Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2416/12.0TVLSB.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PROVIDÊNCIAS CONSERVATÓRIAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. As providências cautelares, são conservatórias se visam acautelar o efeito útil da acção principal, assegurando a permanência da situação existente, e são antecipatórias se visam a antecipação da realização do direito que previsivelmente será reconhecido na acção principal e será objecto de execução.
2. Mesmo quando a providência cautelar constitui antecipação do direito a declarar em definitivo, não se pode falar em esvaziamento da acção pois esta providência, e a sua manutenção, está sempre dependente da declaração definitiva da existência, ou não, do direito.
3. Quando se fala em "condenar" no procedimento cautelar está-se sempre perante uma "condenação provisória" consistente numa medida antecipatória insusceptível de se confundir com a decisão definitiva pela própria natureza de ambas.
4. A assunção de uma providência cautelar tem sempre um risco de injustiça, acrescido, que aumenta no caso de se tratar de uma providência antecipatória, mas o sistema aceita e convive com essa possibilidade, a qual foi assumida pelo legislador.
(IAC)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

JMF & F, Lda., com sede (…) em Montalegre, instaurou o presente procedimento cautelar comum ou não especificado contra – Reforço de Potência da Barragem de Venda Nova III, ACE, com sede (…) em Lisboa, pedindo, sem audição prévia da requerida:

a) a imediata condenação do requerido a não proceder à resolução do contrato nº 22/2010/VNIII ( na parte ainda não resolvida ) e, caso o requerido já tenha procedido à sua resolução, que se determine a suspensão imediata dos efeitos dessa mesma resolução e, cumulativamente,

b) a condenação do requerido a libertar imediatamente o montante de 407.665,20 Euros, pagando à requerente, ficando impedido de os reter em autos futuros ou em autos já facturados mas com valores ainda não vencidos.

A requerente alegou em suma e para o efeito ter celebrado com a requerida (ou requerido) um contrato de empreitada e que os seus trabalhos eram pagos em função da medição dos escombros carregados e transportados do local da empreitada até aos previstos no mesmo contrato e que, a partir de certa altura, a requerida pretendeu alterar unilateralmente a forma de medição dos trabalhos, o que traduz uma alteração unilateral do contrato, por alteração dos preços, alteração essa não permitida e que a requerente não aceitou.

Mais alega que, mais tarde e após negociações entre as partes, a requerente até resolveu parcialmente o contrato em causa por incumprimento da requerida e que esta, por seu turno, lhe remeteu uma missiva (pela requerente recebida em 28.11.2012) a interpelá-la para proceder à remoção dos escombros em causa em 15 dias e para, em 5 dias, confirmar por escrito que se obriga ao cumprimento dos preços acordados, sob pena de se proceder à rescisão do contrato por causa imputável à requerente, referindo que os prazos aludidos pela requerida se esgotaram, respectivamente, dia 13.12.2012 e 12.12.2012 e que a requerente não incumpriu o contrato em causa.

Impõe-se ter em atenção que o presente procedimento cautelar entrou em juízo, nesta Vara e Secção em 18.12.2012, pelas 20.08 horas, sem junção, com o requerimento inicial, dos documentos, apenas entrados em juízo em 19.12.2012.

Cumpre proferir despacho liminar.

Na apreciação liminar a ora efectuar impõe-se ter presente que o presente procedimento cautelar é, como a requerente indica, um procedimento cautelar não especificado ou comum, a que se referem os artºs. 381 e 392 do C. P. Civil e de que apenas pode ser lançada mão se ao caso nenhum dos procedimentos cautelares nominados for aplicável, sendo certo que a regra é, por outro lado, nesta modalidade de procedimento cautelar, a prévia audição da parte contrária – artº 381, nº 3 do C. P. Civil.

Além desse requisito de subsidiariedade, exige ainda a lei, para a procedência deste tipo de procedimento cautelar, que se verifique a probabilidade da existência do direito invocado, o fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação e que a diligência requerida seja a mais adequada a evitar a lesão, não resultando do procedimento prejuízo superior ao dano que ele vise evitar.

Em suma, o fim deste tipo de procedimento cautelar cifra-se na tutela provisória de quaisquer situações não especialmente previstas e disciplinadas, comportando o decretamento das providências conservatórias ou antecipatórias adequadas a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado (ver preâmbulo do Dec. Lei nº 329-A/95, de 12/12).

Ora, in casu, há que realçar o seguinte, quer dos pedidos formulados pela requerente quer do por si alegado:

1 - alega a requerente ter já procedido à resolução parcial do contrato em causa, por facto alegadamente imputável à requerida (sendo certo que se desconhece tal figura jurídica, de resolução parcial de contratos);

2 - os pedidos formulados pela requerente são pedidos próprios de uma acção declarativa de condenação e não de um procedimento cautelar.

Efectivamente, na eventualidade de o procedimento cautelar proceder, não se vê qual seria o litígio a dirimir na futura acção principal uma vez que a requerida teria sido privada da faculdade, prevista por lei, de uma das partes resolver o contrato por incumprimento da outra, à mesma imputável (se se verificarem tais requisitos), enquanto a requerente, por seu turno, teria exercido, como alega, um pretenso direito de resolução contratual parcial ( ? ).

Por outro lado, o pretenso crédito da requerente teria de ser satisfeito pela requerida face à procedência do procedimento cautelar ou, a não o ser, poderia a requerente executá-lo e a requerida ter de prestar caução para o evitar ou ter de prestá-la para obter a fixação de efeito suspensivo ao recurso por si eventualmente a interpor, assim ficando completamente sem objecto a acção principal a instaurar futuramente – artºs. 387, nº 3, 387-A, 692, 693 e 693-A do C. P. Civil.

Na realidade, não se pode olvidar que a proceder o procedimento cautelar e tendo em conta que o contrato em análise é um contrato de empreitada, a sua procedência e o tempo da normal tramitação da acção principal futura determinariam a necessidade do cumprimento integral do contrato pela requerida, pelo que nem se vê que objecto poderia ter a acção alegadamente a instaurar pela requerente, para cumprimento de obrigações decorrentes do contrato.

Ora, a verdade é que não podem as partes, através de procedimentos cautelares, esvaziar na íntegra o objecto das acções principais de que são dependência ou virão a ser dependência (quando ainda não intentadas) – ver, neste sentido os Acs. da Relação de Coimbra de 28.6.2005, in Proc. 1345/05.dgsi.net e do S. T. J. de 27.6.2000, in B. M.J. 498-187 e Sumários, 42º - 25, entre outros, ambos citados in “Código de Processo Civil Anotado”, Abílio Neto, Ediforum, 21ª Edição, em anotação ao artº 381 desse diploma legal.

Diga-se, aliás, que a eventual procedência de um procedimento cautelar deste tipo amarraria a requerida a um contrato que a mesma considera incumprido pela requerente (enquanto esta considera incumprido pela requerida), não se vendo qualquer fundamento legal que permita a uma parte peticionar, em sede cautelar, a “condenação” de outra a não resolver um contrato quando ela, requerente, alega tê-lo já feito parcialmente, apenas ficando, no seu entender alegadamente vinculada a parte do contrato (certamente a que lhe será mais favorável).

Por outro lado, impõe-se ainda referir que é na acção principal a instaurar que terá de ser decidido quem incumpriu o contrato, sendo que ainda que uma das partes resolva indevidamente o contrato (por não verificação comprovada subsequente do seu incumprimento, com a consequente falta de verificação dos pressupostos dessa forma de extinção do contrato), tal circunstância determinará o direito (da parte que viu o contrato indevidamente resolvido) a uma indemnização por tal resolução ilegal, por não observância dos respectivos requisitos legais de resolução, o que significa que dessa circunstância nem sequer decorre qualquer prejuízo grave e dificilmente reparável do seu ora pretenso direito.

Resulta pois, do exposto, a manifesta improcedência do presente procedimento cautelar, fundamento de indeferimento liminar do mesmo - artºs. 234, nº 4, al. b), 234-A e 383 do C.P.Civil -, o que se passa a decidir.

Foi interposto recurso da decisão tendo sido lavradas as conclusões ao adiante e em síntese:    

(…)

AAAAA. De todo o exposto resulta, portanto, demonstrado que o despacho recorrido deverá ser revogado, por ter o Tribunal a quo violado os artigos 234.º-A, 381.º, 383.º, 387.º, todos do Código de Processo Civil, bem como os artigos 562.º, 566.º e 406.º do Código Civil.       

Nada obsta ao mérito.

Objecto do processo:

São as conclusões que delimitam a matéria a conhecer por este Tribunal que é de recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que cumpra apreciar, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal e 684º nº 3 e 685-A do CPC.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B358 (artº 684 e 685 -A do CPC).

A apelação coloca como questão a resolver saber se a pretensão cautelar deduzida neste procedimento é própria de uma acção declarativa sendo inadmissível liminarmente por esvaziar de conteúdo a acção definitiva.

III Conhecendo:

Fundamentação de facto:

Dá-se por reproduzida toda a factualidade supra.

Fundamentação de direito

Para a declaração da existência de um direito, ou o seu reconhecimento em juízo, o meio processual adequado é a acção, como prescreve o artº 2º, nº 2 do CPC: «A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção».

Na verdade «a composição provisória realizada através das providências cautelares pode prosseguir uma de três finalidades: ela pode justificar-se pela necessidade de garantir um direito, de definir uma regulação provisória ou de antecipar a tutela pretendida ou requerida. No primeiro caso, tomam-se providências que garantem a utilidade da composição definitiva; no segundo as providências definem uma situação provisória ou transitória; no terceiro, por fim, as providências atribuem o mesmo que se pode obter na composição definitiva […] A diferença qualitativa entre a composição provisória e a tutela atribuída pela acção principal decorre dos seus pressupostos específicos e, nomeadamente da suficiência da probabilidade da existência do direito acautelado» Miguel T. Sousa Estudos sobre o Novo Processo Civil- Lex- pg 227 e 228.

"Nem de outro modo poderia ser, pois tratando-se de decisões definitórias das situações jurídicas e de carácter permanente que visam a certeza do direito, mediante um ritualismo processual que garanta os direitos processuais das partes, tal nunca poderia acontecer em sede de procedimentos cautelares que, na feliz síntese de Antunes Varela, «visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença não se torne numa decisão puramente platónica» Ac do STJ de 26.03.2010 relator Alvaro Rodriguers in ITIJ e A. Varela et alt., Manual de Processo Civil, 2ª edição, pg 23, no mesmo, citado.

"Os procedimentos cautelares são meios que não visam, em regra, a realização directa e imediata do direito substantivo, mas fazer operar medidas que assegurem a eficácia do resultado de determinada acção, proposta ou a propor, destinada à actuação daquele direito.

Nesse quadro de princípios, expressa a lei, a propósito do âmbito das providências cautelares não especificadas, por um lado, que se alguém mostrar fundado receio de que outrem lhe cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito pode requerer uma providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado, e que o procedimento cautelar é dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado (artigos 381º, nº 1, e 383º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Por outro lado, os procedimentos cautelares, dado o seu carácter de meios expeditos para acautelamento do direito ameaçado de lesão, bastam-se com um juízo de verosimilhança ou de probabilidade, sendo as suas decisões assentes numa prova sumária, perfunctória, não passando, por isso, de meros indícios (summaria cognitio).

E, por outro, que a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão e poder ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar (artigo 387º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).» Ac do STJ de 26.01.06, Relator, Salvador da Costa, in ITIJ.       

Neste segmento das providências cautelares cíveis encontramos duas espécies.

As providencias conservatórias que visam acautelar o efeito útil da acção principal, assegurando a permanência da situação existente quando se despoletou o litígio ou aquando da verificação de "periculum in mora" "As medidas conservatórias têm por móbil conservar, assegurar, manter o "status quo", sendo justificadas pelo risco de dano irreversível" Sónia Teixeira ROA ano 58º pg 893 ou como sustenta Lopes do Rego in Comentário ao CPC pg 275 visam «manter inalterada a situação que preexiste à acção tornando-a imune à possível ocorrência de eventos prejudiciais».

As providências antecipatórias que visam e atenta a urgência da situação carecida de tutela a antecipação da realização do direito que previsivelmente será reconhecido na acção principal e será objecto de execução. «As medidas deste tipo excedem a natureza simplesmente cautelar ou de garantia que caracteriza a generalidade das providências ficando a um passo das que são inseridas em processo de execução para pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de facto positivo ou negativo. Dentro deste núcleo de medidas cautelares integram-se a restituição provisória da posse; os alimentos provisórios e o novo procedimento cautelar de reparação provisória.

Em qualquer destes casos se constata que as providências decretadas não se limitam a assegurar o direito que se discute na acção principal nem tão pouco a suspender determinada actuação, garantindo-se, desde logo e independentemente do resultado a alcançar na acção principal, um determinado efeito que acaba sempre por ter caracter definitivo […]não está afastada a possibilidade de através de providências cautelares não especificadas se poder alcançar também uma medida com efeitos antecipatórios da decisão definitiva, uma vez que o artº 381º prevê expressamente tal possibilidade" Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil vol III, 2ª ed - pg 92-93.      

Ponto é que o direito que se visa acautelar no âmbito do procedimento cautelar seja o fundamento da causa principal e, salvo casos excepcionais, não pode o primeiro substituir a segunda, característica que a doutrina designa por instrumentalidade entre aquele e esta.    

Isto posto,

A requerente pretende dois tipos de providências: uma primeira, que seria conservatória, a saber, a que se prende com a intimação à requerente para não resolver o contrato.

E uma segunda, a que corresponde à pretensão de ordenar à requerida que «liberte as quantias …», a qual antecipatória por da mesma resultar desde logo, o efeito, a obter definitivamente na acção principal.

No que importa à primeira das providências, requeridas, em concreto, consistente «na condenação da requerida a não proceder à resolução do contrato […]e caso o requerido já tenha procedido à resolução do contrato determine a suspensão imediata de todos os efeitos dessa mesma resolução do contrato»  sucede que,  só é possível decretar uma providência conservatória quando a lesão que se pretende acautelar embora eminente ainda não aconteceu, ou tendo acontecido continuam ainda assim a ser  produzidas sucessivas lesões no direito que, por essa via, se pretende acautelar.

No caso dos autos estamos perante um único comportamento que acarretou imediatamente todos os efeitos, uma vez que a resolução extrajudicial do negócio jurídico se efectiva mediante declaração à outra parte (artº 436º nº 1 do CC).

Ora é o próprio requerente a afirmar que recebeu uma declaração da requerida a 14.12.2012 a comunicar-lhe a resolução do contrato e, bem assim, que, ele mesmo retirou todas as suas máquinas e materiais da obra. cfra conclusões 13ª e 14ª das alegações de recurso.

Está bom de ver que a lesão que se pretendia acautelar já aconteceu, tanto no que respeita à requerida "intimação para não resolver" como à pretendida "suspensão dos efeitos" uma vez que estes já se produziram no que é essencial à execução do contrato já que foi o próprio requerente a retirar todas as suas máquinas e a deixar de permanecer no estaleiro.

Não há modo de represtinar a situação sendo, ao contrário, do por si sustentado que já não é possível obter o cumprimento do contrato resolvido.

Não é, por isso, e liminarmente, de acolher tal pretensão, já que agora restará ao recorrente a via à acção indemnizatória, que de resto como é sabido abrange todos os danos mormente os correspondentes ao que deixou de ser auferido mercê da resolução contratual, que se venha a revelar ilícita (lucros cessantes e danos emergentes).

No que diz respeito à segunda pretensão consistente na "libertação imediata do montante de 407.665,20 euros pagando à requerente…"

Trata-se, como já ficou dito, de pretensão antecipatória dos efeitos de uma eventual condenação da requerida a indemnizar a requerente, seja pelos valores alegadamente em dívida, seja pelos prejuízos que lhe causaram a não execução integral do contrato.

Sustentou Tribunal «à quo» louvando-se em jurisprudência que cita, Ac do TRC de Coimbra de 28.06.2005 in proc 1345/05 ITIJ, e Ac do STJ de 27.6.2000 imn BMJ 498-187 sumº 42-25, ambos em nota ao artº 381º do CPC anot de Abilio Neto, o indeferimento liminar desta pretensão no fundamento que se trata de pretensão definitiva o que, como tal, não pode ser deduzida num procedimento cautelar.

Vejamos:

A admissibilidade liminar, da requerida providência, depende da alegação de factos que consubstanciem a probabilidade séria da existência do direito tido por ameaçado, o fundado receio da sua lesão grave e de difícil reparação, a adequação da providência à remoção do periculum in mora concretamente verificado e vise a assegurar a efectividade do direito ameaçado bem assim da insusceptibilidade de o decretamento implicar prejuízo superior ao dano que visa evitar.

Quanto ao primeiro, basta a aparência da existência do direito, ou seja a indiciação da obrigação de indemnizar ou de não praticar determinado facto, não se exigindo mais do que a prova mínima de que a situação jurídica alegada é provável ou verosímil.

Basta, pois, um juízo de probabilidade ou de verosimilhança, ou seja, a aparência do direito, situação que tem sido designada por fumus boni juris.

O segundo elemento o «periculum in mora» no procedimento cautelar atípico ou comum, como ocorre no caso vertente, depende da prova do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável.

Esse fundado receio exige, em regra, que na altura da instauração do procedimento cautelar ocorra uma situação de lesão iminente, isto é, que ainda não tenha ocorrido, ou que esteja em curso, ou seja, ainda não integralmente consumada, ou, no caso contrário, que indicie a ocorrência de novas lesões ao mesmo direito.

«Assim, neste ponto, não exige a lei que se verifique, ao tempo da apresentação do requerimento do procedimento em juízo, um prejuízo concreto e actual, certo ser suficiente o fundado receio que outrem cause ao requerente, antes da instauração da acção principal ou durante a sua pendência, lesão grave ou de difícil reparação.

Mas não é qualquer consequência danosa de ocorrência previsível antes da decisão definitiva que justifica o deferimento de uma medida provisória com reflexo imediato na esfera jurídica do requerido, certo que só lesões graves e dificilmente reparáveis podem justificar uma decisão judicial que salvaguarde o requerente da previsível lesão de um direito da sua titularidade.

Assim, ainda que se revelem irreparáveis ou de difícil reparação, não podem ter acolhimento em sede de procedimento cautelar comum as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, bem como aquelas que, sendo graves, sejam facilmente reparáveis.

A gravidade da previsível lesão deve aferir-se à luz da sua repercussão na esfera jurídica do requerente, tendo em conta que «Quanto aos prejuízos materiais o critério deve ser bem mais restrito do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva..» cfra citado Ac do STJ de 26.01.06.

Sendo até desnecessário, no procedimento cautelar comum, que verse de direitos patrimoniais a alegação referente à solvabilidade ou falta dela do requerido como se decidiu no Ac do STJ de 18.03.2010 relator Álvaro Rodrigues, in ITIJ: «Nada na lei autoriza a que se exija ao Requerente do procedimento cautelar comum que faça prova de que o Requerido não poderá pagar-lhe uma indemnização correspondente ao bem ou direito lesado, sob pena de recusa das providências requeridas, por falta do elemento «dificuldade de reparação.

Se assim fosse, ficariam sem tutela da Ordem Jurídica bens, serviços e direitos de relevantíssimo interesse social, não apenas por dificuldade de tal prova, mas também porque o lesante, em geral, poderia cobrir, mediante uma presumida importância pecuniária e segundo um juízo de probabilidade, todos os prejuízos materiais advenientes da lesão.

O correcto entendimento será, pois, o de que a providência deve ser decretada, sempre que, se esteja ante uma lesão grave, atenta importância patrimonial ou extrapatrimonial do direito ou do bem que aquele incide (objecto mediato) e que está em risco de ser sacrificado, e não seja razoável exigir que tal risco seja suportado pelo titular do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano seja avultada ou mesmo impossível».       

Ora,

Os efeitos produzidos por este género de providências cautelares não deixam de surpreender e de, eventualmente, provocar em quem tem de decidir, algum temor quanto aos riscos derivados de uma injusta decisão cautelar. […]esse risco aumenta exponencialmente quando se está perante medidas cautelares de carácter antecipatório […] apesar disso as consequências foram assumidas pelo legislador […]há que assumi-lo sem rodeios _ o sistema convive com a possibilidade de ser adoptada uma medida cautelar causadora de prejuízos ao requerido que, a final, se revela inadequada[…] tem o juíz a possibilidade de condicionar, em determinadas circunstâncias, a concessão de providência antecipada à prestação de caução, que sendo adequada, permitirá compensar o requerido pelos prejuízos derivados da providência[…] é bom que fique claro que, com caução ou sem ela, a assunção de uma providência insere-se no "risco social" intermediado pelos tribunais, permitindo que o sistema adopte medidas que apesar de de, a posteriori, se verificar serem infundadas, nem por isso deixam de se considerar legítimas, por decorrerem do exercício do direito de acção cautelar. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do processo civil, Almedina, III vol 2ª ed-94 a 97.

Como já supra se escreveu, a todo o direito corresponde uma acção e a toda a acção um procedimento com vista a uma providência. (artº 2º nº 2 do CPC)

«A providência cautelar, não é um fim, mas um meio […]tem uma feição nitidamente provisória ou interina…"nota 9 ao artº 381, cpc anot 17ª ed,  Abilio Neto.

A decisão neste domínio nunca é definitiva, é sempre provisória daí que e contrariamente ao decidido no despacho liminar e na jurisprudência citada inexista jamais esse esvaziamento de que se fala da acção quando estamos no domínio cautelar já que a manutenção de uma medida deste tipo irá sempre depender da declaração definitiva da existência ou não do direito.

Quando se fala em "condenar" no procedimento cautelar está-se sempre perante uma "condenação provisória" consistente numa medida antecipatória insusceptível de se confundir com a decisão definitiva pela própria natureza de ambas.

A tudo isto, se soma, o facto de o tribunal não ficar adstrito, à concreta providência solicitada, podendo antes e se for caso disso o tribunal ajustar a medida cautelar à situação de perigo, cfra artº 392º nº3 do CPC e bem assim poder sempre usar da faculdade de condicionar a medida à prestação de caução. (artº 390º nº 2 do CPC)

No caso concreto, destes autos a recorrente invocou como prejuízo de grave e difícil reparação designadamente, os factos articulados nos artigos 133º e seguintes, 166º a 185º

Na verdade vislumbramos aqui por um lado a invocação de factos tendentes a demonstrar a ilicitude da resolução contratual operada artº 9º a 99º com eminência de prejuízos patrimoniais indicados, e bem assim a previsibilidade de, atenta a alegada dependência financeira da requerente, perante a requerida resultante da afectação dos seus próprios meios à execução do contrato dos autos, vir esta a não suportar a demora na acção correndo o risco de insolvência com perda dos 90 postos de trabalho e demais consequências sociais, o que justifica a admissão liminar do procedimento tendo em vista a tutela provisória de tais direitos.

Com fundamento no exposto,

Delibera-se revogar o despacho apelado e determinar que o mesmo seja substituído por outro que ordene a tramitação adequada do procedimento.

Sem custas.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2013

Isoleta Almeida Costa

Carla Mendes

Octávia Viegas

Decisão Texto Integral: