Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1164/2007-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CULPA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/26/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA PARCIAL
Sumário: I - O R., que manteve o seu veículo parado depois de sair da garagem comum do prédio onde também morava a A., e que nessa posição accionou o comando para encerramento do portão sem atentar na presença do veículo da A., postado debaixo do portão, à espera de oportunidade para sair, apesar das repetidas buzinadelas emitidas por este veículo, deu culposamente causa à manobra de marcha-atrás realizada pela A. para sair do alcance do portão a fechar.
II - Numa tal situação, o embate do veículo da A., no decurso da execução dessa manobra, na parede da rampa de acesso à garagem, não pode ser imputado exclusivamente a falta de destreza da A., resultando, a nosso ver, de uma conjugação de factores. Por um lado, o inesperado da situação – a A. poderia razoavelmente contar que o R. se tivesse apercebido da sua presença, designadamente através dos sinais sonoros que accionou – e a urgência da reacção – apesar de não estar estabelecido o tempo que o portão demorava a fechar, nem se a A. tinha conhecimento desse tempo, seria sempre urgente para a autora sair de debaixo de um portão que estava a fechar – a justificarem alguma precipitação e atrapalhação da A. nessa reacção. E, por outro, a menor destreza da A. para executar a manobra em causa, naquelas circunstâncias.
III - Ora, se a menor destreza da A. lhe tem de ser imputada, o mesmo não se passa com as circunstâncias exteriores, que tornaram necessária a execução da manobra e condicionaram a sua realização.
(FA)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A, residente no Laranjeiro, intentou contra B, residente no mesmo prédio, no a presente acção declarativa de condenação com processo sumário, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 4 287,47 euros.
Para tanto, em síntese:
No dia 27.1.2003, ao sair de automóvel da garagem comum do prédio onde habita, encontrou a saída, junto ao portão, bloqueada pelo automóvel do R., que saíra à sua frente e parara imediatamente à saída do portão.
A A., com o seu veículo parado debaixo do portão, buzinou repetidamente, mas o R. deixou-se estar parado e, indiferente à situação da A., accionou o mecanismo para fechar o portão.
Para evitar que o portão se fechasse sobre o seu veículo, a A. fez marcha-atrás mas, como a rampa é muito íngreme, bateu com a parte de trás do lado direito da sua viatura na parede da garagem.
Do embate resultaram danos no seu veículo orçados em e 2.126,35 a que acresce o montante de e 111,85 com medição de enquadramento e alinhamento da direcção.
A reparação do veículo importa a sua imobilização por cinco dias, necessitando a A. de um veículo de substituição, com o custo de € 652,12.
A A. sofreu ainda profunda angústia, que deverá ser ressarcida com montante não inferior a e 1.500,00.

Citado, o R contestou dizendo, em síntese:

No dia 27-01-2003 saiu da garagem do prédio como sempre fez e procedeu ao fecho do portão, nunca se tendo apercebido da presença do veículo da A., sendo certo que não padece de deficiência do foro auditivo.
Desconhece as circunstâncias em que a A. sofreu os danos no seu veículo e, a ser como a mesma refere, considera que foi a sua falta de destreza que deu causa aos danos, observando que a rampa de acesso à garagem tem 2,8 metros de largura.
Impugna, por excessivos, os danos.

Os autos prosseguiram para julgamento, realizado com registo da prova produzida, tendo a matéria de facto sido fixada nos termos que constam de fls. 146 a 148.
Seguiu-se a sentença, onde a acção foi julgada improcedente, nos seguintes termos que, por comodidade, se transcrevem:

«Extrai-se da descrita factualidade que inexiste nexo de causalidade adequada entre a conduta do R (a de ter parado o seu automóvel à saída da garagem, logo depois de ter passado o portão, e de ter accionado no telecomando do portão o botão de fechar o portão, encontrando-se o veículo da A, nessa ocasião, debaixo do portão e apesar de a A ter buzinado) e os danos sofridos pela A no seu automóvel. É que os danos no automóvel da A não foram produzidos pelo portão ao fechar-se. A conduta do R acima descrita constituiria, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à produção de danos no automóvel da A em consequência do fecho do portão. Mas não foi isto o que sucedeu. A A atrapalhou-se. Podia a A, desde logo, ter accionado no seu telecomando o botão de abertura do portão, de modo a que este se não fechasse. Em vez disto, a A, sem qualquer necessidade, efectuou manobra de marcha-atrás, com falta de destreza, de tal sorte que foi embater na parede da rampa de saída da garagem. Esta conduta da A é que foi a causa adequada do dano. O facto do R, adequado a produzir um dano, não chegou a causá-lo porque, entretanto, um outro, facto, este da própria A, produziu outro dano. Outro facto, com outra autoria e outro dano. O facto praticado pelo R não passou de causa virtual de um hipotético dano que não ocorreu. O dano sofrido pela A foi consequência de facto dela própria, interruptivo do nexo entre o facto do R. e o dano que este poderia ter produzido, mas não produziu.»

Inconformada, a autora apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes:

Conclusões:

1 - É pressuposto do dever de indemnizar a verificação cumulativa de 5 factores: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano, o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo (Art.ºs 483°. 487°, 563° todos do Código Civil).
2 – Quanto aos 4 primeiros factores julgamos ter sido reconhecido pelo Tribunal a quo a sua verificação. Efectivamente,
3 – Facto: Há um comportamento consciente e voluntário do R., que ele próprio não nega: após a passagem do portão da garagem e a seguir ao mesmo parou o seu veículo automóvel no exterior e, apesar de a A. ter buzinado repetidamente, manteve o seu veículo imobilizado e accionou o mecanismo para fechar o portão.
4 – Ilicitude: O R. praticou um acto ilícito porque violou o disposto no art.º 3°/2 do Código da Estrada e criou uma situação adequada a pôr em risco a vida e integridade física da A.
5 – Culpa: o R. deveria ter previsto o resultado, deveria ter usado das cautelas adequadas para que o resultado se não produzisse, deveria ter usado a diligência que seria de esperar de um "bom pai de família" 487°/2 CC. O que não fez.
6 – Criou uma situação de perigo e, indiferente à situação aflitiva da A., deixou-a abandonada à sua sorte, conformando-se com a produção do dano.
7 – Dano: Verificaram-se, efectivamente, danos (cfr. resposta à matéria de facto artigos 8°, 10°, 11°, 12° e 14°).
8 – Entende, no entanto, o Tribunal a quo inexistir nexo de causalidade. Do que nos permitimos discordar em absoluto.
9 – Conforme o art.º 563° CC, "A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão".
10 - Desde logo se diga que dúvidas não há de que, os danos produzidos nunca se teriam verificado não fosse o comportamento do R.
11 - "O nexo de causalidade exigido entre o dano e o facto não exclui a ideia da causalidade indirecta que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste (cfr. M. Andrade, Manual de Direito das Obrigações, pág. 357).
12 – Assim, o R. deverá responder quer pelos danos que provoque directamente com a sua actuação quer pelos danos provocados por um acto adequado a tentar afastar esses mesmos danos.
13 – Porque foi ele quem criou a situação de perigo e nada fez para evitar a produção de danos.
14 – E sobretudo porque deixou nas mãos da A., que tinha o portão da garagem a descer sobre si, a escolha da melhor forma de escapar ao perigo iminente.
15 – Efectivamente, numa primeira análise, poder-se-á dizer-se que a A. tinha duas opções possíveis e aceitáveis: interromper o percurso do portão accionando o botão de subida do comando ou fazer faz marcha-atrás.
16 – Mas, tendo em conta a prova produzida, conclui-se que apenas a segunda opção era viável, isto porque, o accionar do botão de abertura do portão de garagem não interrompia o percurso descendente desse mesmo portão! (cfr. depoimento claro e elucidativo da testemunha Luís C – voltas 858 a 991 do lado B da 2ª cassete – sessão de 19.1.06 e doc.1)
17 - Isto é, ao decidir fazer marcha-atrás, a A. não o fez por mero capricho, não o fez "sem qualquer necessidade". Fê-lo porque era a única forma de evitar o embate do portão sobre a sua viatura!
18 - Mas, mesmo que dúvidas houvesse sobre o real funcionamento do comando da garagem, era ao R., e não à A., que competia provar a que era possível interromper o percurso descendente do portão pressionando o botão de abertura (art.º 515° do CPC)
19 - Sendo certo que, não tendo o R. provado o que quer que seja sobre esta matéria, apenas nos podemos fundar no que é dito pela testemunha Luís Barra (art.º 515° do CPC).
20 – Para além disso, por ter sido obrigada a efectuar uma manobra de marcha-atrás sob a ameaça de um perigo iminente, não era possível à A. fazê-lo com a calma e destreza que deveria ter numa situação de normalidade.
21 — O que em conjunto com factores que lhe eram estranhos (o facto de o seu veículo ter grandes dimensões e a rampa ser íngreme) inevitavelmente impediu que a manobra se fizesse nas melhores condições.
22 - Aliás, nem ficou provado que a A. fosse má condutora. E o ónus da prova da falta de destreza da mesma cabia, obviamente, ao R.
23 - Por ter despoletado, por um acto voluntário seu, toda urna sequência de factos que terminaram com o embate da viatura da A. na parede da garagem, factos esses que não teriam ocorrido não fosse a sua conduta, deve o R. responder por todos os danos provocados pelo referido embate.

O apelado contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões, está em causa na presente apelação saber se, no caso, estão verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo do R.

Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos, que não vêm impugnados nem suscitam alterações oficiosas, alterando-se, apenas, parcialmente, a sua ordem de apresentação e suprimindo-se, por irrelevante, a referência à existência de um contrato de seguro de responsabilidade civil respeitante ao veículo automóvel do R:

1 - A e R são vizinhos habitando, respectivamente, o 3° direito e o 2° esquerdo do mesmo prédio, sito no Laranjeiro.
2 - São partes comuns do prédio a rampa das garagens e o portão destas.
3 - O portão pode ser accionado mediante comando distribuído aos condóminos, provido de um botão para abrir e outro para fechar.
4 - No dia 27.1.2003, cerca das 9 horas, o R, conduzindo o automóvel 63-66-UL, subiu a rampa que dá acesso à rua e abriu o portão com o comando.
5 - Após a passagem do portão da garagem e a seguir ao mesmo, o R parou o seu veículo no exterior, o que, juntamente com a existência de veículos estacionados no lado esquerdo, atento o sentido de marcha dos veículos que saem da garagem, posicionados com a dianteira virada para o portão da garagem dos autos e junto ao mesmo e com a lateral virada para o prédio dos autos (conforme melhor se pode verificar nas fotografias juntas aos autos) impossibilitava a entrada e saída de veículos da garagem.
6 - A A seguia atrás do R conduzindo o seu veículo automóvel, de matrícula 55-83-SE.
7 - Depois de subir a rampa que das garagens conduz à via pública, a A viu-se impossibilitada de sair atento o descrito em 5.
8 - A A buzinou repetidamente mas o R manteve o seu veículo imobilizado após o portão de saída.
9 - A A tinha o seu veículo atrás da viatura do R, por baixo do portão da garagem.
10 - Não obstante, o R accionou o mecanismo para fechar a porta.
11 - Para evitar que o portão se fechasse sobre o seu veículo a A accionou a marcha-atrás.
12 - E embateu com a parte de trás do lado direito da sua viatura na parede da garagem.
13 - A rampa de acesso às garagens é íngreme.
14 - O embate ocorreu a uma distância superior a oito metros e inferior a nove metros do portão.
15 - A rampa de acesso às garagens tem uma largura entre 2,80 m e 2,85 m.
16 - O embate implicou estragos na viatura da A no valor de 1 772,91 euros; estes verificaram-se no pára-choques e respectivo apoio, que foram substituídos, no valor de 386,92 euros e 17,53 euros, tendo ainda sido efectuada a blindagem do pára-choques e colocado nele anti-choques que orçou em 36,93 euros e 185,18 euros, na jante que foi substituída mas bastaria a sua reparação que orçaria em 100 euros, nas molas, frisos, resguardos, suport, pintura, lâmpadas, tudo no valor de 452,85 euros, tendo ainda sido necessária a aplicação de massa e vedantes, trabalho de estofador e de bate-chapa, no valor de 593, 70 euros.
17 - Foi necessário o alinhamento da direcção no valor de 36,50 euros e mão-de-obra em valor não apurado.
18 - E uma medição de enquadramento, alinhamento de direcção e mão-de-obra no valor de 111,85 euros.
19 - Auto India Sacavém facturou a reparação do SE em 2 238,62 euros.
20 - A reparação implicou uma imobilização do veículo durante cinco dias.
O aluguer diário de um veículo da gama do da A custa entre 90 e 100 euros.
21 - A A sofre de cardiopatia grave que já implicou o seu internamento prolongado e intervenção cirúrgica ao coração.

O Direito

Está em causa nos presentes autos, e também no presente recurso, saber se, e até que ponto, devem ser imputados ao R. os danos sofridos pela autora na situação dos autos e, na afirmativa, determinar e valorar esses danos.

Vejamos:

A forma como se chegou à produção dos danos está claramente descrita em sede de matéria de facto, em termos que não deixam lugar a dúvidas relevantes. A única dúvida que tal matéria nos suscita tem a ver com o facto de o R. não se ter apercebido da presença do veículo da A. atrás do seu, debaixo do portão, apesar das repetidas buzinadelas, para mais, pretendendo o R. que não tem limitações auditivas. Mas esta é, neste momento, uma dúvida não relevante, pois que não foi questionada a decisão sobre matéria de facto.
Temos assim que os aqui A. e R. se juntaram, à saída da garagem comum do prédio onde ambos vivem, tendo o R. imobilizado o seu veículo logo após a saída, e mantido aquela posição, a travar a saída do veículo da A., de cuja presença não se apercebeu, apesar das buzinadelas por este emitidas. E, continuando a não se aperceber da presença deste veículo, postado debaixo do portão aberto da garagem, o R. accionou o comando para fechar este portão, que começou a fechar.
Confrontada com tal situação a A., para evitar que o seu veículo fosse atingido pelo portão ao fechar, fez marcha-atrás e, na execução dessa manobra, o veículo foi embater, com a sua parte lateral traseira do lado direito, na parede da garagem, ou mais rigorosamente, na parede da rampa de acesso à garagem, sofrendo danos.
Assim descrita a dinâmica do acidente gerador dos danos cuja reparação vem pedida, julga-se que, pelo menos em parte, o mesmo deverá ser imputado à descrita conduta do R. no caso.
Antes de mais, julga-se que nenhuma censura pode ser dirigida à ora A. por, na ocasião, ter iniciado o percurso de saída da garagem, designadamente, subindo a respectiva rampa, antes de o R. ter concluído essa saída. Mesmo que a saída pudesse estar congestionada com outros veículos para além do veículo do réu, o que nem sequer está provado, estaria, apenas em causa o lugar onde o veículo da A. iria ter que aguardar a sua oportunidade de progredir na marcha. Nada teria acontecido se não tivesse sido accionado o comando para encerramento do portão.
O funcionamento deste portão terá sido explicado, na audiência de julgamento, pela testemunha Luís C., mas o seu depoimento não se traduziu em matéria de facto provada, pois que não havia matéria alegada a esse propósito. Em todo o caso, parece resultar do confronto das posições assumidas pelas partes nos articulados, que o portão só abria ou fechava depois de ter sido accionado o respectivo comando. E, na situação em apreço, não subsiste qualquer dúvida de que o portão fechou sob comando do R..
Assim sendo, e nada permitindo questionar a visibilidade do veículo da A. a partir do veículo do R., até porque, como decorre das fotografias juntas, a rampa de saída tem traçado recto, julga-se que nada permite censurar o comportamento da autora no caso, até ficar imobilizada atrás do veículo do R., por debaixo do portão.
Naquela posição a A. buzinou repetidamente, o que, em condições de normalidade, teria sido suficiente para alertar o R. da sua presença e posição, determinando-o a agir em conformidade, abstendo-se de accionar o encerramento do portão. Ou seja, ao proceder desta forma, a A. podia razoavelmente contar que o R., se ainda não tivesse dado conta da sua presença, a haveria de notar através dos sinais sonoros emitidos, cuja origem, não deixaria lugar a dúvidas para um condutor minimamente atento.
Deste modo, não se vê que o comportamento da autora na ocasião, até se dar conta de que o portão estava a fechar, fosse merecedor de reparo, ou adequado a potenciar a verificação de qualquer acidente, ou incidente, naquele percurso de saída da garagem.
Diversamente, julga-se que foi claramente não adequado, sendo merecedor de censura, o comportamento do R. na situação, em particular no momento em que accionou o comando para fechar o portão, sem se assegurar previamente que o podia fazer sem perigo para terceiros. Estando o veículo da A. imobilizado debaixo do portão, e a buzinar, era seguramente exigível ao R. que se tivesse apercebido dessa presença, e agido em conformidade, não fechando o portão.
Julga-se que um elementar dever de cuidado impunha ao R., e a qualquer pessoa na mesma situação, a verificação da situação envolvente do portão antes de accionar o comando para o fechar. É que, depois de accionado o encerramento do portão, se a A. não pudesse inverter essa ordem, nem conseguisse fazer recuar o seu veículo em tempo útil, este veículo seria atingido pelo portão.
Ora, não só o réu não teve esse cuidado, como nem sequer se apercebeu, e era suposto ter-se apercebido, das repetidas buzinadelas emitidas pelo veículo da A., um sinal adicional da sua falta de atenção naquele momento.
Confrontada com o portão a fechar, e estando com o seu veículo postada debaixo dele, a A. tentou, e conseguiu, sair do alcance do mesmo, accionando a marcha-atrás e fazendo recuar o seu veículo. Já acima se qualificou esta manobra como manobra de reacção, sendo claro que a mesma foi determinada pela referida conduta do R., visando prevenir o embate do portão no seu veículo, e a produção de danos que daí resultaria. Ou seja, a realização daquela manobra insere-se num processo causal desencadeado com o accionamento do comando para encerramento do portão, sendo, pois, uma consequência deste.
Diz-se na decisão recorrida que esta manobra era desnecessária, pois que a A. poderia ter invertido o movimento do portão com o seu próprio comando, afirmação que levou a A. a, em sede de alegações, tentar demonstrar que essa inversão não era possível com aquele portão. Esta alegação, e o documento junto para a demonstrar, não foram admitidos, não estando, pois, provada. Mas também não está provado o contrário.
A ausência de prova nesta matéria acaba por favorecer a A., entendendo-se que era ao réu que cabia o ónus de provar que a aquela poderia ter invertido o movimento do portão. Com o que ficaria melhor justificada a conclusão da desnecessidade da manobra de marcha-atrás, afirmada na decisão recorrida. Sendo a manobra efectuada pela A. uma forma adequada a prevenir os danos que iriam previsivelmente resultar do embate do portão no veículo, caberia ao R. demonstrar que havia outra mais adequada, e que a sua adopção era exigível no caso.
Assim, não pode ser fundadamente questionada a opção da A. pela referida manobra de marcha-atrás, em relação à qual não se demonstra a existência de alternativa.
Posto isto, a referida manobra de salvamento do veículo não correu bem, acabando por se verificar o embate de que resultaram os danos. A questão que agora se coloca é a de saber se, com a execução defeituosa dessa manobra, se deve considerar interrompido o processo causal iniciado com o comando de encerramento do portão, como se entendeu na decisão recorrida, devendo a produção dos danos ser imputada exclusivamente a esta manobra, abstraindo das circunstâncias que a determinaram e rodearam a sua execução.
Que a execução da manobra em referência foi defeituosa, é ponto que se nos afigura não poder ser questionado. A rampa tem, de largura, entre 2,80 e 2,85 m, e, como é mostrado pelas fotografias juntas pela autora em audiência, tem um traçado recto numa extensão muito superior ao ponto onde se verificou o embate, apresentando, pois, condições para permitir a execução, em segurança, de uma manobra de marcha-atrás naquele local. O facto de a rampa ser íngreme, não se sabendo o quanto, não dificulta particularmente a manobra, feita em sentido descendente. Parecendo que bastaria manter inalterada a direcção do veículo, que estaria direita, para que o mesmo descrevesse um percurso inverso ao que acabara de fazer.
Essa execução defeituosa resultou, a nosso ver, de uma conjugação de factores. Por um lado, o inesperado da situação – a A. poderia razoavelmente contar que o R. se tivesse apercebido da sua presença, designadamente através dos sinais sonoros que accionou – e a urgência da reacção – apesar de não estar estabelecido o tempo que o portão demorava a fechar, nem se a A. tinha conhecimento desse tempo, seria sempre urgente para a autora sair de debaixo de um portão que estava a fechar – a justificarem alguma precipitação e atrapalhação da A. nessa reacção. E, por outro, a menor destreza da A. para executar a manobra em causa, naquelas circunstâncias.
Ora, se a menor destreza da A. lhe tem de ser imputada, o mesmo não se passa com as circunstâncias exteriores, que tornaram necessária a execução da manobra e condicionaram a sua realização. A A. agiu sob a pressão de uma situação inusitada e que exigia resposta rápida, realizando aquilo que pode ser considerado uma manobra de salvamento, visando prevenir as consequências negativas de uma situação desencadeada pelo réu.
Julga-se pois que o embate dos autos deve ser imputado, por um lado, à menor destreza da A. na execução da manobra, mas, por outro, ao comportamento do réu que, sendo culposo, tornou necessária e urgente a realização de uma não previsível manobra de marcha-atrás.
Não seria, de resto, curial que a simples menor capacidade da A. para se esquivar a uma situação de risco desencadeada pelo R., fizesse recair exclusivamente sobre esta os danos pela mesma sofridos com a actuação desenvolvida com aquele objectivo.
Conclui-se, pois, que o R. contribuiu culposamente para a produção dos danos sofridos pela A.. E que esta também lhes deu causa, havendo que, nos termos do art.º 570.º do C. Civil, determinar a medida em que o primeiro deve ser chamado a responder.
Não sendo fácil a valoração relativa do contributo de cada uma das partes para a verificação do embate, e dos consequentes danos, julga-se que, tal como sucede noutras áreas da responsabilidade civil – v.g. o disposto no art.º 506.º. n.º 2 do C. Civil –, o mesmo deve ser fixado em partes iguais.
Consequentemente, nos termos do já referido art.º 570.º do C. Civil, a obrigação de indemnizar a cargo do R. há-de ser reduzida a metade dos danos sofridos pela A. em consequência do embate dos autos.
Em matéria de danos, importa considerar o custo da reparação fixado, no ponto 16.º do elenco dos factos provados, no montante de € 1.772,91, bem como o custo do alinhamento da direcção e da medição de enquadramento, nos montantes de, respectivamente, € 36,50 e € 111,85, perfazendo, tudo, o montante de € 1.921,26.
A autora reclamou ainda a quantia de € 652,12 a título de despesa de substituição do seu veículo no período da reparação mas, a este propósito, não ficou demonstrada a realização de qualquer despesa. E o simples facto de a reparação ter implicado a imobilização do veículo durante cinco dias, como consta do ponto 20.º do elenco da matéria de facto, não confere direito a uma indemnização de montante correspondente ao custo do aluguer de outro veículo nesse período. Para isso, seria necessário que tivesse sido demonstrado o efectivo aluguer de um veículo no período em questão e, no caso, nem sequer foi esclarecido o uso que a A. dava ao seu veículo.
Tal parcela do pedido não pode, pois, ser atendida.
E também improcede, igualmente por falta de prova, o pedido de indemnização por danos não patrimoniais, não estando fixada matéria de facto que possa fundar a atribuição de indemnização a esse título.

Ou seja, a totalidade dos danos que a A. comprovadamente sofreu em consequência do embate dos autos soma o já referido montante de € 1.921,26, em relação ao qual o R. deverá responder na proporção de metade, ou seja, por € 960,63, nos termos já acima justificados.

Termos em que se acorda em conceder parcial provimento ao recurso e se altera a decisão recorrida no sentido de condenar o R. a pagar à A. a quantia de € 960.63,00 (novecentos e sessenta mil e sessenta e três euros).
Custas, em ambas as instâncias, na proporção do vencido.

Lisboa, 26-04-2007

( Farinha Alves )
( Tibério Silva )
( Ezagüy Martins )