribui a faculdade de operar a eficácia da cláusula, do mesmo passo que é indiferente que subsequentemente à cessação do vínculo a autora haja iniciado actividade laboral não concorrente com a da ré, na medida em que a ré se não quis prevalecer dos efeitos do pacto de não concorrência.
Com todo o respeito por posição ou até mesmo interpretação diversa – que, ainda assim, e perdoem-nos a honestidade, se nos afigura de difícil compreensão face à clareza da cláusula que, supra, analisamos – entende o tribunal que os termos por apelo aos quais as partes se obrigaram e, subsequentemente, a ausência de qualquer conduta da ré no sentido de pretender operar os efeitos da cláusula de não concorrência não consentem tenha qualquer fundamento a pretensão da autora, o que, obviamente, conduz à sua improcedência.»
Vejamos.
Resulta dos factos provados – e não há quanto a isso dissenso entre as partes – que o contrato de trabalho que vinculava o A. à R. em esteve em vigor entre as partes desde 01 de Setembro de 2020 até 25 de Julho de 2022, data em que operou a denúncia efectuada pela A. (factos 1. e 3.).
Quando celebraram o contrato de trabalho, as partes fizeram nele incluir a supra transcrita cláusula 13.ª, denominada “cláusula de não concorrência” na qual convencionaram que durante os 2 (dois) anos posteriores à cessação, por qualquer motivo, do contrato de trabalho, a trabalhadora obriga-se, no território nacional em que a empregadora e o Grupo a que pertence, estejam presentes, a não prestar trabalho por conta própria ou alheia ou mediante qualquer forma de intermediação directa ou indirecta em empresas que se dediquem a actividade igual ou similar à prosseguida pela empregadora ou por qualquer outra sociedade do grupo a que esta pertence (n.º 1), bem como que, em contrapartida das obrigações previstas na presente cláusula, a trabalhadora terá direito a receber, durante o período de limitação a actividade previsto no número anterior, uma compensação mensal equivalente a 40% do valor da última retribuição base mensal auferida antes da cessação do contrato (n.º 2).
 Não se suscita qualquer dissenso quanto ao sentido destes n.ºs 1 e 2 da cláusula 13.ª do contrato de trabalho.
A questão coloca-se quanto ao n.º 3 da indicada cláusula, na qual a sentença fundou a improcedência da acção.
Qual o sentido desta cláusula?
O problema central na interpretação dos negócios jurídicos é o “da determinação do tipo de sentido decisivo com que os negócios jurídicos hão-de valer, se valer puderem[1], o “discernir do sentido juridicamente relevante do complexo negocial que é o negócio jurídico como um todo” enquanto acção da autonomia privada e em atenção à globalidade da matéria negociada[2].
Em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor). Assim, o artigo 236º, nº 1, do Código Civil indica como critério primeiro da interpretação da declaração negocial que a mesma se efectua de acordo com a denominada teoria da impressão do destinatário ao dispor que “[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
Além disso, o n.º 2 do artigo 236.º do Código Civil estabelece que “[s]empre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
Quanto aos negócios formais – como ocorre no caso dos autos – o n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil dispõe que “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”, mas também aqui a lei restringe este princípio geral com a previsão de que “[e]sse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade” – n.º 2 do artigo 238.º. Esta restrição para os negócios formais, significa que a letra do negócio – o texto do documento – surge como um limite à validade do sentido com que o negócio deva valer, apurado esse sentido nos termos das regras gerais de interpretação[3].
Recordemos o teor do n.º 3, da cláusula 13.ª do contrato de trabalho:
“Por se entender que a obrigação prevista no número 1 é estabelecida em benefício exclusivo da PRIMEIRA CONTRAENTE, a eficácia das obrigações decorrentes dos números 1 e 2 está sujeita à condição de envio, pela PRIMEIRA CONTRAENTE ao SEGUNDO CONTRAENTE, até à data de cessação do contrato de trabalho (caso a cessação seja da iniciativa da PRIMEIRA CONTRAENTE) ou até quinze dias após a data da cessação do contrato de trabalho (caso a cessação seja da iniciativa do SEGUNDO CONTRAENTE), de comunicação escrita manifestando expressamente a vontade de executar tais obrigações, pelo que na ausência de tal comunicação o SEGUNDO CONTRAENTE não ficará vinculado ao estipulado no número 1 nem a PRIMEIRA CONTRAENTE vinculada ao pagamento previsto no número 2.»
Não temos dúvidas de que este n.º 3 visou deixar expressa uma condição para a eficácia da cláusula de não concorrência.
Os termos literais da cláusula, analisados de acordo com o critério objectivo da impressão do destinatário plasmado no artigo 236.º do Código Civil, não consentem outra interpretação, mostrando-se ali previsto, com clareza, que, “a eficácia das obrigações decorrentes dos números 1 e 2” (de não concorrência e de pagamento da compensação respectiva) estava sujeita à “condição de envio”, pela empregadora [PRIMEIRA CONTRAENTE] à trabalhadora [SEGUNDO CONTRAENTE], até à data de cessação do contrato de trabalho (caso a cessação fosse da iniciativa da empregadora) ou até quinze dias após a data da cessação do contrato de trabalho (caso a cessação fosse da iniciativa da trabalhadora), de comunicação escrita manifestando expressamente a vontade de executar tais obrigações, explicitando-se expressamente que na ausência de tal comunicação, a trabalhadora não ficará vinculada ao estipulado no número 1 (não prestar trabalho como ali se diz) nem a empregadora vinculada ao pagamento previsto no número 2 (a pagar a compensação respectiva).
Acrescentou-se neste segmento do convénio, que esta estipulação ali ficava “[p]or se entender que a obrigação prevista no número 1 é estabelecida em benefício exclusivo” da empregadora [PRIMEIRA CONTRAENTE]. Ou seja, explicitou-se a razão de ser da indicada estipulação.
Como diz a recorrida, a cláusula 13ª do contrato de trabalho tem um sentido claro, apreensível por um leitor médio e sem deixar margem para qualquer dúvida: no nº 1 prevê-se uma obrigação de não concorrência com a duração de 2 anos; no nº 2 estabelece-se uma compensação por essa obrigação; no nº 3 acorda-se que a eficácia das obrigações previstas nos nºs 1 e 2 estava sujeita à condição de envio, pela empregadora, de comunicação escrita manifestando expressamente a vontade de executar aquelas obrigações, pelo que na ausência de tal comunicação, nem a trabalhadora ficaria vinculada pela obrigação de não concorrência, nem a empregadora pela obrigação de pagamento da compensação.
Não há, a nosso ver, dúvidas de que é este o sentido da declaração negocial apreensível para um declaratário normal, bem como que os três números da cláusula estão incindivelmente ligados, constituindo o n.º 3 a estipulação de uma condição a que as partes submeteram a produção de efeitos do negócio previstos os n.ºs 1 e 2.
Tal condição tem natureza suspensiva na medida em que as partes condicionaram a produção de efeitos (a eficácia) do negócio a um acontecimento futuro e incerto – cfr. o artigo 270.º, n.º 1, do Código Civil.
E, uma vez que a produção desse acontecimento depende da vontade de uma das partes, pois o evento condicionante é a emissão de uma declaração de vontade pela empregadora, diz-se a condição “potestativa[4].
Improcede a questão suscitada pela recorrente no que concerne à interpretação do convénio celebrado que, de acordo com o sentido interpretativo alcançado com observância das regras previstas nos artigos 236.º e ss. do CC, faz depender a eficácia do convencionado entre as partes quanto à “não concorrência”, de uma comunicação da recorrida à ora recorrente.
O que, diga-se, não responde à questão de saber se é lícito apôr a uma convenção de não concorrência uma condição suspensiva deste cariz, questão que foi suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto na sequência das alegações da recorrente e que, no momento próprio, se abordará sendo caso disso.
*
5.2. A recorrente suscita também a questão de ter a recorrida incumprido o dever de informação e de esclarecer a recorrente no que concerne às cláusulas contratuais estipuladas, de acordo com o artigo n.º 106.º, n.º 1 do CT.
Alega que, atendendo à natureza do contrato, se impunha à recorrida o dever de informação e de esclarecer a recorrente ao inserir o n.º 3 na cláusula 13.ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes e que, ao fazê-lo sem previamente informar e comunicar à recorrente o que pretendia, sabia que esta falta de informação futuramente seria altamente lesiva dos interesses da recorrente e não cumpriu o ónus de “informar, sem margem para dúvidas, e não criando expectativas legítimas” (sic.), dando o devido conhecimento (conclusões 11.ª a 13.ª).
Compulsados os autos, verifica-se que este imputado incumprimento do dever de informação prescrito no artigo 106.º, n.º 1, do Código do Trabalho, segundo o qual o empregador deve “informar o trabalhador sobre aspectos relevantes do contrato de trabalho”, não foi aflorado na petição inicial, não foi abordado pelo tribunal recorrido, nem resulta de algum modo da matéria de facto provada, pelo que configura uma “questão nova” sobre a qual não poderá este Tribunal da Relação pronunciar-se.
Ora, como decorre do disposto no artigo 627.º do Código de Processo Civil, e constitui jurisprudência uniforme, os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas, sim, a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso[5].
Deve dizer-se que, mesmo que se tratasse de uma questão de conhecimento oficioso, seria necessário, para que o Tribunal da Relação conhecesse da questão, que na acção se mostrassem fixados os necessários factos materiais, sendo certo que no caso vertente os factos provados não sustentam de modo algum o apenas agora invocado incumprimento da obrigação de informação por parte do empregador quanto à cláusula de não concorrência, o que sempre impediria que este tribunal afirmasse a verificação desse incumprimento.
Acresce que a existência do contrato assinado por empregadora e trabalhadora, com a cláusula devidamente explicitada, consubstanciaria já o escrito a que alude o artigo 107.º do Código do Trabalho. Note-se que na petição inicial a A. alegou que “acordaram as partes, no contrato de trabalho então celebrado, que se estabelecia uma “cláusula de não concorrência”, a qual, reproduzindo, configurou o seguinte” [a A. reproduz após os n.ºs 1 a 3 da indicada cláusula], e que tal aconteceu “por vontade das da Aurora e da Ré” (artigo 7.º da petição inicial), que “[n]o caso em concreto, as partes contraentes, tendo por base o princípio da liberdade contratual, deliberam, as obrigações, e contrapartidas, inerentes à Cláusula de Não Concorrência” (artigo 17.º da petição inicial, em alegação que repete no artigo 23.º da mesma petição), o que indicia terem sido negociadas e deliberadas entre ambas as partes as condições do convénio estabelecido neste específico segmento e não é consentâneo com a falta de informação e esclarecimento invocada no recurso quanto à cláusula de não concorrência.
Não procede, também neste aspecto, a alegação da recorrente
*
5.3. Cabe agora conhecer da invocada nulidade da previsão da possibilidade de o empregador “renunciar” ao pacto de não concorrência firmado no contrato de trabalho até ao momento da cessação do contrato de trabalho ou num período de tempo curto após esse momento ou de “condicionar” à sua vontade a eficácia desse “pacto” e, em caso afirmativo, quais os efeitos dessa nulidade, o que pressupõe também se afira se esta questão da nulidade é de conhecimento oficioso (conclusões xlvii. a 21.)
5.3.1. No nosso ordenamento jurídico os pactos de não concorrência post pactum finitum são em princípio proibidos, porque restritivos dos princípios constitucionais previstos nos artigos 47.º, n.º 1 e 58º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa da liberdade de escolha de profissão ou de género de trabalho (liberdade essa que se manifesta no reconhecimento de que qualquer pessoa pode procurar, escolher, obter, praticar e desempenhar qualquer actividade remunerada, profissão ou trabalho lícito e não pode ser impedida de o fazer), do direito ao trabalho (o primeiro dos direitos económicos, sociais e culturais que dispõe de importantes dimensões negativas, entre as quais a liberdade de procurar trabalho, sendo proibido qualquer obstáculo externo ao exercício de uma actividade laboral[6]) e, ainda, da própria liberdade empresarial ou de iniciativa económica que o trabalhador readquire uma vez terminado o contrato de trabalho (sendo-lhe lícito, nos limites apenas da concorrência desleal, iniciar uma actividade por conta própria directamente concorrente com a do seu empregador[7]).
O denominado pacto de não concorrência traduz um compromisso entre liberdades constitucionais conflituantes – grosso modo, a liberdade de trabalho e de iniciativa económica do trabalhador e a liberdade de empresa do empregador – e representa sempre uma restrição daquela liberdade do trabalhador, o que justifica a necessidade de sua previsão legal e de um regime jurídico que, como noticia Júlio Gomes, tem sido cauteloso e exigente, pelo menos nos ordenamentos europeus continentais[8].
Por isso o n.º 1 do artigo 136º do Código do Trabalho estabelece que «[é] nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato».
Todavia, o n.º 2 deste preceito admite que se limite o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições: “a) Constar de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste; b) Tratar‐se de actividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador; c) Atribuir ao trabalhador, durante o período de limitação da actividade, uma compensação que pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas com a sua formação profissional.”
A limitação de actividade não pode durar mais do que dois anos e esse período temporal tem de ser subsequente à cessação do contrato de trabalho. Admite ainda a lei, no caso de se estar perante um trabalhador afecto ao exercício de actividade cuja natureza suponha especial relação de confiança ou que tenha acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência, que a aludida limitação possa durar até três anos (n.º 5 do artigo 136.º do Código do Trabalho).
Assim, caso o empregador queira impedir que o trabalhador que cessou consigo o contrato de trabalho que os ligava, exerça uma actividade concorrencial com a por si desenvolvida, terá que celebrar com o mesmo o aludido pacto de não concorrência dentro do condicionalismo enunciado na lei.
Caso o não faça, o trabalhador fica livre para levar a cabo tal actividade concorrencial.
À luz do Código do Trabalho de 2009, para ser lícito e, portanto, admissível, o pacto de não concorrência está sujeito aos aludidos condicionalismos e requisitos de natureza cumulativa enunciados nos n.ºs 2 e 5 do respectivo artigo 136.º.
5.3.2. Cabe pois ver se os mesmos se mostram observados no caso vertente, ou se o pacto celebrado padece de alguma invalidade.
Quanto à forma escrita – que reveste a natureza de formalidade ad substantiam e desempenha, “uma função de protecção, não sendo apenas exigida por razões de segurança e certeza, mas para chamar a atenção do trabalhador para a gravidade do vínculo que assume”, assegurando, assim, a assunção consciente da restrição e delimitadora do seu âmbito de aplicação[9] – mostra-se a mesma observada no caso sub judice. A cláusula 13.ª revestiu a obrigatória forma escrita – artigo 136.º, n.º 2, alínea a).
Também não está em causa a susceptibilidade de haver uma actividade prejudicial para a R. tal como exige a alínea b) do artigo 136.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
É igualmente de considerar que se mostra observado o limite temporal – 2 anos – previsto no corpo do n.º 2 do artigo 136.º do Código do Trabalho.
O mesmo se diga quanto à compensação a que alude a alínea c) do artigo 136.º, n.º 2 do Código do Trabalho, norma da qual decorre que constitui condição de licitude da limitação da actividade do trabalhador no período subsequente à cessação do contrato de trabalho “[a]tribuir ao trabalhador, durante o período de limitação da actividade, uma compensação que pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas com a sua formação profissional”.
A cláusula de não concorrência tem natureza onerosa e bilateral, visando a compensação económica compensar o trabalhador pelo prejuízo que este poderá sofrer durante o período acordado de abstenção de concorrência.
Nos termos singelos em que a compensação foi prevista – n.º 2, da cláusula 13.ª – é de considerar que se mostra observado este requisito de licitude do pacto de não concorrência.
É no não pagamento da compensação devida pelo pacto de não concorrência que a A. funda o pedido que formulou nesta acção, invocando o convénio constante da cláusula 13.ª do contrato de trabalho celebrado com a R. como causa de pedir de tal pedido.
Considerou a douta sentença que, em face dos termos da cláusula de não concorrência constante do contrato de trabalho (a indicada cláusula 13.ª), acordaram também as partes que os efeitos do pacto se produziriam findo o contrato caso a empregadora se pretendesse prevalecer, comunicando, por escrito, à autora, até quinze dias após a data da cessação do contrato de trabalho por ela promovido, a vontade de executar tais obrigações a ele subjacentes, implicando a ausência dessa comunicação a desoneração da trabalhadora da obrigação de não concorrência e, por decorrência lógica, a da empregadora do pagamento do correspectivo sinalagma. Afirmou também a sentença que, tal como se colhe dos factos provados, a ré não comunicou à autora a vontade de executar as obrigações subjacentes ao pacto, pelo que nem a autora estava obrigada a não exercer actividade não concorrente com a ré, nem esta obrigada a pagar qualquer compensação. Pelo que, por apelo aos termos em que as partes se obrigaram, e na ausência de qualquer conduta da ré no sentido de pretender operar os efeitos da cláusula de não concorrência, julgou improcedente a pretensão da autora.
Esta construção da sentença é irrepreensível face aos termos do convénio em que a recorrente fundou o seu pedido, com o sentido interpretativo que acima se alcançou. Mostrando-se estabelecida uma condição suspensiva da eficácia do pacto de não concorrência, e não se verificando tal condição, o efeito que naturalmente decorre desta circunstância é a não produção de efeitos do pacto de não concorrência (cfr. o artigo 270.º do Código Civil).
5.3.3. A recorrente suscitou, todavia, na apelação a questão da nulidade do “mecanismo contratual” que consiste em inserir um pacto de não concorrência no contrato de trabalho, mas acompanhá-lo da previsão da possibilidade de o empregador denunciar o pacto até ao momento em que o contrato de trabalho cessa ou num período de tempo, mais ou menos curto, após esse momento, ou de o condicionar à sua vontade perante o fim do contrato. Esta segunda perspectiva foi retomada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu douto Parecer, no qual expressamente invocou, de modo mais rigoroso, a invalidade da condição suspensiva, de natureza potestativa, estabelecida em favor do empregador no pacto de não concorrência firmado entre as partes, tal como previsto no n.º 3 da respectiva cláusula 13.ª.
Trata-se de questão que não foi colocada na 1.ª instância e sobre a qual a sentença não se debruçou – o que não implica a nulidade da sentença[10] – mas que, como resulta do disposto no artigo 286.º do Código Civil, é do conhecimento oficioso deste tribunal.
Assim sendo, perante a invocação da nulidade por parte da recorrente e do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, e constando dos autos todos os factos necessários para o efeito, é dever deste Tribunal da Relação apreciar se a cláusula em causa se mostra, ou não, ferida de qualquer causa de nulidade, designadamente por ser contrária à lei (artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil), devendo declará-lo apesar de a trabalhadora não ter suscitado tal questão na sua petição inicial e de ter fundamentado o seu pedido no pacto celebrado[11].
5.3.4. É de notar que, ao invés do alegado pela recorrida, a mesma pôde exercer o contraditório quanto a esta questão, quer relativamente ao recurso da A. (nas contra-alegações apresentadas), quer relativamente ao douto Parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto (na resposta que ao mesmo deduziu).
5.3.5. A recorrente começa por alegar que os tribunais superiores têm entendido de que a lei não atribui ao empregador a possibilidade de renunciar a uma cláusula de não concorrência que tenha sido introduzida no contrato de trabalho e que deve considerar-se nulo o mecanismo contratual que consiste em inserir um pacto de não concorrência no contrato de trabalho, acompanhado, da previsão e da possibilidade de o empregador denunciar o pacto até ao momento em que o contrato de trabalho cessa ou em um período de tempo, mais ou menos curto, após esse momento ou de o empregador poder optar pela cláusula de não concorrência no momento da cessação do contrato de trabalho.
E invoca ter sido este mecanismo nulo que a recorrida utilizou ao fazer uma opção quando o contrato cessou.
Analisados os arestos de que a recorrente lançou mão, verifica-se que os mesmos não versam sobre casos com os contornos do caso sub judice. Com efeito, quer o Acórdão da Relação de Lisboa de 2013.12.18, processo n.º 2525/11.3TTLSB.L1-4, quer também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2014.04.30, processo 2525/11.3TTLSB.L1.S1, incidem sobre uma cláusula contratual, inserida no âmbito de um pacto de não concorrência, por via da qual o empregador poderia denunciar o pacto de não concorrência assumido pelas partes, por forma a eximir-se ao pagamento da compensação devida, considerando tal cláusula nula.
Ou seja, como diz a recorrida, nos casos tratados pela citada jurisprudência existia um pacto de não concorrência validamente estabelecido, facultando-se ao empregador a denúncia unilateral do pacto estabelecido; no caso dos autos a eficácia do pacto foi sujeita a uma condição suspensiva, não estando o pacto sujeito a denúncia pelo empregador.
Certo é contudo que a recorrente estendeu também a invocação da nulidade ao facto de o pacto estar condicionado à vontade da empregadora perante o fim do contrato (conclusão 20.ª) e que o Exmo. Procurador-Geral Adjunto situou a questão que se suscita na perspectiva correcta ao arguir a ilicitude da aposição ao pacto de não concorrência da condição suspensiva expressa no n.º 3, da cláusula 13.ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes.
O que, além da afirmada oficiosidade do conhecimento da arguida nulidade, nos impõe a análise da questão nesta instância, atentos os termos em que foi correctamente colocada e que consistem em aferir se é nula a previsão, numa cláusula de não concorrência, de condicionar a eficácia das obrigações nela previstas a uma manifestação de vontade do empregador no sentido de executar tais obrigações até à cessação do contrato de trabalho (na hipótese de esta ser da iniciativa do empregador) ou até 15 dias após (na hipótese de a cessação ser da iniciativa do trabalhador) e, em caso afirmativo, quais os efeitos dessa nulidade.
Não sendo o facto de a jurisprudência invocada não incidir exactamente sobre a situação aqui em análise, de molde a considerar que da mesma não pode extrair-se um contributo útil para a sua solução.
5.3.6. Na matéria do pacto (ou cláusula) de não concorrência, como flui do acima dito, estão em equação e em tensão conflituante liberdades fundamentais, princípios e valores cuja harmonização suscita evidentes dificuldades.
No que concerne concretamente à limitação da liberdade de trabalho implicada nestes convénios de não concorrência, há a ter em consideração que o trabalhador fica “impedido de desenvolver o trabalho que entender”, mas pode igualmente “ver limitada a sua liberdade de desvinculação, também ela uma faceta da liberdade de trabalhar”[12]. A simples celebração do pacto, que em princípio projecta os seus efeitos para uma fase pós-contratual é, pois, apta a produzir também efeitos ainda no decurso do contrato de trabalho.
Relativamente a estes efeitos indirectos produzido pela cláusula de não concorrência, diz Júlio Gomes que esta pode limitar seriamente a liberdade de desvinculação, já que o trabalhador hesitará em pôr fim ao contrato, mesmo que tenha fundadas razões para o fazer (até justa causa para o efeito), se souber que poderá ter que ficar inactivo por um período que pode atingir os três anos. Deste modo, refuta que o empregador possa unilateralmente renunciar à cláusula, “pois tal permitir-lhe-ia retirar um benefício da cláusula (já que ela dificulta a rescisão pelo trabalhador ainda durante a vigência do contrato) sem pagar o respectivo custo[13]
Por seu turno Joana Nunes Vicente, a propósito da estipulação de uma cláusula que atribua ao empregador o direito de denunciar o pacto até ao momento em que o contrato de trabalho cessa ou em período de tempo, mais ou menos curto, após esse momento, entende que admitir uma precisão negocial desse tipo “permitiria ao empregador retirar um benefício disfuncional do pacto – já que o empregador acabaria por beneficiar do efeito dissuasor que o pacto produz junto do trabalhador, ao inibi-lo ou desincentiva-lo de denunciar o contrato de trabalho, mas aqui agravado por o trabalhador não saber se nem quando o empregador viria a desistir do pacto de não concorrência – sem ter que suportar o respectivo custo, isto é, desobrigando-se o empregador do pagamento da compensação económica[14].
Nesta linha, é pertinente lançar mão do indicado douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2014.04.30, que versa sobre a situação de renúncia do empregador a um pacto de não concorrência, ainda que sem previsão contratual da possibilidade de renúncia.
Também neste aresto se sublinha a natureza bilateral, onerosa e sinalagmática do pacto (à limitação da liberdade de trabalho do trabalhador corresponde uma compensação adequada a cargo do empregador, à obrigação de non facere do trabalhador corresponde a obrigação compensatória do trabalhador), a justiça contratual, a boa fé objectiva que deve nortear o comportamento das partes tendo em consideração os interesses legítimos da contraparte (artigos 239.º, 334.º e 762.º, n.º 2, do Código Civil).  Nele se chama também a atenção para que “os pactos de não concorrência, para além de cercearem a liberdade de trabalhar no convencionado prazo de abstenção de concorrência, também limitam a cabal participação do trabalhador no mercado de trabalho nos antecedentes períodos, assim condicionando a sua possibilidade (e o seu interesse) de procurar/equacionar outras alternativas profissionais e de otimizar a gestão da sua carreira, realidade que se traduz mesmo, com frequência, em situações de perda de oportunidade (também doutrinariamente referenciadas com a expressão perda de chance)”. E vem a concluir pelo direito do trabalhador à compensação convencionada na cláusula de não concorrência apesar de o empregador a ela ter renunciado antes da cessação do contrato de trabalho.
Especificamente a propósito de cláusulas de não concorrência condicionais em que o trabalhador assume uma obrigação de não concorrência pós-contratual que fica dependente de uma apreciação do empregador no momento da cessação do contrato sobre se lhe é conveniente invocar nesse momento tal obrigação, assinala Júlio Gomes, igualmente citado pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, que desse modo se conseguia “que o trabalhador ficasse imediatamente vinculado enquanto o empregador só ficaria definitivamente vinculado mais tarde”. De acordo com o autor, a doutrina e jurisprudência germânicas têm denunciado tais cláusulas por defraudarem a exigência de onerosidade: “para que o trabalhador fique vinculado por um pacto de não concorrência é necessário que lhe seja assegurada uma contrapartida, ou seja, que nesse momento da celebração do pacto o empregador assuma o compromisso, igualmente definitivo, de lhe pagar tal contrapartida (…)”.
Em suma, a aposição ao pacto de não concorrência de uma condição suspensiva tal como a que ficou plasmada no n.º 3, da cláusula 13.ª do contrato de trabalho sub judice, torna possível ao empregador retirar um benefício da cláusula de não concorrência (que dificulta a resolução ou denuncia pelo trabalhador durante a vigência do contrato, limitando a liberdade de desvinculação), sem que tenha que suportar qualquer contrapartida. Esta situação, além de avessa ao princípio da boa fé objectiva, viola a exigência legal de onerosidade prescrita no artigo 136.º, n.º 2, alínea c) do Código do Trabalho.
O que implica a nulidade de uma tal cláusula contratual, nos termos do artigo 280.º do Código Civil, por contrária à lei, o que se declara.
5.3.7. Cabe agora aferir quais os efeitos dessa nulidade.
Resulta das alegações da apelação que a recorrente entende que, por via da indicada nulidade, lhe deve ser reconhecido o direito inerente ao      “pacto de não concorrência” definido nos n.ºs 1 e 2 da Cláusula 13.ª do contrato de trabalho assinado entre as partes, conforme o pedido na sua petição inicial.
Já nas contra-alegações, a recorrida vem sustentar que, caso se entenda que a condição suspensiva estabelecida é inválida, então estaria afetada a validade do próprio pacto de não concorrência.
Invoca o disposto no artigo 271.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, do qual infere que a eventual invalidade da condição suspensiva acarretaria a invalidade do negócio jurídico a que é subordinada a condição (o próprio pacto de não concorrência), pelo que a Autora não estaria vinculada ao cumprimento da obrigação de não concorrência e, por outro lado, a Ré não tinha obrigação de pagamento da compensação prevista, na medida em que no n.º 2, do artigo 271º, do Código Civil, se consignam diferentes efeitos para a condição legalmente impossível: se for suspensiva, o próprio negócio jurídico é nulo, se for resolutiva, tem-se esta por não escrita.
Invoca também que no caso vertente não poderia verificar-se uma situação de invalidade parcial do negócio jurídico, com a redução do mesmo nos termos do artigo 292.º do Código Civil, redução que só ocorre nos casos da condição resolutiva impossível.
E finalmente sustenta que, a entender-se que estaríamos perante uma situação de invalidade parcial, com a possibilidade de redução do negócio jurídico, então haveria que aferir se se verificaria a condição constante do artigo 292º do Código Civil pois não há redução quando se mostre que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada, pelo que o processo deveria prosseguir para julgamento e apurar a matéria de facto relevante alegada pela R. para aferir se as partes teriam celebrado o pacto de não concorrência se conhecessem a invalidade da condição suspensiva aposta.
A questão não é de simples decisão.
Com efeito, sendo a solução ditada pelos princípios de Direito Civil a de considerar tais cláusulas nulas, por contrárias a lei imperativa, já quanto às consequências dessa nulidade, as regras de Direito Civil podem levar a soluções que se revelam desajustadas.
Júlio Gomes chama a atenção para que, “se é certo que pode interessar ao trabalhador invocar a ilegalidade e recuperar a sua inteira liberdade de contratar, também é certo que num clima de escassez de oferta de emprego pode o trabalhador pretender invocar a cláusula como se fosse válida e receber a contrapartida, e repugna permitir à entidade patronal que deu azo à ilegalidade ao sujeitar a cláusula a uma condição furtar-se à sua responsabilidade invocando a nulidade[15].
Por isso a doutrina vem ensaiando respostas que não quadram completamente com a lei civil.
Assim, Júlio Gomes avança com a hipótese da responsabilidade do empregador por culpa “in contrahendo”, deixando apenas na mão do trabalhador a possibilidade de invocação da nulidade da cláusula contrária à lei, apelando à noção de “nulidade relativa[16] [17].
Por seu turno Joana Nunes Vicente, no seguimento da doutrina italiana, entende que a nulidade é limitada à cláusula que atribui ao empregador a possibilidade de denúncia, não se estendendo ao pacto de não concorrência em si mesmo[18].
Esta última tese mostra-se consentânea com o regime emergente do artigo 121.º, n.º 2, do Código do Trabalho para os casos de invalidade parcial do contrato de trabalho, ao estabelecer que “[a] cláusula de contrato de trabalho que viole norma imperativa considera-se substituída por esta”. Este regime opera a substituição automática da cláusula inválida pela norma imperativa e constitui lei especial face ao regime comum da redução do negócio jurídico plasmado no artigo 292.º do Código Civil, que faz depender a manutenção do contrato do apuramento do sentido da vontade hipotética ou conjectural das partes acerca da essencialidade do convencionado.
No caso em análise, não temos dúvidas quanto à imperatividade da norma que estabelece apertados requisitos e especiais cautelas para que a cláusula de não concorrência possa ser considerada lícita no ordenamento jurídico. A limitação do exercício de liberdades e direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados, como vg. a liberdade de trabalho, impõe a atribuição de uma contrapartida económica ao trabalhador que constitui a compensação pelo sacrifício daquela liberdade fundamental do trabalhador de exercer uma actividade profissional, pelo que as condições expressas no n.º 2, do artigo 136.º do Código do Trabalho, nas quais se inclui a necessidade da atribuição de uma contrapartida financeira ao trabalhador que se vincule através de uma cláusula de não concorrência, se revestem de carácter imperativo.
Ora, o estabelecimento da condição constante do n.º 3, da cláusula 13.ª, tem como efeito prático que o trabalhador fica imediatamente vinculado, enquanto o empregador só o fica definitivamente mais tarde, e se quiser, sem assumir na ocasião o compromisso definitivo do pagamento da contrapartida devida pelo pacto. E, como vimos, a obrigação de não concorrência gerada pela cláusula inserta no contrato de trabalho, ainda que se refira ao período posterior à cessação do contrato, é susceptível de gerar um efeito prático anterior, traduzindo-se, nessa medida, num sacrifício da liberdade fundamental de trabalho no período por que perdurou a execução do contrato (sendo certo que no caso sub judice, de acordo com a alegação da petição inicial que se nos afigura despiciendo submeter a instrução, em face daquele sacrifício anterior, terá também sido a trabalhadora sacrificada na sua vinculação ulterior em actividade não concorrente com a da recorrida).
Apesar de nula, a cláusula de não concorrência, é susceptível de produzir o efeito prático de desencorajar o trabalhador de se desvincular do contrato por ter consciência de que a sua liberdade de procurar novo emprego ou de desenvolver uma actividade económica estaria limitada pelo período convencionado após a cessação do vínculo[19]
Pelo que, em observância do n.º 2, do artigo 121.º do Código do Trabalho, deve considerar-se a cláusula inválida substituída pela norma imperativa, ou seja, deve considerar-se o pacto firmado incondicionável nos termos em que o foi no n.º 3, da cláusula 13.ª, do contrato de trabalho celebrado, valendo nos seus precisos termos o acordados nos n.º s 1 e 2 da mesma cláusula. Uma vez que no n.º 2 da cláusula 13.ª se mostra convencionada uma compensação para a não concorrência nos termos prescritos no artigo 136.º, n.º 2, alínea c) do Código do Trabalho, ao nele se estabelecer que “[e]m contrapartida das obrigações previstas na presente cláusula, o SEGUNDO CONTRAENTE terá direito a receber, durante o período de limitação a actividade previsto no número anterior, uma compensação mensal equivalente a 40% do valor da última retribuição base mensal auferida antes da cessação do contrato”, vale esta convenção como concretização do comando imperativo constante deste preceito da lei substantiva laboral que impõe a compensação económica como condição de validade do pacto de não concorrência.
Assim, mantendo-se o contrato sem a parte viciada, independentemente do sentido da vontade hipotética ou real da partes entendemos que a aplicação do regime do n.º 2 do artigo 121.º do Código do Trabalho implica no caso vertente que, simplesmente, se desconsidere o n.º 3 da cláusula 13.ª, mostrando-se a observância da norma imperativa salvaguardada pela aplicação do n.º 2, da cláusula.
Deve acrescentar-se que, mesmo à luz da lei substantiva comum, se chegaria a conclusão similar.
Com efeito, uma das hipóteses em que se tem considerado que a redução do negócio jurídico prevista no artigo 292.º do Código Civil deve ter lugar, mesmo que a vontade hipotética seja no sentido da invalidade total, é justamente a de a cláusula inválida afrontar uma norma que se destina a proteger uma parte contra a supremacia da outra.
Como escreve o Professor Mota Pinto, “quando a invalidade parcial resultar da infracção de uma norma destinada a proteger uma parte contra a outra, haverá redução mesmo que haja vontade, hipotética ou real, em contrário. Trata-se de uma redução teleológica, no sentido de ser determinada pela necessidade de alcançar plenamente as finalidades visadas pela norma imperativa infringida (pois tal finalidade frustrar-se-ía com a procedência da alegação de que nunca se teria celebrado o negócio sem que essa norma, destinada a proteger a outra parte, tivesse sido violada[20].
 Este Professor adianta ainda como hipótese de redução do negócio independentemente da vontade hipotética das partes o caso de, uma vez verificada a invalidade, ser “conforme à boa fé, numa apreciação actual, que o restante conteúdo do negócio se mantenha, ainda que a vontade hipotética, reportada ao momento da conclusão do negócio, fosse diversa”. Invocando a doutrina do Professor Manuel de Andrade, afirma: trata-se de apurar “se é justo (conforme a boa fé contratual) que, uma vez concluído o negócio, se mantenha o seu restante conteúdo independentemente de ser nesse sentido a vontade hipotética das partes”. Esta redução em conformidade com a boa fé funda-se nos critérios constantes dos artigos 239.º e 762.º do Código Civil e, em última análise, na cláusula geral do artigo 334.º[21].
No caso vertente, em que o n.º 3 da cláusula 13.ª do contrato de trabalho se mostra nulo, por permitir a efectiva limitação da liberdade de trabalho da trabalhadora sem a correspondente compensação ao condicionar a eficácia do pacto de não concorrência após a cessação do contrato de trabalho à vontade unilateral da empregadora, seria contrário aos ditames da boa fé que, uma vez produzido – pelo menos – o efeito do pacto que necessariamente se verifica na esfera da trabalhadora em momento anterior à cessação contratual, fosse permitido à empregadora não pagar a compensação devida pela assunção da obrigação de não concorrência com a alegação de que, sem aquela condição, não teria celebrado o pacto.    
Além disso, cremos que a condição convencionada no n.º 3, da cláusula 13.ª do contrato de trabalho, apesar de se prefigurar como suspensiva nos termos do artigo 270.º do Código Civil, tal como se mostra formulada no texto contratual (a sua verificação importa, segundo nele escrito, a “eficácia das obrigações assumidas”), acaba por ter no momento da cessação do contrato de trabalho, uma vez executado o mesmo, a configuração de uma condição resolutiva, tendo em consideração que, na prática, os efeitos do negócio já se produziram em certa medida na esfera da trabalhadora enquanto perdurou o contrato. A verificação da condição tende assim à destruição – que se revela impossível – desses efeitos negociais na esfera da trabalhadora, com a concomitante não produção dos efeitos negociais compensatórios na esfera da empregadora, pelo que acaba por salvaguardar a empregadora da obrigação de pagamento da compensação convencionada apesar de a trabalhadora ter visto já cerceada a sua liberdade de trabalho com a celebração do pacto.
Assim, nos termos prescritos na segunda parte do artigo 271.º, n.º 2, do Código Civil, nesta sua configuração resolutiva, deveria ter-se a condição constante do n.º 3 da claúsula 13.ª do contrato de trabalho por “não escrita”, não se invalidando o próprio negócio.
Em suma, entendemos que à recorrente deve ser reconhecido, em face do contrato de trabalho documentado nos autos, uma vez expurgado da cláusula condicional dele constante (n.º 3, da cláusula 13.ª), o alegado direito à compensação prevista no pacto de não concorrência firmado com a recorrida nos termos da cláusula 13.ª, n.º 2, daquele contrato de trabalho, solução que, além de conforme com a boa fé e objectivamente justa, atendendo aos interesses em presença, encontra guarida no regime especial da invalidade emergente do artigo 121.º, n.º 2, do Código do Trabalho.
Procede o recurso, devendo revogar-se a douta sentença da 1.ª instância e condenar-se a recorrida nos termos peticionados.                                                             5.4. Tendo em atenção que, por força das considerações expostas,  se mostra despiciendo averiguar se as partes teriam celebrado o pacto de não concorrência se conhecessem a invalidade da condição a ele aposta, sendo os factos apurados suficientes para a decisão final da causa, mostra-se prejudicada ampliação do âmbito do recurso no sentido de se determinar a prossecução dos autos para julgamento com vista a averiguar a matéria de facto alegada pela recorrida a este propósito – cfr. o artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho.
5.5. Porque ficou vencida no recurso, incumbe à recorrida o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Mostrando-se paga a taxa de justiça e não havendo encargos a contar neste recurso que, para efeitos de custas processuais, configura um processo autónomo (artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais), a condenação é restrita às custas de parte que haja.

6.  Decisão
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a douta sentença da 1.ª instância condenando a recorrida Air Liquide – Medicinal, S. A. a pagar à recorrente AAA a quantia de € 14.447,52, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Custas pela recorrida, atendendo-se ao decidido em sede de apoio judiciário.

Lisboa, 13 de Setembro de 2023
Maria José Costa Pinto
Francisca Mendes
Sérgio Almeida
_______________________________________________________
[1] E. Santos Júnior, in Sobre a Interpretação dos Negócios Jurídicos, Edição da A.A.F.D.L., Lisboa, 1988, p 108.
[2] Pedro Paes de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 8.ª edição, Coimbra, 2015, p. 481. Vide também António Meneses Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral, Negócio Jurídico, 4.ª edição, Coimbra, 2014, p.676.
[3] Vide E. Santos Júnior, in ob. citada, p 153.
[4] Vide Carlos Alberto da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição Por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2.ª reimpressão, Coimbra, 2012, p. 565.
[5] Vide, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 2007.10.10, Processo n.º 3634/07-3.ª Secção, de 2008.12.04 Processo n.º 2507/08-3.ª Secção, de 2009.09.23, Processo n.º 5953/03.4TDLSB.S1-3.ª Secção e de 2016.02.08, Processo n. 207/15.6YRCBR.S1 - 3ª Secção, todos sumariados em www.stj.pt e o Prof. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 141.
[6] Vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 763.
[7] Vide Júlio Vieira Gomes, Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos de não concorrência em Direito do Trabalho, in Revista do Ministério Público n.º 127:Julho-Setembro 2011, p. 78.
[8] In ob. cit., p. 80.
[9] Vide Júlio Vieira Gomes, in ob. e loc cit. e o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 256/2004, de 2004/04/14, in www.tribunalconstitucional.pt.
[10] Como vem dito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Março de 2014, Processo 1052/08.0TVPRT.P1.S1, não se verifica a nulidade de uma decisão judicial – que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) – quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou.
[11] É aliás a doutrina que resulta do Assento n.º 4/95, de 17 de Maio, in Diário da República n.º 114/1995, Série I-A de 1995-05-17, no qual se afirma que “[q]uando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio jurídico e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no n.° 1 do artigo 289.° do Código Civil”, assento que persiste actualmente com o valor de uma uniformização de jurisprudência – artigo 17.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 395-A/95 de 12/12.
[12] Vide Joana Nunes Vicente, in Direito do trabalho – Relação Individual, com João Leal Amado et alli, Coimbra, 2019, p. 491.
[13] No seu estudo “As cláusulas de não concorrência no Direito do Trabalho – Algumas questões”, in RDES, 1999, n.º 1, pp. 9 e 36-37.
[14] Vide Joana Nunes Vicente, in ob. citada, p. 508, citando também João Zenha Martins.
[15]As cláusulas de não concorrência no Direito do Trabalho – Algumas questões”, in RDES citada, p. 37.
[16] Loc. cit. na nota anterior.
[17] Como noticia Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, p. 613, nota 1551, a jurisprudência alemã tende a considerar inválidas cláusulas de não concorrência condicionais ou que permitam ao empregador decidir só no fim do contrato de trabalho se impõe, ou não, ao trabalhador uma obrigação de não concorrência, mas essa mesma jurisprudência atribui ao trabalhador “um direito de optar pela invalidade ou pela eficácia da cláusula”.
[18] In ob. citada, p. 508, nota 63.
[19] Vide chamando a atenção para este efeito prático com apelo a jurisprudência francesa, Júlio Vieira Gomes, Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos de não concorrência em Direito do Trabalho, in Revista do Ministério Público n.º 127:Julho-Setembro 2011, p. 95, considerando que a inclusão de uma cláusula nula que pode ter já causado um dano ao trabalhador “parece susceptível de poder configurar uma situação de responsabilidade pré-contratual do próprio empregador”.
[20] Vide Carlos Alberto da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição Por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2.ª reimpressão, Coimbra, 2012, p. 636.
[21] In ob. e loc citados.
Decisão Texto Integral: