Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
303/22.3PGALM.L1-3
Relator: CRISTINA ISABEL HENRIQUES
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Sumário:
Os únicos documentos cuja junção não foi admitida foram aqueles sobre os quais o tribunal já se havia pronunciado e os relativos a matéria que extravasa o objecto processual fixado pelo despacho de acusação, pelo que a sua junção foi muito bem indeferida pela Mmª Juiz a quo, não merecendo o despacho recorrido qualquer reparo.
Ao contrário do que alega o arguido tais documentos não são fundamentais e imprescindíveis para a sua defesa, realização da justiça e apuramento da verdade material e boa decisão da causa.
Bem andou, pois, a Mma Juiz a quo ao indeferir a junção dos documentos em causa, não se impondo qualquer reapreciação da prova à luz de tais documentos ou de quaisquer outros e muito menos da prova gravada.
Os crimes de violência doméstica não têm lugar apenas em relações marcadas pelo ascendente do agente sobre a vítima, que não constitui elemento típico do crime em causa – sem prejuízo da frequência estatística com que esse ascendente existe nas relações entre arguidos e vítimas em processos de violência doméstica –, e que não são vítimas de violência apenas pessoas com personalidade ou postura submissa, já que ter personalidade ou postura diversa (incluindo personalidade combativa e postura de afronta), não exclui a possibilidade de essas pessoas sofrerem actos de violência passíveis de consubstanciar este tipo de crime.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, os Juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO:
Nos autos de Processo n.º 303/22.3PGALM.L1, foi proferida sentença na qual foi decidido condenar o arguido AA, melhor identificado nos autos, na qual foi decidido o seguinte:
1. Absolver o arguido AA da prática, entre ... e ... de 2022, de um crime de violência doméstica, p.p. no artigo 152º, n.º 1, alíneas d) e e), n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pessoa de BB;
2. Condenar o arguido AA pela prática, até ...de 2023, de um crime de violência doméstica, p.p. no artigo 152º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pessoa de CC, numa pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
3. Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, nos termos do artigo 50º, n.os 1 e 5, do Código Penal;
4. Subordinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao cumprimento das regras de conduta de não contactar CC, directamente ou por interposta pessoa e por qualquer meio (exceptuados os contactos necessários para assuntos relacionados com o seu filho BB), e de frequentar programa específico de prevenção da violência doméstica, em moldes a designar pela DGRSP, conforme previsto nos artigos 50º, n.º 2, 51º, n.º 4 (ex vi artigo 52º, n.º 4), e 52º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, e 34º-B, n.º 1, da Lei n.º 112/2009;
5. Não aplicar ao arguido qualquer pena acessória;
6. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por CC, condenando o arguido a pagar-lhe indemnização no valor de 1000€ (mil euros), acrescida de juros à taxa legal, desde a data da citação do arguido e até efectivo e integral pagamento
7. Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil formulado por BB, absolvendo-se o arguido do respectivo pagamento;
8. Condenar o arguido no pagamento de custas relativas ao processo penal, fixando-se a taxa de justiça em 3,5 UC (três unidades de conta e meia);
9. Condenar as partes no pagamento de custas relativas ao pedido de indemnização civil formulado pela assistente, na proporção dos respectivos decaimentos;
10. Condenar BB no pagamento das custas relativas ao pedido de indemnização civil formulado pelo mesmo.
Não conformado com tal sentença, veio o arguido, acima melhor identificado, interpor recurso para este Tribunal, juntando para tanto as motivações que constam dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, concluindo termos, que de seguida se transcrevem:
O Arguido pretende que subam com o presente recurso todos os recursos por si interpostos relativamente aos meios de prova rejeitados pelo Tribunal, porquanto os mesmos demonstram a dinâmica familiar do arguido e da Assistente, contribuindo para o esclarecimento da verdade material , realização da justiça e boa decisão da causa;
Os documentos juntos aos autos em 02/05/2023, na fase de inquérito, referência habilus 25870650, em 22/09/2024, referência habilus 40475049, Em 05/11/2024, referência habilus 40939658, em 05/11/2024 referência habilus 40940187, em 15/12/2024, referência habilus 41365697 e em Em 16/01/2025, referência citius 41631774, devem ser admitidos e apreciados, conforme enunciado no corpo das presentes alegações, proferindo-se nova decisao sobre a matéria de facto. Os documentos juntos em fase de inquérito complementados com os documentos – fotografias do metadados das fotografias juntas em sede de inquerito, devem ser reapreciados e em consequência aditar-se, para além do mais, como provado o facto de ““no dia 24/04/2022, a ofendida causou hematomas e feridas no braço do arguido porquanto não queria deixar o arguido levar o filho BB a ver a avó paterna”.
Os restantes documentos destinam-se a esclarecer que :
- o arguido não tinha qualquer dominância, seja física, psicologica, emocional ou económica, na relação do casal, antes pelo contrário;
- a haver dominância de um elemento do casal sobre o outro, era da Assistente sobre o Arguido, como o demonstram os escritos que de forma espontânea trocaram e demonstram a forma como a ofendida/assistente tratava e trata o arguido em que esta o menospreza e diminui, embora se refiram a outras situações da vida corrente do casal;
- o arguido nunca teve intenção de magoar a Assistente;
- Não ocorreu da parte do arguido violação do bem jurídico “dignidade da pessoa humana”
Situações dificilmente compatíveis com os elementos objectivos especiais do tipo de violência doméstica, tal como este vem sendo apreciado pela jurisprudência dominante;
Deve ser reapreciada a prova gravada e apreciados os documentos juntos aos autos pelo Arguido conforme acima exposto e requerido.
O crime de violência doméstica exige que as ofensas à integridade física, as ameaças, etc, sejam de tal forma repetidas, ou crueis, ou graves, ou degradantes ou desumanas que importem ofensa ao bem juridico “dignidade da pessoa humana”;
Nos presentes autos, estão em causa 4 situações:
- na mudança de habitação do casal, em ...de 2018, a Assistente ordena ao Arguido que não abra as janelas por causa das gatas dela; uma das gatas esconde-se na casa; a Assistente acusa, gritando-lhe, o Arguido, asmático, com enfisema pulmonar, com remoção de um lóbolo do pulmão, de ter aberto as janelas e ter permitido que a gata desaparecesse, repete-se, a gata estava em casa;
- Em ...de 2022, no domingo de Pascoela, período de Páscoa, o Arguido quer levar o filho BB e o DD a verem a avó paterna; a Assistente recusa, o Arguido tenta chegar ao filho para o levar, a Assistente impede o arguido; o BB não foi ver a avó paterna.
-Em ... de 2022, o Arguido faz a cama do filho DD, com lençóis de criança, para este ir lá dormir; a Assistente desfaz a cama e faz com lençóis de adulto, que o Arguido desfaz; a cama fica feita com lençóis de adulto.
-O arguido quebra o autoclismo, na sequência de reparação do mesmo.
Em sete anos de relacionamento existem 4 situações ofensas à integridade física recíprocas e injúrias reciprocas, não havendo razões para valorizar o que a assistente declara em detrimento do que o arguido declara, porquanto os documentos juntos aos autos evidenciam uma postura da Assistente relativamente ao Arguido não compativel com as suas declarações em audiência, e na dúvida deve decidir-se em função do arguido em virtude aliás, da presunção de inocência.
Nas quatro situações referidas não se verifica nem a reiteração, nem a especial a gravidade, nem a especial crueldade, nem o tratamento desumano, em termos de ofender a dignidade da pessoa humana – bem jurídico protegido na norma do artigo 152º referente à violência doméstica.
Há isso sim, violação, recíproca, dos bens juridicos “integridade física” e da honra;
O arguido não praticou o crime de violência doméstica e como tal deve ser absolvido;
A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 32º, números 1 e 2, 13º, n.ºs 1 e 2, CRP, art. 11º, nº.1 da DUDH, aplicável por via do art. 16º, nº.2 da CRP, 152º do CP.
O MP respondeu a este recurso nos seguintes termos:
O recorrente alega que os documentos que juntou em sede de inquérito, bem como aqueles cuja junção requereu e lhe foi indeferida no decurso da audiência de julgamento, de cujas decisões interpôs recurso, que se encontram pendentes de apreciação, devem ser admitidos e apreciados e conduzir a decisão diversa sobre a matéria de facto.
A este respeito cumpre, antes de mais, referir que as fotografias a que o recorrente se refere (respeitantes a marcas de agressões) foram efectivamente apreciadas e valoradas pelo Tribunal, como aliás resulta de uma simples leitura da respectiva motivação de facto (“Há que salientar que o arguido relatou como, nesta ocasião, a assistente lhe fincou as unhas, causando-lhe nódoas negras, e que, posteriormente, juntou aos autos fotografias de nódoas negras no seu antebraço, com marca de data de ... de ... de 2022.
A assistente, que reconhecera já ter agarrado o arguido pelos braços para se conseguir soltar, foi posteriormente confrontada com estas fotografias e negou ter sido ela a causar tais marcas, por não conseguir chegar à parte de cima dos braços do arguido.
Não se apurou, contudo, qualquer razão que o impedisse, mostrando-se aliás verosímil que o tivesse feito para o levar a soltá-la, como disse.”).
Quanto aos demais documentos a que o recorrente se refere, os quais pretendeu juntar durante o decurso da audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no art. 340º, nº 1 do C.P.P., há que referir que a sua junção foi indeferida pelo Tribunal por ter entendido que os mesmos extravasavam o objecto do processo e por não se mostrarem relevantes para a apreciação desse mesmo objecto e para a boa decisão da causa, entendimento com o qual concordamos inteiramente e que já deixámos exposto nas respostas aos quatro recursos interpostos pelo recorrente a esse respeito, para as quais remetemos na íntegra.
Na verdade, grande parte dos documentos que o recorrente pretendeu juntar respeitava a datas muito distantes no tempo dos factos imputados ao arguido no despacho de acusação e outros, a factos irrelevantes para a matéria dos autos, pelo que a decisão do Tribunal recorrido de não admitir a sua junção se mostra correcta e isenta de qualquer reparo, devendo, por essa razão ser mantida.
No mais, refira-se que a matéria de facto dada como provada na sentença reproduz, com fidelidade, o teor da prova produzida em sede de audiência de julgamento – declarações do arguido, da assistente, das testemunhas e prova documental - encontrando-se devidamente fundamentada a convicção do julgador, em termos que subscrevemos inteiramente.
Na verdade, o que é preponderante, na nossa perspectiva, é que tendo em consideração que na apreciação da prova, o Tribunal partindo das regras de experiência é livre de formar a sua convicção, de acordo com a regra consagrada no art. 127º do Código de Processo Penal.
Assim, dentro destes limites, o juiz que em primeira instância julga, goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção de apreciação da prova.
Nada obsta, pois, que, ao fazê-lo, se apoie num certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça suporte de credibilidade.
É na audiência de julgamento que este princípio assume especial relevância, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355º do C.P.P., pois é aí o local de eleição onde existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova. “Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais”. (Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º Volume, Coimbra Editora, 1974, pags. 233 e 234).
Tendo o tribunal “a quo” respeitado estes princípios, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum.
Numa leitura, minimamente atenta da decisão recorrida, nomeadamente da fundamentação de facto e a indicação das provas, não se vislumbra que ao assentar os factos provados o julgador tivesse cometido qualquer erro de julgamento. Pelo contrário, verifica-se ter a sentença seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova, não surgindo a decisão como uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas.
Tendo a Mmª Juiz a quo, na Motivação da Decisão de Facto, feito alusão a todos os depoimentos prestados, bem como à prova documental existente nos autos, de forma bem fundamentada, sustentando a razão da sua valoração dos pontos da matéria de facto colocada em causa pelo recorrente, cumpriu integralmente o dever de fundamentação que se impõe.
Com efeito, andou bem a Mmª Juiz a quo, “lendo” a prova de forma perspicaz e atenta, explicitando de forma bem clara as razões de ter ou não ter atribuído credibilidade às declarações prestadas pelo arguido e pela assistente em sede de audiência de discussão e julgamento. Está, assim, perfeitamente justificada a formação da convicção do julgador sobre os elementos da prova em apreço, em termos lógicos e de razoabilidade, em plena consagração do Princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do Código de Processo Penal, bem como do princípio da imediação, que encontram a sua plena aplicação aquando da apreciação da prova testemunhal. Assim, e contrariamente ao alegado pelo recorrente, não deveria o Tribunal recorrido ter-se socorrido do princípio “in dubio pro reo”.
Na verdade, para que tal princípio tenha aplicação é preciso que no espírito do julgador, ao pretender fixar a matéria de facto, se instale uma dúvida séria, honesta e com força suficiente para se tornar um obstáculo intelectual à aceitação da versão dos factos prejudiciais ao arguido (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 7/06/2006 disponível in www.dgsi.pt).
Ora, na presente situação tal não sucedeu, pois na apreciação global dos meios de prova destinada à reconstituição do facto histórico que lhe foi proposto, como bem resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto, o Tribunal não permaneceu na dúvida sobre a verificação da factualidade imputada ao arguido, antes tendo concluído pela afirmativa. Por conseguinte, sendo perfeitamente correcta a valoração da prova efectuada pelo Tribunal a quo, pelas razões atrás expostas, não merece a sentença condenatória qualquer reparo.
O mesmo se diga a respeito da qualificação jurídica dos factos feita pelo Tribunal recorrido quanto aos factos que considerou provados, mostrando-se a sua decisão devidamente fundamentada, ajustada e perfeitamente esclarecedora.
Como bem salientou o Tribunal em face das constantes questões levantadas pela defesa “Importa a este respeito salientar, pela proporção que esses aspectos assumiram no decurso da audiência de julgamento, que se julga irrelevante, face ao concreto objecto do processo e à decisão a proferir, se o arguido e a assistente dormiam ou não juntos, se mantinham ou não relações sexuais e se, após os factos, continuaram ou não a coabitar (independentemente do número de locais onde abstracta ou concretamente a assistente pudesse passar a residir), já que essas circunstâncias não contribuem para confirmar, infirmar nem alterar que o arguido tenha praticado os factos cuja prática ficou demonstrada pelas razões já expostas, como não contribuem para o enquadramento jurídico desses factos.
É salutar sublinhar também, quanto a tal enquadramento jurídico, pela incidência com que esse aspecto foi abordado no decurso da audiência de julgamento, que os crimes de violência doméstica não têm lugar apenas em relações marcadas pelo ascendente do agente sobre a vítima, que não constitui element típico do crime em causa – sem prejuízo da frequência estatística com que esse ascendente existe nas relações entre arguidos e vítimas em processos de violência doméstica –, e que não são vítimas de violência apenas pessoas com personalidade ou postura submissa, já que ter personalidade ou postura diversa (incluindo personalidade combativa e postura de afronta), não exclui a possibilidade de essas pessoas sofrerem actos de violência passíveis de consubstanciar este tipo de crime.
Dito de modo mais próximo do caso vertente, ainda que se tenha produzido prova no sentido de a assistente ser uma pessoa determinada, esse facto não releva para a decisão a proferir. Resulta da própria acusação que a assistente, além de ter arremessado um candeeiro na direcção do arguido, o confrontou expressamente quando este a atingiu pela primeira vez, perguntando-lhe directamente se lhe ia bater.
A prova desses factos não é incompatível com a conclusão, através dos factos correspondentes, de que este o arguido a atingiu na sua integridade física, como também na sua honra e integridade psíquica, uma vez que esses factos não são mutuamente excludentes.”.
A assistente respondeu ao recurso através de requerimento de 28.05.2025, concluindo não merecer o mesmo provimento.
O arguido interpôs recurso de três despachos, proferidos, respectivamente, em 05.11.2024; 16.12.2024 e 17.01.25, os quais foram admitidos para subirem com a decisão final e cujas motivações se encontram juntas aos autos, dando-se também por reproduzidas, reproduzindo-se aqui as respectivas conclusões.
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1.Recurso interposto em 05.12.2024, do despacho proferido em 05.11.24, admitido em 13.12.2024, e ao qual o MP respondeu em 20.01.2025 e a assistente em 12.01.25:
É o seguinte o despacho proferido:
A assistente juntou aos autos, no dia de hoje, requerimento no sentido de juntar documentos, concretamente mensagens trocadas entre a assistente e o arguido em data posterior à dos factos constantes da acusação, dizendo todas elas respeito a divisão de bens e despesas entre o arguido e assistente.
A defesa juntou aos autos, também no dia de hoje, dois requerimentos no sentido de serem juntos documentos relativos à situação de saúde do arguido e fotografias não datadas (uma vez que, embora conste uma data do print onde surgem, não consta ano da mesma nem se mostra possível apurar se tal data corresponde à data em que foram captadas) e mensagens relativas a divisão de bens e despesas entre o arguido e a assistente, estando algumas não datadas e sendo outras de data posterior à dos factos constantes da acusação.
Conforme já se fez constar de despacho proferido na sessão anterior da presente audiência de julgamento, não se ignora que poderá ser relevante para a boa decisão da causa apurar da relação entre o arguido e a assistente de modo mais abrangente do que através da mera apreciação dos factos e das datas constantes da acusação. Não obstante, não é relevante para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, atendendo aos factos alegados na acusação, no pedido de indemnização civil formulado e na contestação apresentada, que enformam o objecto do processo, apreciar conflitos relativos a questões patrimoniais entre o arguido e assistente, especialmente se forem posteriores aos factos constantes da acusação. Por todo o exposto, e julgando-se que todos os documentos juntos aos requerimentos da assistente e da defesa – à excepção dos dois primeiros documentos juntos ao primeiro requerimento da defesa (por dizerem respeito à situação de saúde do arguido, que sempre será relevante para apurar da sua situação pessoal) – extravasam o objecto do processo, a cuja apreciação o Tribunal está limitado, mostrando-se consequentemente irrelevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, não se admite a sua junção aos autos, com ressalva do que se deixou dito acerca dos documentos relativos à situação de saúde do arguido.
As conclusões do recurso do arguido são as seguintes (constantes dos autos em 5.12.24)
a)- O arguido requereu a junção de mensagens que lhe foram remetidas pela assistente em ordem à prova do que alega e, designadamente, nas declarações que prestou.
b)- Em virtude de terem estado casados e não ser usual remeterem mensagens, o arguido juntou aos autos mensagens recentemente trocadas, após o divórcio (trocadas 5 e 8 meses após a separação e divórcio) para prova da sua defesa;
c)- Documentos que são fundamentais e imprescindíveis para a sua defesa, realização da justiça e apuramento da verdade material e boa decisão da causa, porquanto comprovam o alegado na contestação, designadamente quanto à forma como a assistente tratava e trata o arguido, dificilmente compatíveis com os elementos objectivos do tipo de violência doméstica;
d)- Apesar de não estar ainda lavrado em acta, porquanto esta, à data do termo do prazo de recurso ainda não estar disponível no citius, conforme documento que se junta comprovativo do facto alegado, a junção dos documentos foi rejeitada em virtude de não serem contemporâneos dos factos em apreço nos autos;
e)- Ora, o artigo 340º CPP dispõe quanto aos meios de prova que a defesa considera fundamentais para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa que apenas podem ser rejeitados o meios de prova, se revelem “irrelevantes ou supérfluas, o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, ou o requerimento tem finalidade meramente dilatória”
f)- O que não é o caso dos documentos juntos, nem foi esse o fundamento – acta onde o mesmo foi lavrado ainda não disponível na aplicação Citius – da sua rejeição.
g)- Como assim, deve a prova documental ser admitida por se afigurar fundamental para a descoberta da verdade, boa decisão da causa e realização da justiça, com os devidos
h)- O despacho recorrido violou o disposto no artigo 340º CPP, e o princípio da presunção de inocência previsto no artigo 32º, n.º 2, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa e artigo 48º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, pelo que deve ser revogado.
O MP, em primeira instância, respondeu a este recurso nos seguintes termos:
A assistente juntou aos autos, no dia de hoje, requerimento no sentido de juntar documentos, concretamente mensagens trocadas entre a assistente e o arguido em data posterior à dos factos constantes da acusação, dizendo todas elas respeito a divisão de bens e despesas entre o arguido e assistente.
A defesa juntou aos autos, também no dia de hoje, dois requerimentos no sentido de serem juntos documentos relativos à situação de saúde do arguido e fotografias não datadas (uma vez que, embora conste uma data do print onde surgem, não consta ano da mesma nem se mostra possível apurar se tal data corresponde à data em que foram captadas) e mensagens relativas a divisão de bens e despesas entre o arguido e a assistente, estando algumas não datadas e sendo outras de data posterior à dos factos constantes da acusação.
Conforme já se fez constar de despacho proferido na sessão anterior da presente audiência de julgamento, não se ignora que poderá ser relevante para a boa decisão da causa Na presente situação, cumpre antes de mais referir que o arguido não apresentou nos autos qualquer contestação, pelo que os documentos cuja junção requereu e lhe viu ser indeferida, quando muito, seriam para comprovar o por si alegado quando prestou declarações.
Em segundo lugar, impõe-se também esclarecer que, contrariamente ao alegado pelo recorrente, a Mmª Juiz fundamentou o seu despacho de indeferimento precisamente com base numa das circunstâncias enumeradas na al. b) do nº 4 do art. 340º, ou seja, por ter considerado que a prova requerida era irrelevante para a matéria dos autos, por extravasar o objecto processual.
Com efeito, constitui objeto do processo a acusação de 14/02/2024, ou seja, a prática pelo arguido de dois crimes de violência doméstica, na pessoa da assistente, sua ex-mulher, e na pessoa do filho de ambos, sendo que o último facto descrito na acusação reporta-se ao dia .../.../2022.
Ora, como refere o recorrente, os documentos que pretendia juntar respeitavam a mensagens trocadas entre ambos 5 e 8 meses após a separação e divórcio (divórcio que ocorreu em .../.../2024) a respeito da partilha de bens e pagamento de despesas comuns, e, consequentemente, muitos meses após o último facto imputado ao arguido no despacho de acusação, sendo que, pelo menos uma dessas mensagens teve lugar um ano e 6 meses após esse facto.
Assim, estes documentos cuja junção o recorrente requereu são irrelevantes para a matéria dos autos, por extravasarem o objecto processual fixado pelo despacho de acusação, pelo que a sua junção foi muito bem indeferida pela Mmª Juiz a quo, não merecendo o despacho recorrido qualquer reparo.
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2. Recurso interposto em 15.01.25, do despacho proferido em 16.12.24, admitido em 10.03.25, e ao qual o MP respondeu em 14.07.25 e a assistente em 09.07.25:
É o seguinte o despacho proferido:
Através de requerimento apresentado no dia de ontem, a defesa requereu a junção aos autos de fotografias de lesões do arguido, com nota da respectiva data, de fotografias de roupa e outros bens (cuja junção aos autos já anteriormente tinha requerido), de acta de diligência no âmbito do processo de divórcio entre o arguido e a assistente e ainda de dois emails enviados pela assistente à Ilustre Defensora do arguido, cujo teor aparenta dizer respeito à regulação do exercício das responsabilidades parentais do DD, filho mais velho do arguido.
Tendo-se ouvido o Ministério Público e assistente acerca da junção destes documentos, importa desde já adiantar, quanto aos documentos juntos sob o n.º 2 (fotografias de roupa e outros bens) que, já tendo o Tribunal decidido o requerimento acerca da junção destas mesmas fotografias, se esgotou o poder jurisdicional quanto a tal junção por força do despacho proferido a 5 de Novembro de 2024, já transitado em julgado no que concerne ao decidido quanto a estas fotografias – já que o único elemento inovador do requerimento apresentado no dia de ontem diz respeito à data em que as mesmas terão sido Relativamente aos documentos juntos sob o n.º 1 (fotografias das lesões do arguido), e havendo aparente correspondência entre estas fotografias e as anteriormente juntas pelo arguido através do requerimento junto aos autos a 2 de Maio de 2023, e resultando desses documentos a data em que terão sido captadas, admite-se a junção de tais documentos aos autos, considerando a sua relevância para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Quanto à acta de diligência no âmbito de processo de divórcio, admite-se a sua junção na medida em que é relevante para o apuramento da situação pessoal do arguido.
Por fim, no que concerne aos emails enviados pela assistente para a Ilustre Defensora do arguido e considerando como do seu teor parecem dizer respeito à regulação de exercício das responsabilidades parentais do DD e, nessa medida, extravasar o objecto do processo, a cujo conhecimento o Tribunal está limitado, conforme já consignado nos despachos anteriormente proferidos relativamente à junção de outros documentos, indefere- se a sua junção por não se mostrarem relevantes para a apreciação desse mesmo objecto e nessa medida para a boa decisão da causa.
As conclusões do recurso do arguido são as seguintes (constantes dos autos em 15.01.25)
a)- O arguido requereu a junção de documentos, devidamente determinados no tempo, em ordem à prova do que alega – não praticou o crime de violência doméstica - e, designadamente, nas declarações que prestou.
b)- O documento junto sob o numero dois não é o mesmo documento anteriormente junto e já rejeitado porquanto apesar de se tratar das mesmas fotografias, agora vêm acompanhadas com os metadados da data e local onde foram tiradas, donde apesar de ser a mesma fotografia não é o mesmo documento.
c)- Os documentos juntos sob números 3 e 4 , contemporâneos dos factos aleados na acusação, pese embora respeitem às responsabilidades parentais do outro filho do arguido, demonstram a dominância da ofendida sobre o arguido – sentimentos incompatíveis com a conduta de uma vitima de violência doméstica
d)- Em virtude de terem estado casados e não ser usual remeterem mensagens, bem como à personalidade do arguido – reservada quanto ao que sente – conforme a ofendida em 2019 fez constar em mensagem – remetida sem consentimento e sem conhecimento do arguido à mandatária deste – acrescida da dificuldade de prova por se tratar de prova de facto negativo – prova de que o arguido não praticou o crime de que vem acusado, o arguido juntou aos autos os documentos que logrou reunir e que indiciam a sua inocência, conforme por ele alegado na contestação apresentada em 22/09/2024, por estarem em oposição com o alegado pela ofendida e)- Documentos que são fundamentais e imprescindíveis para a sua defesa, realização da justiça e apuramento da verdade material e boa decisão da causa, porquanto comprovam o alegado na contestação (requerimento de 22/09/2024), designadamente quanto à forma como a ofendida/assistente tratava e trata o arguido, dificilmente compatíveis com os elementos objectivos do tipo de violência doméstica;
f)- Ora, o artigo 340º CPP dispõe, quanto aos meios de prova, que a defesa considera fundamentais para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, que apenas podem ser rejeitados os meios de prova que se revelem “irrelevantes ou supérfluas, o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, ou o requerimento tem finalidade meramente dilatória”
g)- O que não é o caso dos documentos juntos, nem foi esse o – da sua rejeição.
h)- Como assim, deve a prova documental ser admitida, por se afigurar fundamental para a descoberta da verdade, boa decisão da causa e realização da justiça, com os devidos efeitos legais.
i)- O despacho recorrido violou o disposto no artigo 340º CPP, e o princípio da presunção de inocência previsto no artigo 32º, n.º 2, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa e artigo 48º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, pelo que deve ser revogado.
O MP, em primeira instância, respondeu a este recurso nos seguintes termos:
O recorrente alega que o despacho recorrido viola o disposto no art. 340º do C.P.P. e o princípio da presunção da inocência previsto no art. 32º, nº 2 do C.R.P., porquanto os documentos cuja junção requereu são fundamentais para a descoberta da verdade, boa decisão da causa e realização da justiça, pois permitem comprovar no alegado na contestação e afastar o preenchimento dos elementos objectivos do crime de violência doméstica. E para tanto, defende que o art. 340º do C.P.P. dispõe que apenas podem ser rejeitados os meios de prova que se revelem “irrelevantes ou supérfluas, o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, ou o requerimento tem finalidade meramente dilatória” e que tal não é o caso dos documentos cuja junção requereu, nem foi esse o fundamento da rejeição.
Ora, não assiste qualquer razão ao recorrente, como veremos.
Nos termos do disposto no art.º 311.º-B do C.P.P., na redação introduzida pela Lei n.º 13/2022, de 01.08, “1 – O arguido, em 20 dias a contar da notificação do despacho referido no artigo anterior, apresenta, querendo, a contestação acompanhada do rol de testemunhas, sendo aplicável o disposto no n.º 14 do artigo 113.º. 2 – A contestação não está sujeita a formalidades especiais. 3 – Juntamente com o rol de testemunhas, o arguido indica os peritos e consultores técnicos que devem ser notificados para a audiência, bem como qualquer outra prova que entenda adequada à sua defesa. 4 – Ao rol de testemunhas é aplicável o disposto no alínea e) do n.º 3 e nos n.ºs 7 e 8 do artigo 283.º”.
Por sua vez estatui o art.º 340.º do C.P.P., na parte aqui relevante, que “(…) 3 – Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 328.º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis. 4 – Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que: a) … b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória”.
Na presente situação, cumpre antes de mais referir que o arguido não apresentou nos autos contestação, mas apenas um requerimento requerendo a junção de documentos e a leitura de declarações prestadas em inquérito, pelo que os documentos cuja junção requereu e lhe viu ser indeferida, quando muito, seriam para comprovar o por si alegado quando prestou declarações.
Em segundo lugar, impõe-se também esclarecer que, contrariamente ao alegado pelo recorrente, a Mmª Juiz fundamentou o seu despacho de indeferimento precisamente com base numa das circunstâncias enumeradas na al. b) do nº 4 do art. 340º, ou seja, por ter considerado que a prova requerida era irrelevante para a matéria dos autos, por extravasar o objecto processual, sendo que quanto à junção das fotografias, o fundamento do indeferimento prendeu-se com a circunstância de que tal junção já tinha sido requerida e indeferida anteriormente, pelo que se encontrava esgotado o poder jurisdicional quanto a essa matéria.
Com efeito, constitui objeto do processo a acusação de 14/02/2024, ou seja, a prática pelo arguido de dois crimes de violência doméstica, na pessoa da assistente, sua ex-mulher, e na pessoa do filho de ambos, sendo que os factos descritos na acusação reportam-se ao período compreendido entre o ano de 2018 e o dia .../.../2022.
Veja-se a este respeito o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-2011 (processo nº 141/06.0JALRA.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt). “I - O objeto do processo é o objeto da acusação, no sentido de que é esta que fixa os limites da atividade cognitiva e decisória do tribunal, ou, noutros termos, o thema probandum e o thema decidendum. II - A atividade do tribunal penal, consubstanciada na investigação e prova de determinados factos não pode sair fora dos limites traçados pela acusação, sob pena de nulidade, salvo em casos permitidos por lei em que, respeitadas certas condições, se pode proceder a uma alteração dos factos – arts. 303.º, 309.º, 358.º e 359.º, entre outros, do CPP. III -Por seu turno, a atividade decisória do tribunal também tem de se confinar ao objeto da acusação (art. 379.º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma legal); é por força dessas exigências que se diz que o objeto do processo tem de se manter o mesmo – eadem res –, desde a acusação até ao trânsito em julgado, daí derivando os princípios da identidade, da unidade e da indivisibilidade. IV -É ainda dentro dos limites da acusação que se define a extensão do caso julgado, visto que o tribunal deve apurar tudo o que diga respeito a esse objeto (aos factos que dela constam e são imputados ao arguido) de uma forma esgotante, sendo certo que, se os não tiver apurado, tudo deve passar-se como se o tivessem sido, segundo o princípio designado da consunção. V - A delimitação do objeto do processo está relacionada fundamentalmente com todas as garantias de defesa, assegurando-se que nenhum outro indivíduo, que não o arguido, seja julgado pelos factos constantes da acusação e permitindo-se-lhe uma defesa eficaz, subordinada aos princípios do contraditório e da audiência, mas também garantindo, dentro de certa maleabilidade, conjugada com a rigidez que lhe é característica, a investigação da verdade material. VI -Se é a acusação que delimita o objeto do processo, são os factos daquela constantes imputados a um concreto arguido e constituindo crime que fixam o campo delimitador dentro do qual se tem de mover a investigação do tribunal, a sua atividade cognitiva e decisória.”.
Ora, como refere o recorrente, os documentos que pretendia juntar respeitavam a fotografias de roupas e outros bens datadas de ... de 2024, ou seja, tiradas muitos meses após o último facto imputado ao arguido no despacho de acusação, sendo que quanto a eles o Tribunal já se havia pronunciado na sessão de 05/11/2024, indeferindo a sua junção por extravasarem o objecto do processo Relativamente aos e-mails enviados pela assistente à Ilustre Defensora do arguido que este pretendeu juntar, decorre do seu teor que os mesmos respeitam à regulação de exercício das responsabilidades parentais do outro filho do recorrente, de nome DD.
Assim, verifica-se que estes documentos cuja junção o recorrente requereu são irrelevantes para a matéria dos autos, por extravasarem o objecto processual fixado pelo despacho de acusação, pelo que a sua junção foi muito bem indeferida pela Mmª Juiz a quo, não merecendo o despacho recorrido qualquer reparo.
2. Recurso interposto em 17.02.2025, do despacho proferido em 17.01.25, admitido em 10.03.25, ao qual o MP respondeu em 13.04.25 e a assistente em 28.05.25:
É o seguinte o despacho proferido:
Tendo em conta que foi requerida pela defesa a junção de diversos documentos, no que diz respeito ao n.º 1, e uma vez que o mesmo é de facto relativo a factos relatados na última sessão pela assistente e considerando o intuito da junção, que foi concretizado no requerimento da defesa, precisamente para interpretação do relatado pela assistente, decide-se então admitir a sua junção, tendo em conta que obviamente não deixa ser relevante para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Relativamente ao documento n.º 2, a certidão da conservatória do registo predial, indefere-se a requerida junção, tendo em conta o intuito também concretizado no requerimento dessa mesma junção e tendo em conta que não só aquilo que é pretendido provar pela defesa não foi referido e não resultou de outro meio de prova, ou seja, não foi suscitado nesta audiência de julgamento, e que é irrelevante face ao objeto de processo balizado, como já se referiu diversas vezes, pela acusação.
Relativamente ao documento n.º 3 e concretamente à junção de comprovativo de transferência bancária, também é de indeferir a sua junção, tendo em conta, em primeiro lugar que este documento não é apto a provar aquilo que é pretendido pela defesa e, além do mais e conforme já referido em diversos despachos anteriormente proferidos relativamente a outros documentos, tendo em conta que face ao objeto do processo, é irrelevante para a descoberta da verdade e boa decisão da causa apurar os conflitos patrimoniais entre o arguido e assistente após o fim da coabitação e aliás já após o divórcio.
Relativamente ao documento n.º 4 e às fotografias do filho do arguido e da assistente, indefere-se também a junção deste documento, considerando que é irrelevante para o objecto do processo, não exatamente pelos limites do objeto do processo, mas tendo em conta que é o arguido, e não a assistente, quem está a ser julgado por alegadamente ter ofendido a integridade física do filho.
Relativamente ao documento n.º 5, que dirá respeito a mensagens trocadas entre o arguido e a assistente, também se indefere a junção deste documento, tendo em conta como é irrelevante para o objeto do processo e como a intenção da junção deste documento não foi sequer motivada no requerimento da defesa.
As conclusões do recurso do arguido são as seguintes (constantes dos autos em 17.02.25)
a)- O arguido requereu a junção de documentos, devidamente determinados no tempo, em ordem à prova do que alega – não praticou o crime de violência doméstica - e, designadamente, nas declarações que prestou.
b)- Os documentos não admitidos demonstram a personalidade da ofendida e afastam, no contexto da relação familiar, a configuração dos factos constantes da acusação como susceptiveis de integrar o crime de violência doméstica, demonstrando que não há humilhação, ofensa da dignidade da pessoa humana, entre outros, do arguido para com a ofendida.
e)- Documentos que são fundamentais e imprescindíveis para a sua defesa, realização da justiça e apuramento da verdade material e boa decisão da causa, porquanto comprovam o alegado na contestação (requerimento de 22/09/2024), designadamente quanto à forma como a ofendida/assistente tratava e trata o arguido, dificilmente compatíveis com os elementos objectivos do tipo de violência doméstica;
f)- Ora, o artigo 340º CPP dispõe, quanto aos meios de prova, que a defesa considera fundamentais para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, que apenas podem ser rejeitados os meios de prova que se revelem “irrelevantes ou supérfluas, o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, ou o requerimento tem finalidade meramente dilatória”
g)- O que não é o caso dos documentos juntos.
h)- Como assim, deve a prova documental ser admitida, por se afigurar fundamental para a descoberta da verdade, boa decisão da causa e realização da justiça, com os devidos efeitos legais.
i)- O despacho recorrido violou o disposto no artigo 340º CPP, e o princípio da presunção de inocência previsto no artigo 32º, n.º 2, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa e artigo 48º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, pelo que deve ser revogado.
(as alíneas estão reproduzidas tal como no requerimento do arguido embora o mesmo passe da alínea b) para a e)).
O MP, em primeira instância, respondeu a este recurso nos seguintes termos:
Na presente situação, cumpre antes de mais referir que o arguido não apresentou nos autos qualquer contestação, pelo que os documentos cuja junção requereu e lhe viu ser indeferida, quando muito, seriam para comprovar o por si alegado quando prestou declarações.
Em segundo lugar, impõe-se também esclarecer que, contrariamente ao alegado pelo recorrente, a Mmª Juiz fundamentou o seu despacho de indeferimento precisamente com base numa das circunstâncias enumeradas na al. b) do nº 4 do art. 340º, ou seja, por ter considerado que a prova requerida era irrelevante para a matéria dos autos, por extravasar o objecto processual.
Com efeito, constitui objeto do processo a acusação de 14/02/2024, ou seja, a prática pelo arguido de dois crimes de violência doméstica, na pessoa da assistente, sua ex-mulher, e na pessoa do filho de ambos, sendo que o último facto descrito na acusação reporta-se ao dia Como refere o recorrente, os documentos que pretendia juntar respeitavam a:
- doc. nº 2 - informação de registo predial da casa de que a ofendida era proprietária, antes de se casar com o arguido três anos depois do início do relacionamento, comprovativa da sua independência económica;
5 - doc. nº 3 - transferência efectuada pelo arguido para a conta bancária onde é cobrada a amortização do financiamento contraído para aquisição da casa de morada de família, comprovativa de que até ao mês de ... de 2024, o arguido procedeu ao pagamento integral da amortização do financiamento bancário para aquisição da casa que lhe havia sido atribuída em sede de divórcio;
- doc. nº 4 - fotografia da lesão causada pela ofendida ao filho BB;
- doc. nº 5 - mensagens trocadas entre arguido e ofendida onde aquele pede a esta se pode ir dormir com ela e esta aceita.
Assim, verifica-se que estes documentos cuja junção o recorrente requereu são irrelevantes para a matéria dos autos, por extravasarem o objecto processual fixado pelo despacho de acusação, pelo que a sua junção foi muito bem indeferida pela Mmª Juiz a quo, não merecendo o despacho recorrido qualquer reparo.
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Neste Tribunal o Ilustre Procurador-Geral Adjunto pugnou pela improcedência dos recursos e manutenção das decisões recorridas nos termos defendidos pelo colega de primeira instância.
Foi cumprido o disposto no artigo artº 417º nº 2 do CPP e o arguido apresentou requerimento, uma vez mais pugnando pela procedência dos recursos interpostos.
Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se á conferência
2. FUNDAMENTAÇÃO:
Cumpre assim apreciar e decidir.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
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Nos recursos (das decisões interlocutórias e da decisão final) são suscitadas as seguintes questões essenciais que importa apreciar:
a) da pertinência da junção dos documentos solicitada em requerimentos acima descritos e objecto dos despachos acima transcritos:
b) do enquadramento jurídico, mormente do preenchimento dos elementos típicos do crime de violência doméstica.
a. Da pertinência da junção de documentos requerida:
No que concerne ao recurso do despacho de 05.11.2024 foi indeferida a junção de fotografias não datadas e de mensagens relativas a divisão de bens e despesas entre arguido e ofendida, sendo algumas não datadas e outras posteriores à acusação.
O arguido alega que tais documentos que são fundamentais e imprescindíveis para a sua defesa, realização da justiça e apuramento da verdade material e boa decisão da causa, porquanto comprovam o alegado na contestação, designadamente quanto à forma como a assistente tratava e trata o arguido.
Ora, como refere o recorrente, os documentos que pretendia juntar respeitavam a mensagens trocadas entre ambos após a separação e divórcio a respeito da partilha de bens e pagamento de despesas comuns, e, consequentemente, muitos meses após o último facto imputado ao arguido no despacho de acusação, sendo que, pelo menos uma dessas mensagens teve lugar um ano e 6 meses após esse facto.
É o próprio arguido/recorrente que acaba por referir que os documentos extravasam o objecto processual pois se referem à forma como a ofendida o trata, desde logo porque são posteriores à acusação e até ao divórcio e ademais tratam de matérias que se prendem com a partilha de bens.
Se assim é, claramente que os documentos não poderiam ser admitidos e bem andou a Mma Juiz em indeferir a junção dos mesmos, nenhuma censura merecendo o despacho.
Quanto ao despacho de 16.12, o mesmo incidiu sobre um requerimento apresentado pelo arguido no qual requereu a junção aos autos de fotografias de lesões do arguido, com nota da respectiva data, de fotografias de roupa e outros bens (cuja junção aos autos já anteriormente tinha requerido), de acta de diligência no âmbito do processo de divórcio entre o arguido e a assistente e ainda de dois emails enviados pela assistente à Ilustre Defensora do arguido, cujo teor aparenta dizer respeito à regulação do exercício das responsabilidades parentais do DD, filho mais velho do arguido.
Quanto aos documentos juntos sob o n.º 2 (fotografias de roupa e outros bens) entendeu o Tribunal, que já tendo decidido o requerimento acerca da junção destas mesmas fotografias, se esgotou o poder jurisdicional quanto a tal junção por força do despacho proferido a 5 de Novembro de 2024, já transitado em julgado.
No que concerne aos emails enviados pela assistente para a Ilustre Defensora do arguido e considerando como do seu teor parecem dizer respeito à regulação de exercício das responsabilidades parentais do DD e, nessa medida, extravasar o objecto do processo, foi também indeferido o requerimento.
Quanto aos documentos juntos sob o n.º 1 (fotografias das lesões do arguido), e havendo aparente correspondência entre estas fotografias e as anteriormente juntas pelo arguido através do requerimento junto aos autos a 2 de Maio de 2023, e resultando desses documentos a data em que terão sido captadas, admite-se a junção de tais documentos aos autos, considerando a sua relevância para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e quanto à acta de diligência no âmbito de processo de divórcio, foi admitida a sua junção na medida em que é relevante para o apuramento da situação pessoal do arguido.
Assim, os únicos documentos cuja junção não foi admitida foi aqueles sobre os quais o tribunal já se havia pronunciado e os relativos a matéria que extravasa o objecto processual fixado pelo despacho de acusação, pelo que a sua junção foi muito bem indeferida pela Mmª Juiz a quo, não merecendo o despacho recorrido qualquer reparo.
Por fim, quanto ao despacho de 17.01.2025, como refere o recorrente, os documentos que pretendia juntar respeitavam a:
- doc. nº 2 - informação de registo predial da casa de que a ofendida era proprietária, antes de se casar com o arguido três anos depois do início do relacionamento, comprovativa da sua independência económica;
5 - doc. nº 3 - transferência efectuada pelo arguido para a conta bancária onde é cobrada a amortização do financiamento contraído para aquisição da casa de morada de família, comprovativa de que até ao mês de ...de 2024, o arguido procedeu ao pagamento integral da amortização do financiamento bancário para aquisição da casa que lhe havia sido atribuída em sede de divórcio;
- doc. nº 4 - fotografia da lesão causada pela ofendida ao filho BB;
- doc. nº 5 - mensagens trocadas entre arguido e ofendida onde aquele pede a esta se pode ir dormir com ela e esta aceita.
Conforme se disse no despacho recorrido, é irrelevante para a descoberta da verdade e boa decisão da causa apurar os conflitos patrimoniais entre o arguido e assistente após o fim da coabitação e aliás já após o divórcio e quanto ao documento n.º 4 e às fotografias do filho do arguido e da assistente, tal como se mencionou no despacho recorrido quem está a ser julgado por alegadamente ter ofendido a integridade física do filho é o arguido e não a ofendida.
Relativamente ao documento n.º 5, que dirá respeito a mensagens trocadas entre o arguido e a assistente, não foi sequer motivada no requerimento da defesa e por também extravasar o objecto do processo foi, e bem, indeferido.
Ao contrário do que alega o arguido tais documentos não são fundamentais e imprescindíveis para a sua defesa, realização da justiça e apuramento da verdade material e boa decisão da causa.
Bem andou, pois, a Mma Juiz a quo ao indeferir a junção dos documentos em causa, não se impondo qualquer reapreciação da prova à luz de tais documentos ou de quaisquer outros e muito menos da prova gravada.
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b. Do enquadramento jurídico:
Quanto ao enquadramento jurídico, entende o arguido que os elementos típicos (objetivos e subjetivos) do crime de violência doméstica não estão preenchidos, dado que nas quatro situações referidas não se verifica nem a reiteração, nem a especial a gravidade, nem a especial crueldade, nem o tratamento desumano, em termos de ofender a dignidade da pessoa humana – bem jurídico protegido na norma do artigo 152º referente à violência doméstica.
Segundo afirma há isso sim, violação, recíproca, dos bens juridicos “integridade física” e da honra e como tal o arguido não praticou o crime de violência doméstica e como tal deve ser absolvido.
Não assiste razão ao arguido.
Os factos dados como provados e não provados na sentença são os seguintes:
1. O arguido e a assistente casaram a ... de ... de 2019 e divorciaram-se em ... de 2024.
2. O arguido e a assistente viviam juntos, como se fossem marido e mulher, desde ....
3. O arguido e a assistente residiram inicialmente no ... e, desde ...de 2018, na ....
4. Da união entre o arguido e a assistente nasceu BB, a ... de ... de 2020.
5. Em datas e com frequência não concretamente apuradas, o arguido apodou a assistente de abandonada, sabendo que os pais a tinham abandonado.
6. Em data não concretamente apurada de ... de 2018, na residência comum, na sequência de uma discussão entre ambos, o arguido dirigiu-se à assistente e, temendo que aquele a molestasse fisicamente, a assistente arremessou um candeeiro na sua direcção, que não o atingiu .
7.Acto contínuo, o arguido dirigiu-se à assistente, agarrou-lhe os braços com força e, por várias vezes, empurrou-a contra os móveis e contra a parede, fazendo-a cair ao chão.
8. De seguida, o arguido colocou-se sobre a assistente e colocou-lhe um antebraço no pescoço, pressionando-o.
9. A assistente perguntou ao arguido se lhe ia bater, o que fez com que o arguido a largasse.
10. Como consequência da conduta do arguido, a assistente sofreu dores e hematomas nos braços e nas pernas.
11. Em hora não apurada de ... de ... de 2022, na residência comum, enquanto a assistente preparava o filho de ambos no muda-fraldas, o arguido disse que ia levá-lo a casa da sua mãe, o que a assistente negou.
12. Face à recusa da assistente, o arguido dirigiu-se-lhe, agarrou-a nos braços com as duas mãos e empurrou-a, levando-a a embater com as costas na cómoda.
13. Como consequência da conduta do arguido, a assistente sofreu dores e hematomas nos braços e nas costas.
14. Em data não concretamente apurada de ... de 2022, BB foi atrás do arguido para a varanda da residência.
15. Após dizer a BB para não ir atrás dele, o arguido fechou a porta da varanda, entalando a mão do mesmo.
16. Nesse momento, a assistente perguntou ao arguido se era estúpido.
17. Após, o arguido disse à assistente que era uma atrasada mental e que se voltasse a falar assim com ele ia ver.
18. Como consequência da conduta do arguido, BB sofreu dores, mas não recebeu tratamento hospitalar.
19. A ... de ... de 2022, na sequência de uma discussão entre ambos, o arguido dirigiu-se à assistente, que trazia o filho de ambos ao colo, e, em tom de voz alta e exaltada, exigiu-lhe que fizesse a cama cujos lençóis havia retirado e arremessado ao chão.
20. De seguida, o arguido apertou com força o braço direito de BB e empurrou a assistente para cima da cama
21.Seguidamente, o arguido abandonou o quarto onde se encontravam e a assistente e o filho de ambos choraram.
22. Como consequência da conduta do arguido, a assistente e BB sofreram dores, mas não recorreram a tratamento hospitalar.
23. Em data não concretamente apurada entre ..., ao ver que um autoclismo da residência se encontrava arranjado, o arguido perguntou à assistente quem o havia arranjado, sem que a assistente lhe tivesse respondido.
24. Desagradado, o arguido, de modo não concretamente apurado, danificou o autoclismo.
25. Ao agir do modo acima descrito, o arguido quis maltratar física e psicologicamente a assistente, sua mulher e mãe do seu filho menor de idade, como efectivamente maltratou, molestando o seu corpo, provocando-lhe dores e ofendendo-a na sua honra e consideração, bem sabendo que tais condutas eram aptas a fazê-la sentir dores, a sentir-se humilhada e a sentir receio pela sua integridade física.
26. Ao não se coibir de praticar tais factos no interior da residência da assistente, onde esta deveria sentir-se protegida e onde ninguém a podia auxiliar, o arguido bem sabia que as suas condutas eram especialmente gravosas e censuráveis.
27. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era penalmente proibido.
28. O arguido padece de asma eosinofílica grave e de enfisema pulmonar.
29. O arguido tem 2 filhos, com 10 e 4 anos de idade.
30. O arguido convive com os filhos em fins de semana alternados.
31. O arguido aparenta manter relação afetiva coesa com os filhos e é descrito como um progenitor atento, dedicado e preocupado com o bem-estar das crianças.
32. O arguido vive com a mãe desde ... de ... de 2024, quando saiu da casa onde viveu com a assistente.
33. O arguido mantém uma relação cordial e civilizada e contactos regulares com a assistente no que concerne às questões relativas ao filho comum, sem que se verifiquem desentendimentos entre ambos nesse âmbito
34.O arguido mantém conflito judicial com a progenitora do filho mais velho relativo à partilha do tempo da criança com cada progenitor desde a separação.
35. O arguido atribui a degradação gradual do relacionamento afectivo com a assistente essencialmente a problemas decorrentes da disputa atinente à regulação das responsabilidades parentais do seu filho mais velho.
36. O arguido frequentou o 12º ano de escolaridade, que não completou, e também o 1º ano da licenciatura em ….
37. O arguido trabalha como …, auferindo valor mensal compreendido entre 1370€ e 1542,80€.
38. O arguido contribui para as despesas dos filhos com prestação de alimentos de valor mensal de 125€ para o filho mais velho e de 110€ para o filho mais novo, suportando ainda metade da mensalidade do colégio que este frequenta, de valor global compreendido entre 96€ e 97€.
39. O arguido não contribui para as despesas da casa onde vive actualmente.
40. O arguido e a assistente são proprietários da casa onde viveram juntos, cujo direito de utilização até à partilha foi atribuído ao arguido, e que ainda não foi objecto de partilha.
41. O arguido e a assistente suportam o pagamento do crédito habitação em partes iguais, sendo a respectiva mensalidade de aproximadamente 500€.
42. O arguido não é proprietário de outros imóveis além da casa onde viveu com a assistente.
43. O arguido e a assistente são proprietários de veículo automóvel de marca e modelo ..., de 2009, que vem sendo utilizado pela assistente e que ainda não foi objecto de partilha.
44. O arguido é proprietário de veículo automóvel de marca e modelo ..., de 1999.
45. O arguido não tem antecedentes criminais.
46. A assistente padece de fibromialgia.
47. A assistente vive com o filho da assistente e do arguido na casa onde viveu com o arguido
48. A assistente é licenciada em … e trabalha como …, auferindo valor mensal de aproximadamente 1000€.
49. A assistente não é proprietária de outros imóveis além da casa onde viveu com o arguido.
* FACTOS NÃO PROVADOS
Resultaram não provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa: A. A partir de 2018, o relacionamento entre o arguido e a assistente foi pautado por discussões frequentes. B. O arguido disse à assistente que ia levar o filho de ambos a casa da sua mãe, a ... de ... de 2022, na sequência de uma discussão entre ambos. C. Após o arguido ter empurrado a assistente, a ... de ... de 2022, a assistente dirigiu-se para próximo do filho que se encontrava deitado num muda-fraldas. D. Acto contínuo, o arguido empurrou-a por duas vezes. E. Na ocasião em que o arguido entalou a mão de BB, dirigiu-se à assistente e encostou a sua cabeça à cabeça daquela. F. Como consequência da conduta do arguido, a assistente sofreu dores, mas não recorreu a tratamento hospitalar. G. Quando o arguido e a assistente discutiram por causa dos lençóis, a ... de ... de 2022, o arguido colocou um braço à volta do pescoço da assistente. H. Quando o arguido e a assistente discutiram por causa dos lençóis, a ... de ... de 2022, a assistente solicitou por várias vezes ao arguido que cessasse com o seu comportamento para não magoar o filho. I. O arguido sabia que as suas condutas eram aptas a fazer a assistente sentir receio pela sua vida O arguido agiu ainda com o propósito conseguido de maltratar corporal e psicologicamente BB, seu filho, levando-o a suportar agressões físicas e psicológicas e provocando-lhe um profundo receio pela sua segurança e integridade física. K. Mais, ao agir das formas descritas na presença do seu filho menor de idade, o arguido sabia que o amedrontava e destabilizava emocionalmente, fazendo-o recear pela sua integridade física e pela integridade física da sua mãe e que afectava o saudável desenvolvimento psíquico e formativo do mesmo, não se coibindo de perpetrar tais atos, mesmo sabendo que este é seu filho e que é responsável pela educação e por assegurar o bem-estar do mesmo. L. Ao não se coibir de praticar tais factos no interior da residência de BB, onde este deveria sentir-se protegido e onde ninguém o podia auxiliar, o arguido bem sabia que as suas condutas eram especialmente gravosas e censuráveis.
E a fundamentação de direito (parcial) é a seguinte:
No presente caso, é certo que, à data dos factos, o arguido era casado com a assistente, que é também mãe de um dos seus filhos, e que, ao longo dessa relação e sempre no interior da residência que então partilhavam, a apoucou e, pelo menos em 3 ocasiões distintas, atingiu o seu corpo, agarrando-a, empurrando-a, levando-a a embater em superfícies e até a cair e provocando-lhe dores e hematomas. Resulta assim claro que o arguido levou a cabo diversas condutas que atentaram contra a integridade física e psíquica e a honra da assistente, condutas estas que, globalmente consideradas e contextualizadas, seguramente integram o crime de violência doméstica. Assim, conclui-se que, por ter praticado, de modo livre e voluntário, os factos dados como provados por este Tribunal na residência que partilhava com a vítima, na presença, quanto a alguns deles, do filho menor de ambos, estando consciente dos mesmos e das suas consequências, como também da sua censurabilidade, o arguido cometeu, até ... de 2023, um crime de violência doméstica na pessoa da assistente, p.p. no artigo 152º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, alínea a), do CP
O crime de violência doméstica exige que as ofensas à integridade física, as ameaças, etc, sejam de tal forma repetidas, ou crueis, ou graves, ou degradantes ou desumanas que importem ofensa ao bem juridico “dignidade da pessoa humana”;
O arguido além de desprezar a ofendida chamando-lhe abandonada por causa do sucedido na infância desta, ao longo de oito anos bateu-lhe três vezes, desvalorizando o bem estar, a dignidade, o bom nome e o respeito pela integridade física, emocional e psíquica da esposa e mãe do filho.
O artigo 152º, n.º1 do CP, estatui hoje que:
1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou a fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) a progenitor (…)
d) a pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica que com ele coabite (…)
e) a menor que seja seu descendente(..)
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Convém dizer que o artigo 152º está integrado no título dedicado aos crimes contra as pessoas.
Já no que se referia ao anterior crime de maus tratos, dizia Américo Taipa de Carvalho, no Comentário Conimbricense ao Código Penal, tomo I, p. 332, que a ratio do tipo está não na protecção da família ou da sociedade conjugal mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana.
No entender deste autor, o bem jurídico protegido por este crime é a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental e bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos (…) que afectem a personalidade.
Convém recordar que a nossa jurisprudência já antes de 2007 se encaminhava no sentido de que bastava um único acto para que houvesse um crime de maus-tratos.
Já no Acórdão do STJ de 14.11.97, in CJ III, p. 235 se podia ler que só as ofensas corporais, ainda que praticadas uma só vez, mas que revistam uma certa gravidade ou seja, que traduzam crueldade, insensibilidade ou até vingança desnecessária por parte do agente é que cabem na previsão do artigo 152º do CP.
Sendo assim, na esteira do Acórdão da Relação do Porto de 26.05.2010, relatado pelo Sr. Desembargador Joaquim Gomes, acessível em www.dgsi.pt, podemos assentar que no actual crime de violência doméstica da previsão do artigo 152º do CP, a acção típica aí enquadrada tanto pode revestir maus tratos físicos, como sejam as ofensas corporais, como de maus tratos psíquicos, nomeadamente humilhações, provocações, molestações, ameaças ou maus tratos, como sejam as ofensas sexuais e as privações de liberdade, desde que os mesmos correspondam a actos, isolada ou reiteradamente praticados, reveladores de um tratamento insensível ou degradante da condição humana da sua vítima.
A função deste artigo é prevenir as frequentes e, por vezes, tão subtis e camufladas formas de violência no âmbito da família. Neste sentido, a necessidade prática da criminalização das espécies de comportamentos descritos no art. 152º, alínea a) resultou da consciencialização ético-social dos tempos recentes sobre a gravidade individual e social destes comportamentos. A neocriminalização, no sentido de que a disposição deste artigo é algo de relativamente recente, não significa novidade ou maior frequência deles, nos tempos actuais, mas sim uma saudável consciencialização da inadequação e da gravidade e perniciosidade desses comportamentos, de uma consciencialização recente da violência conjugal como problema social.
O crime de violência doméstica pressupõe um agente, um sujeito activo que se encontra numa determinada relação para com o sujeito passivo, a vítima, daqueles comportamentos. Assim sendo, estamos perante aquilo a que se chama um crime específico. Este denominado crime específico será impróprio ou próprio, consoante as condutas por si mesmas consideradas já constituam crime (estamos a lembrar-nos dos maus tratos físicos, sinónimo de ofensa à integridade física simples, de algumas formas de maus tratos psíquicos, como por exemplo, ameaças, injúrias ou difamações) ou não configurem em si mesmas qualquer tipo de crime.
E estes maus tratos podem ser infligidos de modo reiterado ou não. Anteriormente, à alteração introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro ao Código Penal, o tipo em análise pressupunha implicitamente uma reiteração das respectivas condutas. Um tempo longo entre dois dos referidos actos afastaria o elemento reiteração ou habitualidade. Contudo, existia já uma grande parte da jurisprudência, com a qual concordávamos, que considerava que uma conduta ainda que isolada podia configurar um crime de maus tratos desde que pela sua gravidade pusesse em causa a dignidade humana do cônjuge ofendido – cf. neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra de 13/06/2007, in www.dgsi.pt.
Quanto ao tipo subjectivo de ilícito exige-se o dolo.
O nº 2 do preceito em análise, prevê uma agravação da moldura penal quando os factos forem praticados contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima.
No caso dos autos, dúvidas não restam de que os factos descritos na acusação são integradores de crimes de violência doméstica contra a mulher do arguido, a quem este arguido injuriou e bateu, enquanto coabitaram, comportamentos tipicamente integradores do crime de violência doméstica.
Acresce que quis actuar como actuou, agindo, pois, dolosamente.
Estão, desta forma, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de violência doméstica, sendo o arguido condenado, e bem, pela prática de um crime cometido contra cada ofendido.
Improcedem, pois, todos os fundamentos dos recursos, os quais são totalmente improcedentes.
3. DECISÃO:
Assim, e pelo exposto, nega-se provimento aos recursos interpostos, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pelo arguido que se fixam em 6 UCS.
Notifique.

Lisboa, 24 de Setembro de 2025
Cristina Isabel Henriques
Maria da Graça dos Santos Silva
Mário Pedro M.A.S. Meireles