Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1062/2001.L1-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: PODERES DE REPRESENTAÇÃO
AGENTE
VENDA DE VEÍCULO AUTOMÓVEL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/25/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - Perante a necessidade da salvaguarda dos terceiros que, sem nada saberem, contratam de boa fé com os denominados “falsus procurator” ,a doutrina, sobretudo a francesa e a germânica, desenvolveram a teoria da aparência, a qual, ao fim e ao cabo, se consubstancia num princípio não escrito, em virtude do qual a crença errónea de terceiros de boa fé, em determinadas situações, é fonte de efeitos jurídicos: “L’ apparence du droit produit alors les mêmes effets que le droit lui-mêmes”.
2 - Não tendo o legislador português até ao presente abordado a questão da representação aparente, nem das respectivas consequências, a jurisprudência buscava soluções em preceitos como os artigos 266º nº 1 e 269º do C. Civil e em princípios ínsitos, designadamente nos artigos 249º, 257º e 249º e 259º do C. Comercial, fundando-se posteriormente, sobretudo a partir da publicação do DL nº 178/86, de 3 de Julho, a atender ao disposto no artigo 23º deste diploma, entendido como “cláusula geral que o legislador estabeleceu em termos prudentes,com vista a tutelar a boa fé de terceiros.
3 - Dispondo o art. 23º do DL 178/86, sob a epígrafe “Representação aparente” que: “1. - O negócio celebrado por um agente sem poderes de representação é eficaz perante o principal se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do agente, desde que o principal tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do terceiro, deve tal cláusula geral ainda que prevista para o contrato de agência, ser aplicada extensivamente à generalidade dos casos em que esteja presente a mesma razão de ser, isto é, em todos os casos em que se justifique a tutela da confiança de terceiros que contratem com empresas cuja moderna organização interna, regra geral complexa, foge, de todo, ao conhecimento e controle desses terceiros.
4 - O empregador/empresário, portanto, na qualidade de “ principal”, deve, por isso, ser responsabilizado com vista a tutelar a boa fé e a confiança de terceiros, podendo sê-lo quer em sede de responsabilidade contratual, quer de responsabilidade extracontratual.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. A intentou, em 14.11.2001, acção com processo comum sob a forma sumária, contra B - Comércio de Automóveis, Lda. , C e D , pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a quantia de Esc. 2 050 000$00 a titulo de indemnização, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação dos RR. até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que a 1a Ré é uma sociedade comercial que tem por objecto o comércio de automóveis novos e usados, importação e exportação e que os 2º e 3ª RR são os seus sócios gerentes ; que adquiriu no stand da 1ª R. um veículo, pelo preço de Esc. 2 500 000$00 a um tal E , que se apresentou como funcionário daquela, a quem entregou cheque para o respectivo pagamento, que o veículo nunca lhe foi entregue, nem o dinheiro devolvido, uma vez que veio a ser apreendido por ser da S... e ter sido entregue à sua legítima dona.
Mais invocou que, anteriormente, propôs outra acção com vista à resolução do contrato de compra e venda do mesmo veículo e condenação dos réus a devolverem-lhe o preço pago, tendo os réus sido absolvidos por acórdão transitado em julgado, com fundamento na circunstância de se não ter provado que o referido E era funcionário da 1ª ré.
Não obstante isso, uma vez que aquele estava no stand deles a vender automóveis, autorizado por eles ou com conhecimento deles, utilizando a cobertura de uma estrutura empresarial que lhe conferiu credibilidade perante a autora e que fez com que esta, de boa fé, se convencesse de que o dito E actuava por conta e em representação da 1ª ré, devem os réus ser condenados a pagarem-lhe uma indemnização correspondente, pelo menos ao valor do veículo, acrescido dos juros de mora à taxa legal.
Os RR contestaram, alegando, no essencial, que existia caso julgado, o qual abrange todos os RR, e que são partes ilegítimas pois nem sequer conhecem a A., desconhecem o veículo em causa e o E nunca foi empregado, auxiliar ou vendedor deles, tendo se limitado a permitir que, num caso ou noutro, o mesmo utilizasse uma garagem anexa, o fax e o telefone da 1ª ré para os negócios que fazia.
Terminaram a pedir a procedência das excepções invocadas ou a improcedência da acção.
A autora, respondendo à matéria das excepções, invocou que as mesmas se não verificavam, designadamente a do caso julgado, pois, enquanto a 1ª acção se fundava na responsabilidade contratual dos réus e na circunstância da venda ter sido efectuada por um funcionário ou vendedor deles, a presente tem como causa de pedir a responsabilidade extracontratual dos mesmos, pelo facto de terem autorizado ou não se terem oposto a que o dito E actuasse de forma a criar, em terceiros de boa fé, a convicção de que estavam a negociar com a 1ª ré.
Logo de seguida, com data de 31.03.2006, veio a ser proferida sentença que, após julgar improcedentes as excepções da ilegitimidade e do caso julgado improcedentes, julgou igualmente improcedente a acção e absolveu os réus do pedido.
Essa decisão foi objecto de recurso, vindo a ser anulada por este Tribunal da Relação, que ordenou a enunciação dos factos já provados e a elaboração da base instrutória para ulterior prova (acórdão de 5.06.2007 – fls. 169 a 175)
Prosseguindo, corridos os normais termos, realizado o julgamento, foi proferida nova sentença que, após afirmar que se continuavam a verificar os diversos pressupostos processuais, julgou a acção procedente e condenou os réus a pagarem à autora a quantia de € 10 225,35, acrescida dos juros de mora à taxa legal até integral pagamento (fls. 234 a 241).
Inconformados, recorrem os réus.
Alegaram concluindo que:
1ª Considerando que:
a) E não consta da relação material controvertida sendo ele o autor dos factos com base nos quais a autora se serve para instaurar a acção;
b) Que, tal como vem configurado na decisão recorrida em que se entendeu tratar-se de enquadrar os factos à luz do contrato de agência em que se torna necessário haver intervenção do suposto agente, na relação material controvertida para assegurar a legitimidade dos demais RR;
c) Que, no caso, estamos em presença de litisconsórcio necessário a que se refere o artigo 28.º do CPC.
d) A consequência é a verificação de excepção dilatória por ilegitimidade o que tem como consequência, a absolvição dos RR da Instancia à luz do disposto nos artigos 288º, e 660º, do CPC.
2.ª Tal como se invocou na 2.ª questão, e, considerando que a decisão recorrida não se pronunciou quanto à excepção do caso julgado, entende-se que nesta parte a decisão é nula por falta de pronúncia, em face do disposto no artigo 660.º, n.º 1 e 2 e 668.º alínea “d” do CPC.
3.ª Considerando o exposto na 2.ª questão “B”, entende-se haver, no caso, a excepção do caso julgado, a que se refere o art. 497º, e 498º, do CPC uma vez que a questão ora em apreciação já foi julgada com transito em julgado, conforme consta do acórdão nos autos;
4.ª Tendo em vista a responsabilidade pelo risco com base na qual a Autora pretende responsabilizar os 2.º e 3.ª Ré, indemonstrada qualquer factualidade praticada pelos RR, não podem estes ser responsabilizados por eventuais danos causados pela sociedade, de que são sócios, sendo certo que:
- Não se provaram factos que possam dar ensejo ao levantamento da personalidade colectiva da sociedade para se atingir a esfera patrimonial dos sócios.
- Os 2.º e a 3.ª RR, não assumiram perante a Autora, qualquer comportamento activo ou omissivo para responderem pelo risco;
5.ª A situação factual exposta e demonstrada, através da factualidade dada como provada, não pode ser enquadrada no âmbito do contrato de agência, a que se refere o DL 178/86;
6.ª A R. decisão proferida e ora recorrida, no entendimento dos RR, violou as os artigos: 483º, a contrario; 487º,497º,a contrário; 498º, 563º, do Código Civil e os artigos 28º, 156/1; 288/1, alínea d); 494º, nº.1; 494º, alínea e), 60º,nº.1; 668º, nº.1, alínea d) e 659º, nº.2 e 3., 671º, e 672º, todos do Código de Processo Civil.
Terminaram pedindo que as excepções invocadas fossem julgadas procedentes, por provadas, com as legais consequências; ou que o 2.º e 3.ª RR fossem absolvidos do pedido na acção, com as legais consequências.
Não houve contra alegação.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Matéria de Facto.
2. A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos, (por nós reorganizados de molde a tornar mais perceptível a situação e expurgada do facto enunciado sob o nº 21, por ser repetição do já constante no ponto 19):
- A 1ª Ré é uma sociedade comercial que tem por objecto o comércio de automóveis novos e usados, importação e exportação, sendo o 2° e 3° RR os respectivos sócios gerentes.
- Para o exercício dessa actividade, a 1ª R. dispõe de um "stand" de exposição e venda de automóveis aberto ao público, sito na Rua ….., em Lisboa.
- No mês de Outubro de 1998, a A. deslocou-se ao "Stand" da 1ª R. com o propósito de adquirir uma viatura que se encontrava exposta no seu interior.
- Tratava-se de um veículo automóvel ligeiro de passageiros, em estado usado, da marca Fiat Punto Sport, com a matrícula 00-00-00.
- Esse automóvel encontrava-se exposto no interior do "stand" da 1ª Ré.
- No "stand" da 1ª R., a A. foi recebida por E que se apresentou como funcionário e vendedor daquela sociedade, tendo, inclusivamente, entregue à A. o respectivo cartão de visita com a identificação da 1ª Ré.
- Do cartão entregue pelo dito E à A. consta, no canto superior esquerdo, o logotipo de "Auto …. Comércio de Automóveis Novos e Usados, Importação e Exportação, e o nome de E , com os n°s de telef. 0000000, Fax:00000000 e Telem: 00000000000.
- O mesmo cartão apresenta ainda, no canto superior direito, o logotipo de "B…& G….", Estudos …… .
- A A. adquiriu o dito automóvel pelo preço de Esc. 2.050 000$00 (dois milhões e cinquenta mil escudos).
- Que liquidou integralmente no dia 27 de Outubro de 1998.
- Tendo a A. ficado a aguardar a entrega da documentação do veículo, nomeadamente Livrete e Título de Registo de Propriedade.
- Documentos esses que, segundo o referido E , seriam entregues à A. no prazo máximo de quatro ou cinco dias, tempo necessário à sua completa regularização.
- O que jamais aconteceu.
- O automóvel era propriedade de S...-ALD Comércio e Viatura de Aluguer, Lda.,
- E acabou mesmo por ser devolvido à sua legitima proprietária (S..., Lda.,) no dia 3 de Dezembro de 1999.
- No dia 19 de Maio de 1999, a A. dirigiu aos réus uma carta, registada com a/r, na qual comunicava a “rescisão unilateral” do contrato, por desinteresse no mesmo, face ao dito incumprimento contratual por parte daqueles.
- Face ao seu silêncio dos mesmos, a A. procedeu judicialmente contra a 1ª Ré.
- Mediante acção, que correu termos na 1ª secção do 2° Juízo Cível de Lisboa, sob o n° 69/69, encontrando-se junta aos autos a fls. 21 e seguintes certidão da respectiva sentença.
- A R. não se conformou com a decisão tendo interposto recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, recurso esse que seguiu os seus termos na 6ª secção desse Tribunal, sob o n° 3639/01.
- Por Acórdão proferido no dia 03 de Maio de 2001, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu absolver a R. do pedido.
- A A. ficou sem o carro e sem a quantia paga - 2.050.000$00.
- O cheque de 2.050.000$00 passado à A. por sua mãe, foi entregue directamente ao E , que o depositou na sua conta do Banco Português do Atlântico.
- O seguro automóvel efectuado pela A. foi enviado para as instalações da 1ª R., para o respectivo fax.
- O que para a A. assumiu um carácter decisivo para a concretização do negócio.
- O E nunca foi empregado, vendedor ou auxiliar dos RR.
- Negoceia automóveis usados, em seu próprio nome, não dispondo de estabelecimento estável.
O Direito
3. Vistas as conclusões da alegação dos recorrentes, delimitadoras do objecto do recurso, as questões a decidir são, como eles próprios enunciam:
- a verificação das excepções da ilegitimidade passiva e do caso julgado;
- a absolvição do pedido relativamente aos 2º e 3º réus, uma vez que não se provou qualquer conduta deles susceptível de fundar a sua responsabilização por eventuais danos causados pela sociedade, de que são sócios.
3.1. Com vista a afastar o argumento de que a matéria das excepções em causa já está coberta pelo caso julgado formal, invocam os recorrentes que a decisão que delas conheceu não transitou em julgado, por ter sido objecto de recurso que determinou a anulação da sentença recorrida.
Claramente sem razão.
Terminada a fase dos articulados foi proferido despacho saneador que, para além do mais, apreciou detalhadamente das excepções deduzidas – precisamente da ilegitimidade passiva e do caso julgado – concluindo pela improcedência de ambas.
E, logo de seguida, foi proferido o denominado despacho saneador sentença que, conhecendo do mérito da causa, absolveu os réus do pedido.
Apenas a autora recorreu da decisão de mérito, tendo os réus, vencidos na parte atinente à matéria das excepções, se mantido silentes.
O despacho saneador propriamente dito transitou, por conseguinte, em julgado, não podendo voltar a ser objecto de reapreciação (art. 672º nº1 do CPC). Formou-se, portanto, caso julgado formal quanto à questão da legitimidade das partes e ao caso julgado relativo à primeira acção, não podendo tais questões voltar a ser discutidas.
É certo que os réus tentam agora colocar a excepção da sua ilegitimidade na preterição do litisconsórcio necessário, trazendo à liça as referências feitas na sentença recorrida a normas integradoras do regime jurídico do contrato de agência, pretendendo que, assim sendo, então o “agente” também teria necessariamente que ser parte na lide. Não tendo ocorrido tal, ter-se-ia violado o disposto no art. 28º do CPC.
Por um lado a legitimidade, como conceito de relação entre as partes e o objecto do processo, deve ser aferida nos precisos termos unilateralmente afirmados pelo autor na petição inicial, pois que é nesse primeiro articulado que, e independentemente de anómalas alterações ulteriores, se estabiliza o pedido e a causa de pedir.
E estas considerações válidas para a legitimidade processual coincidem com a dogmática da legitimatio ad actum.
Por esta ordem de razões, não são de acolher os argumentos aduzidos pelos réus ao pretenderem que se perfile uma excepção dilatória ou que, o mérito da lide lhes seja favorável por ocorrência de situação com idêntico nomem juris.
Improcede, pelo exposto, a pretensão dos recorrentes no que às respeita às ditas excepções.
3.2. Aqui chegados, resta apreciar a questão da responsabilização dos réus e, particularmente do 2º e 3º réus, já que do conjunto da alegação se infere que, improcedendo as excepções, os recorrentes questionam somente a condenação daqueles réus.
Antes porém há que realçar o seguinte.
Com a presente acção visou a autora responsabilizar os réus pelo facto dos mesmo terem permitido (ou possibilitado) a violação da sua confiança como consumidora/compradora de um veículo, exposto no stand propriedade da 1ª ré, veículo esse que nunca lhe foi entregue, apesar de ter pago a totalidade do preço, por ter vindo a ser apreendido e entregue à sua legítima dona.
A sentença recorrida, na esteira de doutrinas como a da representação aparente (expendidas, por exemplo, por Menezes Cordeiro em “Tratado de Direito Civil”, I Parte Geral, Tomo IV, 2005, p. 104 e seguintes) e interpretando como aplicável, por equiparação, a situações idênticas à dos autos, o disposto no art. 23º do DL nº 178/86 (diploma que instituiu o regime jurídico do contrato de Agência) e considerando todo o circunstancialismo em que decorreu o negócio, indubitavelmente gerador na Autora, como em qualquer comprador médio, da convicção de que estava a negociar com a 1ª ré, concluiu que “Nestas circunstâncias, seria uma grosseira violação do princípio da boa fé permitir que a sociedade proprietária do “stand” ficasse desobrigada para com a autora apenas porque vem agora dizer que afinal aquele “vendedor” não era seu trabalhador, que usava o fax “de favor” e que também era “de favor” que exibia os seus carros no stand da 1ª ré”.
E acrescentou: “Não é portanto o facto de o vendedor ter desrespeitado as instruções das rés que faz com que o compromisso que ele alcançou com a autora não vincule as RR, pois actuou como se de um vendedor das RR se tratasse dentro do “stand”.
E com incontestável razão, no que respeita à sociedade Ré.
Perante a necessidade da salvaguarda dos terceiros que, sem nada saberem, contratam de boa fé com os denominados “falsus procurator” a doutrina, sobretudo a francesa e a germânica, desenvolveram a teoria da aparência, a qual, ao fim e ao cabo, se consubstancia num princípio não escrito, em virtude do qual a crença errónea de terceiros de boa fé, em determinadas situações, é fonte de efeitos jurídicos: “L’ apparence du droit produit alors les mêmes effets que le droit lui-mêmes”.
“O princípio destina-se claramente a proteger terceiros em detrimento não só do normal funcionamento das regras jurídicas estabelecidas mas também dos verdadeiros titulares dos direitos (Helena Mota, Do Abuso de Representação, Uma Análise da Problemática subjacente ao art. 269º do Código Civil de 1966, Coimbra Editora, 2001, p. 118).
O legislador português não curou até agora claramente da questão da representação aparente, nem das respectivas consequências.
A jurisprudência buscava, por isso arrimo, em preceitos como os artigos 266º nº 1 e 269º do C. Civil e em princípios ínsitos, designadamente nos artigos 249º, 257º e 249º e 259º do C. Comercial, fundando-se posteriormente, sobretudo a partir da publicação do DL nº 178/86, de 3 de Julho, a atender ao disposto no artigo 23º deste diploma, entendido como “cláusula geral que o legislador estabeleceu em termos prudentes,com vista a tutelar a boa fé de terceiros” (cfr. por exemplo, acórdão do STJ, de 15.03.2005, proc nº 23/2005 -1ª, ao que se julga não publicado).
Dispõe o citado art. 23º do DL 178/86, sob a epígrafe “Representação aparente” que:
“1. - O negócio celebrado por um agente sem poderes de representação é eficaz perante o principal se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do agente, desde que o principal tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do terceiro.
“2. - À cobrança de créditos por agente não autorizado aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no nº anterior”.
A cláusula geral enunciada neste segmento normativo, embora expressamente prevista para o contrato de agência, “deve ser aplicada extensivamente à generalidade dos casos em que esteja presente a mesma razão de ser, isto é, em todos os casos em que se justifique a tutela da confiança de terceiros que contratem com empresas cuja moderna organização interna, regra geral complexa, foge, de todo, ao conhecimento e controle desses terceiros…” (Pinto Monteito, Contrato de Agência, citado no acórdão do STJ antes referido).
Efectivamente, “um prudente alargamento do art. 23º/1 do Decreto-Lei nº 178/86 (…) amparado na boa fé, nada tem de excepcional (Menezes Cordeiro, ob. citada, p. 107).
Se bem que perante situações puramente individuais, desinseridas de um contexto organizativo, se exige da pessoa que contrate com um alegado representante certas cautelas, como a prova dos seus alegados poderes, em conformidade e para os efeitos dos citados artigos 260º e 266º do C. Civil, “…se a situação for institucional - no sentido de surgir enquadrada numa organização permanente, com trabalhadores ou agentes e serviços diferenciados – a realidade sócio-cultural é diversa. Ninguém vai, num supermercado, invocar perante o empregado da caixa o artigo 266º, exigindo-lhe a justificação dos seus poderes e isso para evitar a hipótese de uma “representação” sem poderes e não seguida de ratificação (268º/1). A confiança é imediata, total e geral. Compete ao empregador/empresário manter a disciplina na empresa, assegurando-se da legitimidade dos seus colaboradores. Quando não: sibi imputet “ (autor e obra citados em último lugar).
O empresário deve, por isso, ser responsabilizado. E pode sê-lo em sede de responsabilidade contratual ou extracontratual.
No caso, a autora fundou o direito de indemnização que formulou contra a sociedade e os seus gerentes na responsabilidade extracontratual, derivada, no que respeita aos últimos, da circunstância dos mesmos descurarem os seus normais deveres de diligência, permitindo que o estabelecimento e a actividade da sociedade 1ª ré fossem abusivamente usados por forma a criar nela, como em qualquer consumidor médio, a convicção de que estavam a negociar com um estabelecimento comercial organizado pertencente a uma sociedade.
Os 2º e 3º réus responderão, portanto, nos termos do art. 79º do C. das Sociedades Comerciais, se verificados os respectivos requisitos.
Estatui o nº 1 do mencionado preceito, consagrador de uma responsabilidade “delitual”, que “Os gerentes, administradores ou directores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções”.
Os “termos gerais” ali referenciados são, em princípio, os dos art. 483º a 500º, 503º nº3, 504º, 506º a 508º e 562º a 572º do C. Civil (cfr. Raúl Ventura e Brito Correia, Responsabilidade Civil dos Administradores, p. 440).
Pelo que, do conjunto dessas normas deriva que, verificado o facto ilícito, o dano, a culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, pela indemnização por violação da tutela da confiança e boa fé de um sujeito negocial, (no sentido de se estar a negociar com uma sociedade claramente identificada, e não com qualquer “pária”), é responsável não só a própria sociedade, mas também os seus gerentes, como concluiu o tribunal recorrido.
Efectivamente, vistos os factos provados dúvidas não subsistem em relação verificação da ilicitude, do dano e ao nexo de causalidade entre este último e o facto ilícito.
E no que respeita à culpa dos gerentes, traduzida no nexo de imputação do facto aos agentes – os 2º e 3ª réus - cuja prova incumbia à autora (art. 487º do C. Civil), embora ela não resulte expressamente dos factos enunciados, a mesma têm-se por claramente provada, por presunção judicial, que não pode deixar de se extrair da circunstância do veículo estar exposto no stand da sociedade que aqueles gerem, de permitirem que nas instalações da mesma actuasse um aparente vendedor, que utilizasse os respectivos meios, etc…
Assim sendo, verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e o disposto no citado art. 79º nº 1 do C. das Sociedades, os 2º e 3º Réus são solidariamente responsáveis com a sociedade, pela indemnização devida à autora.
E como o montante peticionado por aquela a esse título – o preço pago acrescido dos respectivos juros de mora – não foi questionado em sede do recurso, há que confirmar o decidido em 1ª Instância, embora com base em fundamentos jurídicos diversos dos que estiveram subjacentes àquela decisão.
Improcede, pelo exposto, a argumentação dos recorrentes.

Decisão.
4. Termos em que acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 25 de Novembro de 2011.

Maria Manuela B. Santos G. Gomes
Olindo dos Santos Geraldes
Fátima Galante