Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GOUVEIA BARROS | ||
Descritores: | DIVÓRCIO INVENTÁRIO PARTILHA LICITAÇÃO TORNAS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/20/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Nada obsta a que na apelação da sentença homologatória da partilha se conheça dos termos do despacho que lhe conferiu forma ainda que a dissidência da apelante seja centrada sobre a decisão que desatendeu a reclamação contra o mapa; II - Só pode ser relevado no despacho determinativo da partilha e abatido ao património comum o passivo aprovado pelos interessados ou verificado pelo juiz e não também aquele cuja verificação foi relegada para os meios comuns, por decisão transitada. III - Não tendo a licitante procedido ao depósito de tornas e requerendo o credor a venda do bem adjudicado, nos termos previstos no nº3 do artigo 1378º do CPC, não há fundamento legal para a dispensar daquele depósito com base em decisão que lhe fixou alimentos; IV - Tendo a interessada promovido execução autónoma contra o credor de tornas, assiste-lhe o direito de promover a penhora do crédito de tornas, a qual é feita mediante termo lavrado no conhecimento de depósito, o que implica, necessariamente, que a licitante o haja efectuado. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção): A..., residente em …, requereu inventário facultativo, por apenso ao processo de divórcio que decretou a dissolução do seu casamento com o requerido, B…., morador em …, para partilha dos bens comuns do casal. Prestado juramento e legais declarações pela requerente, na qualidade de cabeça de casal, foi apresentada a relação de bens e das dívidas comuns, bem como as dívidas próprias do requerido que constituem fls 54 a 60, sendo as mesmas objecto de reclamação. Em 16/3/2000 realizou-se a conferência de interessados na qual houve acordo quanto à adjudicação dos bens, salvo no tocante à verba nº11, sendo igualmente aprovadas algumas verbas do passivo relacionado, tendo os interessados sido remetidos para os meios comuns para dilucidação das verbas 16,17,18 e 19 da relação corrigida que constitui fls 160 a 167. No tocante à verba nº11 foi a mesma licitada pela cabeça de casal que assumiu o passivo correspondente à dívida ao BANCO que a onerava. Notificados os interessados para os efeitos do disposto no nº1 do artigo 1373º do CPC, nada disseram. Proferido o despacho determinativo (fls 250), foi elaborado mapa informativo e cumprido o disposto no artigo 1377º do CPC, tendo o interessado reclamado o pagamento das tornas apuradas a seu favor, no montante de 5.727.096$50. Por ofício de 26/11/2002 procedente da execução especial de alimentos requerida pela cabeça de casal contra o credor das tornas e que corre termos pela 2ª secção do 3º Juízo do mesmo tribunal sob o nº105.916-A/1986, foi solicitada a penhora do aludido crédito até ao montante de €6.323,72 (posteriormente elevada para €8,500,00 e depois para €9111,55 – fls 387 e 579). Por outro lado, por ofício de 30/4/2003 que constitui fls 488, foi solicitado o arresto do crédito de tornas apurado a favor do interessado B…., até ao montante de €7.500,00, medida decretada em procedimento cautelar promovido por J… e que correu termos no 4º juízo cível da mesma comarca, sob o nº000-A/2002. Todavia a fls 321 e na sequência de vários requerimentos dos interessados, o tribunal a quo decidiu proceder a nova conferência de interessados, “tendo em conta as rectificações entretanto feitas e para se evitarem mais confusões”. Relativamente aos pedidos de penhora e de arresto (repetidamente reiterados) pronunciou-se o tribunal a quo a fls 622 dizendo: “sendo certo que se encontra arrestado e penhorado o direito a tornas, não cumpre a este tribunal realizar – por ora e salvo o devido respeito – outras diligências que não sejam as tendentes à prossecução dos autos com vista à partilha do acervo dos bens comuns do ex-casal.” A fls 600/601 foi proferido novo despacho determinativo da partilha, na sequência do qual foi elaborado o mapa de fls 651/653 que sofreu a reclamação de fls 668 a 670, decidida por despacho de fls 684/685 que, em síntese, ordenou se elaborasse novo mapa de partilha no qual se operasse a compensação no crédito de tornas do interessado da dívida em cobrança na execução especial por alimentos pendente na 2ª secção do 3º Juízo do mesmo tribunal sob o nº000-A/1986, incidindo o arresto apenas sobre o remanescente. Na sequência do despacho de fls 811/814 foi elaborado novo mapa da partilha contra o qual a cabeça de casal voltou a deduzir reclamação, desatendida por despacho de fls 840, uma vez que se considerou que o seu teor nada tinha a ver com “qualquer irregularidade na elaboração do mapa, única faculdade que lhe seria permitida nesta fase processual”. Conclusos os autos foi – finalmente – proferida sentença homologatória da partilha conforme consta do mapa de fls 820 e 821. Recorreu então a cabeça de casal visando pôr em crise o despacho proferido sobre a reclamação, alinhando para tal as seguintes razões com que encerra a alegação oferecida: 1º) O artigo 1697° do CC, prevê o caso de um dos cônjuges se tornar credor do outro. 2º) Trata-se dos chamados créditos de compensação a favor do cônjuge que pagou a mais que a sua parte sobre o outro, mas cuja exigibilidade a lei adia para a partilha. 3º) O processo de inventário em consequência de divórcio não se destina apenas a dividir os bens comuns do casal, mas também a liquidar definitivamente as responsabilidades entre eles. 4º) A partilha é também o momento para os ex-cônjuges exigirem reciprocamente o pagamento das dívidas entre si. 5º) E, assim só com a conferência das dívidas será possível proceder à compensação de créditos entre os ex-cônjuges. Nestes termos e nos melhores de Direito (…), deverá ser considerada procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, devendo ser substituído por outro, que de acordo com a fundamentação aduzida, admita a compensação comunicada, alterando-se para o efeito o mapa de partilha, inclusive o valor das tomas que a Apelante deverá depositar a favor do Requerido, ora Apelado. *** Não foi apresentada contra-alegação. *** Análise do recurso: Nos presentes autos partilha-se unicamente uma fracção autónoma que, na falta de acordo sobre a adjudicação, foi licitada pela cabeça de casal no dia 16 de Março de 2000! Na conferência realizada na mesma data os interessados acordaram sobre a responsabilidade pelo pagamento do passivo relacionado, salvo no tocante às verbas nº16º, 17º, 18º e 19º da relação de fls 165 e 166, relativamente a cuja verificação os interessados foram remetidos para os meios comuns (fls 224vº). Pois não obstante o que se refere, a sentença homologatória da partilha só foi proferida mais de 11 anos depois, tempo que foi consumido em sucessivos requerimentos sem sentido e em repetidos mapas informativos e da partilha e outras diligências sem qualquer justificação processual. O cerne da controvérsia tem a ver com a verba nº18 da relação de bens apresentada pela cabeça de casal, relativa a dívida de alimentos alegadamente fixada por sentença condenatória que se diz ter transitado em julgado, no montante de 2.030.000$00 (abrangendo as prestações vencidas desde Novembro de 1986 até Outubro de 1997). Naturalmente, a não verificação da dívida pelo juiz nos termos previstos no artigo 1355º do CPC, só encontra explicação no facto de a cabeça de casal não ter promovido a junção aos autos da sentença em causa, com a necessária menção do trânsito. Concede-se que nem sequer seria necessário juntar ao processo o documento em causa, porquanto o requerido, quando foi notificado da relação de bens, declarou não reconhecer as dívidas apresentadas sob as verbas nº9 e 10, mas no tocante às verbas 11 e 12 (ou seja, a mencionada dívida de alimentos e respectivos juros) limitou-se a dizer (sem razão!) que “o inventário não é o meio processual próprio para se proceder à cobrança de eventuais créditos, mas destina-se a proceder à partilha dos bens comuns do dissolvido casal” (fls 101). Infere-se do exposto que o interessado não questiona a dívida de alimentos mas apenas a pertinência da sua relacionação, porquanto não é da responsabilidade do património comum, por ela respondendo somente a sua meação e, sendo esta insuficiente, os seus bens próprios (nº3 do artigo 1689º do CC). Quer o exposto significar que, no tocante às verbas 11 e 12 da relação de fls 56 e seguintes, nada justifica que os interessados tivessem sido remetidos para os meios comuns, pois o crédito estava reconhecido por sentença transitada, como a cabeça de casal assinalava na própria relação de bens (fls 59), cabendo decidir apenas sobre a sua relacionação, dado tratar-se de dívida de um cônjuge para com o outro, pela qual o património comum não responde. Posto isto, cumpre vincar que a questão da compensação suscitada pela recorrente, nada tem a ver com o objecto da reclamação contra o mapa a que se reporta o artigo 1379º do CPC, cujo objecto está enunciado no nº2 da mencionada disposição e consiste, no essencial, na invocação de alguma desconformidade entre o despacho determinativo da partilha e o modo como a secretaria organizou o mapa. Assim, a questão da suposta compensação mais não é do que a impugnação do despacho determinativo, por nele não estarem contempladas as verbas do passivo atinentes aos alimentos. Os interessados foram notificados de tal despacho, mas o seu silêncio não tem efeito preclusivo, porquanto como é sabido tal despacho apenas pode ser impugnado na apelação interposta da sentença da partilha (nº3 do artigo 1373º), o que vale por dizer que a impugnação da forma dada à partilha é claramente tempestiva. Mas é também claramente inconsistente, porquanto tendo-se a cabeça de casal conformado com o despacho que remeteu a discussão daquele específico segmento do passivo para os meios comuns, não pode pretender que no despacho determinativo tal verba tivesse sido considerada. Por outro lado, é intuitivo que a “compensação” apenas abarca as dívidas vencidas até à data da conferência, dado que só essas podem ser exigidas judicialmente, como é pressuposto daquela figura dogmática [alínea a) do nº1 do artigo 847º do CC]. A poderem ser consideradas as dívidas que se vencessem em data posterior, então o despacho determinativo seria sempre provisório, pois em situações como a dos autos, teria de ser reformulado mensalmente! Mas, tendo a verificação do passivo sido relegada para os meios comuns, porque não se considerou nem o reconhecimento da dívida por parte do interessado, nem o facto de estar suportada em sentença condenatória transitada, torna-se evidente que, não tendo impugnado a decisão, o crédito da recorrente não podia ser considerado – nem satisfeito – no âmbito do presente inventário, ao contrário do que foi decidido pelo despacho de fls 684/685, sob pena de se criar, como criou, uma situação processualmente bizarra. Na verdade a cabeça de casal, confrontada com o despacho que a remeteu para os meios comuns, propôs execução para execução da sentença de alimentos proferida em 1988 (fls 334/339), visando cobrar as prestações de alimentos fixados na aludida decisão relativos aos últimos cinco anos. Desconhece-se o teor do título executivo (sentença de 1988) e a razão por que tal decisão continua a servir de base à execução de alimentos, apesar de os interessados estarem divorciados desde 14/4/1994, sugerindo assim uma espécie de direito vitalício. Ora, na execução a exequente/recorrente nomeou à penhora o crédito de tornas apurado no inventário a favor do ex-cônjuge, tendo sido ordenada a penhora (inicialmente, de €6.323,72, a seguir €8,500,00 e depois €9111,55 – fls 387 e 579). O despacho de fls 864vº e 685º ao ordenar a dedução ao crédito de tornas do interessado da quantia penhorada à ordem do processo nº10.5916/A/86 (execução por alimentos), deu pagamento ao crédito da recorrente (apesar de tal crédito não lhe ter sido reconhecido na conferência) embora a instância executiva onde o mesmo tinha sido penhorado se mantenha válida! E tudo porque a recorrente, apesar de ter licitado o único bem do casal em 16 de Março de 2000, constituindo-se devedora de tornas no montante de 5.727.096$50, volvidos quase 12 anos ainda não depositou um só cêntimo e, aparentemente, quer saldar tal dívida com o contracrédito de 15.000$00 mensais que foi fixado em 1988. O que a ser possível implicava que este processo de inventário estivesse pendente durante mais de 30 anos, até que o crédito de alimentos consumisse o contracrédito de tornas! Ou seja, se a recorrente tivesse procedido ao depósito das tornas a que estava obrigada, a quantia penhorada seria colocada à ordem do processo executivo e, cumpridos os pertinentes termos processuais, seria eventualmente recebida pela exequente (lembra-se que tal quantia deveria servir para pagar as custas da execução e outros créditos preferenciais). Não o tendo feito e tendo o interessado usado da faculdade prevista no nº3 do artigo 1378º do CPC, nada mais resta do que proceder à venda do bem adjudicado à requerente a fim de, com o respectivo produto, dar satisfação ao crédito de tornas apurado a favor do recorrido, sem embargo da dedução operada pelo despacho de fls 684/685, que não mereceu reparo ao interessado e por isso está a coberto do caso julgado por ele constituído. Em suma: - Nada obsta a que na apelação da sentença homologatória da partilha se conheça dos termos do despacho que lhe conferiu forma ainda que a dissidência da apelante seja centrada sobre a decisão que desatendeu a reclamação contra o mapa; - Só pode ser relevado no despacho determinativo da partilha e abatido ao património comum o passivo aprovado pelos interessados ou verificado pelo juiz e não também aquele cuja verificação foi relegada para os meios comuns, por decisão transitada. - Não tendo a licitante procedido ao depósito de tornas e requerendo o credor a venda do bem adjudicado, nos termos previstos no nº3 do artigo 1378º do CPC, não há fundamento legal para a dispensar daquele depósito com base em decisão que lhe fixou alimentos; - Tendo a interessada promovido execução autónoma contra o credor de tornas, assiste-lhe o direito de promover a penhora do crédito de tornas, a qual é feita mediante termo lavrado no conhecimento de depósito, o que implica, necessariamente, que a licitante o haja efectuado. *** Decisão: Em face do exposto, julga-se a apelação improcedente e em consequência, confirma-se a sentença homologatória da partilha. Custas pela recorrente. Lisboa, 20 de Março de 2012 Gouveia Barros Maria Conceição Saavedra Cristina Coelho |