Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE LEAL | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO DENÚNCIA DE CONTRATO ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/23/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I.–O art.º 1068.º do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27.02 (NRAU), que consagra a comunicabilidade do direito de arrendamento ao cônjuge do arrendatário nos termos do respetivo regime de bens (não excluindo, contrariamente ao regime anterior, o arrendamento para habitação), não é aplicável a situações ocorridas antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006 (celebração do contrato de arrendamento para habitação e celebração do contrato de casamento). II.–Em caso de divórcio ou de separação de pessoas e bens os cônjuges podem acordar em permanecerem ambos a habitar no locado, anterior casa de morada de família, assumindo cada um (ex novo ou não) a posição de (co)arrendatário, nos termos do art.º 1105.º do Código Civil. III.–A omissão da notificação ao senhorio imposta pelo n.º 3 do art.º 1105.º do Código Civil não impedirá a eficácia, na ordem jurídica, da homologada ou decidida modificação do contrato de arrendamento no plano subjetivo, sem prejuízo das consequências que o senhorio possa lograr retirar de outras regras do ordenamento jurídico, nomeadamente em matéria de responsabilidade civil ou de abuso de direito, de eventual omissão de notificação que não lhe seja imputável. IV.–Embora, no caso de pluralidade de arrendatários, o NRAU preveja que as comunicações do senhorio são dirigidas ao arrendatário que figurar em primeiro lugar no contrato, salvo indicação daqueles em contrário (n.º 3 do art.º 11.º do NRAU), terão de ser dirigidas a todos os arrendatários as comunicações que constituam iniciativa do senhorio para transição para o NRAU e para atualização extraordinária de renda (art.º 11.º n.º 4 e art.º 10.º n.º 2 do NRAU). A falta de comunicação a todos os arrendatários, nos casos em que ela se imponha, acarreta a ineficácia da que foi realizada a apenas um deles. V.–Não age com abuso de direito o coarrendatário que, tendo sido interpelado pelo senhorio para o efeito de transição do contrato para o regime do NRAU e de atualização extraordinária de renda, responde a essa proposta, rejeitando-a, sem invocar a existência de coarrendatária (sua cônjuge à data da celebração do contrato de arrendamento e, após processo de separação de pessoas e bens, coarrendatária por acordo homologado), e tendo posteriormente esta última arrendatária invocado a omissão da sua notificação pelo senhorio para a exigir e, na sequência da comunicação que então o senhorio lhe fez, denunciado o contrato de arrendamento ao abrigo dos artigos 31.º n.º 3 alínea d) e 34.º do NRAU, subscreveu também essa declaração de denúncia; também não age com abuso de direito a coarrendatária que, tendo tomado conhecimento da supra referida interpelação efetuada pelo senhorio exclusivamente ao outro arrendatário, exigiu ser formalmente notificada e ouvida no procedimento de transição do contrato e de atualização de renda desencadeado pelo senhorio e, na sequência da realização da comunicação que havia sido omitida, denunciou o contrato, recusando-se, tal como o outro coarrendatário, a reconhecer efeitos às comunicações anteriormente efetuadas exclusivamente entre o senhorio e o referido coarrendatário. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa. RELATÓRIO: Em 05.8.2014 Carlos intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Loures (atual juízo cível, instância local de Loures, da Comarca de Lisboa Norte) ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Manuel e Maria de Fátima. O A. alegou, em síntese, que em 04.02.1976 o 1.º R. tomou de arrendamento a S o 3.º andar esquerdo de um prédio urbano sito no concelho de Loures, para sua habitação, pelo prazo de seis meses, renovável. Em 16.11.2012 o proprietário da fração mandatou o ora A., também coproprietário do imóvel arrendado, para gerir o arrendamento em questão, nomeadamente para o representar perante o arrendatário, ora R.. Por carta datada de 17.12.2012 o A. comunicou ao R. a intenção de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, indicando como nova renda o valor de € 710,00 e passando o contrato a ter a duração de cinco anos. Por carta datada de 15.01.2013 o ora R. opôs-se à transição do contrato de arrendamento para o NRAU e contrapropôs como valor da renda o de € 450,00 mensais, alegando e comprovando ter mais de 65 anos de idade e afirmando que o seu agregado familiar auferira, em 2012, rendimento anual bruto corrigido (RABC) inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, juntando comprovativo de que requisitara ao serviço de finanças competente tal informação. Por carta datada de 22.01.2013 o A. recusou a contraproposta e indicou ao R. que a renda passaria a ser de € 710,00, correspondente a 1/15 do valor patrimonial do prédio arrendado, e que esse valor seria corrigido logo que o R. comprovasse o RABC do seu agregado familiar. O R., porém, continuou a pagar o valor anterior da renda (€ 187,00). Por carta datada de 28.9.2013 o R. remeteu ao A. informação fiscal onde se certificava que em 2012 o RABC do seu agregado familiar fora de € 30 450,98, ou seja, inferior a cinco vezes a retribuição mínima nacional anual. Por carta datada de 30.9.2013 o A. informou o R. de que a renda passaria a ser de € 634,40 e que a nova renda seria devida a partir do 1.º dia do segundo mês seguinte à comunicação de 22.01.2013, devendo os pagamentos seguintes respeitar um mapa de pagamentos que o A. enviou ao R.. Foi então o A. surpreendido por uma carta, datada de 24.10.2013, que a 2.ª R. lhe enviou e na qual aquela, invocando um “processo de separação de pessoas e bens” se assumiu como arrendatária do imóvel em causa e lhe solicitou uma nova comunicação de transição para o NRAU e atualização de rendas. O A. respondeu à R. por carta datada de 31.10.2013, na qual lhe comunicou o seu desconhecimento quanto à situação invocada pela R. e lhe enviou a última carta que havia remetido ao R., datada de 30.9.2013. Em 11.11.2013 o A. recebeu uma carta assinada por ambos os RR., em que estes denunciavam o contrato de arrendamento, por alegadamente não aceitarem a atualização da renda, informando que iriam entregar o imóvel daí a dois meses, o que fizeram, entregando a chave à porteira em 25.01.2014. Ora, o A. não aceita que a comunicação de atualização de renda seja reportada à carta que enviou à 2.ª R., sendo certo que sempre agiu de boa-fé, contrariamente aos RR.. Assim, além dos valores em falta correspondentes à atualização da renda devida, no montante total de € 4 474,00, é devido ao A. o correspondente ao período de pré-aviso em falta para a denúncia do contrato, o qual era, nos termos do art.º 1098.º do Código Civil, de 120 dias, a que corresponde o montante de € 1 268,80. Acresce, nos termos do n.º 1 do art.º 1041.º do Código Civil, o montante de 50% sobre cada renda em mora, no total de € 2 871,40. O A. reclama, assim, do 1.º R., o total de € 8 614,20. No caso de se entender que a 2.ª R. era arrendatária e deveria ter sido interpelada para os efeitos de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e de atualização da renda, então, porque os RR. agiram em abuso de direito, o A. deve ser indemnizado, em quantia correspondente ao seu prejuízo, que é de € 8 614,20. O A. terminou pedindo que o 1.º R. fosse condenado a pagar-lhe as quantias acima discriminadas, no valor total de € 8 614,20; subsidiariamente, caso não procedesse o pedido anterior, pediu que os RR. fossem condenados a pagarem-lhe a quantia de € 8 614,20, a título de indemnização por abuso de direito. Os RR. contestaram, alegando que por decisão transitada em julgado em 28.3.2008, proferida em processo de separação de pessoas e bens na Conservatória do Registo Civil de Lisboa, a 2.ª R. adquirira a qualidade de arrendatária, por lhe ter sido atribuída a casa de morada de família. A comunicação de tal situação era encargo da Conservatória, o que terá ocorrido antes de o A. ter assumido a gestão do arrendamento em causa. Por força do art.º 11.º n.º 2 do NRAU, existindo pluralidade de arrendatários, as comunicações efetuadas pelo senhorio que constituam iniciativa para a transição para o NRAU e atualização da renda nos termos dos artigos 30º e 50º devem ser dirigidas a todos os arrendatários, o que não ocorreu. De todo o modo o senhorio sabia que o locado constituía casa de morada de família dos RR., pelo que o A. sempre teria de fazer as comunicações também à R., conforme o obrigava o art.º 12.º do NRAU. Não o tendo feito, todo o processo de transição para o NRAU e de atualização da renda foi ineficaz, não tendo produzido qualquer efeito, pelo que os RR., que atuaram exclusivamente de acordo com o NRAU e o Código Civil, nada devem ao A.. Os RR. concluíram pela sua absolvição do pedido. Em 20.4.2016 realizou-se audiência prévia, em que as partes prestaram esclarecimentos, e em 15.7.2016 foi proferida sentença em que a ação foi julgada totalmente improcedente e, em consequência, os RR. foram absolvidos dos pedidos. O A. apelou da sentença, tendo apresentado alegação em que formulou as seguintes conclusões: 1.–O presente recurso foi interposto pela Autor Carlos, ora Apelante, da douta sentença, proferida em 15 de Julho de 2016, que julgou improcedente a Acção de Processo Comum e em consequência, absolveu os Réus dos pedidos formulados pelo Autor, no que concerne ao pagamento da quantia de 4.474,00 €, a título de parciais das rendas actualizadas, ainda em dívida; pagamento da quantia de 1.268,80 €, a título das rendas correspondentes ao período de pré-aviso de denúncia do contrato, em falta por não cumprido; do pagamento da quantia de 2.871,41 €, a título de indemnização pela mora no pagamento das rendas em dívida; 2.–O recurso merece – com o devido respeito – inteiro provimento, como se irá tentar demonstrar; 3.–Pois que, a decisão da Mma Juiz a quo, não foi, na perspectiva do Autor, ora Apelante, e com o devido respeito, a mais acertada, nem a mais correcta, relativamente às questões de direito que se encontravam suscitadas nos autos; 4.–Devendo dizer-se, desde já, que o Apelante sustenta, com o devido respeito, que, tendo em conta os factos por si alegados, bem como aqueles que foram dados como provados e o direito aplicável ao caso dos autos, se impunha que a Acção de Processo Comum acima identificada não fosse julgada totalmente improcedente e consequentemente não fossem os Réus, ora Apelados, absolvidos de todos os pedidos contra si formulados; 5.–Em 04 de Fevereiro de 1976, foi celebrado contrato de arrendamento urbano, entre S, na qualidade de senhorio e ora Apelado e Manuel, na qualidade de arrendatário, constituindo-se, à data, como fiador do mesmo, Alfredo; 6.–O contrato de arrendamento celebrado visava a habitação do arrendatário e ora Réu (Manuel), não podendo este dar-lhe outro uso, nem sublocá-lo, no todo ou em parte, sem autorização escrita do senhorio; 7.–Em 16 de Novembro de 2012, e em virtude da indisponibilidade pessoal do proprietário e senhorio S na continuidade da gestão do arrendamento ora em análise, o mesmo, por procuração, mandatou o ora Apelante e co-proprietário do imóvel arrendado, para em seu nome, proceder daí em diante a tal actividade, bem como, para o representar perante o arrendatário, ora Apelado; 8.–Assim sendo, e em virtude do mandato conferido, o Apelante, por carta datada de 20 de Novembro de 2012, informou tal circunstância ao arrendatário, bem como aproveitou a oportunidade para agilizar alguns procedimentos, facilitando assim, quer a comunicação entre as partes, bem como, os pagamentos de rendas; 9.–Deste modo, disponibilizou, à data, o Apelante ao Apelado, um endereço de e-mail para ser utilizado nas comunicações sobre os assuntos inerentes ao imóvel, bem como, um NIB de uma conta bancária no sentido de possibilitar o pagamento das rendas, com recuso ao mesmo (quer por depósito, homebanking, ATM); 10.–Mais informou, à data, o Apelante ao Apelado que o documento de transferência, ordem de pagamento ou registo de homebanking, funcionaria como comprovativo de quitação do pagamento das rendas ensais respectivas, bem como que o sistema apresentado já se encontrava implementado para aplicação dos pagamentos de Dezembro de 2012, referentes ao mês de Janeiro de 2013; 11.–Em conformidade com o proposto, o Apelado, não manifestando qualquer oposição ao então transmitido, assim começou a proceder, a partir daquele momento, no que concerne ao pagamento das rendas mensais acordadas; 12. O Autor, ora Apelante, por carta datada de 17 de Dezembro de 2012 [registada, com aviso de recepção], comunicou ao arrendatário, a intenção da transição do contrato de arrendamento celebrado para o NRAU, bem como, a consequente actualização de renda; 13.–Comunicou o Apelante ao Apelado o valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), que ascendia ao montante de 128.430,00 €, juntando para o efeito, com a carta remetida, cópia da caderneta predial urbana; 14.–Bem como indicou o valor da renda actualizada (710,00 €, mensais) e o tipo e duração do contrato proposto [contrato de arrendamento urbano para habitação, com prazo certo de 05 (cinco anos)]; 15.–Na sequência desta e, após recepção da mesma, por carta datada de 15 de Janeiro de 2013, o Réu, ora Apelado, opôs-se à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, bem como, ao valor da nova renda proposta, contrapropondo o valor de 450,00 € mensais para actualização daquela (invocando os motivos para tal); 16.–Na mesma, o Apelado comunicou ao Apelante que possuía uma idade superior a 65 anos, bem como, invocou que, no ano civil anterior, o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar havia sido inferior a 5 (cinco) retribuições mínimas nacionais anuais; 17.–O Réu, ora Apelado, juntou cartão do cidadão comprovando ter idade superior a 65 anos, no entanto, não juntou documento de requisição do RBAC; 18.–Resultou indiciariamente provado que o Réu, ora Apelado, apenas o requereu comprovativo de requisição do RBAC em 01 de Abril de 2013, quando o deveria ter feito em Janeiro de 2013; 19. Podemos concluir que a resposta do arrendatário, ora Apelado, não cumpriu com os requisitos do disposto no artigo 31º, número 4, alíneas a) e b) da Lei número 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei número 31/2012, de 14 de Agosto, pois não juntou comprovativo de requisição do RBAC, aquando da resposta à carta enviada pelo senhorio, ora Apelante; 20.–Resultou indiciariamente provado que o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar era de 30.450,98 €, ou seja, muto superior a 5 (cinco) retribuições mínimas nacionais anuais; 21.–Deste modo, quanto à extemporaneidade do pedido de requisição do RBAC e junção do mesmo, não vislumbramos outra cominação legal que não seja a transição automática do contrato de arrendamento para o NRAU, acompanhada da consequente actualização de rendas, decisão que deveria ter sido proferida pelo Tribunal Judicial de Loures; 22.–Mesmo reconhecendo o Autor, ora Apelante, que a prestação foi só parcialmente satisfeita e não se opondo ao seu recebimento, tal não significa renúncia ao funcionamento das consequências que a lei prevê no artigo 1041º, do Código Civil para o caso de mora imputável ao Apelado; 23.–Está em causa apenas o não pagamento pontual pelo Apelado dum diferencial de renda mensal, posteriormente, atualizada. Ou seja, os parciais devidos desde 22 de Janeiro de 2013 até 30 de Setembro de 2013; 24.–Matéria que consideramos nem sequer foi apreciada pelo Tribunal a quo; 25.–O disposto no artigo 1098º.2 do Código Civil, na redacção dada pelo art. 3º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, institui, a favor do arrendatário, o direito de denúncia do contrato a todo o tempo, sujeitando-o, porém, ao pagamento das rendas correspondentes, por um lado, a um período mínimo de duração do contrato (que fixa em seis meses) e, por outro, ao período de 120 dias, antecedência imposta para a comunicação da denúncia relativamente ao termo previsto; 26.–Resultou provado, que em 17 de Dezembro de 2012 o Autor, ora Apelante, comunicou a intenção de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, bem como consequente actualização da renda, tendo por carta datada de 11 de Novembro de 2013 sido comunicado a este, por parte dos Réus (ora Apelados), a intenção inequívoca e irrevogável de denúncia do contrato de arrendamento, produzindo essa denúncia efeitos no final de um mês do calendário gregoriano; 27.–Tal denúncia, nos termos em que foi feita, é ilegal pois que se essa era a sua vontade, tal comunicação deveria ter sido enviada ao senhorio em 17 de Janeiro de 2013 (ou pelo menos nos 30 dias subsequentes à comunicação recebida do senhorio) tal como vem plasmado no disposto do artigo 31º, número 3, alínea d) da Lei número 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto; 28.–Assim sendo, é nossa convicção que a comunicação dos Réus de denúncia do contrato de arrendamento não foi feita no momento processual adequado e tão pouco cumpriu com o pré-aviso legalmente definido; 29.–Nessa medida, forçoso se torna concluir que se encontra pelo menos em falta o pagamento das rendas relativas à falta de aviso prévio; 30.–Pelo que, a inobservância da antecedência do aviso prévio de denúncia do contrato de arrendamento tem como consequência legal o pagamento das rendas correspondentes ao período do mesmo, no caso concreto, ao pagamento da quantia de 1.268,80 €; 31.–Reitere-se que a matéria em questão nem sequer foi objecto de apreciação e decisão por parte do Tribunal de Loures; 32.–O pagamento da renda é, naturalmente, uma obrigação característica do contrato de arrendamento. É a remuneração do gozo que o contrato faculta ao arrendatário e que aparece como elemento essencial dele, tal como vem no disposto do artigo 1038º, alínea a) do Código Civil; 33.–O arrendatário constitui-se em mora no tocante à obrigação de pagamento da renda sempre que, por motivo que lhe seja imputável, não fizer esse pagamento, tal como vem referido no artigo 804º, número 2, do Código Civil; 34.–Resultou indiciariamente provado, após lhe ter sido comunicada no tempo e pela forma legal a atualização da renda, devia ter passado a proceder ao pagamento da renda mensal de 634,40 €, isto é, a partir da renda que se venceu em Janeiro de 2013; 35.–Resultou, ainda provado que, apesar do conhecimento dessa atualização, bem como dos correspondentes retroactivos, o Réu continuou a depositar a renda que vinha pagando, sem a devida atualização, constituindo-se, em razão dessa omissão, numa situação de mora (artigo 804º, número 2, do Código Civil); 36.–Nomeadamente quanto à questão da condenação pela mora no pagamento das rendas em atraso, que nem sequer foi apreciada pelo Tribunal a quo; 37.–Resultou ainda indiciariamente provado, que o contrato de arrendamento, celebrado em 04 de Fevereiro de 1976, com o Réu, visava única e exclusivamente a habitação do mesmo, não referindo nada a propósito da existência da Ré, ora Apelada, como contraente desse mesmo contrato de arrendamento; 38.–Assim sendo, a comunicação enviada em 17 de Dezembro de 2012, demonstrando intenção de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e consequente actualização de rendas, cumpriu, escrupulosamente, o disposto no artigo 9º, números 1,2 e 3 da Lei número 6/2006 de 27 de Fevereiro, alterada pela Lei número 31/2012, de 14 de Agosto, tendo a mesma sido dirigida ao Réu, ora Apelado, para a morada que consta do contrato de arrendamento; 39.–Não poderia o Autor, ora Apelante, conhecer da situação matrimonial do Réu, ora Apelado, não só porque tal não consta do contrato de arrendamento, bem como, porque tal nunca lhe foi devidamente comunicado, ao longo de todo o processo de transição do contrato de arrendamento para o NRAU; 40.–A Lei no disposto no artigo 84º do RAU não determina, nem prevê, em que prazo deve ser celebrado o acordo aí referido ou apresentada a comunicação que respeita ao destino a dar à casa de morada de família; 41.–E, nessa medida, em face da inexistência legal de fixação de um certo lapso de tempo para a prática do acto, consideramos que é defensável que a falta dessa comunicação ou a sua ocorrência, em fase ainda que tardia, não pode servir de fundamento à resolução do contrato de arrendamento; 42.–Relativamente a este facto, entende o Autor, ora Apelante, que 5 anos é tempo mais do que suficiente para que ao mesmo lhe tivesse sido dado conhecimento do acordo, quanto à posição de arrendatário da casa de morada de família; 43.–Resultou indiciariamente provado, que em 28 de Março de 2008, foi judicialmente homologado acordo que decidiu sobre o destino a dar à casa de morada de família, não tendo o senhorio sido notificado do mesmo; 44.–A verdade é que nunca os arrendatários diligenciaram para averiguar se o mesmo tinha sido ou não notificado de tal decisão; 45.–Ainda assim e ao contrário do que deveria suceder, várias rendas foram pagas pelo Réu bem como vários recibos foram emitidos pelo Autor, em nome do primitivo arrendatário, sem que os contraentes o alertassem para a irregularidade em curso; 46.–Motivo pelo qual o Autor, ora Apelante, nunca enviou comunicação ao ex-cônjuge do Réu, ora Apelado; 47.–Resultou ainda provado que o Réu, não tendo nunca e em mais de cinco anos comunicado, atempadamente, o acordo homologado pelo juiz, vindo mais tarde (e em benefício próprio), a ex-cônjuge alegar que a comunicação relativa à transição para o NRAU e consequente aumento da renda não lhe tinha sido transmitida, confessando a Ré, que, mesmo assim, conhecia o teor das comunicações enviadas pelo Autor, ora Apelante; 48.–Entende o Apelante, que no momento em que se demonstra intenção de transição do contrato de arrendamento celebrado para o NRAU, bem como a consequente actualização de renda consubstanciam necessariamente a celebração de um novo contrato de arrendamento, ou seja, é com o envio desta missiva que Autor, ora Apelante, e Réu, ora Apelado, encetam negociações tendentes à celebração de um “novo” contrato de arrendamento; 49.–Neste momento, o Réu, ora Apelado, deveria (uma vez que se iniciaram as negociações tendentes à realização de um novo contrato) comunicar o teor do acordo homologado pelo juiz, cumprindo assim, escrupulosamente, o que vem consagrado mo artigo 84, número 3 do RAU; 50.–No entanto (e percebemos agora porque), nunca assim não o fez; 51.–É neste preciso momento (em que não comunica a sua actual situação) que entendemos que o mesmo incorre em responsabilidade pré-contratual, nos termos do artigo 227º do Código Civil; 52.–Resultou indiciariamente provado que, com o envio da comunicação de 17 de Dezembro de 2012, encetaram-se as negociações para a celebração do contrato, com o Réu, mesmo que este, nas várias comunicações enviadas ao Autor, tenha informado que não podia pagar a renda inicialmente pretendida, alegando para tal o diminuto valor do RABC do seu agregado familiar e o facto de ter uma idade superior a 65 anos; 53.–Resultou, também indiciariamente provado, que só em 24 de Outubro 2013 é que o senhorio tomou conhecimento de que as negociações teriam de ser conduzidas com o ex-cônjuge, devido à homologação do acordo de separação de pessoas e bens; 54.–Facto deveras relevante para apreciação da actuação processual do Réu, na perspectiva da avaliação da sua boa-fé. Entres os deveres precontratuais avulta o dever de fornecer toda a informação, de modo a que se saiba que quem negoceia, tem poderes para se vincular e a outros ou não, circunstância que manifestamente o Apelado, omitiu ao Autor, sendo que esse factos são relevantes para a decisão se não de contratar, ao menos de prosseguir as negociações em curso; 55.–Durante quase um ano que mediou desde os primeiros contactos até à ruptura anunciada pela carta de 24 de Outubro de 2013, onde o Apelado, refere que o Autor, está equivocado em vários aspectos do seu (dele) papel negocial, e se evidencia, das negociações, um quadro manifestamente violador das regras da boa-fé negocial e dos deveres de protecção dos interesses da contraparte, desconsiderando o valor e o princípio da confiança; 56.–Os ditames da boa-fé e os deveres acessórios de conduta, sobretudo o respeito pelos direitos do Apelante e a confiança que razoavelmente adquiriu no sucesso das negociações, foram desconsideradas pela actuação do Apelado, que omitiu deveres de informação e protecção que, se acatados, seriam decisivos, numa perspectiva de razoabilidade e experiência comum; 57.–Agora percebemos que de todas as comunicações do Réu, ora Apelado, podemos intuir um premeditado “jogo jurídico” do mesmo, resultante de inúmeras e reiteradas incongruências relatadas nas comunicações enviadas ao Apelante; 58.–Podemos afirmar que, o Autor, ora Apelante, deparando-se a inconstante e falta de coerência das comunicações, na sua boa índole, facilitou nas mesmas; 59.–Podemos, ainda, defender que os Réus, ora Apelados, agiram conluiada e dolosamente para alcançarem a alteração das condições contratuais, mormente, as rendas, por forma a que, não sendo esta da sua conveniência, poderem denunciar livremente o contrato de arrendamento, tendo ainda vivido no locado pagando uma renda desadequada; 60.–De todo modo, não podemos conceber outra conclusão senão a que a atitude dos Réus, ora Apelados, foi ardilosamente montada como o propósito de para enganar o Autor, promovendo a obtenção de benefícios ilegais; 61.–Deverá o Tribunal ad quem não beneficiar os Réus,ora Apelados, que ao longo de todo o processo de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, agiram de forma pouco diligente, inoperante e leviana, aproveitando-se de uma norma pouco clara para fazer prevalecer benefícios próprios indevidos; 62.–Pelo contrário, deverá premiar o comportamento exemplar e cumpridor do Autor, ora Apelante, que ao longo de todo o processo nas suas comunicações sempre tratou com fidelidade e urbanidade a relação contratual estabelecida entre as partes, numa negociação esclarecida e igualitária, como se têm vindo a demonstrar ao longo de todo o recurso; 63.–Não conceber tal desiderato, será premiar o infractor, em prejuízo do cumpridor. O apelante terminou pedindo que o recurso fosse julgado totalmente procedente, assim se fazendo justiça. Não houve contra-alegações. Foram colhidos os vistos legais. FUNDAMENTAÇÃO. As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: eficácia da denúncia do contrato de arrendamento operada pelos RR.; abuso de direito por parte dos RR.; créditos do A.. Primeira questão (eficácia da denúncia do contrato de arrendamento operada pelos RR.) O tribunal a quo deu como provada e não foi questionada pelas partes, nem o é por esta Relação, a seguinte. Matéria de facto. Da petição inicial. a)-Em 04 de Fevereiro de 1976, foi celebrado contrato de arrendamento urbano, entre S, na qualidade de senhorio e o ora Réu, Manuel, na qualidade de arrendatário, constituindo-se, à data, como fiador do mesmo, Alfredo. b)-O contrato de arrendamento em questão tinha por objecto o 3º andar esquerdo, do prédio da Urbanização da Portela, Lote 70, sito na freguesia de Sacavém, do concelho de Loures, do qual S era proprietário. c)-O mesmo foi celebrado pelo prazo de seis meses, com início no dia 01 de Março de 1976, sucessivamente renovado, por iguais períodos e nas mesmas condições, nos termos da lei, d)-com o montante de cinco mil e quinhentos escudos mensais, a título de renda, a liquidar em casa do senhorio ou no local pelo mesmo indicado, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que a renda dissesse respeito. e)-O contrato de arrendamento celebrado visava a habitação do arrendatário e ora Réu Manuel, não podendo este dar-lhe outro uso, nem sublocá-lo, no todo ou em parte, sem autorização escrita do senhorio. f)-Em 16 de Novembro de 2012, e em virtude da indisponibilidade pessoal do proprietário e senhorio S na continuidade da gestão do arrendamento ora em análise, o mesmo, por procuração, mandatou o ora Autor e co-proprietário do imóvel arrendado, para em seu nome, proceder daí em diante a tal actividade, bem como, para o representar perante o arrendatário, ora Réu. g)-Assim sendo, e em virtude do mandato conferido, o Autor, por carta datada de 20 de Novembro de 2012, informou tal circunstância ao arrendatário, ora Réu, bem como aproveitou a oportunidade para agilizar alguns procedimentos, facilitando assim, quer a comunicação entre as partes, bem como, os pagamentos de rendas. h)-Deste modo, disponibilizou, à data, o Autor ao Réu, um endereço de e-mail para ser utilizado nas comunicações sobre os assuntos inerentes ao imóvel, bem como, um NIB de uma conta bancária no sentido de possibilitar o pagamento das rendas, com recuso ao mesmo (quer por depósito, homebanking, ATM). i)-Mais informou, à data, o Autor ao Réu que o documento de transferência, ordem de pagamento ou registo de homebanking, funcionaria como comprovativo de quitação do pagamento das rendas mensais respectivas, bem como que o sistema apresentado já se encontrava implementado para aplicação dos pagamentos de Dezembro de 2012, referentes ao mês de Janeiro de 2013. j)-Em conformidade com o proposto, o Réu, não manifestando qualquer oposição ao então transmitido, assim começou a proceder, a partir daquele momento, no que concerne ao pagamento das rendas mensais acordadas. k)-O Autor, por carta datada de 17 de Dezembro de 2012 [registada, com aviso de recepção], comunicou ao arrendatário, ora Réu, a intenção da transição do contrato de arrendamento celebrado para o NRAU, bem como a consequente actualização de renda. l)-Comunicou o Autor ao Réu o valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), que ascende ao montante de 128.430,00 €, juntando para o efeito, com a carta remetida, cópia da caderneta predial urbana. m)-Bem como indicou o valor da renda actualizada (710,00 €, mensais) e o tipo e duração do contrato proposto [contrato de arrendamento urbano para habitação, com prazo certo de 05 (cinco anos)]. n)-Após recepção da mesma, por carta datada de 15 de Janeiro de 2013, o ora Réu opôs-se à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, bem como ao valor da nova renda proposta, contra-propondo o valor de 450,00 € mensais para actualização daquela (invocando os motivos para tal). o)-Na mesma, o Réu comunicou ao Autor que possuía uma idade superior a 65 anos, comprovando-o mediante o envio, em anexo com a carta em questão, de cópia do cartão de cidadão, p)-Bem como invocou que, no ano civil anterior, o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar havia sido inferior a 5 (cinco) retribuições mínimas nacionais anuais, tudo conforme documento comprovativo da requisição de tal ao serviço de finanças competente que, igualmente, em anexo com a carta em questão, remeteu. q)-Não tendo, à data, nem em qualquer outro momento, transmitido ao Autor qualquer outra informação sobre a utilização do imóvel. r)-Em face da oposição do arrendatário, ora Réu, ao montante de actualização de renda proposto pelo Autor, este não aceitou a contra-proposta de actualização de renda proposta por aquele (na carta datada de 15 de Janeiro de 2013), comunicando-lhe tal por carta [registada com aviso de recepção] datada de 22 de Janeiro de 2013. s)-Bem como comunicou ao Réu a actualização de renda no montante mensal de 710,00 €, correspondente a 1/15 do valor patrimonial do locado, t)-acrescentando ainda que, tendo o Réu invocado, na sua missiva, que o RABC do seu agregado familiar era inferior a 5 (cinco) retribuições mínimas nacionais anuais, a renda mensal ora actualizada e comunicada, seria, posteriormente, corrigida e fixada, nos termos dos limites legais, após e caso se verificasse a comprovação de tal realidade. u)-Não obstante a comunicação de actualização de renda, o Réu nunca procedeu à liquidação mensal da mesma, continuando a transferir, para o NIB do Autor e como anteriormente, o valor da renda sem reflectir a referida actualização. v)-Por carta datada de 04 de Abril de 2013, o Réu remeteu ao Autor nova declaração da autoridade tributária e aduaneira da qual consta que, em 01 de Abril de 2013, havia sido requerida pelo mesmo, "no âmbito do processo de actualização de rendas" ( ... ), "a emissão de documento comprovativo do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do seu agregado familiar para os efeitos previstos na alínea a) do nº 4 do artigo 31º da Lei nº 612006, de 27 de fevereiro, com redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto (reforma do Novo Regime do Arrendamento Urbano de 2012)”. w)-Em carta datada de 28 de Junho de 2013, o Réu remeteu ao Autor nova declaração da autoridade tributária e aduaneira, datada de 26 de Junho de 2013, nos mesmos termos da anterior. x)-Apenas por carta datada de 28 de Setembro de 2013, o Réu remeteu ao Autor, certidão emitida pela autoridade tributária e aduaneira, datada de 18 de Setembro de 2013, nos termos da qual aí se declara que "no ano fiscal de 2012, o valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do seu [do Réu] agregado familiar é: 30.450,98 ... ". y)-Após a recepção de tal certidão e tendo o Réu comprovado, junto do Autor e nessa data, que o RABC do seu agregado familiar, em 2012, havia sido, inferior a 05 (cinco) Retribuições Mínimas Nacionais Anuais (RMNA), aquele, por carta [registada com aviso de recepção] datada de 30 de Setembro de 2013, e enviada ao Réu, corrigiu a actualização de renda comunicada para o montante mensal de € 634,40 (por aplicação da percentagem de 25% sobre o valor anual do rendimento do Réu). z)-Comunicando, igualmente, ao Réu que "a nova renda é devida a partir do 1º dia do segundo mês seguinte à minha comunicação de 22JAN2013, pelo que os próximos pagamentos deverão respeitar o "Mapa de Pagamentos” indicado no documento em anexo, tendo em conta o valor dos retroactivos devidos". aa)-Por carta datada de 24 de Outubro de 2013, Maria de Fátima (ora Ré) dirigiu ao Autor a seguinte comunicação: “Venho, na qualidade de arrendatária da fracção correspondente ao 3.º andar esquerdo do prédio sito na Rua, Portela, comunicar a V. Exa. o seguinte: Tomei conhecimento que V. Exa. enviou uma carta ao meu marido, Manuel, com data de 30 de Setembro de 2013, para efeitos de alteração do tipo e regime do contrato de arrendamento, ao abrigo da Lei 31/2012, de 14 de Agosto. Em processo de separação de pessoas e bens nº 2989/2008, que correu termos na 7.ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, adquiri a qualidade de arrendatária no contrato de arrendamento em referência, facto comunicado pela respectiva Conservatória ao senhorio. Acontece que enquanto arrendatária, não recebi do senhorio qualquer comunicação, designadamente a prevista no artigo 30.º da citada Lei, a qual é obrigatória, por força do disposto no n.º2 do artigo 11.º. Face ao exposto, a fim de me pronunciar, fico a aguardar a comunicação da proposta nos termos do artigo 30.º da Lei n.º 31/2012.”. bb)-O Autor respondeu à mesma, por carta [registada com aviso de recepção] datada de 31 de Outubro de 2013, remetendo em anexo a carta remetida ao Réu datada de 30 de Setembro de 2013: “Exma. Senhora, Tenho presente a sua comunicação de 24 de outubro, em relação à qual quero esclarecer o seguinte: 1.º - A carta enviada ao seu marido, e referente à alteração do contrato não foi enviada em 30 de Setembro e 2013, como indica, mas em 17 de Dezembro de 2012, para a morada e titular (conhecido) do contrato, como arrendatário. 2.º - A essa comunicação foi-nos respondido, pelo seu marido, identificando-se como titular do contrato habitacional, em 15 de Janeiro de 2013: a) ter idade superior a 65 anos; b) ter no ano civil anterior um Rendimento Bruto Anual Corrigido (RABC), do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais; c) ter requerido ao Serviço de Finanças a Certidão com o valor do RABC. 3.º - Em 04 de Abril de 2013, o seu marido voltou a enviar-nos a renovação do pedido da referida Certidão ao Serviço de Finanças, por a mesma ainda não se encontrar disponível. 4.º - em 25 de Setembro de 2013, recebemos finalmente, do seu marido, a certidão conjunta de rendimentos do agregado familiar referente ao ano fiscal de 2012, que deu origem à fixação, nos termos da lei, do novo valor da renda, bem como dos valores retroactivos legalmente aplicáveis e que por isso são devidos. 5.º - Por outro lado, esta Certidão emitida pela Autoridade Tributária e que declara o RABC do seu agregado familiar no ano de 2012, identifica o Sr. Manuel, como arrendatário e a Sra. D. Maria de Fátima, como cônjuge não separado (doc. em anexo). 6.º- A sua comunicação, datada de 24 de outubro, na qual se declara agora detentora do direito ao arrendamento, é para mim uma novidade. Novidade não só pelo exposto anteriormente, como pelo facto de não ter qualquer comunicação da Conservatória. Aliás, como saberá, a justificar-se, a responsabilidade da comunicação é sua e não da Conservatória, e enquanto tal não acontecer estamos a tratar de um assunto em cuja responsabilidade são solidários. 7.º - Também me parece algo estranho que tenha conhecimento das comunicações entregues na morada de que agora se diz arrendatária, conheça a sua existência e desconheça o seu conteúdo. 8.º - De qualquer forma, e para nos poupar a todos tempo e trabalho, e de boa fé acreditando na sua qualidade adquirida, anexo também uma cópia da última comunicação enviada ao seu marido, chamando a atenção para o facto de que o cumprimento da actualização já se encontra em atraso. 9.º - Fico ainda a aguardar, nos termos da sua comunicação, a oficialização do direito de arrendamento.”. cc)-Em 11 de Novembro de 2013, recebeu o Autor, nova carta, desta feita assinada por ambos os Réus: “Exmo. Senhor Acuso recebida a sua comunicação de 31 de Outubro, a qual mereceu a minha melhor atenção. Considerando a mesma como comunicação prevista no artigo 30.º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro com a redacção que lhe foi dada pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, em resposta, venho comunicar-lhe o seguinte: Atento o facto de não concordar com a alteração do contrato de arrendamento e do valor da nova renda, venho comunicar a V. Exa. a denúncia do mesmo, nos termos do artigo 31.º, n.º4, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 31/2012 de 14 de Agosto, a qual produzirá os seus efeitos no prazo de 2 meses a contar da recepção da presente comunicação. Nos termos do artigo 34.º da citada disposição legal, irei desocupar o locado e entregá-lo a V. Exa., no prazo legal, não havendo lugar à actualização do valor da renda. A comunicação da denúncia do contrato de arrendamento é também subscrita pelo meu marido, Manuel.”. dd)-O Autor transmitiu à Ré, por carta [registada, com aviso de recepção], datada de 15 de Novembro de 2013: “Exma. Senhora: Acuso a recepção da sua comunicação de 11 de Novembro. No entanto, e contrariamente ao que considera, a minha comunicação prevista no artigo 30.º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro com a redacção que lhe foi dada pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, não foi efectuada pela minha carta de 31 de Outubro de 2013 e a si dirigida, mas sim em 17 de Dezembro de 2012 dirigida ao Sr. Manuel, único titular do contrato de arrendamento de que o senhorio tinha conhecimento, conforme já explicado na minha comunicação anterior. Foi este senhor que, de modo oportunista, foi mantendo a comunicação a aproveitando os atrasos das finanças, esquecendo-se de comunicar ou esclarecer a hipotética alteração do direito de arrendamento. Aliás, neste momento, o assunto está longe de estar esclarecido, porquanto o seu reclamado direito a arrendamento nunca foi oficializado, nem sequer é coerente com o documento das finanças a que agora tive acesso. É notório que tudo isto é um expediente que não vou alimentar. O assunto seguirá a via judicial. Aproveito para informar que a denúncia de contrato agora apresentada não é enquadrável nos termos do artigo 34.º da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro, alterada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, por se considerar extemporânea. Por outro lado, confirmo que a renda fixada no valor de € 634,40 mensais pela minha comunicação de 30 de Setembro de 2012, é devida desde o mês de Março de 2013 inclusive, pelo que o seu não pagamento seguirá os termos da Lei, estando a acumular dívida e penalizações previstas.” ee)-O Autor transmitiu ao Réu, por carta [registada, com aviso de recepção], datada de 15 de Novembro de 2013: “Exmo. Senhor, Acuso a recepção da comunicação de 11 de Novembro da Sra. Maria de Fátima, assinada também por si. Confesso-lhe o meu desagrado pelo modo pouco ético como resolveu/resolveram conduzir o assunto, demonstrando muito pouco carácter. As vossas comunicações são bem um exemplo de arranjos, incoerências e trocas de eventuais direitos adquiridos, mas não documentados nem confirmados, que não estou habituado a manter e passarei imediatamente para a via judicial. Para que a sua/vossa comunicação não fique sem resposta quero esclarecê-lo que, contrariamente ao considerado por si/vós/pela nova detentora do direito de arrendamento, a minha comunicação prevista no artigo 30.º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro com a redacção que lhe foi dada pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, não foi efectuada pela minha carta de 31 de Outubro de 2013 dirigida à Sra. Maria de Fátima, mas sim em 17 de Dezembro de 2012 dirigida a si. Saliento o facto de que é o seu nome o único que consta no contrato de arrendamento, e que nunca ao senhorio foi transmitida qualquer informação de alterações, conforme já explicado na minha comunicação anterior dirigida à Sra. Maria de Fátima de 31 de Outubro. Nestes termos, pretendo informá-lo que esta denúncia não é enquadrável nos termos do artigo 34.º da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro, alterada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, por se considerar extemporânea. Por outro lado, confirmo que a renda fixada no valor de € 634,40 mensais pela minha comunicação de 30 de Setembro de 2012, é devida desde o mês de Março de 2013 inclusive, pelo que o seu não pagamento seguirá os termos da Lei, estando a acumular dívida e penalizações previstas.”. Da contestação. ff)-Por decisão transitada em julgado em 28 de Março de 2008 no processo de separação de pessoas e bens que com o n° 2989/2008 correu termos na 7.ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, foi declarada a separação judicial de pessoas e bens entre os Réus. gg)-Por acordo sobre o destino na casa de morada de família, concordaram os Réus em permanecer ambos a residir na Rua, Portela, Loures. hh)-O contrato de arrendamento foi celebrado pelo Réu marido, como casado. ii)-Na audiência de Arbitragem ocorrida em 15 de Abril de 2009, referente ao processo n° 4338, prevista no Decreto-Lei n° 161/2006, de 8 de Agosto, foi ouvida, como esposa do arrendatário, Maria de Fátima, na qualidade testemunha, na presença do então senhorio S. O Direito. Nestes autos está em causa um contrato de arrendamento para habitação que foi celebrado em 1976. Trata-se, pois, de contrato de arrendamento celebrado antes da vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 321-B/90, de 15.10, e, por conseguinte, anterior à entrada em vigor do novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02 (a entrada em vigor ocorreu em 28.6.2006 – art.º 65.º do NRAU). O NRAU aplica-se às relações contratuais subsistentes à data da sua entrada em vigor, nos termos e com as limitações inerentes aos princípios consagrados no art.º 12.º do Código Civil e tendo em consideração as normas transitórias que preveem especialidades em relação aos contratos já existentes (cfr. artigos 59.º n.º 1, 26.º, 27.º e 28.º do NRAU). Aquando da celebração do contrato de arrendamento sub judice a posição negocial de arrendatário foi ocupada tão só pelo 1.º R.. Por outro lado, embora na ocasião o R. fosse casado, e tal constasse do contrato, a lei consagrava expressamente a regra da incomunicabilidade do direito ao arrendamento para habitação ao cônjuge do arrendatário (art.º 1110.º n.º 1 do Código Civil), solução legal essa que se manteve no RAU (art.º 83.º) e só por força do NRAU foi substituída pela regra contrária, consagrada atualmente no art.º 1068.º do Código Civil. Subentende-se da decisão recorrida, e tal não foi questionado pelas partes, que se considerou que o novo regime, de comunicabilidade do direito ao arrendamento para habitação ao cônjuge do arrendatário, segundo as regras do regime de bens, previsto no art.º 1068.º do Código Civil por força da NRAU, não era aplicável ao caso sub judice, na medida em que o mesmo se reportava a contrato de arrendamento celebrado antes da entrada em vigor do NRAU e a casamento também anterior. Afigura-se-nos que se ajuizou bem. No nosso direito ordinário, a regra é a de que a lei só dispõe para o futuro, ou seja, não tem efeitos retroativos (art.º 12.º n.º 1 do Código Civil): e mesmo que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular (art.º 12.º, n.º 1, 2.ª parte). Explicitando o teor do n.º 1, o n.º 2 do art.º 12.º vem como que definir o que são e o que não são factos passados e efeitos dos factos passados, sendo certo que aos factos passados e aos efeitos dos factos passados aplica-se a lei antiga (J. Baptista Machado, “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, Livraria Almedina, 1968, pág. 354). Esse número estipula que “quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.” Assim, no n.º 2 do art.º 12.º distinguem-se, “dum lado, as normas relativas à validade de quaisquer factos ou aos efeitos de quaisquer factos (entendendo por efeitos não só os efeitos imediatos sob todos os aspectos, mas ainda o conteúdo duma situação jurídica duradoira que seja definido ou intrinsecamente modelado em função dos respectivos factos constitutivos), do outro lado, as normas que dispõem directamente sobre o conteúdo das situações jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem.” (Baptista Machado, obra citada, pág. 354). A solução contrária à adotada na primeira instância e aceite pelas partes implicaria atribuir um novo e diferente efeito jurídico a factos ocorridos antes da vigência do novo regime legal (celebração do contrato de arrendamento e, antes dele, celebração de casamento), aos quais já havia sido, à luz da lei em vigor à data da sua ocorrência, determinado o efeito correspondente (incomunicabilidade do direito ao arrendamento ao cônjuge do arrendatário). O legislador, no art.º 59.º n.º 1 da Lei n.º 6/2006, não diverge das regras de aplicação da lei no tempo consagradas no art.º 12.º do Código Civil. Repete-se, nos termos do n.º 1 do art.º 12.º do Código Civil, a lei nova só dispõe para o futuro e, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. Assim, à data do facto a regular, ou seja, à data da celebração do contrato de arrendamento, em que vigorava também o contrato de casamento celebrado entre o arrendatário e o respetivo cônjuge, fixou-se, à luz da lei então vigente, a adstrição da situação jurídica de arrendatário exclusivamente à esfera jurídica do cônjuge que interveio na celebração do contrato, com exclusão do seu cônjuge. Tal regra não é afastada, salvo disposição em contrário, pela que se contém na segunda parte do n.º 2 do art.º 12.º do Código Civil: a aplicabilidade da lei nova às relações jurícas já constituídas não afetará os efeitos jurídicos já produzidos pelos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Assim, o atual art.º 1068.º do Código Civil não é aplicável à situação jurídica sub judice (neste sentido, na jurisprudência, vide acórdão da Relação de Lisboa, de 29.5.2012, processo 1393/11.2YXLSB.L1-1; acórdão da Relação de Lisboa, de 18.10.2012, processo 4994/08.0TBAMD-A.L1-2 – relatado pelo aqui Exm.º 2.º adjunto -; acórdão da Relação de Coimbra, de 09.4.2013, processo 1346/11.8TBCVL-A.C1; acórdão da Relação de Lisboa, de 23.9.2014, processo 738/11.7YXLSB.L1-1 - todos consultáveis na base de dados do IGFEJ; na doutrina, no mesmo sentido, cfr. Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e Caldeira Jorge, “Arrendamento Urbano”, Quid Juris, 3.ª edição, Almedina, páginas 300 e 301; contra, na doutrina, Maria Olinda Garcia, “O arrendatário invisível – A comunicabilidade do direito ao cônjuge do arrendatário no arrendamento para habitação”, in Scientia Iuridica, tomo LXV, n.º 342, Setembro-Dezembro 2016, páginas 416 a 418). Sucede, porém, que em março de 2008 os RR., casados entre si, separaram-se de pessoas e bens, na Conservatória do Registo Civil de Lisboa. No âmbito dessa separação os RR. acordaram, nos termos do art.º 1775.º do Código Civil, acerca do destino da casa de morada de família, que era o locado, tendo ficado estipulado que ambos aí permaneceriam. Esse acordo foi homologado pelo Conservador. No art.º 1105.º do Código Civil, na redação introduzida pelo NRAU, sob a epígrafe “Comunicabilidade e transmissão em vida para o cônjuge”, estipula-se o seguinte: “1 - Incidindo o arrendamento sobre casa de morada de família, o seu destino é, em caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, decidido por acordo dos cônjuges, podendo estes optar pela transmissão ou pela concentração a favor de um deles. 2 - Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, tendo em conta a necessidade de cada um, os interesses dos filhos e outros factores relevantes.” O texto legal, quer no RAU (art.º 84.º n.º 1), quer na versão original do Código Civil (art.º 1110.º n.º 2), dispunha que, em caso de divórcio ou de separação de pessoas e bens “podem os cônjuges acordar em que a posição de arrendatário fique pertencendo a qualquer deles.” A redação atual, em que se estabelece que os cônjuges podem “optar pela transmissão ou pela concentração a favor de um deles”, resulta da atual consagração, como regra, da comunicabilidade do direito de arrendamento ao cônjuge não contraente, nos termos do respetivo regime de bens (v. Maria Olinda Garcia, “A nova disciplina do arrendamento urbano", 2006, Coimbra Editora, pág. 37). O regime de transmissibilidade do arrendamento por força do divórcio ou de separação de pessoas e bens, primeiramente previsto no art.º 1110.º do Código Civil, teve como fonte o art.º 45.º da Lei n.º 2030, de 22.6.1948, que tinha a seguinte redação: “1.-Requerida a separação de pessoas e bens ou o divórcio, podem os cônjuges acordar em que o direito ao arrendamento para habitação fique pertencendo ao não arrendatário. Na falta de acordo, o juiz, a requerimento de qualquer dos interessados, decidirá na sentença, tendo em conta a sua situação patrimonial, as circunstâncias de facto relativas à ocupação da casa, o interesse dos filhos, a culpa do arrendatário na separação ou divórcio e o facto de o arrendamento ser anterior ou posterior ao casamento. 2.-Se houver filhos e o processo tiver de ser remetido ao tribunal de menores, a este competirá decidir. 3.-A transmissão do direito ao arrendamento para o cônjuge do arrendatário, por acordo ou decisão judicial, só produzirá efeitos em relação ao senhorio, se for requerida a sua notificação dentro de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da sentença da separação ou divórcio, ou da decisão proferida pelo tribunal de menores.” No respetivo parecer da Câmara Corporativa, de 04.02.1947 (Parecer n.º 16, citado por Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, volume II, 2.ª edição, 1981, Coimbra Editora, página 550), escreveu-se: “o que se pretende com estas medidas excepcionais em matéria de arrendamento é proteger o facto da habitação e, portanto, em princípio, deverá atribuir-se o direito aos dois, e não apenas ao que figura como arrendatário, visto o contrato ser normalmente celebrado em benefício do agregado familiar, e não de um cônjuge apenas. Como, porém, isto é impossível, desde que seja decretado o divórcio ou separação, parece indicado que acima de um critério, muitas vezes puramente ocasional, como é o da outorga do contrato, se atenda efectivamente às necessidades de habitação de cada um dos cônjuges, facultando-se-lhes um acordo, e atribuindo ao juiz, na falta dele, o poder de dirimir o conflito, conferindo a posse da casa a quem melhor direito invoque, baseado na culpa do outro cônjuge, na situação patrimonial de cada um, no interesse dos filhos, etc.” O legislador procura, assim, acudir aos interesses pessoais dos cônjuges e do seu agregado familiar, no aspeto essencial da habitação, reconhecendo que, em princípio, é relevante o interesse de qualquer dos cônjuges, independentemente de só um deles ser o arrendatário. E a literal atribuição do referido direito a apenas um dos cônjuges releva, conforme decorre do texto do parecer, da convicção da impossibilidade factual da manutenção da convivência dos cônjuges divorciados ou separados na mesma habitação. Ora, no caso dos autos, os cônjuges acordaram em permanecerem ambos na que anteriormente era a casa de morada de família. Ou seja, equipararam a respetiva posição no que concerne ao contrato de arrendamento em vigor. Assim, acordaram em assumirem ambos a posição de arrendatários, passando o arrendamento a ser um arrendamento plural, com dois coarrendatários. Tal situação, embora não mencionada expressamente no texto da lei, cabe, cremos, no seu espírito, impondo-se uma interpretação extensiva, por não encontrarmos razões que obstem à sua admissibilidade, atentos os interesses em presença (art.º 9.º do Código Civil). E tanto assim é que o acordo foi homologado e o próprio A. não questiona a qualidade dos RR. como coarrendatários, embora procure extrair consequências do facto de, alegadamente, tal situação lhe ter sido ocultada. Conforme decorre da transcrição supra efetuada do art.º 45.º da Lei n.º 2030, a lei estipulava expressamente que a modificação da titularidade da posição de arrendatário só produziria efeitos em relação ao senhorio na medida em que este fosse dela notificado, num prazo apertado. O supracitado parecer da Câmara Corporativa refere-se a esta solução nestes termos (ponto 15 do parecer): “Trata-se, de resto, da resolução de um problema que para o senhorio é, na generalidade dos casos, indiferente, pois, tendo de ocupar um dos cônjuges a posição de arrendatário, pouco ou nada lhe deve interessar que essa posição seja conferida ao marido ou à mulher. O que é essencial é que ele saiba que houve uma transmissão e que de certo momento em diante deixou de ser arrendatário o que outorgou no contrato, por ter transmitido essa situação ao seu cônjuge ou ex-cônjuge.” E mais adiante: “Feito o acordo ou proferida a decisão judicial, se o direito ao arrendamento for atribuído ao que figura no contrato como arrendatário, não é preciso levar o acordo ou a decisão ao conhecimento do senhorio. Noutro caso, é necessário notificá-lo, dentro do prazo de trinta dias, para que tome conhecimento da transferência do direito.” Nem o Código Civil, na redação primitiva, nem o RAU, nem, atualmente, o art.º 1105.º do Código Civil, consignam a primitiva imposição de um prazo para a comunicação ao senhorio da referida alteração da posição contratual de arrendatário, com efeitos preclusivos. A lei passou, tão só, a impor a notificação oficiosa, pela autoridade competente, da aludida alteração ao senhorio. Tal modificação do texto legal é, conforme se entendeu no acórdão desta Relação, de 02.02.2006 (processo 12158/2005-6), significativa, compelindo à conclusão de que a omissão da notificação não impedirá a eficácia, na ordem jurídica, da homologada ou decidida modificação do contrato de arrendamento no plano subjetivo, sem prejuízo das consequências que o senhorio possa lograr retirar de outras regras do ordenamento jurídico, nomeadamente em matéria de responsabilidade civil ou de abuso de direito, de eventual omissão de notificação que não lhe seja imputável (para a omissão da comunicação ao senhorio da transmissão do arrendamento por morte do arrendatário, vide o art.º 1107.º do Código Civil: “1 – Por morte do arrendatário, a transmissão do arrendamento, ou a sua concentração no cônjuge sobrevivo, deve ser comunicada ao senhorio, com cópia dos documentos comprovativos e no prazo de três meses a contar da ocorrência; 2 – A inobservância do disposto no número anterior obriga o transmissário faltoso a indemnizar por todos os danos derivados da omissão”). Neste sentido, cfr., também, Aragão Seia, “Arrendamento urbano anotado e comentado”, 6.ª edição, Almedina, pág. 547, e acórdão da Relação de Lisboa, de 26.10.1995, in Col. de Jurisp, ano XX, tomo IV, pág. 128 e seguintes. A automática produção de efeitos da homologação do acordo ou da decisão da entidade competente, na fixação subjetiva do arrendamento, independentemente da vontade do senhorio e mesmo da comunicação a este é idêntica à que ocorre na comunicabilidade do direito do arrendatário ao abrigo do art.º 1068.º do Código Civil (vide Maria Olinda Garcia, “O arrendatário invisível…”, estudo citado, pág. 405) ou na transmissão do arrendamento por morte do arrendatário ao abrigo do art.º 1106.º do Código Civil (vide José Diogo Falcão, “A transmissão do arrendamento para habitação por morte do arrendatário”, parte III, in ROA, ano 67, 2007, volume III, Dezembro). Sendo certo que não está provado, no caso destes autos, que a aludida comunicação oficiosa ao senhorio não ocorreu. O litígio objeto desta ação surgiu na sequência de procedimento iniciado pelo A. tendo em vista a atualização da renda devida por força do contrato e a transição deste para o regime jurídico do NRAU, maxime quanto à sua duração. Na senda da política de atualização das chamadas “rendas antigas”, ou seja, rendas relativas a contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes da vigência do Dec.-Lei n.º 321-B/90, de 15.10 (RAU) e contratos não habitacionais celebrados antes da vigência do Dec.-Lei n.º 257/95, de 30.9, o legislador, com a redação introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14.8, instituiu o sistema de transição para o NRAU e de atualização de rendas previsto, quanto aos arrendamentos para habitação, nos artigos 30.º a 37.º, assente na interpelação do arrendatário por parte do senhorio e resposta daquele com determinados efeitos e cominações, em que o rendimento do agregado familiar do arrendatário e a sua idade poderão ter efeito relevante. Tendo em vista prevalecer-se desse regime de aproximação dos contratos “antigos” àqueles regulados pelo NRAU e posteriores, o A. interpelou o R. nos termos já supra descritos. Porém, não o fez em relação à 2.ª R.. Ora, deveria fazê-lo. Tanto o R. Manuel como a R. Maria de Fátima eram, cada um, titulares de um direito ao arrendamento da fracção supra identificada, tanto qualitativa como quantitativamente idênticos (cfr. Maria Olinda Garcia,”O arrendamento plural, quadro normativo e natureza jurídica”, Coimbra Editora, 2009, v.g. pág. 348). Não existindo norma legal ou contratual que prevesse que um dos contraentes era representado pelo outro, ambos deveriam ser alvo das comunicações tendentes a produzir efeitos no feixe das obrigações e direitos emergentes do contrato para os coarrendatários, para que, como declarações negociais recetícias, produzissem efeitos em relação a eles (art.º 224.º n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil). Embora o NRAU preveja que as comunicações do senhorio são dirigidas ao arrendatário que figurar em primeiro lugar no contrato, salvo indicação daqueles em contrário (n.º 3 do art.º 11.º do NRAU), terão de ser dirigidas a todos os arrendatários as comunicações que constituam iniciativa do senhorio para transição para o NRAU e para atualização extraordinária de renda nos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e nos contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro (art.º 11.º n.º 4 e art.º 10.º n.º 2 do NRAU). A falta de comunicação a todos os arrendatários, nos casos em que ela se imponha, acarreta a ineficácia da que foi realizada a apenas um deles (por identidade de razão com o disposto no n.º 1 do art.º 11.º do NRAU, em que no caso de pluralidade de senhorios expressamente se comina de ineficácia a falta de subscrição das comunicações por todos os senhorios ou por quem a todos os represente). Conforme nota Maria Olinda Garcia (obra citada, página 220, nota 354) “a exigência de que a comunicação do locador seja dirigida individualmente a cada co-arrendatário, justifica-se não só porque daí resulta uma modificação objectiva do contrato, por via unilateral, cujos pressupostos os arrendatários têm direito de controlar, mas também porque, em resposta à iniciativa do locador, o arrendatário tem o direito de denunciar o contrato, nos termos do art.º 37.º, n.º 5 [atualmente, artigos 31.º n.º 3 alínea d) e 34.º, por força das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14.8]”. Assim, ineficazes que foram as comunicações que o A. efetuou exclusivamente ao 1.º R., para o efeito de operar a transição do contrato para o NRAU e para atualizar a renda, inútil se torna analisar, para esse efeito, o conteúdo dessas comunicações ou o conteúdo das respostas dirigidas ao A. pelo 1.º R.. Só quando o A. comunicou à 2.ª R. o escrito que dirigira ao 1.º R., em que atualizava a renda para o valor de € 634,40 (alíneas y) e bb) da matéria de facto) é que foi cumprido o exigido formalismo legal. E, na sua sequência, a 2.ª R., acompanhada pelo 1.º R., coarrendatário, exerceu o direito de denúncia que lhe era facultado pelos artigos 31.º n.º 3 alínea d) e 34.º. Não estando, assim, obrigada ao pagamento do valor da renda atualizada, nem a qualquer valor por prazo de pré-aviso incumprido, uma vez que as partes respeitaram o prazo de dois meses fixado na lei. Desobrigação essa que se estende ao 1.º R., coarrendatário, face à ineficácia das “conversações” inicialmente havidas com o A. para eventual alteração do contrato. Nesta perspetiva, pois, a apelação é improcedente. Segunda questão (abuso de direito por parte dos RR.) Na petição inicial o A. invocou o abuso de direito por parte dos RR. Na apelação o A. aduz ainda que o 1.º R. agiu de má-fé, incorrendo em responsabilidade pré-contratual, nos termos do art.º 227.º do Código Civil. Vejamos. Quanto à aplicabilidade ao caso sub judice do disposto no art.º 227.º do Código Civil, é de rejeitar. Contrariamente ao agora aventado pelo apelante, entre o A. e o 1.º R. não se entabularam negociações tendo em vista a celebração de um novo contrato de arrendamento, consubstanciadoras de base para uma agora invocada responsabilidade pré-contratual. O que ocorreu foi que o A. desencadeou um mecanismo, previsto na lei, tendente à modificação de alguns aspetos de um contrato já existente. Que o fez de forma inadequada, já o vimos. Quanto ao abuso de direito. Sob a epígrafe “abuso do direito”, o art.º 334.º do Código Civil estipula que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito.” Este artigo positiva um mecanismo geral de correção daquilo que, na formulação de António Menezes Cordeiro, constituirá o “exercício disfuncional de posições jurídicas” (“Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral, Exercício Jurídico”, 2.ª edição, 2015, Almedina, pág. 403), ou seja, a “disfuncionalidade de comportamentos jurídico-subjetivos” que, embora consentâneos com normas jurídicas, contrariam o sistema jurídico em que estas se inserem, isto é, o conjunto de normas e princípios de Direito, ordenado em função de um ou mais pontos de vista, que aquele postula, iluminado pela ideia central do respeito pela boa-fé (Menezes Cordeiro, obra citada, páginas 400 e 401, 402 a 407). A aplicação do abuso do direito tem-se desenvolvido a partir de grandes grupos de casos típicos, avultando, para o caso sub judice, o venire contra factum proprium, que foi invocado pelo apelante. Venire contra factum proprium consiste, em Direito, no exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente (Menezes Cordeiro, obra citada, pág. 305). Aqui, a regra da observância da boa-fé expressa-se enquanto tutela da confiança, que pressuporá, seguindo-se a síntese de Menezes Cordeiro, quatro requisitos, não necessariamente cumulativos: 1.º –“Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa-fé subjetiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias”; 2.º –“Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objetivos capazes de, em abstrato, provocarem uma crença plausível”; 3.º –“Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efetivo de atividades jurídicas sobre a crença consubstanciada”; 4.º –“A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela proteção dada ao confiante: tal pessoa, por ação ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao fator objetivo que a tanto conduziu” (Menezes Cordeiro, obra citada, páginas 322 a 324). Sendo certo que na avaliação dessa compatibilização entre o exercício em concreto do direito e o padrão ético-jurídico essencial do sistema não releva, necessariamente, o posicionamento subjetivo do titular do direito, ou seja, a perceção que este tenha do desequilíbrio que a sua pretensão representa. Acresce que essa incompatibilidade entre a conduta supostamente abusiva e o sistema deverá ser manifesta, evidente. In casu, o A. imputa aos RR., nomeadamente ao 1.º R., terem-no mantido na ignorância acerca da situação de arrendatária por parte da R., decorrente do aludido acordo concomitante com a separação de pessoas e bens. Vejamos. Por um lado, não está provado que o senhorio, antecedente do A., não foi informado do aludido acordo. O certo é que essa situação deveria ter sido oficiosamente comunicada ao senhorio, não constituindo encargo dos arrendatários. Por outro lado, continuando ambos os RR. a viver no arrendado, em termos práticos tudo permanecia na mesma, bastando ao senhorio que a renda fosse paga pontualmente, sendo irrelevante se o 1.º R. o fazia a título de arrendatário único ou de coarrendatário. Quando o A. se dirigiu ao 1.º R., a fim de propor a transição do contrato para o NRAU e bem assim a atualização da renda, o 1.º R. respondeu, enquanto inquilino que efetivamente era, recusando a transição do NRAU e bem assim o valor de renda proposto pelo A., invocando ter mais de 65 anos e um rendimento anual bruto corrigido do agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas anuais. Assim, não deu ao A. qualquer expetativa de que a pretendida transição para o NRAU ocorreria e bem assim que a renda seria atualizada nos termos pretendidos. Quanto à 2.ª R., em relação ao conhecimento que teve das aludidas comunicações, apenas se provou o que consta na alínea aa) da matéria de facto, ou seja, que por carta datada de 24.10.2013 dirigiu ao A. uma carta em que afirmava ter tomado conhecimento de que o A. havia enviado ao 1.º R. a carta, datada de 30.9.2013, referida em y), invocava a sua qualidade de arrendatária, afirmava que tal condição havia sido comunicada ao senhorio pela conservatória do registo civil e exigia que o A. lhe enviasse a comunicação prevista no art.º 30.º do NRAU. Não se lobriga que nesta atuação haja qualquer distorção dos fins legais. A conduta do coarrendatário não vinculava nem obrigava a 2.ª R.. Esta era livre, pois, de adotar, em relação à transição do contrato para o NRAU e à atualização da renda, e bem assim à denúncia do contrato, a atitude que melhor servisse os seus interesses, sem prejuízo de coordenar com o coarrendatário a atitude a adotar. Assim como a parte demandada, não citada em processo civil, pode intervir no processo arguindo a respetiva nulidade e exigindo a comunicação em falta (art.º 189.º do CPC), também a 2.ª R., independentemente do conhecimento que à data da carta enviada ao A. já tivesse das cartas trocadas entre o A. e o R., tinha o direito de ser formalmente chamada a intervir, enquanto arrendatária, no procedimento modificativo do contrato desencadeado pelo A.. Note-se, de resto, que no contrato de arrendamento constava que o 1.º R., arrendatário, era casado e destinava o locado a sua habitação. Por outro lado, provou-se que em 15.4.2009, numa audiência realizada no âmbito de uma comissão arbitral municipal reunida nos termos do Decreto-Lei n.º 161/2006, de 8.8, a 2.ª R. interveio como testemunha, perante o então senhorio, na qualidade de mulher do arrendatário. Assim sendo, estavam reunidas condições objetivas para o A. se sentisse compelido a diligenciar pela abordagem da 2.ª R. no seio da pretendida transição do contrato para o NRAU e da atualização da renda, à luz do art.º 12.º n.º 1 do NRAU (“se o local arrendado constituir casa de morada de família, as comunicações previstas no n.º 2 do artigo 10.º devem ser dirigidas a cada um dos cônjuges”). Não o tendo feito, arcou com a consequência inerente, que foi a ineficácia das primeiras comunicações, até à carta enviada à 2.ª R. em resposta à carta desta. Tendo então os dois RR., ponderados os interesses de cada um, optado por porem termo ao contrato, o que fizeram no estrito cumprimento da lei. Contrariamente ao afirmado pelo A., não se vislumbra qualquer conluio da parte dos RR., no sentido de deliberadamente lhe ocultarem algo ou de pretenderem retirar vantagem de tal ocultação. O 1.º R. agiu no uso dos poderes que lhe conferia a sua condição de arrendatário. A verdade, porém, é que não tinha legitimidade para o fazer desacompanhado da 2.ª R. e esta não prescindiu das suas prerrogativas, como se viu, em termos que não justificam censura, nomeadamente à luz do princípio da boa-fé e dos limites que traçam o exercício abusivo dos direitos. A apelação é, pois, improcedente, ficando prejudicada a apreciação da terceira questão (créditos do A.) DECISÃO. Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida. Lisboa, 23.3.2017 Jorge Leal Ondina Carmo Alves Pedro Martins |