Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LAURINDA GEMAS | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO REJEIÇÃO CONTRATO DE COMPRA E VENDA PREÇO EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/16/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) I – É de rejeitar (parcialmente) a impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos pontos do elenco dos factos provados que surgem, nas conclusões da alegação, como impugnados, mas relativamente aos quais a Apelante, em parte alguma da sua alegação, indicou, conforme exigido pela alínea c) do n.º 1 do art. 640.º do CPC, a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre tais questões de facto, limitando-se a fazer afirmações e interrogações desprovidas de sentido útil. II – Resultando dos factos provados, ante a procedência parcial da impugnação da decisão da matéria de facto, que a Autora vendeu à Ré máquinas de fitness fabricadas com material zincado, bem como peças e componentes para as mesmas, à Ré incumbia alegar e provar os factos (impeditivos) em que baseou a exceção invocada, ou seja, que as máquinas fornecidas pela Autora eram de material não zincado e começaram a apresentar sinais de ferrugem cerca de uma semana depois de terem descarregadas nas instalações da Ré; e que a Autora tomou conhecimento dos defeitos do material entregue, recusando resolver o problema (cf. art. 342.º do CC). III – Na medida em que a Ré, pura e simplesmente, se recusa a pagar o preço dos contratos de compra e venda celebrados entre as partes, como está obrigada a fazer, nos termos do art. 879.º, a. c), do CC, a sua defesa parece reconduzir-se à figura da exceção (perentória ou dilatória de direito material) do não cumprimento do contrato (cf. art. 428.º do CC), a qual necessariamente improcede por não terem ficado provados os factos alegados a esse respeito. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados I - RELATÓRIO A …, LDA. interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou procedente a ação declarativa que, sob a forma de processo comum, contra si foi intentada por B …, S.L.. Os autos tiveram início em 17-03-2020 com a apresentação de Petição Inicial em que a Autora peticionou que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 58.196,25 €, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos, no montante de 4.758,04 €, e vincendos, até efetivo e integral pagamento, alegando, para tanto e em síntese, que forneceu à Ré, a pedido desta, a mercadoria que identifica, conforme as três faturas que indica, cujo montante total ascende a 76.795 €, apenas tendo a Ré efetuado o pagamento da quantia de 18.598,75 €. A Ré apresentou Contestação em que se defendeu, por impugnação motivada, por exceção e reconvenção, invocando, em síntese, a existência de defeitos das máquinas de fitness fornecidas (por apresentarem sinais de ferrugem cerca de uma semana depois de terem sido entregues) e a desconformidade com o que havia sido encomendado (por o material das máquinas não ser zincado), disso tendo a Ré informado a Autora, cuja recusa em resolver a situação causou prejuízos à Ré, reclamando a respetiva indemnização (embora sem especificação separada dos factos alegados em sua defesa, nem dedução separada da reconvenção). A Autora apresentou Articulado de resposta, pugnando pela inadmissibilidade da reconvenção e impugnando a existência de defeitos e desconformidades, alegando que a mercadoria foi fornecida com o acabamento que havia sido pedido pela Ré. No seguimento de despacho proferido em 12-10-2020, a Autora apresentou Articulado de aperfeiçoamento da Petição Inicial e a Ré exerceu o contraditório a esse respeito, alegando, em síntese, que decorrida uma semana após a entrega das máquinas contactou a Autora, via telefone, a informar que não vinham em condições, por não terem sido feitas com material zincado. Realizou-se a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, que rejeitou a reconvenção, bem como despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova. Foi realizada a audiência de julgamento, com a prestação de declarações de parte e a produção de prova testemunhal. Em 02-09-2024, foi proferida a Sentença (recorrida), cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Pelos fundamentos expostos, julgo a acção procedente, e em consequência condeno a R. a pagar à A. a quantia de € 58.196,25, acrescida de juros vencidos e vincendos contados desde as datas de vencimento das faturas e até integral pagamento. Registe e notifique. Custas pela R”. É com esta decisão que a Ré não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: - A decisão recorrida ao dar como provado os itens constantes dos pontos 1 - 3, deveria tê-lo feito com todas as explicações inerentes e resultantes dos depoimentos das testemunhas arroladas por ambas as partes A. e R.; - Pelo que, face ao exposto a matéria dada como provada deverá ser completada, acrescentando na mesma, toda a matéria considerada como não provada; - A acrescer à deficiência da matéria de facto dada como provada, estão em causa todas as dúvidas que, são notórias em toda a sentença e que em consequência deveriam desde logo ter levado á absolvição de R. - A A. funda o pedido formulado contra a R. na falta de cumprimento pela mesma do acordo celebrado entre as partes, quanto ao fornecimento das máquinas de fitness para exterior, peças e componentes para as mesmas. - São elementos constitutivos da responsabilidade contratual os explanados no artigo 798 do CC, e compete nos termos do artigo 342 do citado CC. a quem invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos, no caso concreto dos autos e ao contrário do entendimento do douto tribunal a R. fez prova dos mesmos, ao explicar cabalmente com prova documental bastante e testemunhal a razão pela qual não poderia liquidar material que, não reunia as condições em que foi encomendado, normas estas violadas pela sentença de que se recorre; - Ao contrário da A. que, em nada contribuiu para a descoberta da verdade, como resulta de forma clara e inequívoca do depoimento prestado pelo vendedor, dado que, o legal representante da mesma, tinha parcos conhecimentos das questões em causa nos autos, sendo no entanto, bastante claro quando refere que, tomou conhecimento da situação e dos factos devido à reclamação feita pela R. - O Tribunal a quo, faz uma incorrecta aplicação das normas referidas ao caso em apreço, na medida em que as mesmas não têm cabimento nos factos dados como provados, atentos os considerados não provados e o facto de como a douta sentença refere, apenas uma peritagem podia esclarecer as questões em causa nos autos; - Em sede do presente processo, o acordo celebrado entre A. e R., foi realizado com a observância de todas as formalidades legais, para duas empresas que mantêm relações comerciais há 10 anos; - Face ao exposto, a Sentença proferida deve ser alterada, absolvendo a Apelante, decidindo, pela improcedência da ação. Terminou a Apelante pugnando pela procedência do recurso, “decidindo de acordo com os procedimentos habituais entre empresas que mantêm relações comerciais há mais de 10 anos e sanadas as dúvidas enunciadas em sede de sentença”. Foi apresentada alegação de resposta, em que a Apelada defendeu que seja negado provimento ao recurso, concluindo nos seguintes termos: A. A apelante, com as suas motivações, pretende convencer o tribunal de que todas – indiscriminadamente todas – as exceções que invocara nos articulados, que constam do ponto 2.2 da douta sentença em crise, e que não logrou provar em sede de audiência de discussão e julgamento, sejam agora consideradas provadas. B. Para tanto, a recorrente, no ponto i. do recurso apresentado, anuncia que pretende impugnar a matéria de facto mas sem dar mínimo cumprimento ao disposto no art.º 640.º do CPC, pois nunca especifica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados. C. Bem ao invés, a recorrente utiliza uma miríade de expressões de enorme ambiguidade e de latitude indeterminada quando se refere aos meios de prova que entende que o tribunal a quo apreciou erradamente. D. Por outro lado, nunca especifica com exatidão as passagens das gravações em que funda o seu recurso, nem sequer a identidade das testemunhas que prestaram os depoimentos em crise, nem a forma como entende que deveriam ter sido valorados. E. Invoca também a recorrente um putativo erro na aplicação de norma substantiva (conclusão 5 e 7, onde se lê “são elementos constitutivos da responsabilidade contratual os explanados no artigo 798 do CC e compete nos termos do artigo 342 do citado CC A quem invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos (...) o tribunal a quo faz uma incorrecta aplicação das normas referidas ao caso”). F. Nesta sede, a recorrente tão pouco cumpre os ónus enunciados no art.º 639.º do CPC, porque pese embora proceda à inequívoca indicação concreta das normas jurídicas que, no seu entender, foram violadas (que são os artigos 798.º e 342.º do Código Civil), não explicita afinal qual é o sentido com que, no seu entender, essas normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas. G. A recorrente não conseguiu, pois, evitar que o exercício do direito de recurso se transformasse num mero repositório de considerações, agravos e razões de divergência e não conformação, mas sem lograr apontar à sentença quaisquer erros que imponham a sua substituição por outra. H. Porém, o recurso não tem por finalidade, nem pode ser confundido, com um “novo julgamento” da matéria de facto, assumindo antes como um “remédio” jurídico para deficiências factuais circunscritas, que em todo o caso só à recorrente caberia explicitar, o que não fez. I. Com efeito, as referências genéricas, abstratas, não especificadas e até ambíguas a indistintos meios de prova, feitas pela recorrente nas suas alegações, não permitem infirmar o juízo formado pelo tribunal de 1ª instância, em relação à matéria de facto pretensamente impugnada, não consubstanciando essas referências qualquer especificação de uma apreciação errada da prova, nem conduzindo por si só, ou em conjugação com a restante prova produzida, às respostas pretendidas pela recorrente. J. Afinal, o que a apelante pretendeu não foi mais que contrapor a sua convicção à do tribunal, colocando assim em causa o princípio da livre apreciação da prova. Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deverá o recurso da apelante ser rejeitado liminarmente, por incumprir o ónus de especificação ínsito no art.º 640.º do CPC. Se assim não se entender, deverá ser o recurso da apelante ser conhecido, mas julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC). Identificamos as seguintes questões a decidir: 1.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto; 2.ª) Se a Ré não está obrigada a pagar a quantia peticionada, atenta a desconformidade do material entregue face ao que havia sido encomendado. Dos Factos Na sentença foram considerados provados os seguintes factos: 1) No exercício da sua atividade comercial, a Autora forneceu à Ré, a pedido expresso desta e também para o exercício da sua atividade, mercadoria, consistente em máquinas de fitness exterior e peças e componentes para as mesmas, nas quantidades, qualidades e preços, que constam dos seguintes documentos e que ora se discriminam: a) Fatura FA – …, emitida em 15-…-2018, no valor de 2.400,00 €, com vencimento em 25-04-2018:
b) Fatura FA – …, emitida em 15-…-2018, no valor de 65.325 €, com vencimento em 25-04-2018:
c) Fatura FA – …, emitida em 23-…-2018, no valor de 9.070,00 €, com vencimento em 23-04-2018:
2) Aquando da entrega da mercadoria melhor descrita em b), relativa à fatura n.º FA-…, a Ré pagou a quantia de 18.598,75 €, montante que foi imputado à referida fatura, que ficou reduzida ao montante de 46.726,25 €. 3) O legal representante da Autora e o vendedor deslocaram-se às instalações da Ré, em 23 de maio de 2018, para verificar o estado do material. Na sentença foram considerados não provados os seguintes factos: i) As máquinas, discriminadas nas faturas FA – … e FA – …, foram descarregadas nas instalações da Ré e cerca de uma semana depois começaram a apresentar sinais de ferrugem. ii) O material encomendado, entre outras coisas, foram 200 máquinas de fitness, com referências diferentes, fabricadas com material zincado e a Ré desde logo, verificou o material entregue não vinha zincado. iii) A Autora apesar de tomar conhecimento dos defeitos do material entregue nunca quis resolver a situação, protelando a mesma sine dia. iv) No dia em que se deslocou às instalações da Ré para verificar os defeitos do material propôs abater o valor de 5.000,00 €, ao valor em dívida. v) Os representantes do ora Autora procederam a visitas ao local onde estava armazenada a mercadoria, tendo constatado que a mesma estava ao ar livre, sem acondicionamento devido e que lhes foi mostrada sempre a mesma peça com ferrugem. vi) A Autora ofereceu-se para reparar os danos, mas a Ré nunca quis. Da modificação da decisão da matéria de facto Conforme previsto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Dispõe o artigo 640.º do CPC, sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” É conhecida a divergência jurisprudencial que existiu a respeito da aplicação deste normativo e da sua conjugação com o disposto no n.º 1 do art. 639.º do CPC, atinente ao ónus de alegar e formular conclusões, vindo o STJ a firmar jurisprudência no sentido do “conteúdo minimalista” das conclusões da alegação, conforme espelhado no acórdão do STJ de 06-12-2016, proferido na Revista n.º 2373/11.0TBFAR.E1.S1 (sumário citado na compilação de acórdãos do STJ, “Ónus de Impugnação da Matéria de Facto, Jurisprudência do STJ”, disponível em www.stj.pt), bem como no acórdão do STJ de 01-10-2015, proferido no processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), e, mais recentemente, no AUJ do STJ de 17-10-2023 (acórdão n.º 12/2023, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I, de 14-11-2023, com Declaração de Retificação n.º 25/2023), proferido no proc. n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, em que se decidiu uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, em cuja síntese final se afirmou designadamente que: “(…) decorre do art.º 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.” Nesta linha, conclui-se resultar da conjugação do disposto nos artigos 635.º, 639.º e 640.º do CPC que o ónus principal a cargo do recorrente exige que, pelo menos, sejam indicados nas conclusões da alegação do recurso, com precisão, os concretos pontos de facto da sentença que são objeto de impugnação, sem o que não é possível ao tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto. Já a alínea a) do n.º 2 do citado art. 640.º do CPC consagra um ónus secundário, cujo cumprimento, quanto aos invocados erros de julgamento das concretas questões de facto, não tendo de estar refletido nas conclusões da alegação recursória, deverá igualmente ser observado, sob pena de rejeição do recurso, na parte respetiva. Assim, a título exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 16-12-2020, proferido no processo n.º 8640/18.5YIPRT.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), citando-se, pelo seu interesse e clareza, as seguintes passagens do respetivo sumário: “I - No âmbito do recurso de apelação visando a impugnação da decisão de facto podem distinguir-se dois ónus que incidem sobre o recorrente: Um ónus principal, consistente na delimitação do objecto da impugnação (indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados) e na fundamentação desse erro (com indicação dos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação que impunham decisão diversa e o sentido dessa decisão) – Art.º 640º nº 1 do CPC; E Um ónus secundário, consistente na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art.º 640º nº 2 al. a) do CPC. II - Este ónus secundário não visa propriamente fundamentar e delimitar o recurso, mas sim facilitar o trabalho da Relação no acesso aos meios de prova achados relevantes. III - O controlo do cumprimento deste ónus secundário deve ser feito pela Relação em termos funcionalmente adequados e em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.” Na mesma linha, destacamos ainda o acórdão do STJ de 30-11-2023, proferido no proc. n.º 23356/17.1T8SNT.L2.S1 (disponível em https://juris.stj.pt), em que se afirma precisamente que: «O STJ vem reiteradamente afirmando (ver por todos o acórdão de 29.10.2015 no processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1 in dgsi.pt), –que o regime do art. 640º consagra: - um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. O ónus primário é integrado pela exigência de concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº1 do citado art.640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto; - um ónus secundário que se traduz na exigência de indicação das exatas passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na al. a) do nº 2 do mesmo art. 640 tendo por finalidade facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência. De acordo com esta delimitação tem-se entendido que, não sendo consentida a formulação ao recorrente de um convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, deverá ter-se atenção se as eventuais irregularidades se situam no cumprimento de um ou outro ónus uma vez que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1 do referido art. 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, enquanto a falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a) terá como sanção a rejeição apenas quando essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo do tribunal de recurso – vd. Abrantes Geraldes in “ Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, 5ª ed. , págs. 169 a 175. (…) Ora, como se diz no Acórdão do STJ de 07.09.2020, P. 2180/16.4T8CBR.C1.S1, “os concretos pontos de facto que se querem impugnar são de inscrição obrigatória nas conclusões do recurso de apelação.” No mesmo sentido decidiu o recente Acórdão do STJ de 16.11.2023, P. 31206/15 (António Barateiro Martins): “Deve ser rejeitada a impugnação de facto quando, nas conclusões, o recorrente não concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados”, bem como os Acórdãos de 27.04.2023, P. 4696/15 (João Cura Mariano), e de 19.01.2023, P. 3160/16 (Nuno Pinto Oliveira), todos acessíveis em www.dgsi.pt. A circunstância de as conclusões do recurso de apelação não fazerem referência aos concretos pontos de facto que a Recorrente julgou incorrectamente julgados afecta a inteligibilidade do objecto do recurso, dificultando o exercício do contraditório pela parte contrária e a tarefa do julgador.» Na doutrina, destacamos os ensinamentos de Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª edição, Almedina, págs. 165-166, em que sintetiza da seguinte forma o sistema que vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. a), ou mesmo a produção de novos meios de prova nas situações referidas na al. b). Porém, como anotamos à margem desses preceitos, não estamos perante um direito potestativo do recorrente, antes em face de um poder-dever da Relação que esta deve usar de acordo com a perceção que recolher dos autos; e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; f) Na posição em que o recorrido se encontra, incumbe-lhe o ónus de contra-alegação, cujo incumprimento produz efeitos menos acentuados do que os que se manifestam em relação ao recorrente.” Nos presentes autos, atentando no teor da alegação de recuso, é evidente que, quanto aos pontos 1 a 3, que surgem como impugnados, a Apelante não indicou, conforme exigido pela alínea c) do n.º 1 do art. 640.º, a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre tais questões de facto, limitando-se a fazer afirmações e interrogações desprovidas de sentido útil, referindo designadamente que deveria ser especificado “tudo o que efetivamente se passou, em sede de audiência de discussão e julgamento, o que não acontece, deixando provados factos vagos que, como acontece com o facto 3, ficamos sem perceber, o resultado da deslocação e qual o motivo porque a mesma existiu se, efectivamente não havia reclamações e se estava tudo em conformidade com a encomenda realizada pela R. (…) como poderemos considerar como provados os factos supra indicados, sem mais, sem qualquer esclarecimento adicional, se em simultâneo e pela conjugação dos depoimentos de todas as testemunhas da R. os mesmos levam a que, os factos considerados como não provados, devessem contar como fatos provados. Na nossa modesta opinião, e pelos motivos supra expostos, os factos que levam à condenação da R. estão incorrectos.” Perante isto, até nem é claro se a Apelante pretendeu efetivamente impugnar esses pontos da decisão de facto, os quais, na motivação da sentença, são referidos como estando plenamente provados, por não terem sido impugnados. Assim, nesta parte, rejeita-se a impugnação da decisão da matéria de facto. Quanto aos factos que foram considerados não provados, parece-nos, num esforço interpretativo da alegação de recurso, que a Apelante pretende que os mesmos sejam dados como provados. Embora a maior parte dos concretos meios probatórios que menciona no corpo da sua alegação esteja relacionada com os pontos 1 a 3, indicou também o depoimento da testemunha C … “gravado de 15:08 a 15:41, do dia 23.05.2024”, referindo que o mesmo “prova sem qualquer margem para dúvidas, na modesta opinião da R. tudo o que foi encomendado e em que circunstâncias o foi, tal como com o seu depoimento prova todos os factos considerados, pelo tribunal, como não provados.” Assim, atento o n.º limitado de pontos de facto impugnados e a circunstância de a Apelante invocar, como fundamento dessa impugnação, um concreto depoimento e uma passagem da gravação, entendemos que, contrariamente ao defendido pela Apelada, se impõe conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto no tocante aos factos que foram considerados não provados. Para tanto, foi ouvida na íntegra neste Tribunal da Relação a gravação da prova produzida em audiência de julgamento e foram analisados todos os documentos juntos aos autos. Atentámos na motivação constante da sentença a este respeito, que é a seguinte: “A prova produzida nos autos, mormente, os depoimentos prestados na audiência de julgamento, é antagónica, revelando duas versões inconciliáveis, como se seguida se explanará. A testemunha D …, comercial da A. e o legal representante desta, …, descreveram, em síntese, o seguinte: - A encomenda das máquinas de fitness pela R. ocorreu em 2017; - A entrega das máquinas de exercício para parques urbanos foi feita em fevereiro de 2018 e faturas emitidas nesse mês; - A encomenda das máquinas foi feita pela R., com base num desenho que detinha, sem qualquer especificação quanto ao tratamento das partes metálicas; - O tratamento com zinco é o standard; - A R. não pediu galvanização dos materiais; - As máquinas foram executadas na China; - A A. desconhecia o destino concreto das máquinas, nomeadamente, se eram destinadas aos Açores e às orlas costeiras do continente; - Em maio de 2018, a R. reclamou que as máquinas tinham ferrugem, que estavam oxidadas; - A testemunha e o legal representante da A. vieram às instalações da R. e viram as máquinas da A., embaladas; - Não viram defeitos ou ferrugem nas máquinas; - Viram fotos de máquinas adquiridas pelos clientes da R. e pediram para as visitar, mas tal não aconteceu; - A R. fabrica máquinas iguais às adquiridas à A., com base no mesmo desenho; - Na China, a feitura das máquinas é controlada por um representante da A.; - A A. propôs à R. fazer um desconto de € 5.000,00, por razões comerciais, para encerrar o assunto; - Apesar das insistências, a A. apenas viu 2 ou 3 fotos de ferrugem em máquinas. As testemunhas F …, C …, G … e H …, todos funcionários da R., relataram o seguinte, em suma: - Na encomenda, a R. exigiu que os materiais fossem zincados para evitar a sua oxidação; - A A. sabia, na data da encomenda, que as máquinas iam ser colocadas na zona costeira; - Nunca seria possível a galvanização, devido ao desenho das máquinas; - As máquinas recebidas pela R. da A. não tinham tratamento de zinco e oxidaram após terem sido vendidas; - A A. fez uma visita às instalações da R. e viu ferrugem nas máquinas; - A A. não quis resolver o assunto. Conjugando os documentos juntos aos autos podemos concluir que: - A A. forneceu à R. a mercadoria melhor identificada nas faturas que acompanham a petição inicial, nomeadamente máquinas de fitness exteriores. Desconhecemos se na data da encomenda a R. pediu o acabamento em zinco do material, uma vez que os depoimentos são contraditórios e não foi junto nenhum documento (nota de encomenda, por exemplo) que evidenciasse tal pedido. Por outro lado, as faturas fazem referência ao tratamento por zinco (tradução da expressão zinc plated and powder) de algumas máquinas e dos autos não consta que a R. tenha reclamado de tal. Ao que tudo indica, é bastante provável que o tratamento por zinco tenha sido pedido pela R. ou, pelo menos, esta aceitou-o. Certo é que a R. não demonstrou que pediu à A. que colocasse qualquer outro revestimento que não o standard de zinco. Também não resultou provado que a R. não mencionou à A. que os locais onde seriam colocadas as máquinas estavam localizados orla costeira e por isso expostos a elementos muito mais agressivos para o metal. Algumas testemunhas dizem, nesta parte, que a A. sabia que as máquinas de fitness seriam colocadas em locais expostos aos ventos marítimos e ao salitre, proveniente da proximidade da faixa costeira, porque era o habitual no passado. Acontece que tal versão não revela, uma vez que à data da encomenda a R. desconhecia quem ia comprar as máquinas e os locais da sua colocação. Desconhecemos ainda se as máquinas vendidas pela A. tinham ferrugem ou oxidação como alegado pela R. Tal não foi relatado pela testemunha D … nem pelo legal representante da R., …, que dizem não ter visto qualquer ferrugem nas máquinas, mas apenas nas fotos que foram exibidas. Para mais, as fotos apresentadas pela R. não permitem concluir que as máquinas em causa foram fabricadas pela A. Note-se que a R. também é fabricante do mesmo material e mercadoria que a A. lhe vendeu, produzindo as mesmas máquinas e fornecendo diretamente aos seus clientes. O fabrico de tais máquinas pela R. em tudo se assemelha ao fabrico das máquinas vendidas pela A. Cremos que, no caso dos autos, apenas uma peritagem podia esclarecer as questões que estão em causa. Acontece que a totalidade das máquinas desapareceu (segundo a R., terão sido encaminhadas para a sucata e parte delas alegadamente roubadas), o que impossibilita que, em última análise, se determine qual a origem do fabrico das máquinas e se tinham ou não ferrugem. Apesar de terem sido juntas várias reclamações de clientes da R., desconhecemos se são referentes às máquinas fornecidas pela A., pois tal não resulta das mesmas. Por outro lado, não deixa de ser estranho que a R. alega que todas a mercadoria tinha defeitos, quando resulta das faturas que a mesma não era toda constituída por máquinas em metal. Por fim, não se percebeu a razão que impediu a R. de mostrar à A. as máquinas por si fabricadas, em especial nos espaços dos clientes finais. Sendo certo que a A. o solicitou várias vezes, nomeadamente por escrito. Posto isto, impor concluir que os factos i) a vi) não resultaram provados.” De referir, antes de mais, que se deteta um lapso na motivação, quando aí se menciona a testemunha D … e o legal representante desta, E …. Na verdade, este último é a testemunha arrolada pela Autora, tratando-se de funcionário da Autora há cerca de 16 anos, sendo o referido D … o legal representante da Autora, embora tenha sido arrolado como testemunha na Petição Inicial. No entanto, isto em nada abala a relevância probatória desse depoimento e declarações, os quais foram bem resumidos na sentença, tendo sido afirmado por aqueles, de forma segura, que as máquinas encomendadas tinham o tratamento/acabamento standard, em material zincado e pintado. Da conjugação desse depoimento e dessas declarações com as declarações da legal representante da Autora e com as faturas juntas aos autos (com a Petição Inicial), em que consta, na descrição do produto que eram “Zinc plated and powder coated” (como é salientado pelo Tribunal recorrido, referindo, aliás, “ser bastante provável que o tratamento por zinco tenha sido pedido pela R. ou, pelo menos, esta aceitou-o”), resultou demonstrado, sendo essa a nossa convicção, que: - O material encomendado, entre outras coisas, foram 200 máquinas de fitness, com referências diferentes, fabricadas com material zincado; - As máquinas discriminadas nas faturas FA – … e FA – … foram descarregadas nas instalações da Ré; - Aquando da deslocação referida em 3, foi visitado o local onde estava armazenada a mercadoria, tendo a Autora, para deixar encerrado o assunto da reclamação e obter o pagamento do valor em dívida, proposto à Ré um “desconto comercial” de 5.000 €. Assim, tais factos deverão ser aditados ao elenco dos factos provados. No entanto, já quanto à restante matéria de facto, foi negada pela testemunha E … e pelo legal representante da Ré, não nos merecendo maior credibilidade as declarações e os depoimentos em contrário prestadas por F …, legal representante da Ré (mulher do sócio da Ré), e pelas testemunhas arroladas pela Ré, designadamente C …, sobrinho do sócio da Ré e funcionário desta empresa há cerca de 15 anos, que disse que as máquinas tinham apenas acabamento de lacagem e não zincagem; G …, técnica de contabilidade da Ré e irmã da legal representante da Ré, que mencionou que o material fornecido pela Autora tinha de ser zincado e não estava nessas condições; H …, funcionário da Ré, que depôs na última sessão da audiência de julgamento, tendo, no essencial, dito o que havia sido referido pela testemunha C …, designadamente que as máquinas fornecidas, feitas na China, não eram zincadas, o que inicialmente não foi visto, mas apenas quando começaram a mostrar sinais de ferrugem, cerca de um mês a mês e meio depois de estarem no local, tendo as máquinas sido recolhidas, vindo a ser verificado com uma rebarbadora que não tinham o acabamento zincado. As poucas fotografias juntas aos autos mostram-se manifestamente insuficientes para se perceber se dizem respeito às maquinas fornecidas, apesar de a Autora ter solicitado, por email, após a visita às instalações da Ré (cf. doc. 4 junto com a Contestação) o envio de fotografias das máquinas “afectados por el óxido”, isto, ao que tudo indica, conforme referiram a testemunha E … e o legal representante, por nenhuma desconformidade ou defeito terem então verificado nas máquinas aí existentes. Perante tal situação, a existirem desconformidades ou defeitos por falta de tratamento das máquinas, parece-nos que o normal teria sido que a Ré - além de pagar a restante mercadoria - acautelasse um registo fotográfico idóneo das máquinas fornecidas, com menção ao local onde se encontravam (ou, pelo menos, dos clientes a quem as havia fornecido), facultando essa informação à Autora, o que não sucedeu. A sua legal representante disse que as máquinas foram colocadas num armazém alugado, que veio a ser assaltado, tendo posteriormente as máquinas restantes sido enviadas para sucata; foi junta aos autos uma participação policial (doc. 26 – datada de 20-07-2019), em que se referem vários furtos de um armazém, o primeiro dos quais de “cerca de 100 máquinas”. Ora, não deixa de ser estranho que a Ré, perante a situação de litígio pendente, não tivesse o cuidado de conservar em seu poder uma única das 200 máquinas fornecidas, inviabilizando assim uma ulterior verificação do seu estado (incluindo, se necessário, uma perícia que permitiria apurar se as máquinas tinham ou não sido zincadas). A legal representante da Ré também se referiu a uma informação prestada pelo Sr. …, da empresa fabricante das máquinas, dizendo que, segundo este, as máquinas não tinham sido zincadas, mas, posteriormente, a instâncias do mandatário da Autora, veio retificar essa afirmação, dizendo que, segundo aquele, as máquinas não tinham sido galvanizadas. Com isto estava a referir-se ao email que foi junto com a Contestação como doc. 12, do qual, embora em língua inglesa e desacompanhado da respetiva tradução, se retira que a informação prestada foi a de que as máquinas não haviam sido fabricadas em aço galvanizado, caso em que o preço teria sido diferente, o que corresponde ao que foi dito pelo legal representante da Autora e pela testemunha E …, pois afirmaram que as máquinas foram fornecidas no acabamento standard zincado, como era habitualmente encomendado e fornecido (isto numa relação comercial que já durava há cerca de 10 anos), sendo que um acabamento diferente, mormente galvanizado, tinha um custo superior. A legal representante da Ré manteve que as máquinas deveriam ter o acabamento zincado, o que não sucedia e foi detetado quando surgiram pontos de ferrugem. Porém, pelo legal representante da Autora e pela testemunha E … foi afirmado de forma categórica que as máquinas tinham o acabamento zincado, embora considerassem que esse acabamento não era o mais indicado caso as máquinas ficassem instaladas no exterior, em locais junto à orla marítima, como poderá ter sucedido (com a sua colocação nas ilhas); explicaram que esse acabamento dá alguma proteção ao material (a que acresce a pintura), mas não evita o surgimento de ferrugem sobretudo quando as máquinas estão colocadas nessas zonas. Por outro lado, sendo a Ré uma empresa que se dedica a esta atividade há vários, incluindo com o fabrico próprio de máquinas em tudo idênticas (como ficou claro pelos depoimentos das testemunhas E … e C …), seria de esperar que tivesse atentado na qualidade do produto (ou falta da mesma). Ademais, a ser verdade o referido no doc. 1 junto com a Contestação, que se trata de um email enviado por G …, a 14-05-2018, em que refere que o problema havia sido detetado nessa data, custa compreender por que motivo continuou a Ré a fornecer esses equipamentos aos clientes, como resulta do documento 11 junto com a Contestação e do depoimento da testemunha C …. Também não se percebe que, a ter a Ré recebido de volta as máquinas vendidas aos clientes, como esta testemunha também disse, nenhuma dessas máquinas tenha sido guardada, nem que fosse para permitir à Autora a verificação do estado da mesma; e que a Ré, sendo uma empresa fabricante de máquinas com caraterísticas idênticas, não tenha apresentado prova documental comprovativa da (re)venda das máquinas em apreço nos autos aos seus clientes, nem da sua efetiva recolha/substituição por máquinas com outras caraterísticas (outro tipo de acabamento). Foi também apurado que a Ré já tinha em dívida à Autora, aquando da reclamação apresentada, um fornecimento anterior efetuado no início de setembro do ano anterior, como resulta do doc. 5 junto com a Contestação, que se trata de um email enviado em 12-06-2018 de G … para F …, em que se refere que o valor de 12.217,25 € “vai liquidar parte da fatura FA- …” - o que significa que a Ré aceitou pagar parte de uma fatura relativa ao fornecimento de material em apreço apesar do processo de reclamação pendente -, e que a Ré pretendia devolver material no valor total de 58.147 €, referente a 4 faturas, a primeira das quais datada de 2 de setembro de 2017, o que nos leva a admitir que a pretensão da Ré era que a Autora aceitasse a devolução de material que aquela não estava em condições de pagar, anexando, nesse email, fotografias de material embalado e fora do armazém. Portanto, a forma como a Ré procedeu, ao apresentar a sua reclamação e toda a sua ulterior atuação, designadamente pagando uma parte do preço das mercadorias fornecidas e solicitando a devolução do restante material, alegando a sua desconformidade com o encomendado e defeitos, mas não conservando nenhuma máquina em seu poder para demonstração desse facto, também sugerem que se debatia com dificuldades de pagamento das mercadorias fornecidas. Perante a disparidade das versões dos factos que foram veiculadas pelos legais representantes das partes e testemunhas ouvidas, não podemos considerar que a avançada pela legal representante da Ré e pelas testemunhas que indicou, mormente a testemunha C …, seja a que mais se aproxima da realidade, não estando este Tribunal da Relação convicto a respeito da verificação dos factos em apreço. Tudo ponderado, pelas razões acima expostas, decide-se: a) aditar ao elenco dos factos provados os seguintes pontos: 4) O material encomendado, entre outras coisas, foram 200 máquinas de fitness, com referências diferentes, fabricadas com material zincado. 5) As máquinas discriminadas nas faturas FA – … e FA – … foram descarregadas nas instalações da Ré. 6) Aquando da deslocação referida em 3, em que foi visitado o local onde estava armazenada a mercadoria, a Autora, para deixar encerrado o assunto da reclamação e obter o pagamento do valor em dívida, propôs à Ré fazer-lhe um desconto de 5.000 €. b) alterar o elenco dos factos não provados, passando a ter o seguinte teor: i) As máquinas discriminadas nas faturas FA – … e FA – … começaram a apresentar sinais de ferrugem cerca de uma semana depois de terem sido descarregadas nas instalações da Ré. ii) A Ré desde logo verificou que o material entregue não vinha zincado. iii) A Autora apesar de tomar conhecimento dos defeitos do material entregue nunca quis resolver a situação, protelando a mesma sine dia. iv) Os representantes do Autora procederam a outras visitas ao local onde estava armazenada a mercadoria, para além da referida em 3. v) Nas visitas efetuadas pelos legais representantes da Autora constataram que a mesma estava ao ar livre, sem acondicionamento devido e que lhes foi mostrada sempre a mesma peça com ferrugem. vi) A Autora ofereceu-se para reparar os danos, mas a Ré nunca quis. Da obrigação de pagamento do preço Na fundamentação de direito constante da sentença recorrida, o Tribunal a quo referiu que lhe incumbia apreciar se a Ré era responsável pelo pagamento do valor peticionado, resultante do fornecimento de máquinas de fitness para o exterior, peças e componentes para as mesmas, fundando-se a pretensão da Autora na falta de cumprimento por esta de um acordo celebrado por ambos e por via do qual foram fornecidas máquinas de fitness para o exterior, peças e componentes para as mesmas; aludiu ao art. 798.º do CC e aos elementos constitutivos da responsabilidade contratual, acrescentando a menção ao disposto no art. 342.º do CC, concluindo que a Autora logrou provar os factos por si alegados e que consubstanciam o acordo contratual, o fornecimento do material combinado, a emissão das faturas e o seu não pagamento. Mais mencionou que a Ré deduziu matéria de exceção, alegando, em suma, que o material que a Autora lhe forneceu continha defeitos que lhe causaram prejuízo junto dos seus clientes por se tratar de material que precocemente se deteriorou por causa unicamente imputável à Autora, não resultando dos factos provados demonstrado nenhum dos defeitos, concluindo que a Ré foi incapaz de provar os factos que alegou, como o ónus da prova lhe impunha (cf. art. 342.º, n.º 1, do CC). Assim, considerou que, ao não terem ficado provados os defeitos invocados, a defesa apresentada terá necessariamente de improceder, tendo a Autora direito a receber da Ré o valor peticionado, sendo, igualmente, devidos juros de mora, contados desde a data de vencimento das faturas, com a procedência da ação. No presente recurso, a Apelante insurge-se contra o assim decidido estribada na modificação da decisão da matéria de facto e pugnando pela errada aplicação do disposto nos artigos 342.º e 798.º do CC. Porém, não se descortina nenhum erro de julgamento a este propósito, já que, muito embora a fundamentação de direito constante da sentença seja parca – poderia ter sido feita menção ao regime aplicável aos contratos em apreço, que não podem deixar de ser considerados comerciais (cf. artigos 874.º a 938.º do CC, artigos 102.º e 463.º a 476.º do Código Comercial e também o Decreto-Lei n.º 2/2013, de 10 de maio, que estabelece medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais) –, é acertado considerar, ante o disposto no art. 342.º do CC, que à Ré incumbia alegar e provar os factos (impeditivos) em que baseou a exceção invocada, ou seja, que as máquinas fornecidas pela Autora eram de material não zincado e começaram a apresentar sinais de ferrugem cerca de uma semana depois de terem descarregadas nas instalações da Ré; e que a Autora tomou conhecimento dos defeitos do material entregue, recusando resolver o problema; prova essa que, como vimos, não obstante a procedência parcial da impugnação da decisão da matéria de facto, a Ré não logrou fazer. Não resultaram, pois, provados quaisquer factos que possam suportar a defesa por exceção, que a Ré-apelante não cuidou de enquadrar juridicamente, mas que, se bem se percebe, (e não é fácil perceber, desde logo porque da Contestação não consta a exposição de razões de direito, nem a especificação separada dos factos atinentes à defesa por exceção) se reconduz à figura da exceção (perentória ou dilatória de direito material) do não cumprimento do contrato (cf. art. 428.º do CC), na medida em que a Ré, pura e simplesmente, se recusa a pagar o preço dos contratos de compra e venda celebrados entre as partes, como está obrigada a fazer, nos termos do art. 879.º, a. c), do CC. Não tendo sido suscitadas pelo Apelante outras questões jurídicas, nem se vislumbrando que se possam verificar quaisquer questões de conhecimento oficioso que ponham em crise a sentença recorrida, impõe-se concluir, sem necessidade de mais considerações, que improcedem as conclusões da alegação de recurso em apreço, o qual não merece provimento. Vencida a Ré-Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais em ambas as instâncias (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC). *** III - DECISÃO Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida. Mais se decide condenar a Ré-Apelante no pagamento das custas do recurso. D.N. Lisboa, 16-01-2025 Laurinda Gemas Arlindo Crua Paulo Fernandes da Silva |