Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9999/20.0T8LSB.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
NECESSIDADES TEMPORÁRIAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I– No Código de Processo do Trabalho, ao contrário do previsto no Código de Processo Civil, a audiência prévia é convocada quando a complexidade da causa o justifique.

II– Em nosso entender, o legislador optou por essa solução, perante os interesses em presença no processo do trabalho, os princípios da simplicidade, celeridade e economia processuais que o regem, e a circunstância de se preverem no Código de Processo do Trabalho vários mecanismos com finalidades similares às da audiência prévia.

III– Em caso de dispensa da audiência prévia, quando o juiz pretenda conhecer do mérito da causa, nos termos do art.º 3.º n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil, antes de ser proferida a decisão final, deve facultar às partes a discussão dos fundamentos em que tal decisão possa assentar, desse modo se prevenindo as chamadas decisões surpresa, ou seja, as baseadas em fundamento não previamente considerado pelas partes.

IV– Assim não sucede, em casos de manifesta simplicidade, quando, como no presente, a matéria em questão foi suficientemente discutida nos autos, não assume complexidade e a sua apreciação não carece de produção de prova visto depender apenas da aplicação do direito.

V– A celebração, entre a Ré e terceira entidade de um contrato de prestação de serviços a PMR’s (passageiros de mobilidade reduzida, designado MyWay), contrato esse que é de um ano, renovável e que pode ser revogado a qualquer momento, não basta para fundamentar a contratação a termo do Autor, com base na satisfação de necessidades temporárias do empregador.

VI Tais serviços assumem caráter duradouro, resultam do imposto pelo Regulamento (CE) 1107/2006, do preconizado pela ECAC (European Civil Aviation Conference), cabendo a sua execução, em primeira linha àquela entidade, mas que por via da contratação com a Ré passou, duradouramente, a caber a esta enquanto o dito contrato se mantiver - contrato esse, aliás, que se tem mantido desde 2008.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


1.–Relatório


1.1.–AAA, intentou contra BBB, a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo ao tribunal que, julgando pela sua procedência: 1. Seja declarada a nulidade dos termos apostos nos contratos, condenando-se a R. a reconhecer a efetividade e antiguidade do A. desde a celebração do 1º contrato de trabalho com a empresa de trabalho temporário (…); 2. Em consequência, seja a R. condenada a reintegrar o A. no seu posto de trabalho. Alegou,  para tanto, que, a 22/05/2014, celebrou um contrato de trabalho temporário a termo certo com a ETT (…) para prestar a sua atividade na aqui R.; a 21/05/2016, aquele contrato cessou, por iniciativa da entidade empregadora; a 22/05/2016, a R. celebrou com o A. um contrato de trabalho a termo incerto, ao abrigo do qual passou a realizar exatamente as mesmas funções que realizava anteriormente, a coberto daquele contrato de trabalho temporário; por carta de 06/04/2020, a R. comunicou ao A. a caducidade do contrato de trabalho a termo incerto; todavia, quer o termo aposto no contrato de trabalho temporário quer o termo aposto no contrato de trabalho celebrado com a R. são nulos, por não corresponderem a necessidades temporárias, transitórias ou esporádica, bem definidas e não duradouras, mas sim a verdadeiras necessidades permanentes; desta feita, sendo nulos os termos, estamos perante uma relação de trabalho assente em contrato de trabalho por tempo indeterminado que não pode ser feito cessar por caducidade, nos termos comunicados pela R.; desta feita, aquela comunicação traduz-se em verdadeiro despedimento ilícito, impondo-se a reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho; de igual modo, deve a antiguidade do A. reportar-se à data do início do contrato de trabalho temporário. 

Regular e pessoalmente citada a R., foi realizada a audiência de partes, sem conciliação.

A R. deduziu contestação, excecionando a pretensão do A. no que tange ao contrato de trabalho temporário a termo certo, atenta a prescrição do seu direito; impugnou a pretensão do A. quanto ao mais, na medida que os termos são válidos; e formulou pretensão reconvencional na medida em que, por força da caducidade do contrato a termo, a R. pagou ao A. a compensação legal; decidindo-se pela manutenção do contrato, e decidindo ao tribunal a condenação no pagamento dos salários de tramitação, operar-se a compensação dos créditos.

Conclui pedindo ao tribunal que:
a)-decidindo pela procedência da exceção perentória de prescrição, absolva a R. do pedido, nessa parte;
b)- julgando a improcedência da ação, absolva a R. do pedido;
c)-caso se julgue procedente a ação, com a consequente reintegração do A., se julgue procedente a reconvenção, operando-se desta forma a compensação das quantias já pagas a título de indemnização pela caducidade do respetivo contrato de trabalho com os créditos que se venham a apurar serem devidos ao autor.

Regularmente notificado, o A. não apresentou resposta à reconvenção.

Foi proferido despacho saneador, e emitido o seguinte despacho:
Ao abrigo do disposto no artigo 62.º, do Código de Processo de Trabalho, e porque as partes já se pronunciaram de forma esgotante – de facto e de Direito (inclusive a decisões judiciais proferidas em situações paralelas) – nos seus articulados, dispenso a realização de audiência prévia”.
 
Prolatada sentença, nela se finalizou do seguinte modo:
“Face ao exposto, julgo parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção e, em consequência: 1. declaro a nulidade do termo aposto no contrato de trabalho temporário celebrado entre o A. e (…), a 22/05/2014, e do termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre o A. e a R., a 22/05/2016; 2. condeno a R. a reconhecer a antiguidade do A. desde 22/05/2016, por efeito do contrato de trabalho sem termo celebrado entre si e o A.; 3. declaro a ilicitude do despedimento implícito do A., pela R., a 06/04/2020, e, em conformidade, condeno a R. reintegrar o A. no estabelecimento da R., sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; 4 . absolvo a R. quanto ao demais pedido contra si, pelo A.; 5. absolvo o A./Reconvindo do pedido reconvencional, contra si deduzido pela R./Reconvinte.”

1.2.Inconformada com esta decisão dela recorre a Ré, concluindo a sua alegação do seguinte modo:
1.-O presente recurso vem interposto da sentença, a fls., que declarou nulo o termo incerto aposto ao contrato de trabalho celebrado entre o Autor, aqui Recorrido, AAA e a Ré, aqui Recorrente, BBB, tendo condenado a reconhecer a antiguidade daquele desde 22/05/2016.  
2.-Não se conformando a Recorrente com a preterição da realização de audiência prévia, e não podendo ignorar que o Tribunal a quo proferiu decisão sem cumprir o dever de consulta entende a Recorrente que a referida decisão é nula, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, uma vez que esta foi proferida sem que às partes tivesse sido conferida possibilidade de exercer o contraditório, nos termos do n.º 3, do art.º 3.º do CPC, consubstanciado uma violação da necessidade do pedido e da contradição, devendo, por conseguinte, o Despacho Saneador-Sentença ser revogado e ser, consequentemente, realizada audiência prévia nos autos, dada a complexidade da causa, pelos motivos oportunamente expostos, nos termos do art. 62º do CPT.
3.-Se assim não se entender, e não se conformando com a referida decisão, vem a Recorrente, e sem prejuízo de considerar que não havia, com não há, condições para que fosse proferido Despacho Saneador Sentença porquanto, para além da preterição da realização de audiência prévia, haveria sempre que ter lugar à produção de prova testemunhal em sede de audiência final, face aos elementos fornecidos pelo processo e face ao circunstancialismo factual considerado assente, requerer a revogação parcial da mesma, por meio de interposição do presente recurso de apelação, nos termos do disposto no n.º 1, alínea a) do artigo 79.º-A e do n.º 1, do artigo 80.º, ex vi n.º 2, do artigo 1.º, todos do CPT, e da alínea a), do n.º 1, do artigo 644.º, do CPC.
4.-Salvo o devido respeito, não pode a Recorrente acompanhar o entendimento de que o termo aposto ao Contrato de Trabalho é nulo, porquanto a transitoriedade da atividade de Assistência a PMR’s se afere com base “nas necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora” (cf. n.º 1 do art. 140º do CT), constando a respetiva fundamentação do referido contrato. 
5.-Parece, contudo, que o Ilustre Tribunal a quo, para decidir no sentido em que decidiu, ignorou a conjuntura legal referente à contratação a termo, prevista no art. 140º do CT, tendo apenas conferido relevância ao caráter constante da atividade na esfera da (…)., olvidando-se de que esta incumbiu a BBB, aqui entidade empregadora, temporariamente, da referida atividade, sendo que uma e outra são entidades jurídicas distintas com objetos sociais distintos também. 
6.-Contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, sendo a BBB a entidade empregadora, incumbida temporariamente da referida atividade, poderia esta recorrer à contratação a termo, motivada pela sua necessidade temporária, objetivamente definida, nos termos do art. 140º do CT, por devido a uma atividade que, não sendo originariamente da sua responsabilidade, lhe foi incumbida pela entidade gestora do aeroporto, por um período temporal concreto. 
7.-Salvo melhor opinião, procedeu mal o Tribunal a quo ao ignorar que a aferição da necessidade temporária associada ao serviço de Assistência a PMR´s deverá ser feita tendo em consideração a estrutura e a organização empresarial da Recorrente, não sendo relevante para a causa a responsabilidade permanente da (…) pelo referido serviço, porquanto tal factualidade em nada interfere na transitoriedade do mesmo na esfera da Recorrente, entidade empregadora. 
8.-Pelo que, outro não poderá ser o entendimento se não o de que a cessação do Contrato de Trabalho, motivada pela respetiva caducidade, foi, legítima, válida, em virtude de a necessidade temporária que inicialmente motivou a contratação, ter cessado, devendo, em conformidade, ser parcialmente revogada a sentença proferida, substituindo-se a decisão por outra que declare a licitude do termo aposto ao Contrato de Trabalho, assim como lícita a cessação do contrato de trabalho que vigorou entre as partes, absolvendo a Recorrente de todo o peticionado.  

NESTES TERMOS:

E nos mais de Direito aplicáveis
a)- Deve o presente recurso ser admitido e, em consequência,
b)-Ser julgado totalmente procedente, por provado, e, consequentemente, declarada nula a sentença do Tribunal a quo, devendo ser marcada data para realização de audiência prévia; 
c)- Se assim não se entender, deve ser revogada parcialmente a sentença do Tribunal a quo na parte em que declarou a nulidade do termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, com todas as legais consequências, e assim se fazendo JUSTIÇA!

1.3.Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.

1.4.–O recurso foi admitido na espécie, efeito e regime de subida adequados.

Cumpre apreciar e decidir

2.– Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artigos 635.º, n.º s 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado. Assim, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em saber se a sentença é nula e se é válido o contrato a termo celebrado entre o Autor e a Ré e lícita a cessação do mesmo.

3.–Fundamentação de facto

1.–A R. no exercício da sua atividade contratou o A., atribuindo-lhe a categoria profissional de assistente de passageiros.
2.–O A. e a empresa de trabalho temporário e de recrutamento de recursos humanos (…)., celebraram entre si, em 22-05-2014, um contrato de trabalho temporário a termo certo.
3.–Nesse contrato as partes subscreveram as seguintes cláusulas:1.-O/A Segundo/a Outorgante com a categoria de Assistente de Passageiros obriga-se perante a empresa ora outorgante a desempenhar funções, com a seguinte caracterização sumária: - Acolher e encaminhar os Passageiros de Mobilidade Reduzida (PMR), - prestar auxílio na mobilidade ao PMR; - Acompanhar e prestar apoio ao PMR na sua deslocação e durante o trajecto de e para a aeronave; - Conduzir veículos de apoio ao transporte de PMR’s; - Manusear equipamentos de apoio à mobilidade de PMR’s; - Acompanhar o PMR, sempre que solicitado pelo mesmo, às várias áreas/serviços do Aeroporto; junto da Empresa Utilizadora BBB., conforme descrição no Instrumento de Regulamentação Colectiva de Trabalho aplicável. 2ª O presente contrato é celebrado ao abrigo do art. 140º n.º 2 alínea g) e art. 175º n.º 1 da Lei 7/2009, de 12.02, com a seguinte descrição: Prestação e manutenção da actividade e projecto, para assistência a pessoas com mobilidade reduzida, que se consubstancia na necessidade de mão-de-obra, para realização de um projecto com carácter temporal, precisamente definido e não duradouro, a cargo da Empresa Utilizadora, a realizar-se no Aeroporto de Lisboa, celebrado, em regime de sub-empreitada, entre a (…), e a BBB., em regime de actividade secundária, em conformidade com o contrato de utilização celebrado entre a Primeira Outorgante e a empresa Utilizadora.
4.–O contrato com a empresa de trabalho temporário renovou-se, até ao dia 21 de maio de 2016, data em que cessou por iniciativa da empregadora, conforme comunicação da sua não renovação efectuada por carta datada de 03/05/2016.
5.–A dia 22 de maio de 2016, foi celebrado com a R. um contrato de trabalho a termo incerto.

6.–As partes fizeram constar daquele contrato o seguinte considerando prévio:
A.- A BBB é uma sociedade de handling licenciada para prestar serviços de assistência em escala a Companhias Aéreas nos Aeroportos de Lisboa, Porto, Faro, Funchal e Ponta Delgada;
B.-À data da celebração do presente contrato, a Primeira Contraente depara-se com a necessidade de recrutar pessoal, designadamente, Assistentes a Passageiros de Mobilidade Reduzida (PMR’s), em virtude de obrigações assumidas pela Primeira Contraente perante a (…)., nos termos do Contrato de Prestação de Serviços, para a prestação de serviço de assistência a PMR’s;
C.-O Contrato de Prestação de Serviços identificado na b) tem a duração de 1 (um) ano, podendo, ser renovado por igual período;
D.-O referido Contrato de Prestação de Serviços prevê, contudo, a possibilidade da A.N.A., poder revogar unilateralmente o contrato a todo o momento;
E.-A prestação de serviço de assistência a PMR’s constitui tarefa de duração necessariamente limitada sendo apenas necessária pelo estrito período que se mantiver em vigor o Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a Primeira Contraente e a (…) (...)" .

7.–A. e R. acordaram o seguinte: PRIMEIRA (Categoria Profissional e Funções)
1.-Pelo presente contrato o Segundo Contraente é admitido ao serviço da Primeira Contraente para, sob a autoridade, direcção e fiscalização deste ou dos seus representantes, desempenhar as funções correspondentes à actividade de Assistente a Passageiros de Mobilidade Reduzida, funções que incluem, nomeadamente as constantes do Anexo I anexo ao presente contrato, o qual faz parte integrante do mesmo. 2. Consideram-se incluídas na categoria profissional para a qual o Segundo Contraente é contratado as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas (…).
SEGUNDA (Fundamento/ Duração do Contrato/ Cessação do Contrato) 1. O presente contrato tem início no dia 22 de Maio de 2016 e durará pelo tempo que se mantiver em vigor o Contrato de Prestação de Serviços identificados nos Considerandos supra, sem prejuízo da possibilidade de cessação anterior, em virtude da redução dos trabalhos de assistência a passageiros de mobilidade reduzida a que o Segundo Contraente ficará adstrito. 2. Atento o disposto nos Considerandos e no número anterior, a celebração do presente contrato a termo incerto fundamenta-se e é legalmente admitido nos termos do n.º 1, da alínea g) do n.º 2 e no n.º 3 do art. 140º do Código do Trabalho. (…)”.
8.–Por carta datada de 06/04/2020, a R. comunicou ao A. a caducidade do contrato a termo incerto, com efeitos imediatos.
9.–Desde 26 de Julho de 2008, a (…), passou a assegurar a prestação do Serviço de Assistência a Pessoas com Deficiência e a Pessoas com Mobilidade Reduzida nos aeroportos sob sua gestão nos termos do Regulamento (CE) 1107/2006, cumprindo os níveis de serviço preconizados pela ECAC (European Civil Aviation Conference).
10.–Esse serviço designa-se MyWay e é assegurado pela R.
11.–A Ré é uma sociedade anónima cujo objeto principal é a assistência em escala (vulgo “handling”) a aeronaves e passageiros nos aeroportos de Lisboa, Porto, Faro e Funchal e, tal como se encontra definida no Decreto-Lei n.º 275/99, de 23 de julho, por licenciamento da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), para o desenvolvimento das seguintes atividades: - Assistência a passageiros; - Assistência a bagagem; - Assistência a carga e correio; - Assistência de operações na pista; - Assistência de limpeza e serviço do avião; e - Assistência de operações aéreas e gestão de tripulações.
12.–A Ré possui 2 sectores distintos de atividade, a saber: a) O Handling – prestação de serviços de assistência em escala constantes do Anexo I ao DL 275/99, de 23 de julho, na sua atual redação, que corresponde à atividade principal e ao “core business” da empresa; e b) A Prestação de outros serviços a terceiros, atividade secundária, na qual se integra a Assistência a Passageiros com Mobilidade Reduzida (adiante “PMR´s”) – e que decorre diretamente do Regulamento (CE) n.º 1107/2006 do Parlamento Europeu.
13.–A Assistência a PMR´s, é uma atividade específica da Ré, com um enquadramento jurídico específico organizado em um serviço autónomo e sob uma marca distinta, a Myway.
14.–O serviço Myway decorre diretamente de uma imposição imposta pelo Regulamento (CE) n.º 1107/2006 do Parlamento Europeu, relativo aos direitos das pessoas com deficiência e das pessoas com mobilidade reduzida no transporte aéreo, no qual se estabelece:
i)- Proibição às transportadoras aéreas de recusarem a reserva ou o embarque a passageiros devido à sua deficiência ou mobilidade reduzida;
ii)- Garantia que os passageiros de mobilidade reduzida (“PMR”) recebem assistência gratuita para que possam utilizar o transporte aéreo em pé de igualdade com os outros passageiros.
15.–A responsabilidade geral pela garantia suprareferida foi atribuída às entidades gestoras dos aeroportos – que em Portugal, por concessão e enquanto esta vigorar, corresponde à (…).
16.–Com o estabelecimento do quadro jurídico geral da concessão de serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil em Portugal atribuída à (…) estabeleceram-se as condições de aplicação do regime jurídico contido no Regulamento n.º 1107/2006.
17.–Entre outras condições, estabeleceram-se as seguintes: a) A Autoridade Nacional da Aviação Civil é o organismo responsável por assegurar e fiscalizar o cumprimento das condições impostas pelo Regulamento e pelo Decreto-Lei; b) As entidades gestoras aeroportuárias são responsáveis pela assistência a PMR, podendo subcontratar esta atividade a terceiros, desde que cumpram com os requisitos da prestação de serviços de assistência em escala a terceiros previstos no DL 275/99; e c) No exercício das funções de prestador de assistência a PMR, as entidades gestoras aeroportuárias devem manter a atividade independente, através de uma separação adequada, da sua atividade relativa à gestão aeroportuária.
18.–As entidades gestoras aeroportuárias são responsáveis pela assistência às pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida, podendo para o efeito prestar, elas mesmas, tal assistência ou incumbir terceiros dessa tarefa. 

19.–Por ocasião da comunicação da caducidade mencionada em 8), pela R. foram liquidadas ao A. as seguintes quantias a título de compensação pela caducidade do seu contrato de trabalho e créditos salariais decorrentes da cessação do contrato de trabalho:
- Proporcional Mês Férias - 208,52 €; - Proporcional Subsídio Férias –208,52 €; - Proporcional Subsídio Natal –208,40 €; - Férias Pagas (Fim Contrato) - 768,35 €; - Indemnização p/ falta Aviso Prévio - 1.536,70 €; - Compensação por não renovação Contrato - 1.368,82 €.

4.– Fundamentação de Direito

4.1.- Da nulidade da sentença
Insurge-se a Ré contra o facto de ter sido dispensada a realização da audiência prévia. Entende, ao contrário do sufragado pela decisão recorrida, que os autos assumem complexidade e que às partes não foi dada possibilidade de se pronunciarem nos termos do n.º 3, do art.º 3.º do CPC, sendo como tal nula a decisão, nos termos da alínea d), do n.º 1, do art.º 615.º do Código de Processo Civil.

Começa-se por se dizer que a preterição da realização da audiência prévia, traduzindo-se na omissão de um ato que pode influir na decisão da causa é suscetível de integrar a prática de uma nulidade processual, de acordo com o n.º 1, do art.º 195.º do Código de Processo Civil  (“(…) a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”), competindo à parte prejudicada  com tal omissão arguir a competente reclamação junto do tribunal onde foi praticada (art.º 196.º do mesmo diploma legal). Cabendo, depois, recurso da correspondente decisão (das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se). Nos casos, porém, em que a nulidade se encontra coberta por decisão judicial (omissão de formalidade de cumprimento obrigatório, como sucede com a observância do princípio do contraditório a fim de se evitarem decisões surpresa), entende-se que a mesma pode ser impugnada, não por via da reclamação, mas antes em sede de recurso – “por não fazer sentido a sua arguição, autonomamente, perante o tribunal recorrido quando o interessado tem de recorrer da sentença, de pena de esta transitar em julgado” (Cfr. o Ac. do TRE de 25-09-2014, proc. 380/12.5T2STC.E1. E também o Ac. do TRL de 30-11-95, CJ, Tomo V, pág. 129).  Caso em que a situação se considera integradora de nulidade da sentença, enquadrável no disposto na alínea d), do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil.

Como é sabido, por via da reforma operada ao Código de Processo Civil pela Lei 41/2013, de 26 de junho (e em aprofundamento do regime que já provinha da anterior reforma do processo civil decorrente do DL 329-A/95, de 12 de dezembro), a audiência prévia passou a constituir um dos momentos mais relevantes da ação declarativa. Através dela foi propósito do legislador concretizar aspetos estruturantes do processo civil, onde se contam a visão participada do processo, a cultura do diálogo, a oralidadee a cooperaçãoentre todos, numa verdadeira comunidade de trabalho (Vd. João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, “Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013”, Almedina, pág. 73).

Nessa linha se compreende a panóplia de fins que o legislador destinou  à audiência prévia, e que constam elencados no art.º 591.º do Código de Processo Civil: (a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º; b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate; d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º; e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º; f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes; g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas.

Não deixou, contudo, o mesmo de prever no art.º 592.º os casos em que não há lugar à realização da audiência prévia (1-A audiência prévia não se realiza: a) Nas ações não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º; b) Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.2 - Nos casos previstos na alínea a) do número anterior, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo seguinte”), bem como as hipóteses em pode a mesma ser dispensada, como decorre do art.º 593.º do mesmo diploma, quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º.

Compreende-se, por isso, que fora das situações referidas, não possa a referida audiência ser dispensada, sem audição das partes, sob pena de nulidade, nomeadamente quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do TRL de 09-10-2014, proc.2164/12.1TVLSB.L1.2, de 23-10-2018, proc. 1121/13.5TVLSB.L1.1, do TRP de 12-09-2019, proc. 2470/09.2TBMAI.A.P1, do TRC de 03-03-2020, proc. 1628/18.8T8CBR.-A.C1 e do TRL 21-05-2020, proc.  4282/18.3T8OER-A.L1.2, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 
No âmbito processo do trabalho, por força das características que o enformam e da sua natureza especial face ao processo civil, a realidade a este respeito é outra.

Importa, para o efeito, considerar o preceituado no art.º 62.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, segundo o qual, “Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 1 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada uma audiência prévia quando a complexidade da causa o justifique”. Nos termos deste normativo,  a audiência prévia é convocada quando a complexidade da causa o justifique - o que significa poder a mesma ser dispensada quando a causa não assuma complexidade (ou seja simples), juízo esse a fazer pelo julgador de acordo com as características do processo em questão.

Não obstante a importância de que se reveste a audiência prévia como acima se deu conta, em sede de processo do trabalho a sua realização pauta-se pelo critério da complexidade da causa contido no referido dispositivo legal, sendo, pois, excecional e não a regra como sucede no processo civil (artigos 591.º a 593.º), “ao juiz cabe justificar a sua convocação, não a sua não realização” (Vd. Joana Vasconcelos “Direito Processual do Trabalho”, Universidade Católica, 2017, pág. 86. E também o Ac. do TRE de 26-01-2010, proc. 834/08.8TTSTB.E1, in www.dgsi.pt).

Para essa solução, em nosso entender, concorre o seguinte:

No processo comum laboral, estão previstas duas audiências de realização obrigatória: a audiência de partes e a audiência final. Na audiência de partes, depois do autor expor sucintamente os fundamentos de facto de direito da sua pretensão do réu responder, o juiz procurara obter a sua conciliação (art.º 55.º), incumbindo-lhe, ainda, determinar a prática de atos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações, depois de ouvidas as partes presentes, e fixar a data da audiência final com observância do disposto no art.º 151.º do Código de Processo Civil (art.º 56.º). Nesta audiência mostram-se, pois, consagradas varias das prerrogativas previstas para audiência prévia – discussão das posições das partes, numa logica de delimitação do objeto do litígio, tentativa de conciliação, aplicação do principio da adequação formal e marcação consensual com os mandatários da audiência final. Acresce que, em processo do trabalho (ao invés do que sucede, em regra, no processo civil) recebida a petição, tem lugar o despacho liminar (art.º 54.º), devendo o juiz, se verificar deficiências, obscuridades ou outras irregularidades na petição, convidar o autor a completá-la ou a esclarece-la, sem prejuízo do seu indeferimento. O que lhe permite, em grande medida, antecipar o conteúdo de que se reveste o despacho pré-saneador. De relembrar é também o disposto no art.º 27.º do Código de Processo do Trabalho, ou seja, quer na fase inicial do processo, por via do despacho liminar e do conteúdo de que se reveste a audiência de partes, quer ao longo do mesmo e até da audiência final, por força dos poderes atribuídos ao juiz, o processo do trabalho passa por vários “filtros”, que permitem expurgar do mesmo em significativa medida, o que obste à apreciação do mérito da causa e à obtenção de uma solução justa para o litígio.

Competirá, pois, ao juiz, findos os articulados e as diligências que tenham tido lugar, nos termos do art.º 61.º, atenta a natureza da causa e a sua complexidade, determinar  (ou não) a realização da audiência prévia nos moldes supra descritos, assim se harmonizando os dois regimes legais. Não se devendo esquecer que a audiência prévia na sua essência se traduz (também) na preparação da audiência final, com vista à sua simplificação.

Destarte, ponderando os particulares interesses em presença neste tipo de processo, os princípios da simplicidade, celeridade e economia processuais que o regem, compreende-se que o legislador tenha consagrado no Código de Processo do Trabalho que a designação da audiência prévia (apenas) ocorre quando a causa assuma complexidade, a pontos de justificar a convocação de mais essa audiência. Solução essa, diga-se ainda, que o legislador manteve com a reforma levada a cabo no Código de Processo do Trabalho, pela Lei 107/2019, de 9 de setembro. Nesse sentido, Vd. Albertina Pereira em anotação ao referido art.º 62.º, in João Correia e Albertina Pereira, “Código de Processo do Trabalho Anotado”, 2.ª Edição, pág. 104 e 105.

Mas há ainda que ponderar o seguinte:

Segundo o art.º 61.º do Código de Processo do Trabalho, “1- Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador nos termos e para os efeitos dos n.ºs 2 a 7 do artigo 590.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do disposto no artigo 27.º do presente Código.
2- Se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, pode o juiz, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, ou decidir do mérito da causa”.

De acordo com estes preceitos, findos os articulados, em caso de dispensa de realização da audiência prévia, sendo caso disso, o juiz profere despacho pré-saneador nos termos ali prescritos. E caso o processo contenha os elementos necessários e a simplicidade da causa o permita, pode decidir do mérito da causa, sem prejuízo do disposto nos n.º s 3 e 4 do Código de Processo Civil.

Anota-se que são os dados fornecidos pelo processo (segundo as várias soluções plausíveis em direito e não apenas tendo em vista a perfilhada pelo juiz da causa) e a simplicidade da causa, que permitem ao julgador conhecer do mérito da causa, devendo, contudo, fazer observar o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 3.º do Código de Processo Civil, onde se dispõe:
3- O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4- Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”.

O princípio do contraditório, como principio estruturante do processo civil, é entendido, atualmente, como o direito de as partes influenciarem a decisão, participando efetivamente no desenrolar do litígio -  tanto no plano dos factos, das provas e como no direito, garantindo-se a ambas condições de absoluta igualdade ou paridade (José Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, 4.ª Edição, junho de 2017, GESTLEGAL, pág. 126). Este princípio, de onde decorre o direito ao contraditório, significa que se deve assegurar a participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o processo, permitindo-lhes, em condições de plena igualdade material, influir em todos os seus aspetos - alegação dos factos, produção da prova e discussão das questões de direito (Rita Lynce de Faria, “Elementos de Direito Processual Civil”, 2.ª Edição, Setembro de 2018, Universidade Católica do Porto, pág. 136).   

Nessa linha, o princípio do contraditório impõe que antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão de todos os fundamentos em que tal decisão possa assentar, desse modo se prevenindo as chamadas decisões surpresa, ou seja, as baseadas em fundamento não previamente considerado pelas partes.

Desta feita, quando o julgador entenda vir a fundar a sua decisão em questões não invocadas, mas antes por si oficiosamente suscitadas “ex novo”, tanto em termos do conhecimento do mérito da causa, como em termos processuais, deve, previamente, convidar ambas as partes a se pronunciarem sobre essas questões, salvo em caso de manifesta desnecessidade, como prescreve o citado n.º 3, do art.º 3.º do Código de Processo Civil.

O cumprimento do referido dever é exigido, particularmente, quando se trate de apreciar questões do conhecimento oficioso que não foram alvo de prévia discussão.

A referida disposição legal limitou,  pois, a imperiosa observância do contraditório aos casos em que a considerou justificada, dispensando-a nos casos de “manifesta desnecessidade” isto é “quando – nomeadamente por se tratar de questões simples e incontroversas – tal audição se configure como verdadeiro ‘ato inútil’ (…) só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela” (Cfr. Ac. do TRG de 19-04-2019, proc. 533/04.0TMBRG-K.G1). (Sublinhados nossos).

Como se referiu, a esse propósito, no Acórdão do STJ de 11-03-2010, proc. 1860/07.OTVLSB.L1, “A articulação deste princípio, com o do conhecimento oficioso do direito por parte do juiz, significa tão só que, antes de proferir a decisão, deve o julgador facultar às partes o exercício do contraditório, apenas quando a qualificação jurídica a adoptar ou a subsunção a determinado instituto não correspondam, de todo, àquilo com que estas, pelas posições assumidas no processo, possam contar. Trata-se, a nosso ver, de um princípio que não pode ser levado tão longe que esqueça que as partes são representadas por técnicos que devem conhecer o direito e que, por isso, conhecendo ou devendo conhecer os factos, devem igualmente prever todas as qualificações jurídicas de que os mesmos são suscetíveis. (Sublinhados nossos).

Acresce, ainda, como elencando no Ac. do TRL de 24-02-2021, proc. 2157/20.5T8SNT.L1-4 que “haverá decisão surpresa quando o juiz se propõe adoptar ou a subsunção a determinado instituto que se propõe fazer não correspondam, de todo, àquilo com que as partes, pelas posições assumidas no processo, possam contar”; "a decisão surpresa que a lei pretende afastar com a observância do princípio do contraditório, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar, e não com os fundamentos que não perspectivavam de decisões que já eram esperadas" e "não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter perspectivado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento";[14] ou ainda com aquela em que "julgou a recorrente parte ilegítima (…) visto que foi a própria recorrente a suscitar, logo no requerimento inicial, a sua legitimidade".[15] Muito diferente, portanto, daquela em que o mesmo Supremo considerou que "há decisão surpresa se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque uma correta e atinada decisão do litígio".(Itálicos nossos).

Ora, no presente caso, a solução adotada na sentença recorrida assentou em matéria e questões perfeitamente conhecidas da Ré – a (in)validade da contratação a termo do Autor, conforme foi explanado, abundantemente, nos respetivos articulados. Destes resultando ter tido a Ré oportunidade de influenciar o sentido da decisão em seu favor.

Para além disso, essa mesma matéria, foi já apreciada nas múltiplas ações em que a Ré foi demandada, cujas cópias das decisões foram juntas aos autos e constam de fls. 24 a 118, de que a mesma foi oportunamente notificada.

Por conseguinte, a dita matéria, foi suficientemente discutida nos autos, não assume complexidade, não carecendo a sua apreciação da produção de prova visto depender apenas da aplicação do direito. 

Não ocorre, assim, qualquer prejuízo para o resultado final da ação, o facto de a Ré (mais uma vez) não ter sido ouvida sobre essa (mesma) matéria.

Tudo isto para se concluir pela desnecessidade da audição da Ré antes de ser proferida a decisão. Termos em que se desatende a arguida nulidade da sentença e se julga improcedente a presente questão.

4.2.Da validade do contrato a termo celebrado com o Autor
A Ré alega que o contrato a termo incerto celebrado com o Autor é válido, não se devendo ignorar que Ré, enquanto entidade empregadora, incumbida temporariamente da referida atividade, poderia recorrer à contratação a termo motivada pela sua necessidade temporária, objetivamente definida (art.º 140.º do Código do Trabalho), porque devida a uma atividade que, não sendo originariamente da sua responsabilidade, lhe foi incumbida pela entidade gestora do aeroporto, por um período temporal concreto.  O tribunal ignorou a estrutura e a organização empresarial da Recorrente, não sendo relevante para a causa a responsabilidade permanente da (…) pelo referido serviço, porquanto tal factualidade em nada interfere na transitoriedade do mesmo na esfera da Recorrente, entidade empregadora.

Salvo o devido respeito não assiste razão à Ré. Adiantando-se, desde já, que se subscreve a posição vertida na sentença recorrida e o essencial da sua fundamentação.

Relembra-se que o contrato de trabalho celebrado entre as partes, assumiu a forma de contrato de trabalho a termo incerto, tendo tido como fundamento legal o disposto no art.º 140.º n.ºs 1 e 2, alínea g), e n.º 3, do Código do Trabalho (“1 - O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades.  2 - Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa: (…)  g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”)

Consta de tal contrato que:

 “A.–BBB é uma sociedade de handling licenciada para prestar serviços de assistência em escala a Companhias Aéreas nos Aeroportos de Lisboa, Porto, Faro, Funchal e Ponta Delgada;
B.–À data da celebração do presente contrato, a Primeira Contraente depara-se com a necessidade de recrutar pessoal, designadamente, Assistentes a Passageiros de Mobilidade Reduzida (PMR’s), em virtude de obrigações assumidas pela Primeira Contraente perante a (…)., nos termos do Contrato de Prestação de Serviços, para a prestação de serviço de assistência a PMR’s;
C.–O Contrato de Prestação de Serviços identificado na b) tem a duração de 1 (um) ano, podendo ser renovado por igual período;
D.–O referido Contrato de Prestação de Serviços prevê, contudo, a possibilidade da (…) poder revogar unilateralmente o contrato a todo o momento;
E.–A prestação de serviço de assistência a PMR’s constitui tarefa de duração necessariamente limitada sendo apenas necessária pelo estrito período que se mantiver em vigor o Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a Primeira Contraente e a (…). (...)"

Como resulta do referido contrato de trabalho, a Ré fundamentou a contratação do Autor, com base no contrato de prestação de serviços que celebrou com a (…), por via do qual a mesma presta serviço de PMR’s (a passageiros de mobilidade reduzida), contrato esse que é de um ano, renovável e que pode ser revogado por aquela entidade a qualquer momento. 

Entendemos, contudo, que essa situação não legitima a contratação a termo, sabido assumir esta caráter excecional (a regra é o contrato de trabalho por tempo indeterminado), apenas se aplicando a situações exemplificativamente elencadas, mas que se traduzam, como se disse, na “satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades” (art.º 140.º n.º 1).

Ora, o serviço de PMRs, não traduz a satisfação de necessidades temporárias da Ré, visto que o mesmo é duradouro, resultando do imposto pelo Regulamento (CE) 1107/2006, e do preconizado pela ECAC (European Civil Aviation Conference), cuja execução cabe, em primeira linha à (…), mas que por via da contratação com a Ré passou, duradouramente, a caber a esta enquanto tal contrato se mantiver. Contrato esse, aliás, que se tem mantido desde 2008, como resulta da factualidade provada.

Os nossos tribunais já se pronunciaram sobre casos com contornos semelhantes ao presente, tendo concluído em sentido desfavorável à pretensão da Ré.  Com efeito, como se dilucidou no Ac. do TRP de 24-09-2012, proc. 222/11.9TTGMR.P1 “Assim, se, por hipótese, o empregador tem como actividade a prestação de serviços que são por natureza ou por regra temporários, afigura-se-nos que a natureza temporária dos serviços que presta não justifica, só por si, a contratação a termo (cfr. Ac. RP de 11.01.2010, Proc. 52/08.5TTNVG.P1). A necessidade temporária da empresa que justifica a contratação a termo exige algo mais do que a simples natureza temporária do negócio entre o empregador e o terceiro. Se assim se não entendesse, teríamos como consequência que todas as empresas que tivessem por objecto a prestação de serviços a terceiros, estas por regra sempre temporárias, poderiam, sem qualquer limitação, recorrer apenas à contratação a termo. Não nos parece que seja essa a intenção do legislador, que não criou nenhum regime excepcional para tais empresas. Ou seja, a mera celebração, entre o empregador e um terceiro, de um contrato de prestação de serviços com natureza temporária não justifica, por si só, que a contratação a termo do trabalhador vise satisfazer uma necessidade temporária do empregador. Na celebração de contratos de prestação de serviços temporários, no contexto de uma empresa que se dedica à prestação de serviços a terceiros, por natureza temporários, tem o empregador que demonstrar (uma vez que lhe incumbe o ónus da prova – art.º 130.º, n.º 1) por que razão, no âmbito dessa sua actividade, aquela concreta prestação de serviços representa uma necessidade ocasional, temporária, da sua actividade a justificar a necessidade, para a sua satisfação, da contratação a termo certo do trabalhador” (Sublinhados nossos). No mesmo sentido, o Ac. do STJ de 06-02-2013, proc. 154/11.0TTVNF.P1.S1.

Para além disso, consoante se entendeu na sentença recorrida, citando Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, pág. 629 “a «tarefa ocasional» reporta-se a uma actuação que não corresponda às atribuições normais ou regulares da empresa: corresponde como que a uma flutuação qualitativa» (…); o «serviço determinado precisamente definido e não duradouro», implica antes uma tónica na transitoriedade – independentemente, pois, do seu conteúdo material – devendo ser definido com precisão; assim, são ocasionais as tarefas que, normalmente, não tenham lugar em certa empresa e não duradouras aquelas que se possam dar por concluídas em razoável lapso de tempo”. JÚLIO GOMES (in, Direito do Trabalho, Vol. I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, Coimbra Editora, pág. 596.) sublinha que a referência ao carácter não duradouro, quando está em causa uma necessidade temporária, reforça a ideia de que se tem de tratar de um serviço de duração limitada no tempo. Finalmente, JORGE LEITE (in, Contrato de trabalho a prazo: direito português e direito comunitário, Questões laborais Ano XIII- 2006, pág. 12) remata que a temporalidade do serviço e a sua autonomia são essenciais a esta modalidade de contrato a termo. (Sublinhados nossos).

Não provou, pois, a Ré como lhe competia, factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo incerto (art.º 140.º, n.º 5), sendo assim de concluir pela nulidade do termo, considerando-se o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, como contrato de trabalho sem termo, nos termos do disposto no art.º 140,º n.º 1 e 2, alínea g) e n.º 3 e no art.º  147.º, n.º 1, alínea b) e  n.º 2, do Código do Trabalho.

Desta feita, a carta enviada pela Ré ao Autor datada de 06-04-2020, a comunicar-lhe a caducidade do contrato, traduz-se num despedimento ilícito do mesmo por não ter este sido antecedido de procedimento disciplinar, nem ocorrer justa causa (artigos 351.º e 381.º do Código do Trabalho). Tudo nos levando assim a concluir pela improcedência da presente questão.

5.–Decisão

Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela Ré.


Lisboa, 2021-10-13


Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Alves Duarte