Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | RENATA LINHARES DE CASTRO | ||
| Descritores: | INEXISTÊNCIA DA SENTENÇA PODER JURISDICIONAL PER RECUSA HOMOLOGAÇÃO DÍVIDAS À SEGURANÇA SOCIAL PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 02/25/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO/CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I - Não padece do vício de inexistência jurídica a decisão sumária que tenha sido proferida ao abrigo do artigo 656.º do CPC, porquanto o foi por quem se mostra investido de poder jurisdicional, sendo irrelevante se se encontravam ou não preenchidos os pressupostos que habilitam o relator a fazê-lo (já que sempre as partes poderão reclamar para a conferência). II - No âmbito do PER, à luz do artigo 215.º ex vi do artigo 17.ºF, n.º 7, ambos do CIRE, pode o juiz, oficiosamente, recusar a homologação do acordo quando, não obstante ter sido aprovado em assembleia de credores, do mesmo resulte violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo. III - O plano de revitalização deve respeitar o princípio da igualdade dos credores, com a salvaguarda de este último admitir tratamento diferente para situações, também elas, distintas e desde que assente em critérios objectivos e justificáveis. IV - O princípio da indisponibilidade a que estão sujeitos os créditos da Segurança Social, decorrente do n.º 2 do artigo 30.º da LGT ex vi do artigo 3.º, al. a), do CRCSPSS, impede que sejam os mesmos extintos ou reduzidos fora das situações legalmente previstas para o efeito, impedimento esse que vigora também em sede de PER. V - Contudo, tal proibição não abrange as situações nas quais o plano de revitalização assuma o pagamento total da dívida contributiva (capital e juros), pese embora acompanhado da sua regularização em prestações, desde que respeitados os limites abstractamente consignados nos artigos 189.º e 190.º do CRCSPSS, bem como no artigo 81.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011 de 03/01. VI - Em face do constante do ponto anterior, tendo o plano sido aprovado com respeito pelas maiorias legalmente exigíveis, não obstante o voto desfavorável da Segurança Social, e prevendo o plano, quanto ao crédito desta última, a sua regularização através do pagamento de 72 prestações, mensais e sucessivas, sem extinção ou redução da dívida, estamos em face de uma violação negligenciável, não violadora do referido princípio da indisponibilidade, nessa medida não constituindo impedimento, não só à homologação do plano, mas também à sua vinculação, razão pela qual se assume o mesmo como eficaz perante a credora Segurança Social. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, as Juízas da Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO FP, Lda.. veio intentar o presente processo especial de revitalização, ao abrigo do disposto nos artigos 17.º-A e ss. do CIRE[1], manifestando vontade em encetar negociações conducentes à sua recuperação. Em 30/10/2023 procedeu-se à nomeação de administrador judicial provisório (AJP) – artigo 17.º-C, n.º 5. Em 27/11/2023, a AJP juntou a lista provisória de créditos, a qual foi publicada no próprio dia. A esta lista foi apresentada impugnação pela devedora (em 04/12/2023), a qual foi julgada procedente por decisão de 18/12/2023 (nessa sequência tendo sido determinada a exclusão da sociedade Printing Lovers, Lda. da lista de credores). Findas as negociações, veio a devedora depositar o competente plano de revitalização em 05/02/2024, depósito esse publicitado no portal Citius no dia 19 do mesmo mês - artigo 17.º-F, n.º 1. Foi apresentada nova versão do plano pela devedora em 29/02/2024, cujo anúncio foi publicado no portal Citius no dia 15 do mês seguinte. Não foi requerida a não homologação do plano. Em 27/03/2024, a AJP juntou cópia da acta de apuramento do resultado da votação (ocorrida no dia anterior), concluindo ter sido o plano aprovado, nos termos do artigo 17.º-F, n.º 5, al. b) - “Os credores votantes a favor do Plano oportunamente apresentado, representam 52,58% do total do crédito reclamado, e os votantes contra, representam 2,19% do total do crédito reclamado. // Relativamente aos votantes, os votos a favor, representam 96,00% dos credores votantes e os credores contra, representam 4,00% dos credores votantes”. Entre os credores que votaram contra o plano, consta a Segurança Social – cfr. Deliberação pela mesma emitida e que se mostra junta à acta. Em 24/05/2024[2], a AJP juntou o respectivo Parecer, nos termos previstos pelo n.º 6 do artigo 17.º-F, no qual escreveu: “(…) Da análise ao Plano, destaca-se a determinação da devedora em: // • Aumentar a sua facturação, “trazendo-a” para valores anteriormente já alcançados, antes da Pandemia. // • Redução substancial dos Gastos com Pessoal. // • Diminuição do Prazo Médio de Recebimentos. // • Diminuição do Prazo Médio de Pagamentos. // • Aumentar, por isso, o seu Resultado Operacional. // Durante o horizonte temporal previsto – 72 meses, a devedora, com o aumento da actividade prevista, sobretudo do departamento interno, dedicado a eventos, a devedora FP, Lda. pretende ganhar algum “músculo” financeiro, que lhe permita honrar, quer os compromissos decorrentes da actividade operacional, quer o pagamento da dívida “antiga”, permitindo assim, sua solvência, nomeadamente, apresentando Capitais Próprios positivos no final do período em análise (2028), e por consequência, a sua viabilidade. // Pelas razões supra expostas, adere a signatária ao entendimento da maioria dos credores, que o Plano oportunamente apresentado, deve ser aprovado“. Por sentença proferida em 06/06/2024 foi homologado o plano especial de revitalização, na mesma se tendo decidido: “Face a todo o exposto, homologo por sentença, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 17º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, o plano de recuperação da devedora FP, Lda., pessoa colectiva número xxx, aprovado pelos credores. // A presente decisão vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – n.º 11 do artigo 17º-F do mencionado Código. (…)”. Inconformado com tal sentença, veio o Instituto da Segurança Social, IP interpor RECURSO de apelação, tendo formulado as CONCLUSÕES, que aqui se transcrevem: “1.º No caso concreto, a homologação do plano de revitalização por via da sentença impugnada, inclui o pagamento em prestações de créditos por tributos, sem o acordo da segurança social, constituindo assim, uma violação das normas legais aplicáveis, nomeadamente do artigo 215, º do CIRE e, por tal motivo, deve o juiz recusar oficiosamente a homologação do acordo na parte em que viola regras legais imperativas. 2.º Com efeito, a indisponibilidade dos créditos tributários prevalece sobre qualquer legislação especial, aplicando-se, nomeadamente, aos planos de insolvência/recuperação/pagamento. 3.º Encontra-se também violado na sentença recorrida o princípio da igualdade previsto no artigo 194.º do CIRE, visto que a segurança social não deu o seu consentimento expresso à modificação dos seus créditos, situação que viola a legislação específica da segurança social, bem como a legislação tributária, designadamente com respaldo no artigo 30.º da Lei Geral Tributária, que normativa no sentido de que os créditos da segurança social são indisponíveis. 4.º Desta forma, a solução que cremos ser mais equilibrada e razoável, que permitirá harmonizar os interesses sociais e económicos que o legislador se propôs salvaguardar através da instituição do processo de revitalização, respeitando ainda os compromissos internacionalmente assumidos pelo Estado Português, com a intransigente defesa dos créditos tributários em geral, consiste em fixar a ineficácia relativa à homologação do Acordo de Pagamento no que concerne aos créditos reclamados e aprovados de que é titular o Instituto da Segurança Social I.P. 5.º No sentido apontado, vide o Acórdão do STJ n.º 1311/21.7T8VFX.L1.SI, da 6.ª Secção, prolatado em 17/01/2023. 6.º Além do mais, o plano de revitalização é penalizador para a segurança social uma vez que o número de prestações previsto para regularização da dívida à segurança social afigura-se excessivo. 7.º Nos termos do artigo 190.º, n.º 2, do CRCSPSS, as condições de regularização de dívida propostas no plano apenas podem ser autorizadas se forem indispensáveis para a viabilidade económica da empresa, o que, face ao exposto supra, não se encontra demonstrado. 8.º Não obstante ter sido oportuna e devidamente transmitida à empresa a necessidade de retoma do pagamento das contribuições mensais, a devedora optou por não o fazer e não comunicou qualquer situação passível de justificar tal omissão. 9.º Nos termos do artigo 30.º, n.º 2, da LGT, o crédito tributário - no qual se integra o crédito da segurança social – é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua alteração, redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. 10.º A homologação de um plano que inclua o pagamento em prestações de créditos sem o acordo da segurança social constitui uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis, nos termos do artigo 215.º do CIRE e, por tal motivo, o mesmo deve ser considerado ineficaz para com a segurança social, sendo-lhe inoponível. 11.º Pelo que, de acordo com as antecedentes alegações sustentamos a declaração da ineficácia do plano face à segurança social uma vez que o Instituto da segurança social I.P., não deu o seu consentimento expresso à modificação dos seus créditos, situação que viola a legislação específica da segurança social, bem como a legislação tributária, designadamente o artigo 30.º, da Lei Geral Tributária, que refere que os créditos da segurança social são indisponíveis. Termos em que, no provimento do Recurso deve decretar-se a decisão que homologou o plano de revitalização é ineficaz, em relação ao crédito da segurança social, não sendo por isso oponível ao Recorrente. Com o que se fará, JUSTIÇA!.” Pela devedora foram apresentadas CONTRA-ALEGAÇÕES, formulando as seguintes conclusões: “a) O Recorrente pretende que se decrete que a decisão que homologou o plano de revitalização é ineficaz em relação ao crédito da segurança social, não lhe sendo oponível. b) Mas o plano de revitalização ora aprovado não prejudica nenhum credor nem viola o princípio da igualdade entre credores. c) Não existe violação não negligenciável de normas legais. d) O plano foi aprovado com elevada maioria, não prevê perdão de quantias e teve parecer favorável da Sra. Administradora. e) A homologação do plano não prejudica os credores, a ineficácia do plano perante credores pontuais é que tem o potencial de prejudicar a revitalização do devedor. f) O artigo 215º do CIRE não se mostra violado com a homologação do plano. g) Existindo violação, o que não se admite, essa violação não é grave e não é fundamento para recusa de homologação, nem para perda de eficácia perante alguns credores. Nestes termos, E nos mais de direito aplicável, deverá negar-se provimento ao recurso de apelação apresentado pelo Recorrente e manter-se a homologação do plano de revitalização do devedor com eficácia em relação a todos os credores, nos exactos termos da sentença do tribunal a quo. ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA” Recebido o recurso, por decisão sumária de 13/01/2025, proferida pela Relatora ao abrigo dos artigos 652.º, n.º 1, al. c), e 656.º, ambos do CPC, foi a apelação julgada improcedente, mantendo-se a decisão recorrida. Não se conformando com tal decisão, a apelante reclamou para a conferência, arguindo a “inexistência jurídica da decisão sumária”, pugnando pela prolação de acórdão em conferência Para tanto alegou: “1. Salvo o devido respeito por diferente opinião, no nosso entendimento, a decisão sumária proferida nestes autos não cumpre os requisitos legais do artigo 656.º do CPC, porque a questão a decidir não é simples, a matéria é controvertida, e a maioria da jurisprudência ao contrário do sustentado naquela decisão é favorável à ineficácia do plano em relação à segurança social quando esta entidade se opõe ao plano, e vota contra. // 2. Por isso, mesmo que a 1.ª Secção do Comércio do TRL, tenha vindo a tratar a questão objeto do recurso de apelação de forma uniforme, a maioria da jurisprudência sustenta inversamente que a homologação de um PEAP que inclua o pagamento em prestações de créditos sem o acordo da segurança social, constitui uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis, nos termos do artigo 215º do CIRE e, por tal motivo, deve o juiz recusar oficiosamente a homologação do acordo na parte em que viola regras legais imperativas. // 3. Nesse sentido, a solução mais equilibrada, adequada e curial que permitirá, simultaneamente, harmonizar os relevantes interesses sociais e económicos que o legislador se propôs salvaguardar através da instituição do processo de revitalização, reforçados através de compromissos assumidos internacionalmente pelo Estado Português, com a imperativa e intransigente defesa dos créditos tributários em geral, consiste em fixar ineficácia relativa à homologação da aprovação do plano de revitalização no que concerne aos créditos de natureza tributária reclamados e de que é titular o Instituto da Segurança Social I.P. // 4. Ou seja, o plano de revitalização produzirá todos os seus efeitos, viabilizando o prosseguimento da atividade económica e comercial da empresa e satisfazendo os interesses dos credores na exata medida acordada e por eles aceite, à exceção daqueles que teriam reflexo na esfera jurídica do Instituto da Segurança Social, I.P., enquanto entidade titular de créditos de natureza tributária, ao qual não serão oponíveis, permanecendo intangíveis e imodificáveis no seu conteúdo. // (…) 8. Consideramos, assim, também por razões de desejável uniformidade decisória, incluindo no seio dos Tribunais de Relação, que o diferimento temporal consubstanciado num plano de pagamentos em prestações dos créditos da segurança social, com a oposição desta, constitui uma moratória não autorizada e envolve modificação de tais créditos, traduzindo-se numa violação não negligenciável do princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais. // 9. Razão pela qual, inexiste fundamento para decretar a eficácia do plano também quanto aos créditos reclamados pela segurança social, e por maioria de razão, este recurso de apelação deve ser julgado em conferência, mediante acórdão, em formação alargada, dado que a segurança social está prejudicada pela decisão sumária cujo objeto não é de simples decisão e muito menos a temática tratada de forma uniforme na jurisprudência – pelo que a decisão sumária é juridicamente inexistente visto ter sido proferida fora dos pressupostos legais que alegadamente a conformariam, vale dizer, desenquadrada do âmbito do artigo 656.º do CPC. // 10. Assim, no caso concreto, a decisão sumária é um mero ato material, um ato inidóneo para produzir efeitos jurídicos, um simples estado de facto com a aparência de decisão, mas absolutamente insuscetível de vir a ter eficácia jurídica, tudo se passando como se não tivesse sido produzido. // 11. Consequentemente, decisão sumária do recurso proferida supostamente ao abrigo do artigo 656.º do CPC, estando injustificada, comporta o vício de inexistência jurídica, não produz efeitos, sendo a invalidade dos atos mais relevante do que as próprias nulidades principais, é insanável, e pode ser conhecida a todo o tempo, sendo também de conhecimento oficioso. // 12. Nesse sentido, arguimos expressamente a inexistência jurídica da decisão sumária. // 13. Decretada a inexistência jurídica devem os autos tramitar normalmente com apreciação do recurso de apelação mediante acórdão a proferir em conferência. (…)”. A devedora apresentou resposta, refutando o alegado pela apelante e defendendo a desnecessidade de remessa do processo para conferência. Foram colhidos os vistos legais e agendada e realizada a conferência. Cumpre apreciar e decidir de acordo com o disposto no artigo 652.º, n.º 3, do CPC. * II – DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC. Assim, as questões a decidir são: - Aferir se a decisão sumária proferida em 13/01/2025 padece do vício de inexistência jurídica; - Aferir se a sentença que homologou o plano de revitalização deverá ser alterada no sentido de ser declarada a ineficácia do plano quanto ao crédito da apelante, por violação do princípio da igualdade e da legalidade tributária. * III – FUNDAMENTAÇÃO FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Para além dos factos e ocorrências processuais constantes do relatório supra enunciado, mostra-se igualmente provado nos autos que: 1. A requerente é uma sociedade por quotas, com o capital social de 20.000,00€, cujo objecto social consiste em: “Prestação de serviços na área da produção gráfica. Consultoria, comércio de artigos conexos e matérias-primas para a produção gráfica, formação profissional, controlo de qualidade e diversos serviços na área da pré-impressão”. 2. Da lista credores consta o Instituto da Segurança Social, IP, com um crédito reclamado de 16.796,15€ (sendo 16.296,41€ de capital e 499,74€ a título de “juros, coimas e custas”). 3. O plano de recuperação apresentado pela devedora em 29/02/2024 estatui: “No Plano de Recuperação agora proposto, a base fundamental centra-se no diferimento do pagamento do serviço da dívida vencida por forma a dar o tempo suficiente à sociedade de gerar cash-flow operacional para que possa proceder à liquidação total das dívidas sem colocar em causa a solvência da empresa tendo como data para aplicabilidade a data do trânsito em julgado do presente plano. Neste contexto, são estes os pressupostos de base a ter em conta para a recuperação da sociedade e para pagamento total da dívida da FP, Lda.: a) Não serão solicitados, a qualquer tipo de credor da sociedade, perdões de dívida. b) Dívida bancária, incluindo a de locação financeira, que se mantém em vigor: proceder à liquidação total do capital e juros, à taxa de juro de 3,5%, sem carência de capital, de acordo com o plano já acordado com a Lisgarante, nas condições de 72 prestações crescentes durante 6 anos e conforme %´s abaixo discriminadas: O plano é concretizado da seguinte forma: // → No primeiro ano serão pagas 12 prestações mensais e sucessivas cada uma correspondendo a 1/12 avos de 5% da dívida. // → No segundo ano serão pagas 12 prestações mensais e sucessivas cada uma correspondendo a 1/12 avos de 12% da dívida. // → No terceiro ano serão pagas 12 prestações mensais e sucessivas cada uma correspondendo a 1/12 avos de 18% da dívida. // → No quarto ano serão pagas 12 prestações mensais e sucessivas cada uma correspondendo a 1/12 avos de 20% da dívida. // → No quinto ano serão pagas 12 prestações mensais e sucessivas cada uma correspondendo a 1/12 avos de 22% da dívida. // → No sexto ano serão pagas 12 prestações mensais e sucessivas cada uma correspondendo a 1/12 avos de 23% da dívida. c) Dívida aos restantes credores proceder à liquidação total do capital em conformidade com o plano previsto na alínea anterior, ou seja, através de um pagamento a 72 meses em prestações crescentes para a dívida vencida tal como discriminado no ponto anterior. d) Dívida à Segurança Social: proceder à liquidação do valor em dívida no prazo e condições definidas para todos os credores, a saber, 72 prestações crescentes durante 6 anos e conforme % definida a b) do presente ponto. e) Os créditos subordinados não são considerados para efeitos de reembolso do passivo da empresa (equiparável a um perdão total de dívida). f) Cláusula de “salvo regresso de maior fortuna” entendendo-se que a mesma se consubstancia que caso venham a registar-se resultados antes do esperado, 50% de tais resultados serão alocados ao cumprimento do serviço da dívida, acelerando o seu reembolso em conformidade com o que acima ficou dito. g) Não haverá lugar à distribuição de dividendos durante a vigência do plano de revitalização. A sociedade manterá a sua atividade, sendo certo que a não aprovação do presente plano de recuperação e a manutenção da sociedade sem qualquer providência de recuperação conduziria, quase de certeza, à insolvência da sociedade (…)”. * FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Da invocada inexistência jurídica da decisão sumária proferida pela Relatora: Defende a recorrente que a decisão sumária proferida pela Relatora padece de inexistência jurídica, porquanto não cumpre os requisitos legais do artigo 656.º do CPC (argumentando não ser simples a questão a decidir, a matéria ser controvertida e a posição maioritária do STJ ser contrária à defendida). Trata-se de alegação destituída de qualquer fundamento, como se passará a demonstrar. Recorrendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis[3], sentença inexistente é o acto que não reúne o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter eficácia jurídica própria de uma sentença (“A sentença inexistente é um mero acto material, um acto inidóneo para produzir efeitos jurídicos, um simples estado de facto com aparência de sentença, mas absolutamente insusceptível de vir a ter a eficácia jurídica de sentença”). E, esclarece, os casos de sentença inexistente são três: a) falta do juiz – sendo o caso mais típico o de ter a sentença sido lavrada por pessoa que não tem poder algum jurisdicional, nem conferido pelo Estado, nem conferido pelos interessados mediante compromisso arbitral; b) faltam as partes – omissão do nome das partes ou indicação como partes de pessoas imaginárias ou supostas; e c) não há decisão – se o magistrado, em vez de emitir um comando, uma verdadeira decisão, se limita a exprimir um parecer, ou a expor dúvidas, é evidente que não existe sentença no sentido jurídico. Também Antunes Varela[4] defendia idêntica posição, reduzindo a três os casos de inexistência da sentença – “a) não provir a sentença de pessoa investida do poder jurisdicional; b) ser o acto emitido a favor de ou contra pessoas fictícias ou imaginárias; c) não conter a sentença uma verdadeira decisão ou conter uma decisão incapaz de produzir qualquer efeito jurídico”. Como é por demais evidente, nenhuma destas situações se verifica. O vício da inexistência jurídica pressupõe, na verdade, no que aqui interessa, que o autor da decisão não esteja pessoal ou funcionalmente investido ou provido de jurisdição ou competência (falta de poder jurisdicional), o que não é o caso. A tal conclusão não obsta o facto de a recorrente referir não estarmos em face de uma questão simples, a qual se assume antes como controvertida, não tendo a decisão proferida nos autos aderido à posição maioritariamente defendida pelo STJ. Tais argumentos permitirão tão somente impugnar a decisão sumária, agora perante o tribunal colectivo, o que, aliás, a recorrente fez. Aliás, assim não tendo sucedido, sempre aquela decisão se revestiria de carácter definitivo e vinculativo no âmbito do processo no qual foi proferida. Por fim, como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa[5], “Considerando que as partes podem reclamar, com ou sem fundamento, (…) para a conferência, acaba por ser inócua a discussão sobre a verificação dos pressupostos que habilitam o relator a proferir decisão sumária”. Termos em que se julga improcedente o invocado vício de inexistência jurídica. Do mérito da apelação: Iremos reproduzir o que na decisão sumária foi consignado. O procedimento especial de revitalização (PER) tem como destinatários os devedores que se encontrem em situação de crise financeira (seja por se encontrarem com sérias dificuldades no cumprimento das respectivas obrigações por falta de liquidez ou crédito, seja por se encontrem numa situação de insolvência iminente), mas ainda susceptíveis de viabilização/recuperação. Visa, pois, facilitar e promover a recuperação efectiva de empresas economicamente viáveis. Trata-se de um processo com natureza híbrida, porquanto, não obstante apresentar uma fase extrajudicial (de negociação com os credores), implica que posteriormente exista um controlo judicial – seja aquando do conhecimento e decisão das impugnações à lista de créditos, seja na admissão/rejeição do plano, seja, por fim, em sede de homologação/não homologação desse plano. Uma vez aprovado o plano (como aqui sucedeu), diz-nos o artigo 17º-F, nº 7, que “Nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º, e aferindo: a) Se o plano foi aprovado nos termos do n.º 5; // b) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, os credores inseridos na mesma categoria são tratados de forma igual e proporcional aos seus créditos; // c) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, as categorias votantes discordantes de credores afetados recebem um tratamento pelo menos tão favorável como o de qualquer outra categoria do mesmo grau, e mais favorável do que o de qualquer categoria de grau inferior; // d) Que nenhuma categoria de credores, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, pode, no âmbito do plano de recuperação, receber nem conservar mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos; // e) Se a situação dos credores ao abrigo do plano é mais favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa, caso existam pedidos de não homologação de credores com este fundamento; //f) Se aplicável, que qualquer novo financiamento necessário para executar o plano de reestruturação não prejudica injustamente os interesses dos credores; // g) Se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma”. Dos artigos mencionados neste preceito, passar-se-á a transcrever os que assumem relevância para o conhecimento do presente recurso. - Artigo 194.º: “1 - O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas. 2 - O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável. 3 – (…)“[6]. - Artigo 195.º: “1 - O plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência. 2 - O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente: (…) i) A indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação.”; - Artigo 196.º: “1 - O plano de insolvência pode, nomeadamente, conter as seguintes providências com incidência no passivo do devedor: a) O perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, com ou sem cláusula ‘salvo regresso de melhor fortuna’; b) O condicionamento do reembolso de todos os créditos ou de parte deles às disponibilidades do devedor; c) A modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos; d) A constituição de garantias; e) A cessão de bens aos credores. 2 – (…).”[7] Já segundo o artigo 215.º, “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devem preceder a homologação”. O juiz pode, ainda, recusar a homologação caso algum credor (que tenha já manifestado nos autos a sua oposição) assim o solicite – artigo 216.º[8]. No caso sub judice, a recorrente não efectuou qualquer solicitação nesse sentido, pelo que apenas relevará o artigo 215.º, ou seja, saber se o plano incorre em violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo (dispositivo do plano de revitalização e princípios imperativos que lhe devam estar subjacentes). Segundo Carvalho Fernandes e João Labareda[9], “Normas procedimentais são, pois, todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes (…) e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado. Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.” Salientando os mesmos autores: “(...) não são negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido. (...) O que importará é, pois, sindicar se a nulidade observada é suscetível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição de credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta -, tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável”. Importa, então, aferir se, como defende a apelante, as medidas constantes do plano de revitalização desrespeitam o princípio da igualdade e da legalidade, sendo violada alguma norma imperativa ou que apenas com o consentimento do afectado possa ser derrogada. Ocorrerá violação do princípio da igualdade caso o plano preveja um tratamento desfavorável de um ou mais credores face aos demais e sem que tal medida (tratamento diferenciado) esteja assente em razões objectivas. Na presente situação não vislumbramos que o princípio da igualdade tenha sido violado, porquanto o crédito da recorrente não mereceu um tratamento desfavorável com relação aos demais créditos. Como resulta do plano de revitalização, não ocorreu qualquer extinção ou redução da dívida reclamada pela recorrente (seja quanto ao capital, seja quanto a juros), apenas tendo sido previsto o seu pagamento fraccionado em 72 prestações. Aliás, esse foi igualmente o procedimento adoptado para todos os créditos. Acresce que a recorrente, quer em sede de motivação, quer em sede de conclusões de recurso, nenhuma razão avança/concretiza para justificar qualquer violação do princípio da igualdade, qualquer tratamento desfavorável relativamente aos demais credores. Nenhuma violação ocorreu, pois, com relação ao previsto no artigo 194.º do CIRE.[10] Mas violará o plano homologado alguma norma imperativa, designadamente, como invocado pela recorrente, o artigo 30.º, n.º 2 e 3 da LGT?[11] No que concerne aos créditos tributários, consagra esta norma o chamado princípio da indisponibilidade, ao estatuir no seu n.º 2 que “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e legalidade tributária”. Já o seu n.º 3 (aditado pelo artigo 123.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 - Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2011), acrescenta que “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”.[12] O invocado princípio encontra-se, ainda, reflectido no artigo 36.º da mesma Lei, o qual prescreve: “(…) 2 - Os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes. 3 - A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei. (…)”.[13] Entende a recorrente ter sido violado o princípio da indisponibilidade dos créditos do Estado, sob o argumento de que o diferimento dum crédito público só poderá ocorrer com a anuência da própria instituição pública. E, sendo o crédito da segurança social um crédito tributário, o mesmo assume natureza indisponível, “só podendo fixar-se condições para a sua alteração, redução ou extinção, com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”. Assim, conclui, a homologação de um plano que inclua o pagamento em prestações de créditos sem o acordo da segurança social (o qual é exigido pelos artigos 190.º e ss. do CRCSPSS[14]) constitui uma violação não negligenciável das normas legais, nos termos do artigo 215.º do CIRE, como tal devendo ser considerado ineficaz para aquela, sendo-lhe inoponível. Mais acrescenta não terem sido os seus interesses devidamente acautelados, afigurando-se o número de prestações excessivo, e não ter sido demonstrado que tal pagamento prestacional seja indispensável à viabilidade económica da empresa (n.º 2 do referido artigo 190.º). [15] Será assim? A tutela do crédito tributário apresenta-se, sem dúvida, munida de natureza imperativa, obstando a que o tribunal homologue um PER quando o mesmo implique afectação, pela modificação restritiva do seu conteúdo, dos créditos tributários reclamados e reconhecidos.[16] Como refere Suzana Tavares da Silva[17], não se justifica “afastar do processo de insolvência a aplicação dos artigos 30.º, n.º 2 e 36.º, n.º 3 da LGT, e do artigo 85.º do CPPT, o que seria não só ilegal, por violar directamente os preceitos legais acabados de mencionar, mas ainda violador dos mais elementares critérios de juridicidade que informam o direito tributário (princípio da igualdade na contribuição para os encargos públicos) e o direito económico europeu (princípio da concorrência e da proibição de auxílios de Estado). (…) Em nosso entender, o aditamento do n.º 3 ao artigo 30.º à LGT não trouxe qualquer conteúdo inovador, devendo mesmo considerar-se uma norma de carácter interpretativo, pois a solução nele vertida defluía já dos princípios jurídicos fundamentais ordenadores no nosso sistema jurídico e dos princípios constitucionais que conformam o Estado fiscal. (…) Aliás, a nosso ver, o regime da indisponibilidade do crédito tributário, por consubstanciar uma expressão legal do princípio fundamental da igualdade na contribuição para os encargos públicos é, em si, um regime tendencialmente indisponível para o próprio legislador, que apenas se encontra legitimado para estipular excepções a ele na medida em que circunstâncias excepcionais de conjuntura económica assim o justifiquem.” Começaremos por referir que o facto de a Segurança Social ter votado contra a aprovação do plano, por si só, não acarreta a ilegalidade do mesmo.[18] Apenas ocorrerá ilegalidade do plano no caso de o mesmo não respeitar os legais requisitos e limites impostos em matéria de extinção e redução das dívidas fiscais e contributivas.[19] Vejamos, então, se as medidas aprovadas pelo plano violam os limites dos requisitos atinentes à regularização de dívidas ao Estado. Para tanto, impõe-se trazer à colação as seguintes normas do CRCSPSS: - artigo 186.º: “1 - A dívida à segurança social é regularizada através do seu pagamento voluntário, nos termos previsto no presente Código, no âmbito da execução cível ou no âmbito da execução fiscal. (…)” - artigo 189.º: “1 – O diferimento do pagamento da dívida à segurança social, incluindo os créditos por juros de mora vencidos e vincendos, assume a forma de pagamento em prestações. (…)”. - artigo 190.º: “1 - A autorização do pagamento prestacional de dívida à Segurança Social, a isenção ou redução dos respetivos juros vencidos e vincendos, só é permitida nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte e das regras aplicáveis ao processo de execução fiscal. 2 - As condições excepcionais previstas no número anterior só podem ser autorizadas quando, cumulativamente, sejam requeridas pelo contribuinte, sejam indispensáveis para a viabilidade económica deste e desde que o contribuinte se encontre numa das seguintes situações: a) Processo de insolvência, de recuperação ou de revitalização; (…). 3 - Para efeitos do disposto no número anterior, o incumprimento do pagamento das contribuições mensais desde a data de entrada do requerimento constitui indício da inviabilidade económica do contribuinte. (…) 6 – (…) a autorização a que se refere o n.º 1 do presente artigo é concedida por deliberação do conselho directivo do Instituto de Gestão Financeira, I.P. (IGFSS,I.P.). (…)” - artigo 191.º: “As condições de regularização da dívida à segurança social não podem ser menos favoráveis do que o acordado para os restantes credores.” - artigo 203.º: “As dívidas à segurança social podem ser garantidas através de qualquer garantia idónea, geral ou especial, nos termos dos artigos 601.º e seguintes do Código Civil”. Bem como o artigo 81.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011 de 03/01[20]: “1 - O diferimento do pagamento da dívida à segurança social, incluindo os créditos por juros de mora vencidos e vincendos, assume a forma de pagamento em prestações mensais, iguais e sucessivas, com o limite máximo de 150. 2 - O número de prestações autorizado para o pagamento depende: a) Da capacidade financeira do contribuinte; b) Do risco financeiro envolvido; c) Das circunstâncias determinantes da origem das dívidas; d) Do grau de liquidez da garantia. 3 - A taxa de juros vincendos a aplicar no âmbito de pagamentos prestacionais autorizados pode ser reduzida em função da idoneidade da garantia. (…).” Reportando tais preceitos ao caso concreto, uma vez mais, somos forçadas a discordar da posição defendida pela apelante, quando sustenta que, quanto a si, terá a decisão proferida pelo tribunal a quo que ser considerada ineficaz. É que apenas lhe assistiria razão na eventualidade de estarmos perante alguma violação não negligenciável nos moldes aludidos pelo artigo 215.º, o que não é o caso. Com efeito: - As medidas aprovadas revelam-se imprescindíveis para que a devedora possa recuperar financeiramente – assim o afirma expressamente a AJP, o que sai reforçado pela posição dos credores que votaram favoravelmente o plano (o que, como referido na sentença, constitui “indício de aptidão do acordo para garantir a viabilidade da empresa”) e a apelante, não obstante alegar o contrário, sequer concretizou o porquê de assim o referir; - É facto incontroverso que não se estipulou qualquer extinção ou redução do crédito da SSocial (nem do capital, nem de juros), mas apenas uma mera modificação dos prazos de pagamento desse mesmo crédito - sendo que o artigo 30.º, n.º 2 só refere as hipóteses de redução ou extinção do crédito; - Pese embora a apelante tenha votado contra a aprovação do plano de recuperação (não dando o seu acordo ao pagamento da dívida em prestações nos moldes previstos), o certo é que tal possibilidade é legalmente admitida pelos artigos 189.º e 190.º do CRCSPSS e 81.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011; - O número de prestações previstas no plano (72) contém-se dentro do limite máximo permitido pelo mesmo artigo 81.º (em abstracto, são legalmente admissíveis 150 prestações); - A falta de autorização da Segurança Social não constitui violação de qualquer norma imperativa, apenas podendo, quanto muito, traduzir violação de uma norma procedimental (sem que, no entanto, apenas com fundamento nessa falta de autorização, se possa afirmar inexistir salvaguarda dos créditos tributários e da indisponibilidade de que os mesmos beneficiam). Ora, se assim é, mau grado a discordância da Segurança Social, e não se ignorando que o pagamento em prestações tem de ser autorizado nos termos que resultam do artigo 190.º, n.º 1 e 6 do CRCSPSS, a verdade é que sempre tal incumprimento configurará um vício negligenciável para os efeitos previstos pelo artigo 215.º, já que não ocorre qualquer compressão do crédito tributário da recorrente (diferente seria se o plano previsse a extinção ou a redução do seu crédito). Não se compreende, assim, como pode a apelante argumentar que os seus interesses não se encontram devidamente acutelados, bem como que o plano prestacional se assume como excessivo[21]. Por fim, dir-se-á que o n.º 3 do artigo 30.º da LGT não faz depender a aprovação e a validade do acordo de pagamento do voto favorável da Segurança Social, pois que tal transformaria o mesmo num voto de qualidade e, consequentemente, num verdadeiro direito de veto. A indisponibilidade a que faz alusão a lei é relativa ao crédito e às condições legais previstas para a sua extinção ou modificação, e nada tem que ver com o carácter do voto em si, nos termos do qual a Segurança Social se assume como outro qualquer credor (reportando-se a autorização prevista na lei apenas aos procedimentos administrativos). O plano não contém qualquer medida que acarrete a produção de um resultado que a lei não autoriza (como sucederia se se tivesse previsto um número de prestações superior a 150), nem que interfira com a justa salvaguarda dos interesses/posição da Segurança social. Diga-se, na verdade, que não se nos afigura que a vinculação da apelante ao plano homologado se revele excessiva ou desproporcionada, como também não resulta que a sua situação tenha assumido maior fragilidade, menor protecção, com tal homologação (isto é, que, desse plano, resulte para a mesma uma situação menos favorável do que aquela que teria caso o mesmo não fosse homologado[22]), tanto mais que a mesma, nas suas alegações recursórias, não invocou qualquer facto que permitisse a esta Relação concluir nesse sentido. O entendimento agora defendido já o foi no âmbito dos acórdãos de 17/05/2024 (Proc. n.º 919/23.0T8BRR-B.L1, ao que se julga não publicado) e de 22/02/2022 (Proc. n.º 10646/21.8T8LSB-A.L1), ambos da mesma relatora, remetendo-se para o segundo para efeitos da jurisprudência[23] e doutrina que no mesmo se mostram citadas[24]. Uma última nota: Alega a recorrente que “[n]ão obstante ter sido oportuna e devidamente transmitida à empresa a necessidade de retoma do pagamento das contribuições mensais, a devedora optou por não o fazer e não comunicou qualquer situação passível de justificar tal omissão” (conclusão 8.ª). A recorrida não se pronunciou quanto a tal alegação. Ora, não obstante a deliberação junta pela Segurança Social aquando da sua declaração de voto aludisse a tal questão – na mesma se podendo ler: “A empresa não efetuou o pagamento da totalidade das contribuições mensais devidas, o que, nos termos do artigo 190.º, n.º 3, do (…) CRCSPSS), constitui indício da sua inviabilidade económica e viola o disposto no artigo 42.º do mesmo Código. Com efeito, não se afigura credível que uma empresa que, na pendência do PER, não retomarem o pagamento das suas obrigações correntes para com a segurança social o irá fazer após este processo” -, sobre a mesma não se pronunciou a sentença recorrida. Estamos, pois, em face de uma questão nova que, por não ser de conhecimento oficioso, se mostra arredada do objecto do recurso, no mesmo não podendo ser apreciada, tanto mais que nenhum vício por omissão de pronúncia foi suscitado. Com efeito, visando o recurso impugnar uma qualquer decisão judicial, apenas poderá versar sobre matéria que tenha sido já apreciada (não podendo o tribunal ad quem ser confrontado com questões novas, salvo se as mesmas forem de conhecimento oficioso e ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado). Acresce que, no caso, sequer foi alegado que contribuições estarão em dívida (momento em que terá sido cessado tal pagamento e valor em dívida) pelo que, a assim ter sucedido, sempre tal factualidade poderia e deveria ter sido invocada em momento anterior (junto da 1.ª instância), desde logo em face das possíveis consequências que poderia acarretar para o desfecho do processo (tendo em conta o que resulta do artigo 190.º, n.º 3 do CRCSPSS e do artigo 81.º, n.º 2 do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, os quais foram já transcritos supra). Em síntese, não obstante ser inquestionável a natureza indisponível do crédito da apelante Segurança Social, uma vez que as medidas previstas no plano de revitalização para a regularização do mesmo respeitam os limites abstractamente previstos no regime geral contributivo, não ocorrendo qualquer redução ou extinção da dívida, considerando ainda os fins visados pelo PER e a justa medida exigível à prossecução e alcance dos mesmos, concluiu-se pela eficácia do plano homologado também com relação a ela. Sendo este o teor da decisão sumária proferida nos autos, a qual se mantém, mas considerando a alegação da recorrente no sentido de não ser esse o entendimento maioritário do STJ, cumpre citar o acórdão 01/10/2024[25], desta mesma Secção do Comércio, o qual se subscreve e que se passará a transcrever: “A posição maioritariamente seguida pelo STJ (…) passa pelo reconhecimento de que existe uma violação não negligenciável de normas, com subsequente atenuação dos efeitos que resultam desse mesmo reconhecimento, pela via da homologação do plano de recuperação com ressalva da sua ineficácia relativamente aos créditos tributários cujos titulares não tenham autorizado a sua afetação pelo plano aprovado. // Neste sentido cita-se, por todos, o Ac. do STJ de 09.06.2021, proc.º n.º 1412/20.9T8VNF.G1.S1 (rel. Luís Espírito Santo), que, tendo por incontornável que a intervenção legislativa que esteve na origem do n.º3 do artigo 30º da LGT evidencia, “pela sua assertividade, de forma clara e inequívoca, o carácter imperativo conferido à tutela do crédito de natureza tributária, com consequente impossibilidade de homologação pelo tribunal do plano de recuperação que se traduza numa afectação, pela modificação restritiva do seu conteúdo, dos créditos de natureza tributária que foram reclamados e reconhecidos” – suporte da violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, nos termos e para os efeitos do artigo 215º do CIRE -, refere que “a solução mais equilibrada e curial, que permitirá harmonizar os interesses sociais e económicos que o legislador se propôs salvaguardar através da instituição do processo de revitalização, respeitando ainda os compromissos internacionalmente assumidos pelo Estado Português, com a intransigente defesa dos créditos tributários em geral, consiste em fixar a ineficácia relativa à homologação do plano de revitalização no que concerne aos créditos reclamados e aprovados de que é titular o Instituto da Segurança Social”, desse modo aproveitando “à recuperanda e seus credores na medida do acordado, com excepção daqueles que teriam reflexo na esfera jurídica do Instituto da Segurança Social, enquanto entidade titular de créditos de natureza tributária, ao qual não serão oponíveis, permanecendo estes intangíveis e imodificáveis no seu conteúdo”. (…) // Entendimento diverso tem sido seguido por esta secção do Tribunal da Relação de Lisboa (…), que tem vindo quase unanimemente a considerar que o plano votado desfavoravelmente pela Segurança Social ou pela Autoridade Tributária não origina a inevitabilidade da sua ilegalidade, que ocorrerá tão-só quando o plano não respeite os requisitos ou limites da extinção ou redução das dívidas fiscais ou contributivas nos termos em que estas são legalmente autorizadas, independentemente do sentido de voto - favorável ou desfavorável - daqueles credores (…). // O distinto sentido da jurisprudência citada, num quadro paralelo em que a incidência do plano sobre o crédito da segurança social não acarreta qualquer redução ou extinção deste último, contendo-se as condições de faseamento do pagamento nos limites previstos pelo art.º 81.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03.01, reflete-se na necessária opção entre a presença de uma violação negligenciável ou, em alternativa, não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, sendo a 1ª opção a que tem vindo a ser seguida por esta secção e a 2º a seguida pelo STJ. // A jusante, quando se conclua inegavelmente pela presença de uma violação não negligenciável de normas, não existe dissenso relevante quanto à solução de ineficácia relativa do plano em relação ao credor tributário. // Contudo, e com todo o respeito pela opinião contrária, o tratamento teórico da questão apenas pela via da limitação dos seus efeitos (com consequente alteração do plano de recuperação originalmente aprovado), não produzirá, na prática, uma relevante diferença em relação a um plano cuja homologação seja recusada, sendo antecipável que o peso do crédito tributário, caso veja o seu pagamento ser exigido de uma só vez, quase inevitavelmente acarretará a impossibilidade de cumprimento das obrigações assumidas pela devedora perante os demais credores. // Por outras palavras, como refere Catarina Serra (in Lições de Direito da Insolvência, 2.ª ed., Coimbra, 2021, p. 446), o plano que vem a ser homologado pode ter perdido a sua aptidão para realizar a recuperação no caso concreto, sugerindo que a homologação do plano com eficácia relativa fique condicionada à renovada aprovação por parte dos credores privados que incidiria sobre o «“novo” plano de recuperação (o plano relativizado nos seus efeitos ou reduzido. A homologação deveria, com efeito, ficar condicionada à confirmação de que, apesar de todas as vicissitudes sofridas, o plano continuava a ser desejado pela generalidade dos credores privados e ter utilidade como via para a realização da recuperação da empresa”, prática que, segundo refere a citada autora, já tem vindo a seu adotada por alguns tribunais de 1ª instância. // A quase totalidade da jurisprudência que aprecia esta matéria dirige uma apreciação crítica à posição assumida pelo legislador por ocasião do aditamento do n.º 3 ao art.º 30º da LGT, efetuada com o propósito de erigir em torno dos créditos do Estado uma sólida muralha defensiva, impedindo terceiros de interferirem com a definição do modo e tempo de pagamento dos créditos por si titulados. // O mesmo legislador que preconiza a sua preferência pela recuperação da empresa (art.º 1º, n.º 1 do CIRE), altera a legislação fiscal de modo passível de transformar a mera manifestação de vontade do Estado num obstáculo insuperável a essa mesma recuperação, ainda que esta seja desejada por todos os demais credores, qualquer que seja o peso relativo dos seus créditos, muitas vezes superior ao do Estado, a quem é exigido um menor sacrifício. // Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 19.12.2023 (rel. Artur Dionísio Oliveira) já mencionado supra, “esta solução legislativa foi alvo de duras críticas, por equiparar a insolvência a uma mera execução fiscal, na medida em que permite ao Estado actuar como um simples reclamante de créditos, mantendo-se à margem do esforço desenvolvido no processo pelos demais credores, que contribuem para a recuperação da empresa abdicando dos seus créditos, escudado em leis que contrariam o seu compromisso de contribuir para a recuperação das empresas, ao que acresce a circunstância de, muitas vezes, o Estado se situar entre os maiores credores, pelo que a intangibilidade total dos seus créditos compromete definitivamente as possibilidades de recuperação da empresa”. // No caso em apreço (como noutros casos tratados em acórdãos dos tribunais superiores), tal como é reconhecido no ponto 19. das conclusões da apelante, a razão fundamental invocada pela segurança social para emitir um voto desfavorável à homologação do plano, não assenta no conteúdo concreto do plano ou na circunstância de existir uma inaceitável alteração do seu crédito, mas sim no facto de a empresa não ter retomado o pagamento das contribuições mensais devidas por ocasião da apresentação do requerimento inicial de PER, facto que, nos termos do art.º 190º, n.º 3 do CRCSPSS, constitui indício da sua inviabilidade económica, (…). // O argumento parece-nos ser de parco peso, gerando a aparência de que a segurança social assume um mero indício previsto na lei como verdadeira presunção inilidível de inviabilidade económica. Se é indiscutível que o referido indício tem previsão legal, não será de esperar que uma empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente – art.º 17º-A, n.º 1 do CIRE - e que, por esse motivo, recorre a um PER para obter, pela via da negociação com os seus credores, um conjunto de medidas que aliviem o peso que a acumulação e dimensão das dívidas vencidas representa para a sua capacidade de prosseguir a atividade lucrativa, dê entrada a um PER e, de imediato, inicie o pagamento das contribuições à Segurança Social com que, até àquela data, não logrou cumprir, facto que gerou a acumulação de uma dívida com a dimensão do crédito reclamado. Essa expectativa de retoma do pagamento será razoável após a homologação do plano, mas pouco fundada – em termos gerais ou como suporte abstrato da previsível inviabilidade económica da empresa - quando reportada ao momento temporal em que o requerimento inicial de PER dá entrada em juízo. // Um relevante conjunto de argumentos que salientam a atuação algo censurável do Estado (com maior frequência, a segurança social (…) são adiantados no voto de vencido lavrado pelo Conselheiro António Barateiro Martins no Acórdão do STJ de 17.10.2023, processo n.º 2395/22.6T8STR.E1.S1, divergindo daquela que tem vindo a ser a posição quase unânime da 6ª secção do STJ. // No referido voto de vencido diz-se que o texto do art.º 215º, n.º 1 do CIRE não acolhe a solução de ineficácia relativa, referindo-se «a nosso ver, o art.º 215.º do CIRE não consente, em relação a um mesmo Plano, uma decisão de homologação em relação a uma parte dele e uma decisão de não homologação em relação a outra parte (…), A ideia do CIRE é a de que todos os credores fiquem sujeitos ou ao regime do plano de insolvência ou ao regime do procedimento de liquidação, não estando prevista uma “terceira via”, nem que o “Plano”, uma vez aprovado, não estenda os seus efeitos a todos os credores». Mais refere que «(…) Quando o conteúdo do “Plano” viola o art.º 30.º/2 e 3 da LGT deve, em princípio, a meu ver, em face da referida imperatividade de tal preceito, ser recusada a homologação de todo o “Plano”. E dizemos “em princípio”, na medida em que deve haver algum espaço/margem para, por interpretação, poder “sair/resultar” uma solução que respeite minimamente a unidade e harmonia do sistema jurídico». Concretizando, acrescenta que “será o caso – violação não negligenciável – se a violação se traduzir numa mera modificação dos prazos de pagamento e numa redução das taxas de juros, que reflitam e exprimam uma redução global do crédito pouco expressiva e se tal modificação dos prazos e redução de juros não estiver à partida e em abstrato proibida pelas disposições tributárias convocáveis e invocáveis (no que acompanhamos o Acórdão deste STJ de 24 de Março de 2015 referido no texto deste Acórdão)», concluindo adiante que “ponderando tudo adequada e proporcionalmente, desde que a intervenção nos créditos do Estado e Seg. Social não evidencie uma modificação injusta e desproporcional – tendo em conta o somatório dos créditos dos particulares e a medida em que eles abdicam, visando a recuperação da empresa pré-insolvente – entendemos que será de admitir que o “Plano” possa incluir alguma modificação dos prazos de pagamento ou das taxas de juros (ou mesmo, em casos muito extremos, desde que devidamente justificado/explicado, uma moratória e o perdão ou redução do valor do capital) dos créditos da AT ou da Seg. Social. Enfim, entendemos, verificada/apreciada uma concreta, precisa e “exigente” conjugação de circunstâncias, que poderemos estar “apenas” perante uma violação negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do “Plano”. (…)». // (…)” Mais acrescentando: “Não se trata de aceitar que existe uma qualquer prevalência das soluções configuradas no plano sobre normas imperativas de legislação fiscal, mas antes de verificar, em concreto, se as estipulações do plano mantêm esse crédito intocado na sua dimensão essencial, são compatíveis com as regras gerais de legislação tributária que regulam a medida em que o Estado pode voluntariamente dispor do seu crédito (designadamente os limites do seu pagamento prestacional) e, regressando ao início desta fundamentação e à expressão de Catarina Serra citada em apoio da definição do que constitui uma violação não negligenciável de normas, “em que medida se pode ter por verificada uma lesão grave de valores ou interesses juridicamente tutelados, isto é, uma lesão de tal modo grave que nem em atenção ao princípio da recuperação e aos interesses associados a este, o juiz pode deixar de recusar-se a homologar o plano, inviabilizando com isso a recuperação”. Em face de tudo o que se deixou consignado, não poderá proceder a presente apelação, confirmando-se a homologação e eficácia do plano de revitalização, inclusive quanto ao crédito da Segurança Social, nos moldes já constantes da decisão sumária proferida em 13/01/2025. *** V - DECISÃO Pelo exposto, as Juízas desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa, acordam, em conferência, julgar improcedente a apelação, mantendo a Decisão Sumária da Relatora proferida no passado dia 13/01/2025. Sem custas, uma vez que as devidas foram já fixadas em sede de decisão singular. Lisboa, 25 de Fevereiro de 2025 Renata Linhares de Castro Ana Rute Costa Pereira Isabel Maria Brás Fonseca _______________________________________________________ [1] Diploma ao qual nos estaremos a referir sempre que for citado um artigo sem referência à respectiva fonte. [2] Em 30/04/2024, a AJP havia junto um parecer com o seguinte teor: “(…) relativamente ao Plano apresentado, que mereceu a aprovação de 96,00% dos credores votantes (e por consequência de 4% contra), contempla um pagamento aos credores, no prazo de 72 meses, com prestações crescentes, e não prevê, nem nenhum “haircut” da dívida, nem nenhuma carência de capital. // É entendimento da Administradora Judicial Provisória (AJP) que, caso se verifiquem os pressupostos vertidos no Plano apresentado aos credores, e que foi objecto de aprovação (por 96% dos credores votantes), a devedora FP, Lda. poderá ganhar a sua solvência, nomeadamente, apresentando Capitais Próprios positivos no final do período em análise, e por consequência, a sua viabilidade.” E, por despacho de 08/05/2024, a Mma. Juíza a quo determinou: “(…) o parágrafo transcrito não constitui parecer fundamentado nos termos legais, limitando-se a, com base numa eventualidade (caso se verifiquem os pressupostos vertidos no Plano apresentado aos credores), afirmar que a requerente poderá “ganhar a sua solvência” e “por consequência, a sua viabilidade”. // Note-se que, na actual configuração legal, o parecer do Administrador Judicial Provisório é essencial para que o tribunal possa firmar o seu juízo de viabilidade e, no caso, o “parecer” nada explica e não nos habilita a perceber a razão pela qual o plano elaborado e apresentado garante a viabilidade da empresa. // Donde, reitero o despacho anterior, solicitando à Sra. Administradora Judicial Provisória o cumprimento, não meramente formal da norma, apresentando um parecer devidamente fundamentado e explicativo que permita verificar e concluir pela viabilidade da sociedade requerente.” [3] Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1984, págs. 114 e ss. [4] Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1985, págs. 686/687, nota 3. [5] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2020, pág. 819, anotação ao artigo 656.º. [6] O n.º 1 do artigo 194.º prevê um tratamento igualitário dos credores no plano de insolvência - princípio conditio par creditorum -, sendo que, no entanto, não se trata de uma igualdade absoluta, antes impondo que situações distintas sejam tratadas de modo diferente (consoante a natureza dos créditos e a diversidade das suas fontes). O que está vedado é a sujeição a diferentes regimes de credores que se encontram em circunstâncias idênticas (salvo se nisso os mesmos acordarem – n.º 2 do artigo 194.º). [7] O n.º 2 do artigo 196.º elenca as entidades que não podem ser afectadas pelas medidas propostas/aprovadas, sendo que aí não é mencionado o Estado. [8] Estatui o n.º 1 do artigo 216.º: “O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.“ [9] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3.ª Edição, 2015, págs. 781/782. [10] Com interesse veja-se o acórdão desta Secção de 09/04/2024 (Proc. n.º 919/23.0T8BRR-A.L1-1, relator Manuel Ribeiro Marques), com plena aplicação no caso, “Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de 25 de Março de 2014, processo nº 6148/12.1TBBRG.G1.S1 (Fonseca Ramos): «A parte final do art.º 194º, nº1, do CIRE foi ditada por razões de ordem pública convocando o princípio constitucional da proporcionalidade.” // E como assinala o Tribunal Constitucional (vide acórdãos n.º 123/2018, de 6 de Março de 2018 e 154/2022, de 17 de Fevereiro de 2022): “constitui jurisprudência constitucional reiterada e pacífica que o princípio da proibição do excesso se analisa em três subprincípios: idoneidade, exigibilidade e proporcionalidade.” // Acrescenta-se nesse acórdão que, “o subprincípio da proporcionalidade (ou da justa medida) determina que os fins alcançados pela medida devem, tudo visto e ponderado, justificar o emprego do meio restritivo; o contrário seria admitir soluções legislativas que importem um sacrifício líquido de valor constitucional». // Em consonância, estipula o art.º 17.º-F, n.º 7, do CIRE, na sua actual redacção, que incumbe ao juiz aferir se no plano “os credores inseridos na mesma categoria são tratados de forma igual e proporcional aos seus créditos” (al. b) e se, “no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, as categorias votantes discordantes de credores afetados recebem um tratamento pelo menos tão favorável como o de qualquer outra categoria do mesmo grau, e mais favorável do que o de qualquer categoria de grau inferior”. // E, no que toca aos créditos da Segurança Social, estipula o art.º 191º do CRCPSS: Condição especial da autorização // As condições de regularização da dívida à segurança social não podem ser menos favoráveis do que o acordado para os restantes credores. // Ora, no caso, não se descortina, nem a apelante avança qualquer explicação para justificar a sua afirmação, que o estabelecido no plano quanto ao seu crédito viole o princípio da igualdade ou da proporcionalidade, por contraponto com os restantes credores, em particular com os credores comuns.”, acórdão disponível in www.dgsi.pt, como os demais que vierem a ser citados. [11] Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98 de 17/12, diploma este aplicável aos créditos da Segurança Social por força da alínea a) do artigo 3.º do CRCSPSS. [12] Como refere ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, Almedina, 2015, págs. 412/413, “O aditamento do nº 3 referido (ao artigo 30º da Lei Geral Tributária) visava, designadamente, enfrentar as dúvidas que até aí surgiam acerca da relação entre o CIRE, a LGT, o CPPT, e o regime da regularização das dívidas à segurança social. Com efeito, a jurisprudência mostrava-se dividida quanto à possibilidade de o plano de insolvência, porque previsto em lei especial, afastar o regime contido em normas imperativas da legislação referida. O artigo 30º, nº 3, da LGT não permite agora dizer que as soluções previstas no plano prevaleceriam sobre a legislação fiscal”. [13] Também encontramos o princípio da indisponibilidade do crédito tributário manifestado no artigo 85.º, n.º 3 do CPPT, que dispõe “A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária.” [14] Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, 16/09. [15] Para além de serem indisponíveis, os créditos tributários são irrenunciáveis – artigo 60.º do CPPT -, apenas sendo possível conceder perdões e/ou moratórias nas situações legalmente previstas (mesmo que tais medidas se mostrem imprescindíveis à recuperação do devedor). Como refere SARA LUÍS DIAS, O Crédito Tributário no Processo de Insolvência e nos Processos Judiciais de Recuperação, Almedina, 2021, pág. 46, “não pode a AT estabelecer qualquer tipo de negociação com os contribuintes e afetar o seu crédito, devendo cingir a sua atuação ao que estiver legalmente disposto. Só o legislador pode definir as situações em que tal tratamento aparentemente ´desigual´, refletido na concessão de perdões e/ou moratórias dos seus créditos, se pode verificar, só ele está habilitado a fixar as condições em que deva acontecer a modificação e/ou extinção da obrigação fiscal”. [16] Neste sentido, vide o acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2011 (Proc. n.º 467/09.1TYVNG-Q.P1.S1, relator Silva Gonçalves) e de 10/05/2012 (Proc. n.º 368/10.0TBPVL-D.G1.S1, relator Álvaro Rodrigues). [17] SUZANA TAVARES DA SILVA e MARTA COSTA SANTOS, Os créditos fiscais nos processos de insolvência: reflexões críticas e revisão da jurisprudência, Janeiro/2015, disponível para consulta in https://estudogeral.sib.uc.pt/jspui/bitstream/10316/24784/1/STS_MCS%20insolvencia.pdf [18] Caso contrário, dificilmente se conseguiria compatibilizar a protecção dos créditos tributários com a efectiva e eficaz prossecução das finalidades do CIRE, bem como dar cumprimento às obrigações a que o Estado se vinculou no Memorando de entendimento sobre condicionalismos específicos de política económica, de 17/05/2011, onde se consigna expressamente que “as autoridades tomarão também as medidas necessárias para autorizar a administração fiscal e a segurança social a utilizar uma maior variedade de instrumentos de reestruturação baseados em critérios claramente definidos nos casos em que os credores tenham aceite a reestruturação dos seus créditos, e para rever a lei tributária com vista à remoção de impedimentos à restruturação voluntária das dívidas”. Por pertinente, veja-se a posição de CATARINA SERRA, Processo Especial de Revitalização - contributos para uma “rectificação”, Revista da Ordem dos Advogados, nº 72, Abril/Setembro, 2012, pág. 740, onde se defende uma interpretação restritiva das normas tributárias com fundamento na teleologia subjacente ao PER e na unidade do sistema jurídico - “a regra de que havendo contradição entre o que resulta da interpretação do texto expresso de uma norma jurídica e aquilo que resulta do silêncio de outra se resolve com a sobreposição da primeira à segunda não deve ser mantida quando acarrete uma desconsideração da teleologia que está subjacente a esta e outras perturbações intoleráveis para a harmonia do sistema jurídico”. [19] Nesse sentido, veja-se SARA LUÍS DIAS, obra citada, pág. 167: “a aprovação e consequente homologação de planos de recuperação que alterem ou condicionem o crédito tributário para além dos limites previstos na lei tributária afeta o princípio da indisponibilidade do crédito tributário (e o interesse público e colectivo que lhe está subjacente), o qual, conforme vimos, impossibilita a AT de, livremente, aceitar e/ou aderir a medidas que, mesmo imprescindíveis e favoráveis à recuperação do insolvente, impliquem uma redução ou extinção dos seus créditos”. [20] Decreto que procedeu à regulamentação do CRCSPSS. [21] No acórdão do STJ de 17/01/2023 (Proc. n.º 1311/21.7T8VFX.L1.S1, relator Luís Espírito Santos), invocado pela apelante, o caso tratado não é exactamente idêntico ao presente (desde logo por o plano de recuperação prever a suspensão das execuções fiscais em curso e fixar perdão de juros). [22] Veja-se, a título de exemplo, o disposto no artigo 97.º, n.º 1, al. a), do CIRE, do qual decorre que, sendo declarada a insolvência da devedora, desaparecerão os privilégios dos créditos da recorrente. [23] Designadamente dos acórdãos da Relação de Lisboa de 22/09/2020, da Relação de Coimbra de 24/09/2013 e de 01/10/2013, da Relação de Guimarães de 11/07/2013 e do STJ de 18/02/2014 e de 24/03/2015, aos quais se aditam o da Relação de Coimbra de 26/04/2022 (Proc. n.º 840/21.7T8ACB.C1, relatora Maria João Areias) e desta Secção de 04/07/2023 (Proc. n.º 11886/22.8T8LSB.L1-1, relatora Maria Manuela Espadaneira). [24] ANA PAULA BOULAROT, publicação Julgar, n.º 31, Janeiro-Abril de 2017 - Apontamentos sobre os efeitos do processo especial de recuperação -, disponível em http://julgar.pt.; CATARINA SERRA, O Regime Português da Insolvência, 5.ª edição, 149 e segs; L. M. PESTANA DE VASCONCELOS, Recuperação de Empresas: o Processo de Revitalização, págs. 135 e segs. [25] Acórdão proferido no âmbito do Proc. n.º 11271/23.4T8LSB.L1-1, relatora Ana Rute da Costa Pereira. |