Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
58774/17.6YIPRT.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: NULIDADES
CASO JULGADO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O facto de uma ré descrever a excepção de denúncia do contrato que deduziu noutra acção, a propósito do alcance do caso julgado produzido nessa acção, invocado pela autora nesta acção, não equivale a estar a deduzir, nesta acção, a excepção do caso julgado (tanto mais que ela terminava essa parte da oposição dizendo que a excepção de caso julgado não se verificava) e a da denúncia do contrato (tanto mais que todos os factos alegados constavam daquela parte da descrição e terminavam daquela forma e a única excepção que a ré dizia ter deduzido era a de não cumprimento do contrato).
II – A autoridade do caso julgado pode ser um fundamento de um pedido ou de uma excepção; como fundamento do pedido, a sua apreciação pode ser considerada prejudicada se o pedido for procedente com outro fundamento; como fundamento da excepção, só pode ser apreciada se a excepção tiver sido deduzida.
III - “A procedência da exceptio [de não cumprimento do contrato] invocada em juízo não permite a absolvição do réu do pedido ou da instância […], mas deve conduzir à condenação do réu a cumprir a obrigação contra realização da contraprestação […], posto que, através da oposição desta excepção, o réu não nega a existência da obrigação a que se está vinculado, mas faz depender o cumprimento do oferecimento da prestação a que tem direito”
IV – Se o devedor continuou a exercer a actividade de prestação de serviços para que tinha sido contratado, só tendo deixado de fazer aquilo que o credor deixou de lhe solicitar, a obrigação de remuneração mantém-se, não podendo o credor excepcionar o não cumprimento do contrato.
V – É admissível a ampliação do objecto do recurso a um fundamento invocado pela autora para o seu pedido e julgado improcedente pelo tribunal recorrido (art.º 636/1 do CPC), mas, sendo improcedentes os fundamentos do recurso da ré contra a sentença, não há que conhecer de tal fundamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

A 16/06/2017, a E requereu uma injunção contra a S-SA, para que esta lhe pagasse duas facturas, de Junho e Julho de 2013, no valor de 20.482,28€, mais 5.842,74€, a título de juros de mora vencidos até àquela data, mais os juros vincendos até integral pagamento.
Alega para tanto que aquelas duas facturas foram emitidas no âmbito de um contrato comercial de prestação de serviços celebrado entre ambas em 05/12/2008 e em vigor desde 01/01/2009. No formulário indica que o período que está em causa é: de 01/06/2013 a 31/12/2013. Acrescenta que segundo o contrato, ficou de prestar serviços à requerida e que, por  conta dos serviços mínimos a prestar, a requerida ficou de pagar uma remuneração anual, independentemente de tais serviços mínimos serem prestados na sua totalidade, pagamento a ser efectuado com uma periodicidade mensal/duodécimos, devendo a requerente proceder à emissão das facturas mensalmente, até ao dia 15 de mês a que tal factura se reporta e devendo a requerida proceder ao pagamento das facturas até 15 dias após a respectiva recepção. O valor da remuneração anual em 2013 era de €122.893.68 ou seja €10.241,14/mês, incluindo IVA à taxa de 23%. A requerente sempre cumpriu com o disposto no Contrato.
Alega ainda - para total reposição da verdade - que a 21/01/2014 requereu uma outra injunção contra a requerida, à qual esta deduziu oposição; por isso tal injunção foi convertida em AECOP que correu termos na Instância Local Cível de Oeiras, processo 8946/14.2YIPRT, onde veio a ser proferida a 27/05/2015 sentença que julgou a acção procedente e condenou a requerida no pagamento à requerente de 20.482,28€, acrescidos dos juros de mora, tendo como suporte o não pagamento de duas facturas - Abril e Maio de 2013 - na sequência da denúncia unilateral e extemporânea do contrato por parte da requerida. A sentença foi objecto de recurso por parte da requerida tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, 8ª secção, processo n.º 8946/14.2YIPRT.L1, por acórdão de 05/05/2016, com conferência a 19/01/2017, julgado improcedente a apelação. Na sequência disso, a requerida liquidou o valor das facturas de Abril e Maio de 2013, mas "esqueceu" o pagamento das restantes facturas emitidas com fundamento no contrato; donde a presente injunção. E acrescenta: a requerida não procedeu, até à presente data, ao pagamento, entre outras, das duas facturas cujo pagamento é pedido.
A 14/07/2017, a requerida deduziu oposição, excepcionando o não cumprimento do contrato pela requerente, que teria a consequência de ela, requerida, dever ser absolvida do pedido, ou, caso assim não se entenda, impugnando, também com a consequência de dever ser absolvida do pedido.
Em síntese na parte da impugnação, quer no começo do articulado quer na parte final, diz: a requerente não tem direito a ser remunerada, na medida em que não prestou os serviços a que se obrigou no âmbito do contrato, de cuja prestação dependia o pagamento da remuneração; a requerida procedeu à devolução das facturas em apreço.
No intervalo, a requerida diz - numa parte subordinada à epígrafe ‘II – Do Caso julgado] e antecedida do seguinte: antes da concreta apreciação dos motivos que subjazem ao não pagamento das facturas agora peticionadas pela requerente, vejamos qual o alcance do caso julgado do processo acima referido -:
No anterior processo, a requerida defendeu-se por excepção, tendo invocado a denúncia do contrato, com base na alteração das circunstâncias em que o mesmo foi celebrado (de acordo com o previsto no artigo 437.º do Código Civil); isto porque o contrato foi celebrado durante a vigência da licença concedida à requerida a 07/12/2004 pelo período de 7 anos, renovável por períodos até 5 anos, sendo que a requerida aguardava então a aprovação de uma nova licença para prosseguir a actividade de gestão de resíduos de embalagens; durante o referido período de apreciação, a licença foi prorrogada pelo período de 3 meses, automaticamente renováveis por iguais períodos até à emissão de nova licença (conforme decorre do Despacho n.º 1647/2012, de 03/02/2012, com efeitos a 01/01/2012), cessando esta prorrogação os seus efeitos com a decisão final que viesse (e veio) a ser proferida acerca do pedido de atribuição de uma nova licença; uma vez que a cláusula 6/2 do contrato estabelecia a renovação do mesmo por um período idêntico ao da licença (caso este não fosse previamente denunciado, mediante pré-aviso de 9 meses), e tendo a licença passado a ter a duração de 3 meses, entendia a requerida que o contrato teria passado a vigorar por 3 meses, com a consequente redução do pré-aviso de denúncia para um mês, tendo, assim, denunciado o contrato com efeitos ao final do período de uma dessas renovações, ou seja, com efeitos a 31/03/2013, data após a qual a requerida deixou de pedir a prestação de serviços à requerente, que não mais os prestou. A sentença proferida no anterior processo entendeu, no entanto, que “no caso foi já o contrato denunciado por carta de 01/03/2013, respeitando, por conseguinte, o prazo e a forma acordada, mas sem que possa produzir tal denúncia os efeitos na data pretendida pela requerida, 31/03/2013, porque em desrespeito pelo acordado nesta matéria”. Mais entendeu, a sentença, que “a verificar-se a alteração superveniente das circunstâncias, a mesma apenas poderá conduzir à resolução ou à modificação do contrato, mas não releva em termos de denúncia”, considerando, assim, improcedente a excepção deduzida pela requerida. No mais, a sentença em causa pronunciou-se sobre os factos referentes à relação das partes no período a que as facturas cujo pagamento se peticionava naquela acção respeitavam, considerando a acção procedente e condenado a requerida no pedido, decisão essa que foi mantida pelo TRL. A referida decisão faz, pois, caso julgado relativamente às questões colocadas no âmbito do processo supra referido, e sobre as quais o referido Tribunal se pronunciou. Concretamente, faz caso julgado quanto à impossibilidade de modificação do contrato em face da alteração das circunstâncias e consequente não produção de efeitos da denúncia a 31/03/2013 e relativamente à relação contratual das partes durante os 2 meses a que respeitam as facturas cujo pagamento se peticionava nesses autos, ou seja, durante os meses de Abril e Maio de 2013. A extensão objectiva do caso julgado afere-se à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na acção. Quer isto dizer que relativamente aos factos respeitantes ao período em causa nos presentes autos – Junho e Julho de 2013 - não produz já, naturalmente, caso julgado, na medida em que a discussão naquele processo não incidiu sobre tais factos.
Quanto à excepção de não cumprimento do contrato, diz que o pagamento da denominada remuneração fixa estava subordinado à prestação de pelo menos alguns serviços mínimos por parte da requerente, mesmo que não na totalidade; caso contrário não estaríamos perante um contrato (sinalagmático) de prestações de serviços, uma vez que o mesmo não seria gerador de obrigações recíprocas, mas apenas perante um contrato unilateral, mediante o qual a requerida pagaria à requerente um valor pré-acordado, sem qualquer contraprestação da parte desta; ora, esta última hipótese não encontra qualquer acolhimento, nem na letra, nem no espírito do contrato, como se viu através da análise das cláusulas invocadas; e ainda que se entenda que os serviços não foram prestados pela requerente, por não terem os mesmos sido solicitados pela requerida, a verdade é que tal não releva para efeitos de pagamento, pois não se encontra no contrato qualquer previsão que estabeleça a obrigatoriedade de pagamento por parte da requerida, em caso de não prestação dos serviços aí referidos por falta de solicitação. Ora, estabelece o artigo 428/1 do Código Civil que “[s]e nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.”
Na sequência da dedução de oposição foram os autos distribuídos como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (superior alçada da 1.ª), seguindo-se a forma do processo comum (nos termos do despacho de 19/09/2017 que explicou o decidido).
No despacho de 19/09/2017, acabado de referir, suscitou-se ainda “a excepção dilatória inominada de uso anormal do processo”, por se considerar que as duas facturas em causa já se encontravam emitidas e vencidas à data da apresentação do anterior requerimento de injunção em 21/01/2014, tendo as partes sido notificadas para “em 10 dias, se pronunciarem sobre a excepção ora invocada, […] justificando a autora a apresentação de dois requerimentos de injunção em dois momentos temporais distintos quando já se encontravam vencidas anteriormente as facturas cujo pagamento aqui é pedido.”
A autora veio dizer que o facto de as duas facturas já se encontrarem vencidas à data da apresentação da anterior injunção não impede que, embora vencidas, o valor das referidas facturas não possa ser reclamado em processo de injunção autónomo; o acórdão do TRL considerou ilegal a denúncia do contrato por parte da ré, razão pela qual a renovação automática do contrato se operou; assim, não tem fundamento a excepção invocada pela ré [sic].
Por sua vez, a ré veio dizer, entre o mais, que entende que o artigo 612 do CPC terá aplicação in casu, o que impedirá que este Tribunal conheça do pedido, levando à absolvição da ré da instância; dúvidas não há que a autora faz um uso manifestamente reprovável do processo, nos termos do disposto no art.º 542/2-d do CPC, tanto mais que não explica, sequer quando notificada para se pronunciar sobre esta concreta questão, e mais especificamente, no que a autora diz respeito, para justificar “a apresentação de dois requerimentos de injunção em dois momentos temporais distintos quando já se encontravam vencidas anteriormente as facturas cujo pagamento aqui é peticionado”; deve, deste modo, a autora ser condenada como litigante de má-fé, e consequentemente condenada no pagamento de multa e no pagamento de uma indemnização à ré, em montante a apurar a final; por último, ao contrário do referido pela autora no seu requerimento de resposta ao despacho, o TRL não considerou a denúncia do contrato efectuada pela ré como ilícita, mas tão só que esta não produziu efeitos à data pretendida pela ré, mas em data posterior àquela. Nessa medida, tal denúncia, diversamente do que defende a autora, é válida e plenamente eficaz, operando apenas os seus efeitos a uma data posterior, distinta daquela pretendida pela ré.
A 17/01/2018, a instância foi suspensa por acordo das partes.
A 04/05/2018, a autora veio requerer que a acção prosseguisse com a tramitação normal.
No despacho saneador de 14/05/2018, foi definido como “objecto do litígio” “determinar se a ré deve pagar à autora as [2] facturas […]” e enunciaram-se os seguintes 2 temas de prova: 1 - a prestação, pela autora, dos serviços mencionados nas duas facturas; 2 - a denúncia do contrato pela autora.”
A 17/05/2018, a autora reclama quanto ao 2.º tema de prova, dizendo que a denúncia foi feita pela ré e não pela autora.
A 01/06/2018, a ré, na parte que importa, veio reclamar dizendo que:
“[C]umpre ter presente a sentença, transitada em julgado, proferida no âmbito do primeiro processo que a autora instaurou […], no âmbito do qual a aquela peticionava o pagamento de duas facturas respeitantes aos meses de Abril e Maio de 2013 […]. Tal como resulta do despacho de 19/09/2017, este Tribunal detém, relativamente à matéria da [anterior injunção], “conhecimento funcional” porquanto que correram termos neste Juízo foram pelo mesmo tramitados, pelo mesmo presidida a audiência de julgamento, assim como proferida a sentença, razão pela qual não juntou a ré cópia da Sentença, desde já protestando fazê-lo caso este Tribunal assim o entenda. Ora, decidiu este Tribunal, na Sentença proferida no âmbito do referido processo e como alegado nos artigos 17 a 37 da Oposição, que “no caso foi já o contrato denunciado por carta de 01/03/2013, respeitando por conseguinte o prazo e a forma acordada, mas sem que se possa produzir tal denúncia os efeitos na data pretendida pela ré, 31/03/2013, porque em desrespeito pelo acordado nesta matéria. Tal denúncia apenas poderá produzir efeitos com referência a 31/12/2016.” Resulta evidente, a respeito da denúncia operada pela ré e da produção dos seus efeitos, que este Tribunal, apreciando a questão da validade da denúncia e da data da produção dos seus efeitos, considerou que (i) a ré denunciou validamente o contrato existente com a autora por carta de 01/03/2013 e (ii) tal denúncia, porém, não produziu os efeitos na data de 31/03/2013, tal como pretendido pela ré. A referida decisão faz, pois, caso julgado relativamente às questões colocadas à consideração da Comarca de Lisboa Oeste – entre as quais a validade da denúncia do contrato de prestação de serviços sub iudice pela ré - no âmbito do processo supra referido, e sobre as quais este Tribunal se pronunciou, carecendo, assim, de sentido o enunciado tema da prova n.º 2, que deverá ser removido.
Da excepção dilatória inominada de uso anormal do processo:
Por despacho de 19/09/2017, suscitou este Tribunal a excepção dilatória inominada de uso anormal do processo, por considerar que “à data da apresentação do requerimento de injunção nos autos n.º 8946/14.2YIPRT já se encontravam vencidas as facturas cujo pagamento aqui é pedido”. Determinou “a notificação das partes para se pronunciarem sobre a excepção invocada […]. As partes pronunciaram-se, não tendo, porém, até à data sido proferida qualquer decisão quanto a excepção inominada oficiosamente suscitada pelo Tribunal. Considerando que, nos termos do n.º 2 do artigo 576.º do CPC, as excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal, e que no despacho saneador deverá o Tribunal conhecer das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente, requer-se se digne notificar às partes a decisão sobre a referida excepção inominada, caso a mesma já tenha sido tomada.”
A 04/06/2018 foi proferido o seguinte despacho:
Fls 37 e 40: Autora e ré reclamam do 2º tema da prova, por a denúncia do contrato ter sido realizada pela ré – e, acrescenta a ré, por haver já caso julgado quanto aos efeitos da denúncia.
Não se considera necessária a convocação de audiência prévia para apreciar as reclamações supra – verificando-se terem razão as Partes na sua reclamação, quanto ao lapso de escrita; assim, o 2º tema da prova passa a ter a seguinte redacção: “- a denúncia do contrato pela ré.”
Quanto ao “caso julgado”, tem razão a ré: não havendo identidade de pedidos, a sentença proferida noutro processo não produz aqui qualquer efeito.
Relativamente ao “uso anormal do processo”, não se verifica qualquer das circunstâncias previstas no artigo 612º do CPC (designadamente, conluio de autora e ré para praticar acto simulado ou conseguir fim ilegal) – motivo por que se considerou desnecessária pronúncia expressa.
A 19/06/2018, a autora apresenta cinco requerimentos de prova iguais e autónomos.
A 26/10/2018, a autora vem dizer que:
Sabemos que o processo à margem identificado não é, em termos processuais, classificado como urgente. A autora decidiu, no entanto, expressar a sua preocupação quanto ao agendamento do julgamento nos presentes autos. Com efeito, a autora, de acordo com os seus estatutos e com o contrato de prestação de serviços, celebrado com a ré, contratou trabalhadoras e desenvolveu e continua a desenvolver a actividade contratualmente estipulada, respeitando integralmente a obrigação contratual vigente. À revelia de tudo quanto legalmente foi assumido, a ré deixou de cumprir as suas obrigações, como, aliás, está expresso e fundamenta os presentes autos. A autora, perante a inqualificável posição da ré - denúncia unilateral do contrato sem cumprimento pelo aviso prévio estipulado, motivo pelo qual o contrato se mantém em vigor, situação que obriga a autora a manter a prestação dos serviços contratados - deixou de receber os valores contratualmente estipulados, sendo forçada a recorrer ao processo de layoff, por impossibilidade de cumprimento das obrigações salariais com as trabalhadoras. Esta realidade, a todos os títulos inexplicável e lesiva dos objectivos associativos da autora e que terá oportunamente o tratamento jurídico adequado, em termos de responsabilidade, obrigou a autora a apresentar o presente requerimento, solicitando se digne agendar o julgamento dos presentes autos, atenta a gravidade dos factos decorrentes desta situação, tão breve quanto possível.
A 16/11/2018 foi proferido o seguinte despacho:
Notifique a autora para, em dez dias, esclarecer por que motivo considera que o contrato ainda se encontra em vigor.
A 29/11/2018, a autora vem dizer, na parte que importa:
                                                                       […]
2. A decisão da ré - denúncia unilateral do contrato de prestação de serviços sem cumprimento do aviso prévio estipulado - colocou a estrutura técnica da autora em causa, tendo conduzido, por falta de meios económicos decorrentes dessa decisão, à extinção dos postos de trabalhos.
3. É verdade que, nos termos da sentença proferida no processo 8946/14.2YIPRT […] e do ac. do TRL […] transitado em julgado em 22/02/2017, o contrato de prestação de serviços produz até 31/12/2016, razão pela qual a autora decidiu, por falta de meios económicos, decorrente da posição assumida pela ré, apresentar a preocupação constante do requerimento.
[aproveitou para juntar 3 das 20 páginas do ac. do TRL proferido em 05/05/2016 (uma delas a última, da qual resulta que o acórdão se limita, na parte da decisão, a confirmar a sentença) e 5 das 21 (a 2, 17, 18, 20 e 21) páginas da sentença proferida na outra injunção (da penúltima delas resultando que a decisão se limitou a julgar a acção procedente e a condenar a ré a pagar à autora o valor das duas facturas e os juros de mora].
A 13/01/2022, a ré juntou apresentou vários documentos para junção (licenças e duas cartas da ré – uma delas a da denúncia - para a autora), que foram admitidos com multa por despacho de 31/01/2022.
A 03/02 e 02/032022 tiveram lugar as duas sessões da audiência final; a 30/08/2022 foi proferida sentença condenando-se a ré a pagar à autora 20.482,28€, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, sendo os vencidos, pelo montante de 5.842,74€, bem como 40€, nos termos do artigo 7.º do DL 62/2013, de 10/05.
No relatório da sentença escreve-se, na parte em que se pretende sintetizar a posição da ré, que esta “invoca excepções dilatórias de caso julgado […] e ainda a excepção de não cumprimento do contrato, excepções que foram julgadas improcedentes aquando da prolação do despacho saneador.”
A ré recorre desta sentença, arguindo nulidades e impugnando a decisão da matéria de facto e de Direito (aqui com base na procedência da excepção de não cumprimento do contrato).
A autora contra-alegou defendendo a improcedência da arguição de nulidades e do recurso e requereu a ampliação do objecto do recurso para que o fundamento da autoridade do caso julgado seja considerado para evitar que este TRL venha a considerar improcedente a acção com base na procedência da excepção da denúncia do contrato pela ré ou com base na excepção de caso julgado.
A ré respondeu a este requerimento, impugnando a sua inadmissibilidade e defendendo a sua improcedência.
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Questões que importa apreciar: a das nulidades; a da impugnação da decisão da matéria de facto; e a de saber se a ré não devia ter sido condenada no pedido; da admissibilidade da ampliação do objecto do recurso e, no caso de ser admissível, a da relevância da autoridade do caso julgado.
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Das nulidades
A ré diz, na parte útil, que:
A defesa da ré assentou, em primeira linha, no alcance da eventual excepção de caso julgado e na excepção do não cumprimento do contrato.
Dispõe o artigo 608/2 do CPC que “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras […]”.
Já o artigo 615/-d, primeira parte, do CPC, em obediência ao fixado no já mencionado n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma legal, preceitua que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
Resulta da conjugação dos artigos 608/2 e 615/-d primeira parte, ambos do CPC, que o Tribunal a quo tinha obrigatoriamente de se ter pronunciado sobre as excepções invocadas pela ré sob pena de incorrer num vício de nulidade por omissão de pronúncia.
Aliás, a obrigatoriedade de se pronunciar sobre as excepções é tanto mais evidente quando se tem em consideração que o próprio Tribunal a quo fixou, no despacho saneador, como temas da prova as questões em causa nas duas excepções invocadas pela ré.
A ré na reclamação do despacho saneador salientou que a sentença, transitada em julgado, proferida no âmbito do primeiro processo apenas formou caso julgado quanto à denúncia relativamente às facturas dos meses de Abril e Maio de 2013 – únicas conhecidas por aquele Tribunal no âmbito daquele processo -, já não formando relativamente às facturas em causa no caso sub judice.
Com efeito, a sentença proferida no âmbito daquele processo decidiu que “no caso foi já o contrato denunciado por carta de 01/03/2013, respeitando, por conseguinte, o prazo e a forma acordada, mas sem que se possa produzir tal denúncia os efeitos na data pretendida pela ré, 31/03/2013, porque em desrespeito pelo acordado nesta matéria. Tal denúncia apenas poderá produzir efeitos com referência a 31/12/2016.”
Alegando que a referida decisão fez, pois, caso julgado relativamente a parte das questões colocadas à consideração da Comarca de Lisboa Oeste – entre as quais a validade da denúncia do contrato de prestação de serviços sub iudice pela ré -, no âmbito do processo supra referido, e sobre as quais o Tribunal a quo já se tinha pronunciado,
Carecendo, assim, de sentido o enunciado tema da prova n.º 2, que deveria ser removido.
Em apreciação da reclamação o Tribunal a quo proferiu despacho, nos termos do qual decidiu dando razão à reclamação da ré no que ao caso julgado diz respeito, conforme se vê no seguinte excerto do despacho: “Quanto ao ‘caso julgado’, tem razão a ré: não havendo identidade de pedidos, a sentença proferida noutro processo não produz aqui qualquer efeito.”
Ora, tendo já transitado em julgado aquele despacho, que decidiu não se ter formado caso julgado relativamente à denúncia operada pela ré por carta de 01/03/2013, abriu-se, assim, novamente espaço e oportunidade para discussão da validade e eficácia da denúncia operada pela ré, tema da prova sobre o qual o Tribunal a quo devia ter-se pronunciado.
Ora, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as referidas excepções em sede de sentença, antes remetendo para um suposto julgamento que sobre elas teria feito aquando da prolação do despacho saneador. Veja-se o excerto da Sentença proferida pelo Tribunal a quo relevante para o efeito [transcrito acima neste acórdão, logo a seguir à referência à decisão da sentença recorrida].
Sucede, porém, que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as referidas excepções no despacho saneador – nem podia, conforme demonstrado, sobre elas ter-se pronunciado -, precisamente porque o conhecimento do mérito das excepções carecia da produção de prova adicional que apenas teria lugar num momento processual posterior à prolação do despacho saneador.
Aliás, mais do que remeter para um julgamento inexistente, a sentença recorrida desconsidera de forma expressa toda a factualidade constante da oposição deduzida pela ré, inclusive os artigos referentes às excepções de autoridade de caso julgado e do não cumprimento do contrato.
Não restam, por isso, dúvidas de que assiste razão à ré, tendo o Tribunal a quo deixado de se pronunciar sobre questões que devia ter obrigatoriamente apreciado, o que determina a nulidade da sentença recorrida, nos termos já assinalados.
A autora responde que:
A sentença não padece de nenhuma das nulidades apontadas pela ré.
Com efeito, é a própria ré a reconhecer que o Tribunal, dando razão à reclamação por si deduzida, considerou por despacho que, “quanto ao caso julgado, tem razão a ré: não havendo identidade de pedidos, a sentença proferida noutro processo não produz aqui qualquer efeito”.
Ou seja, dúvidas não restam que o Tribunal apreciou a excepção do caso julgado, invocada pela ré tendo decidido que, no caso em apreço, por ausência dos pressupostos da tríplice identidade, sujeitos, causa de pedir e pedido, não se verificava.
Donde, não se pode afirmar, como faz a ré, que o Tribunal não se pronunciou sobre a excepção do caso julgado invocada na oposição ao requerimento de injunção.
Além disso, na sentença deu-se como provado que a autora sempre cumpriu as suas obrigações contratuais, designadamente prestando os serviços devidamente discriminados no anexo I ao contrato celebrado.
Ora, tendo-se considerado provado que a autora cumpriu as obrigações contratuais a que se encontrava adstrita, desnecessário seria que o Tribunal apreciasse a excepção do não cumprimento do contrato, pois esta estava prejudicada pelo facto de se ter dado como provado que a autora cumpriu as obrigações que lhe incumbiam.
Neste sentido, estatui claramente o artigo 608/2 do CPC.
Pelo que, a excepção do não cumprimento deduzida pela ré na oposição nunca poderia proceder, ficando, assim, pelos fundamentos expendidos, prejudicada a sua apreciação.
Apreciação:
Quanto à excepção do caso julgado:
A ré não deduziu, na oposição, a excepção do caso julgado: limitou-se a tomar posição sobre a invocação, implícita, da autoridade do caso julgado feita pela autora. Daí que dissesse expressamente: “Quer isto dizer que relativamente aos factos respeitantes ao período em causa nos presentes autos – Junho e Julho de 2013 - não produz já, naturalmente, caso julgado, na medida em que a discussão naquele processo não incidiu sobre tais factos.”
Na reclamação contra o despacho saneador, a ré vem falar no caso julgado quanto à denúncia do contrato. Entendia que não tinha de ser produzida prova sobre a denúncia, porque esta já estaria decidida no anterior processo. Ou seja, a decisão do anterior processo faria caso julgado quanto à questão da denúncia do contrato.
Mas, ao fazê-lo, a ré não estava a deduzir a excepção do caso julgado, mas sim a invocar a autoridade do caso julgado. E isso só para que fosse retirado um tema de prova, não para que se considerasse o caso julgado como fundamento da improcedência da acção, isto é, não estava a invocar o caso julgado de uma questão prejudicial, qual seja, a da denúncia do contrato, pois que não tinha deduzido esta excepção nem a podia ter deduzido porque, para ela, o tribunal no anterior processo tinha decidido (nas palavras delas, erradas – a anterior sentença não decidiu isso, apenas disse isso…) que a denúncia do contrato  “apenas poderá produziria efeitos com referência a 31/12/2016”.
Ora, o tribunal recorrido, para além de se pronunciar sobre a reclamação, decidiu ainda: “Quanto ao «caso julgado», tem razão a ré: não havendo identidade de pedidos, a sentença proferida noutro processo não produz aqui qualquer efeito.”  Com isto o tribunal recorrido não decidiu a excepção de caso julgado, ao contrário do que diz a autora, decidiu, sim, que [a autoridade] do caso julgado não produzia nesta acção quaisquer efeitos. Se o tribunal recorrido se estivesse a pronunciar sobre a excepção, teria dito que a ré tinha excepcionado o caso julgado e teria dito que ela não se verificava e por isso não impedia esta nova acção.
Ou seja, a ré nunca deduziu a excepção do caso julgado; falou, sim, da autoridade do caso julgado.
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Quanto à excepção da denúncia do contrato, ao contrário do que a ré diz, ela também não excepcionou a denúncia do contrato: quando está a pronunciar-se sobre o alcance do caso julgado produzido no anterior processo, dizendo que aqui não produz efeitos (embora mais tarde diga o contrário tanto que quis evitar o 2º tema de prova que era sobre ela), descreve também o que se passou no anterior processo, falando da excepção da denúncia do contrato nele deduzida. Mas isto não é excepcionar, neste processo, a denúncia. Descrever a excepção de denúncia do contrato que deduziu noutra acção, a propósito do alcance do caso julgado produzido nessa acção, invocado pela outra parte nesta acção, não equivale a estar a deduzir, nesta acção, a excepção da denúncia do contrato, tanto mais que todos os factos alegados constavam daquela parte da descrição e terminavam da forma assinalada (dizendo que não existia caso julgado) e a única excepção que dizia ter deduzido era a de não cumprimento do contrato). Dito de outro modo: a ré não disse que não tinha de pagar porque o contrato já estava denunciado, nem disse que já estava decidido que o contrato já estava denunciado e que por isso não tinha de pagar. Nem o podia dizer, repete-se, porque, lembre-se, para ela o que estava decidido no outro processo era que a denúncia do contrato só produzia efeitos a 31/12/2016.
É certo que o saneador sentença enuncia como tema de prova a denúncia do contrato pela ré. Mas trata-se de um erro daquele saneador, que depois não teve sequência, já que, naturalmente, no momento da produção da prova, não havia factos alegados sobre a matéria.
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Quanto à excepção do não cumprimento do contrato.
Como diz a autora, tendo a sentença recorrida dito que a autora sempre cumpriu com o disposto no contrato, não tinha que se pronunciar sobre a excepção do não cumprimento do contrato, por força do art.º 608/2 do CPC também referido pela autora. Se a decisão da matéria de facto quanto a tal cumprimento vier a ser alterada, a questão renasce mas, então, terá de ser conhecida por este TRL por força do art.º 655/2 do CPC.
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Quanto ao alcance do caso julgado formado na outra acção:
A autora veio pedir o pagamento de duas facturas de prestação de serviços. A causa de pedir era o contrato da prestação de serviços. Revelou um facto – a existência de uma sentença proferida numa acção anterior quanto a outras facturas de meses anteriores de serviços em que a ré já tinha sido condenada, presumivelmente, na lógica da sua invocação, como fundamento da pretensão (como autoridade do caso julgado).
A ré veio dizer que essa sentença não valia como caso julgado nesta acção, ou seja, impugnou (art.º 571/2, 2.ª alternativa, do CPC) a valia do fundamento ‘autoridade do caso julgado’ implicitamente invocado pela autora.
O tribunal julgou a pretensão da autora com base na prestação de serviços. Não tinha de considerar o segundo fundamento (embora, como já se viu, o tenha realmente considerado, sumariamente, aquando da decisão da reclamação contra o saneador).
Por outro lado, a ré, a pretexto da reclamação contra a enunciação dos temas de prova, falou de novo do alcance do caso julgado obtido na outra acção, mas, repete-se, não para evitar a sua condenação, mas apenas para retirar um tema de prova. Ou seja, a ré não invocou a autoridade do caso julgado para dizer que havia uma determinada matéria (a da excepção da denúncia, questão prejudicial que já se viu que não deduziu) que já estava decidida e que essa decisão podia ser aproveitada nesta nova acção para evitar a sua condenação. Assim sendo, o tribunal não se tinha que pronunciou sobre ela na sentença.
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Assinale-se, entretanto, que:
Não é verdade, ao contrário do que é dito pela ré, que “o tribunal recorrido tenha fixado, no despacho saneador, como temas da prova as questões em causa nas duas excepções invocadas pela ré”, nem esta argumentação faz qualquer sentido. Os dois temas de prova foram: 1 - a prestação, pela autora, dos serviços mencionados nas duas facturas; 2 - a denúncia do contrato pela ré.
Ora, por um lado, a ré nunca tinha levantado a questão da denúncia do contrato. Por outro, o primeiro tema de prova respeitava a matéria alegada e que tinha de ser provada pela autora, porque a ré tinha impugnado essa matéria ao excepcionar o não cumprimento do contrato. Por fim, saliente-se a incoerência: a lógica da arguição das nulidades é que a ré deduziu três excepções, agora já só fala em 2 excepções e sabe-se que só deduziu uma (a do não cumprimento do contrato).
Não é correcto dizer-se que “ora, tendo já transitado em julgado aquele despacho, que decidiu não se ter formado caso julgado relativamente à denúncia operada pela ré por carta de 01/03/2013, abriu-se, assim, novamente espaço e oportunidade para discussão da validade e eficácia da denúncia operada pela ré, tema da prova sobre o qual o Tribunal a quo devia ter-se pronunciado.”
Não é correcto, porque, um despacho sobre a improcedência de fundamentos de um pedido ou de da defesa não é susceptível de recurso autónomo (art.º 644/1, a contrario, do CPC) e, porque, não é o facto de se ter enunciado erradamente um tema de prova que faz nascer uma excepção não deduzida. Se esta não foi deduzida pela parte, nem dizendo que a está a deduzir nem alegando os factos correspondentes, ela não existe. Daí que, no momento da produção de prova, o tribunal recorrido não tenha encontrado os factos necessários ao tema de prova que tinha sido enunciado. E, pelo que antecede, a ré está errada quando diz que “o conhecimento do mérito das excepções carecia da produção de prova adicional”, já que, repete-se, não havia factos alegados pela ré quanto às supostamente alegadas excepções de caso julgado e denúncia do contrato. E também quando diz que “Aliás, mais do que remeter para um julgamento inexistente, a sentença recorrida desconsidera de forma expressa toda a factualidade constante da oposição deduzida pela ré, inclusive os artigos referentes às excepções de autoridade de caso julgado e do não cumprimento do contrato.”
É contraditório, entre o muito mais, dizer-se que o despacho saneador já transitou em julgado decidindo não se ter formado caso julgado (§§ 11 e 12 da arguição de nulidades) e logo a seguir (§§ 13 e 14) dizer-se que “o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as referidas excepções em sede de sentença, antes remetendo para um suposto julgamento que sobre elas teria feito aquando da prolação do despacho saneador.”
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Em suma, não se verificam as nulidades arguidas pela ré. *
Estão provados os seguintes factos que interessam à decisão das outras questões:
1. A autora é uma associação, sem fins lucrativos, de duração ilimitada.
2. Nos termos do disposto no artigo 4º dos Estatutos da autora, esta tem, entre outros, por objecto: a) representar e defender, junto de qualquer organismo nacional ou estrangeiro, os interesses colectivos das empresas produtoras e/ou recuperadoras de embalagens de madeira, tendo em vista a recolha, recuperação, reciclagem, valorização e promoção dos resíduos das embalagens de madeira; c) aderir ou implementar a instalação e funcionamento de um sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens de madeira; e) contribuir para a recolha e valorização das embalagens de madeira usadas, assim como de outros resíduos de embalagens de madeira susceptíveis de serem reciclados; f) garantir, em conjunto com organismos competentes, constituídos ou a constituir, o escoamento dos desperdícios das embalagens de madeira recuperadas, tendo em vista a sua valorização; h) cooperar com os outros sistemas de gestão de resíduos de embalagens, tendo em vista a mútua reciprocidade na utilização das respectivas marcas.
3. Em 05/12/2008, a ré celebrou com a autora um contrato de prestação de serviços que aqui se dá por integralmente transcrito para os devidos e legais efeitos.
4. = 15. Segundo a cláusula 1 (objecto) do Contrato " ... a autora obriga-se a prestar à ré os serviços de colaboração e participação nas actividades do SIGRE (sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens), devidamente discriminadas no Anexo I ao presente contrato".
5. Nos termos do disposto no nº 2 (âmbito) do mesmo Contrato, "a colaboração e participação do prestador nas actividades do SIGRE respeita apenas ao material da fileira da madeira, e cinge-se à prestação dos serviços incluídos no objecto do presente Contrato, conforme definidos no Anexo I".
6. = 17\ A cláusula 4/1 (remuneração do prestador) dispõe que "por conta dos serviços mínimos a prestar, como tal quantificados no Anexo I, a ré pagará ao Prestador uma remuneração anual (doravante, remuneração fixa) que se encontra fixada no Anexo II, independentemente de tais serviços mínimos serem prestados na sua totalidade."
7. "O pagamento da remuneração fixa será efectuado pela ré com uma periodicidade mensal, de acordo com um sistema de pagamento por duodécimos, conforme discriminado no Anexo ii" - 4.2.
8. "O valor da remuneração fixa é actualizado anualmente, no início de cada ano civil, por aplicação do Índice de Preços no Consumidor do ano civil anterior, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística" - 4.4.
9. Relativamente à remuneração fixa, o Prestador obriga-se a proceder à emissão das facturas mensalmente, até ao dia 15 de mês a que tal factura se reporta" - nº 5 (facturação e pagamento), devendo a ré proceder ao pagamento das facturas até 15 dias após a respectiva ressecção - 5.1 e 5.2.
10. O contrato de prestação de serviços outorgado pelas partes entrou em vigor no dia 01/01/2009 - vide n.º 6.1 (duração) do Contrato.
11. A remuneração anual fixa a pagar ao Prestador, em 2009, foi de 95.000€ (Anexo II, nº 1.1).
12.O valor da remuneração anual em 2013 era de 122.893,68€ ou seja 10.241,14E/mês, incluindo IVA à taxa de 23%.
13. A autora sempre cumpriu com o disposto no Contrato => A autora, nos meses de Junho e Julho de 2013 continuou a prestar os serviços previstos no contrato, excepto aqueles que lhe deixaram de ser solicitados pela ré [alterado em consequência do resultado da impugnação da decisão da matéria de facto].
14. A ré não procedeu, até à presente data, ao pagamento, entre outras, das seguintes facturas: - factura nº 1122, emitida em 14/06/2013, com vencimento em 30/06/2013, no valor de 10.241,14€; - factura nº 1123, emitida em 14/07/2013, com vencimento em 31/07/2013, no valor de 10.241,14€.
16. O Anexo I estabelecia, assim, os serviços a prestar pela autora e que se traduziam nos seguintes: i. Quanto às Especificações Técnicas: a. Elaboração e actualização com fundamentação técnica; b. Apoio técnico: esclarecimentos; c. Apoio técnico: reclamações; d. Acompanhamento. ii. Retomadores: a. Participação na pré-qualificação; b. Ações de formação para retomadores; c. promoção da avaliação final de lotes; d. Apoio à colocação de reciclados no mercado; iii. Apoio Técnico às Retomas: a. Participação na comissão de concurso; b. Colaboração na definição do procedimento de retoma; c. Visitas de acompanhamento e monitorização; d. Ações de formação para operadores de recolha; iv. Outras Tarefas e Serviços: a. Apoio aos planos e iniciativas de comunicação; b. Pareceres sobre projectos de I&D, outros projectos e estudos; c. Relatório prospectivo; d. Relatório de material; e. Grupos de trabalho formados pela S-SA; f. Apoio Técnico na identificação de materiais; g. Participação nos trabalhos da CT.
*
Da impugnação da decisão da matéria de facto
I
Quanto a esta parte do recurso, a ré começa por dizer que “o Tribunal a quo desconsiderou uma série de factos de fulcral relevância para os presentes autos, não os incluindo nem na matéria de facto provada, nem na matéria de facto não provada, ignorando-os, pura e simplesmente, deixando de os conhecer e apreciar, a saber: (i) a denúncia do contrato e (ii) a (não) prestação de serviços por parte da autora.
Relativamente aos factos que teriam a ver com a denúncia do contrato, a ré passa a incluir tudo aquilo que tinha dito na (e foi transcrito na síntese da) oposição a propósito do alcance do caso julgado proferido no anterior processo, que já se viu acima que não corresponde à alegação da excepção da denúncia do contrato nem dos factos correspondentes.
Quanto aos factos relativos à não prestação de serviços, a ré inclui toda a matéria da impugnação à injunção. Ora, tendo o tribunal recorrido dado como provado o facto relativo ao cumprimento das obrigações, não tinha sentido estar a dar como não provadas as afirmações contrárias da ré de que a autora não tinha prestado os serviços contratados. As provas dessas afirmações só ganharão eventualmente relevo se for, na sequência da impugnação da decisão da matéria de facto, alterada a decisão de dar como provada aquela afirmação da autora (facto 13).
Portanto, pode-se dizer que toda esta matéria do recurso da ré é irrelevante, sem prejuízo de, face ao mais alegado pela ré, se ter de passar a apreciar a prova do facto 13 e também se se provaram ou não as afirmações contrárias da ré.
II
A ré entende que o facto 13 não devia ter sido dado como provado e que, em contrapartida, devia ter sido dada como provada a matéria que tinha alegado em sentido contrário, nos artigos 48 a 51 da oposição, ou seja:
Durante os meses de Junho e Julho de 2013 a autora não prestou à ré nenhum dos serviços previstos no anexo I do contrato, nomeadamente, não elaborou nem actualizou especificações técnicas, não prestou apoio técnico, nem procedeu a qualquer acompanhamento destas questões; não participou em pré-qualificações, não promoveu acções de formação para Retomadores, não integrou qualquer Comissão de Concurso; não colaborou na definição, monitorização e acompanhamento de processos de retoma; nem promoveu quaisquer acções de formação com operadores de recolha; nem procedeu à elaboração de quaisquer outras tarefas e serviços, não tendo, designadamente, procedido à elaboração do relatório prospectivo nem de material.
A sentença recorrida dá como provado que:
(13) a autora sempre cumpriu com o disposto no contrato.
A sentença, quanto aos factos não provados tinha dito:
A demais matéria não elencada supra […] não foi considerada em termos de reposta factual por [ter sido…] formulada pela negativa […].
Na motivação da convicção, a sentença escreve:
[…] foi considerado o depoimento das testemunhas inquiridas […] em compaginação com o anexo I “serviços a prestar pelo prestador” Cláusulas 1 e 2 do contrato de 05/12/2008.
Testemunhas arroladas pela autora
EC, contabilista certificado, tendo exercido tais funções para a Autora de 2004 a 2018 como prestador de serviços. FP, administradora de uma cooperativa na área da gerontologia. JC, que foi Director da fileira de metal que conjuntamente com a autora eram sócias da Interfileiras; JP, que declarou ser um dos Directores da autora desde a respectiva fundação há mais de 20 anos.
Testemunhas arroladas pela ré
JL, engenheiro na área de gestão de resíduos do ambiente, colaborador da ré desde 2005, exercendo as funções de Director de Gestão de Resíduos. EA, engenheira química de formação e colaboradora da ré desde 2005, onde é responsável pela área de reciclagem e prevenção.
Do depoimento das testemunhas arroladas pela autora decorre inequivocamente ter a autora cumprido a prestação ao que se encontrava obrigada pelo contrato celebrado entre as partes, acentuando, designadamente as concretas prestações a efectivar e que foram realizadas pela autora durante o período temporal a que reportam as facturas dos autos, revelando conhecimento directo e pessoal dos factos decorrente das funções que exercem ou exerceram enquanto colaboradores da autora, merecendo, por conseguinte a credibilidade do Tribunal, Já o depoimento das testemunhas arroladas pela ré não foi bastante para infirmar o depoimento articulado, coeso e concordante das testemunhas arroladas pela autora.
Contra isto, a ré, nas páginas 20 a 44 (pontos 88 a 134) do recurso, depois de dizer que:
A autora não concretizou, em momento algum, quais os serviços previstos no contrato que entende terem sido prestados pela autora à ré nos meses de Junho e Julho de 2013 – único período relevante considerando as concretas facturas cujo pagamento é reclamado; acresce que, não juntou qualquer prova documental que demonstrasse a prestação de tais serviços à ré.
analisa e transcreve várias passagens (depois de assinalar o momento da gravação em que elas se iniciam) dos depoimentos destas 6 testemunhas, das quais decorre, segundo ela, que as testemunhas da autora nada sabiam em concreto de serviços prestados e que as testemunhas da ré disseram, com pormenor, que os serviços não foram prestados.
Quanto às testemunhas da autora diz:
A testemunha EC era um prestador de serviços de contabilidade à autora, tendo confirmado que as referidas facturas encontrar-se-iam por pagar ainda no ano de 2018, mas que saía fora do seu escopo de actuação saber o motivo pelos quais a ré não teria procedido ao seu pagamento – vide depoimento prestado na sessão da audiência final de 03/02/2022, a partir do minuto 00:04:23:2:
Advogada: Sabe, de toda a documentação e daquilo que foi dito pela autora, que essas facturas não terão sido pagas pela ré?
Testemunha: Sim, pelo menos até 2018, não.
Advogada: Disseram-lhe alguma coisa dos motivos… também não tinha que…
Test.: Não … pronto, como contabilista, não tinha …
Advogada: Não tinha que saber, não é?
A testemunha FP, ao mencionar as tarefas prestadas pela autora à ré, desde marco de 2013, percebemos que as actividades referidas pela testemunha, mais não são mais do que meras obrigações legais que recaem sobre a autora ou outras que se relacionam com os fins para os quais foi a associação foi constituída – cfr. depoimento prestado pela testemunha prestado na mesma sessão, a partir do minuto 00:08:35:
Advogada: Mas diga-me uma coisa, como falou aqui que a ré pôs termo ao, ao contrato, como é que, o, o que é que a autora fazia relativamente? Continuou a prestar serviços depois disso acontecer?
Test.: Nós éramos, éramos, nessa altura, os responsáveis no contexto do sistema integrado pelo, por assegurar que as, que as embalagens, que os resíduos de embalagens de madeira eram encaminhados para reciclagem. Portanto, era uma obrigação legal que nós tínhamos que continuar a manter, era o que estava na, na legislação.
A verdade é que, apesar de referir, em resposta ao mandatário da autora, de forma genérica e conclusiva, que a sempre prestou serviços à ré, quando lhe é solicitado que refira se os concretos serviços constantes do contrato celebrado entre a autora e a ré foram ou não prestados nos meses de Junho e Julho de 2013, a resposta da testemunha, como não podia deixar de ser, é negativa, conforme se pode constatar, a partir do minuto 00:18:41:8:
Advogada: Mas isso foi, mas diga-me uma coisa e porque aqui estão em causa só os meses de Junho e Julho de 2013. E, no fundo, saber, se nesse período, efectivamente, a autora prestou (…) nomeadamente os serviços que estão elencados no contrato, Anexo 1…
Test.: Não, isso não lhe sei dizer… Já é muito para trás. Era, a nossa relação com a ré era uma coisa de anos (…) não lhe sei dizer em que mês é que aconteceu o quê.
Advogada: Pois, mas o problema… eu percebo isso, compreendo perfeitamente. A questão é que é aqui o que está efectivamente em questão…
Test.: Pois, mas eu não sei, não posso estar a …
Advogada: … são a, são os meses de, de Junho e de Julho, por isso não sabe dizer se foram pedidos, solicitados…
Test.: Não, não lhe sei…
Advogada: … serviços…
Test. … não posso…
[…]
Test.: Não me lembro, não vou inventar…
Advogada: Portanto, não sabe…             
Test.: Não, não…
Advogada:… dizer nessa altura se foram ou não prestados alguns serviços…
Test. … não, como digo era uma coisa de anos, irregular (…)
A testemunha JC foi clara ao afirmar que a ré foi deixando de solicitar a prestação dos serviços da autora – veja-se o seguinte excerto do seu depoimento prestado na mesma sessão, a partir do minuto 00:12:04:1:
Test.: Durante a altura do contrato ainda, a nós durante a altura do contrato ainda, ainda pedia alguma coisa, mas depois não, gradualmente menos.
Advogado: Não… deixou de pedir.
Test.: Deixou de pedir.          
Advogado: Olhe e, e, portanto, não sabe relativamente aqui ao relacionamento entre a autora e a ré, não sei se sabe alguma coisa mais relevante além disto…
Test.: Não.
Mais referindo, adiante, não ter conhecimento de se a autora continuou a prestar os serviços mínimos a que estava contratualmente adstrita nos meses de Junho e Julho de 2013 – veja-se o seguinte excerto, a partir do minuto 00:18:04:9:
Advogada: Quando, agora perguntava-lhe, e porque esta acção, de facto, enfim, é uma acção que está muito circunscrita, pura e simplesmente o contrato de prestação de serviços e tem por base duas facturas respeitantes a 2 meses, aos meses de Junho e de Julho de 2013. Pronto e pergunto-lhe se sabe, pareceu-nos que não, mas pergunto-lhe, se sabe o que é que se passou nesses 6 meses, que serviços em concreto, se alguns a autora prestou, se foram solicitados ou não foram solicitados em concreto serviços específicos pela ré à  autora, se tem conhecimento, isso, no fundo, diz respeito à vida interna da, da, da autora.
(…)
Test.: Mas eu, mas eu não estava na autora, para dizer se a autora fazia, ou se não fazia, não sei.
Juiz: …e tem a ver com, efectivamente, com as facturas de Junho e Julho de 2013.
Test. Isso não sei, as facturas em si não sei.
Juiz: Já, já tinha dito que, de facto não era matéria que sobre si passava.
Test. Sim, sim, Sr.ª Doutora.
Por fim, relativamente à testemunha JP, muito embora tenha começado o seu depoimento a afirmar de forma aparentemente peremptória – ainda que de forma genérica e conclusiva - que a autora sempre prestou os serviços objecto do contrato à ré, quando confrontado com a questão em termos mais detalhados e concretos, designadamente sobre como sabia e que serviços a autora teria prestado em Junho e Julho de 2013, para além de não passar de um conhecimento indirecto, a testemunha acabou por admitir que se escudava em referências genéricas ao objecto do contrato por não ter conhecimento específico sobre os serviços concretamente prestados – cfr. depoimento prestado na mesma sessão, a partir do minuto 00:21:00:4
Test.: Sr.ª Doutora eu sei que o trabalho era esse ... as funções dos técnicos que lá estavam era para fazer isso, agora eu sempre que estava na autora não perguntava, você já foi ali ou já foi acolá, não, não era essa a... não tinha motivos…
Advogada: Não passava por si, ou seja, a comunicação da informação...
Test.: Não.Advogada: ... Assim diariamente...
Test.: Só se surgisse algum problema, podia surgir algum problema técnico, alguma … imperceptível ... o tempo que lá esteve, dois dias para resolver esse problema, isso era diferente, agora especificamente nessa data...
[…]
Há aqui pormenores, eu peço desculpa, mas há aqui pormenores que de facto me escapam, não é. E eu atiro para o genérico para me defender também, porque não sei...
Depois de mais algumas e repetidas observações sobre o teor destes depoimentos, a ré passa a dizer que “já as testemunhas arroladas por si foram […] assertivas, peremptórias, coerentes e coesas nos depoimentos prestados, respondendo categoricamente que tais serviços mínimos concretos não foram prestado pela autora nos meses de Junho e Julho de 2013 – motivo pelo qual tais serviços não foram, evidentemente, pagos.”
E passa a transcrever longas passagens dos depoimentos destas duas testemunhas que apontariam nesse sentido.
A autora responde que:
A ré não deu cumprimento aos ónus que lhe incumbiam e a que se encontrava obrigada por força do art.º 640 do CPC. Desde logo, não indicou com exactidão as passagens da gravação em que se funda, limitando-se a assinalar os minutos iniciais da gravação do depoimento de determinada testemunha, sem, contudo, identificar o seu fim. Omissão que viola inequivocamente o art.º 640/2-a-b do CPC. Na realidade, a ré limitou-se a transcrever partes dos depoimentos prestados pelas testemunhas e a enunciar um conjunto de documentos juntos aos autos, sem, contudo, fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, não concretizando ou apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, implicavam uma decisão diversa da tomada. Ou seja, não só não cumpriu o regime previsto na lei adjectiva, como tenta desvirtuar o espírito da lei, pretendendo que o Tribunal ad quem, seja «obrigado» a fazer um segundo julgamento da matéria de facto, ouvindo integralmente a gravação do depoimento em causa, ou lendo as suas transcrições, e tendo de avaliar se as declarações prestadas, são relevantes para alterar as respostas dadas pelo Tribunal a quo, ou se pelo contrário, confirmam, in totum, a decisão proferida.
O mesmo se diga, mutatis mutandis, relativamente aos documentos elencados, mas sobre o teor dos quais, não incidiu nenhuma análise crítica dos mesmos que fosse susceptível de alterar a decisão sobre a matéria de facto proferida. Não compete ao TRP realizar novos julgamentos da matéria de facto, mas, tão só, corrigir eventuais vícios cometidos pelo Tribunal de 1.ª Instância, na apreciação de tal matéria (cfr. acórdão do STJ, de 19/05/2010, Relatora Isabel Pais Martins). Destarte, o não cumprimento dos ónus estabelecidos pelo artigo 640 do CPC, determina a imediata e liminar rejeição do recurso no que concerne à matéria de facto (artigo 640/1 do CPC).
Sem prescindir: Na verdade, a ré não teve em consideração na fundamentação do seu recurso alguns dos factos provados com interesse para a boa decisão da causa. De facto, a ré não disse que por conta dos serviços mínimos a prestar, tinha de pagar à autora uma remuneração anual fixa, independentemente de tais serviços mínimos serem prestados na sua totalidade (cfr. facto 6). Ademais, o pagamento da remuneração anual fixa era efectuado pela ré à autora, com uma periodicidade mensal, de acordo com um sistema de duodécimos (cfr. facto 7). Isto é, os serviços mínimos deveriam ser efectuados ao longo do ano e não necessariamente nos meses a que se reportam as facturas emitidas (Junho e Julho). Sendo que, tratando-se de uma remuneração fixa, o seu pagamento não estava dependente do volume ou do número dos serviços prestados em cada mês de vigência do contrato.
Acresce que, ao minuto 00:15:53:7, questionado pela advogada da ré, sobre se a ré tinha solicitado à autora algum serviço nos meses de Junho e Julho, a testemunha JL, respondeu que não.
Acontece que, mesmo que fosse verdade que a ré não tivesse solicitado à autora qualquer serviço previsto no contrato nos meses de Junho e Julho de 2013, a verdade é que a não requisição de serviços afirmada em audiência de julgamento pela testemunha JL, não a podia exonerar do cumprimento das suas obrigações contratuais a que se encontrava adstrita, nomeadamente do pagamento da remuneração acordada.
Efectivamente, o artigo 795/2 do CC, dispõe que, “se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação”.
Nesta conformidade, ainda que a autora não tivesse prestado os tais serviços mínimos, o que só se concede por razões do foro especulativo e académico, mesmo assim, a ré pelos motivos invocados – ter deixado, por sua exclusiva vontade, de solicitar os serviços contratados à autora, não obstante o contrato manter-se em vigor – não se podia desonerar do pagamento da remuneração fixa acordada. Destarte, ainda que se desse como não provado o facto 13, o que mais uma vez só se admite por motivos do foro especulativo e académico, mesmo assim, a ré nunca se poderia eximir do pagamento da prestação a que se tinha vinculado aquando da celebração do contrato com a autora.
*
Apreciação:
Quanto à falta de observância de ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto (art.º 640 do CPC), a autora não tem nenhuma razão: ao indicar o momento da gravação em que se iniciaram as passagens dos depoimentos que depois transcreve, a ré está a cumprir tudo o que o art.º 640/1-b-2-a lhe impõe; e ao indicar que o facto provado 13 devia ser considerado não provado e ao dar a precisa redacção a um outro ponto de facto com toda a matéria que diz que devia ter sido dada como provada, cumpre os ónus que decorrem do art.º 640/1-a-c do CPC. De resto, esta argumentação da autora (nos dois primeiros §§) é puramente formal, tanto que chega ao ponto de se referir à invocação, pela ré, de documentos, quando a ré não invoca nenhuns documentos nesta parte do recurso.
Quanto ao mais que é dito pela autora: tratam-se de considerações de Direito – que serão consideradas mais à frente -, não de resposta à impugnação da decisão da matéria de facto.
Posto isto,
Quanto ao depoimento das testemunhas, afastando os cerca de 8 minutos do depoimento da 1.ª, contabilista, porque ele só sabe de papéis/facturas e diz logo só conhecer a ré de nome (por isso, desta testemunha, só se ouviram os dois primeiros minutos e 7 segundos do seu depoimento), as outras três da autora prestaram depoimentos (em cerca de 22:30, 25 e 23 minutos) em termos tais que não deixam dúvidas de que a autora, continuou, durante o período em causa, em actividade, a fazer o que sempre tinha feito, embora de forma muito mais reduzida, devido ao facto de a ré ter - propositadamente, de forma unilateral, em represália ou não pelo facto de a autora, sua accionista, criticar a sua gestão de dinheiros públicos e votar contra orçamentos da ré por despesas injustificadas, ou simplesmente por achar que podia, ela própria, fazer o que a autora fazia e por isso não se justificar estar a pagar esses serviços à autora -, deixado de lhe dar trabalho, na sequência de, já há muito tempo (desde 2005, diz a 2.ª testemunha), a ré ter começado a esvaziar as funções da autora, passando a assumir ela, a ré, as funções que aquela antes exercia.
Actividade essa que era prestada no âmbito do SIGRE, tal como contratado com a ré (factos 4=15 e 5, cláusulas 1 e 2 do contrato), não importando aqui saber, ao contrário do sugerido nas instâncias da advogada da ré [mas foi o advogado da autora que primeiro falou no que se segue], se a ré beneficiava com essa actividade, sendo que tal sugestão acaba por ser um reconhecimento de que a actividade subsistia.
As passagens transcritas pela ré, quanto a estas três testemunhas, não têm o sentido que a ré pretende retirar delas: depois de as testemunhas, no interrogatório, terem afirmado repetidamente, de diversos modos, com diferentes razões de saber (a 2.ª e 4.ª testemunhas eram mesmo da autora, a 2.ª como funcionária e a 4.ª como director; a 3.ª era das fileiras de metal, mas estava todas as semanas com a FP, 2.ª testemunha, a discutir questões de trabalho e tinham locais de trabalho perto)  que a autora tinha continuado durante todo o ano (e para além dele) a prestar a actividade no âmbito do SIGRE (e para isso é que foi contratada pela ré), embora muito esvaziada devido ao comportamento da ré, depois, nas instâncias, não sabiam o que mais dizer quanto aos precisos meses de Junho e Julho de 2013, mas sem com isso estarem a dizer, afinal, que a autora já não tinha feito nada nesses meses.
Veja-se, por exemplo as duas testemunhas que não têm, desde 2016, qualquer relação com a autora:
- 2.ª, FP, da autora: esclareceu que a ré era o único cliente e que os serviços que faziam eram pagos pela ré; do minuto 8:36 a 12:12, só considerando agora, este TRL, aquilo que se pode dizer que, mesmo depois de a ré já não dar trabalho a autora, esta continuou a exercer a actividade, a testemunha disse: continuámos a manter a relação com os fabricantes de embalagens e os recicladores até Dez2016; continuámos a promover a reciclagem junto das empresas; mantínhamos um contacto estreito e regular com os fabricantes de embalagens e com os recicladores e com os sistemas municipais que também faziam a gestão de resíduos; tudo no âmbito do SIGRE; tínhamos também contactos a nível europeu, com outros fabricantes de embalagens e associações congéneres; fazíamos a gestão do processo todo; era eu que fazia isto tudo. Quanto ao esvaziamento de funções: desde que entrou para a autora em 2005 que se deu conta disso (+/- 13:45 a 15:09); em instâncias, repete que: continuaram a prestar serviços mesmo que não pedidos; nós continuámos a fazer tudo o que tinha a ver com os fabricantes de embalagens e recicladores, actividades que estavam enquadradas no SIGRE desde sempre; tudo o que tinha a ver com as embalagens de madeira, até de maneira a serem o mais recicláveis possível (20:04 a 21:46).
- 3.ª JC, da fileira de metal, F, sócia, tal como a autora, da IF, que era accionista da ré. Tínhamos [F e autora] espaços físicos perto; actividade da autora em 2013, incluindo os meses de Junho e Julho: do minuto 8:52 a 12:15 e 12:41 a 15:10, principalmente: A autora/FP continuou a fazer o mesmo que fazia, continuou a fazer os mesmos serviços. A instâncias da ré, acrescenta, 19:10 a 22.23: todas as semanas fazíamos reunião regulares entre os técnicos das várias fileiras e a FP continuou, durante esse tempo todo e depois, […] a prestar serviços, e a FP dizia-me que continuava em funções a fazer os serviços normais. Se fazia A, B, C ou D eu não sei. Agora, que a FP participava connosco… até porque havia questões que eram discutidas entre as várias fileiras e eram apresentadas à ré em conjunto. […] Advogada da ré: Mas consegue-me localizar isso no tempo? Durante 2013. […] 2013 sim. […] Em termos técnicos nós não sentimos diferença nenhuma do comportamento técnico da FP, com contrato ou sem contrato. Para nós, ela continuou a fazer o mesmo serviço. […] 21:46: Advogada da ré: porque a minha pergunta está relacionada… no fundo continuaram a trabalhar, continuaram a dar apoio ao SIGRE, segundo dizem, nomeadamente aos retomadores, não é? São distintos da ré e, inclusivamente, depois referiu, agora mesmo, no final do seu…, não sabe se a ré após a cessação do vosso contrato, se continuou, ou seja, vocês continuaram uma série de trabalho, a dar apoio à retoma, e isso tudo, mas não sabem se a ré beneficiava ou não desse trabalho?
Quanto ao argumento de que a autora não apresentou para junção aos autos quaisquer documentos que comprovassem ter prestado serviços para a ré, compreende-se, no contexto referido, que assim acontecesse, pois que os serviços em que seria natural que resultassem documentos que os comprovassem são precisamente aqueles que a autora só poderia fazer se lhe tivessem sido solicitados pela ré.
Assim, conclui-se que a autora produziu prova testemunhal suficiente para criar a convicção segura de que, realmente, tinha continuado a exercer a actividade objecto do contrato celebrado com a ré, embora com grande redução dessa actividade na medida em que ela deixou de lhe ser solicitada pela ré, o que seria suficiente para dar como provado o facto (art.º 346 do CC) embora com a restrição operada.
Quanto à contraprova produzida pela ré, a propósito da matéria de impugnação, as passagens dos depoimentos das suas duas testemunhas, transcritas extensamente pela ré, vão no sentido da inexistência da prestação de serviços naqueles meses (e já antes), mas não disseram nada que convença que a autora deixou de exercer a actividade que não dependia das solicitações da ré como, por exemplo, todo os tipos de contactos da autora com os fabricantes e recicladores/retomadores.
Assim, por apenas por exemplo, registe-se que a testemunha JL, de +/- 17 a 21:30 do seu depoimento, sobre a primeira área de serviços do anexo I (especificações técnicas), diz que o primeiro ponto (elaboração e actualização c/fundamentação técnica), se reportou ao início da actividade (e portanto já não teria sido prestado nestes meses), mas já quanto aos pontos/serviços 2 e 3 - apoio técnico: esclarecimentos e reclamações, acompanhamento – não disse nada de concreto que pudesse convencer que a autora não tenha feito isso, até porque diz, grosso modo, que não se lembra sequer se a ré, durante 2013, ou mesmo 2012, terá tido alguma reclamação de madeiras, quando o que está em causa é a autora (que não é a mesma entidade que a ré…) ter tido ou não reclamações, pedidos de apoio e ter feito acompanhamento. Também quanto à 2.ª área, retomadores (de +/- 21:30 a 25:50), a testemunha explica que a pré-qualificação já não tinha razão de ser e uma que ainda foi feita atribuíram-na a uma outra entidade, e que não terá havido mais acções de formação (e aceita-se que, se tivesse havido a autora podia ter apresentado facilimamente documentos sobre a matéria), mas é perfeitamente superficial ao negar que a autora tivesse feito actividade de promoção de avaliação e de apoio à colocação de reciclados (serviços 6 e 7), limitando-se a dizer que não teve conhecimento que ela o tivesse feito. E o mesmo pode ser dito na 3.ª área (+/- de 25:50 a 32:02) como até se vê na parte final, com a advogada da ré (31:29 a 31:58) a perguntar à testemunha: … foi perdendo mas ainda era feito e poderia, podia ser feito. Portanto, à partida eram em conjunto. Mesmo que pudessem ser feitas sem ser solicitado directamente ou sem estarem acompanhadas pela ré tiveram alguma informação que nestes meses em concreto tenham sido feitas algumas destas acções? Não tivemos. Não me recordo que tenham sido feitas. Quanto à 4.ª área, apesar de o longo depoimento da testemunha (só o interrogatório demorou 40:30), nem sequer chegou a pronunciar-se sobre os serviços 13, 16, 17 e 18. Nas instâncias, por volta de 42.20 a 44:30 e 45:30 a 47:30, diz, grosso modo, que a autora lhe devia dar nota de tudo o que fazia (sem dizer nada que apontasse para a existência de tal obrigação em termos tão genéricos e aplicáveis a todos os serviços, o que, aliás, não tem lógica nenhuma), pelo que, como não lhe deu nota de nada é porque não fez nada, embora depois, perante a insistência do advogado da autora, acabe por dizer que também terceiros não lhe deram conta de que a autora tenha feito alguma coisa.
A testemunha EA tem um depoimento que duplica o anterior, embora desta vez em apenas 23:49 minutos (18:51 de interrogatório). A lógica para a negação é a mesma: não tem evidências no histórico de comunicações que a autora lhe tenha comunicado que fez alguma coisa, logo assume que a autora não fez nada. Esta testemunha disse ainda menos do que a anterior sobre vários dos serviços em concreto. Assim, apenas por exemplo, em relação à 1.ª área do anexo I, só fala do serviço 1 e não dos serviços 2 e 3. E na 2.ª área, só fala do serviço 4, deixando de lado os serviços 5, 6 e 7.
Em suma, procede parcialmente a impugnação da decisão do facto 13 (nos termos já consignados nesse facto) e improcede a pretensão da ré de dar como provadas as afirmações feitas nos artigos 48 a 51 da oposição, isto é, que durante os meses de Junho e Julho de 2013 a autora não prestou à ré nenhum dos serviços previstos no anexo I do contrato.
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Do recurso quanto à matéria de Direito
A fundamentação de Direito da sentença foi a seguinte:
“Funda a ré o não pagamento das facturas na não prestação dos serviços pela autora.
[…] não assiste razão à ré.
Provou-se que a autora prosseguiu a prestação dos serviços.
Deve, pelo exposto, proceder a acção com condenação da ré no pagamento da quantia pedida […]”
Diz a ré:
35. A cláusula 4/1 do contrato estabelece que “[p]or conta dos serviços mínimos a prestar, como tal qualificados no anexo I, a ré pagará ao Prestador uma remuneração anual (doravante remuneração fixa) que se encontra fixada no Anexo II, independentemente de tais serviços mínimos serem prestados na sua totalidade”.
36. Da referida cláusula resulta que o contrato é um contrato sinalagmático, porquanto gera obrigações recíprocas para ambas as partes, designadamente, o pagamento da denominada remuneração fixa estava subordinado à prestação dos serviços mínimos por parte da autora.
37. Estabelece o art.º 428/1 do CC que “[s]e nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.
38. Do acima exposto facilmente se conclui que durante os meses de Junho e Julho de 2013 a autora não prestou nenhum dos serviços aos quais estava adstrita, descritos no anexo I do contrato, resultando, assim, demonstrada a excepção do não cumprimento do contrato, não tendo, por isso, a ré nada a pagar.
No corpo das alegações a ré desenvolvia a questão dizendo:
É certo que tal obrigatoriedade de pagamento não estava dependente de os referidos serviços serem prestados na sua totalidade, mas dúvidas não restam de que pelo menos algum dos referidos serviços (os mínimos) teriam de ser prestados.
[…]
Ora, não tendo a autora prestado, nos meses de Junho e Julho de 2013, nenhum dos serviços a que estava contratualmente adstrita, a ré não se encontra contratualmente vinculada ao correspondente pagamento do preço.
E ainda que se entenda que os serviços não foram prestados pela autora, por não terem os mesmos sido solicitados pela ré – sem conceder –, a verdade é que tal não releva para efeitos de pagamento.
De facto, não se encontra no contrato qualquer previsão que estabeleça a obrigatoriedade de pagamento por parte da ré, em caso de não prestação dos serviços aí referidos por falta de solicitação.
A autora responde, na síntese que ela própria faz da sua argumentação, o seguinte, que acresce aos 5 §§ das contra-alegações que já se transcreveram na resposta à impugnação da decisão da matéria de facto e que será agora considerado:
Mesmo que se considere provado que a autora não cumpriu nos meses de Junho e Julho de 2013 os serviços mínimos contratados, em virtude da ré nunca os ter solicitado, ainda assim, a ré não fica desonerada do cumprimento da sua contraprestação.
Ou seja, do pagamento da remuneração anual fixada a pagar em duodécimos mensais como a autora peticionou.
No sentido propugnado veja-se o disposto nos artigos 795/2 e 815/2, do CC.
Apreciação:
A argumentação da ré está errada e é improcedente.
Desde logo, porque a excepção de não cumprimento do contrato é uma excepção material dilatória. Retarda o momento da exigência do cumprimento daquele que a excepciona, transferindo-o para quando a sua contraparte cumprir a sua obrigação correspectiva. Pressupõe, por isso, que a ré (que excepciona) queira pagar embora depois de a autora, por sua vez, fazer o que é devido. Assim, no caso da procedência desta excepção material, o que deve verificar-se é uma procedência parcial da acção, pois que se condena o credor a cumprir quando o seu devedor fizer o que tem a fazer. Ora, a ré entende que deve ser absolvida do pedido. Não se trata, por isso, de só pretender pagar quando a autora cumprir a sua parte, mas sim de que não querer pagar.
Neste sentido, Ana Taveira da Fonseca, Comentário ao CC, Dtº das Obrigações, UCP/FD/UCE, 2018, pág. 126: “A procedência da exceptio invocada em juízo não permite a absolvição do réu do pedido ou da instância (em sentido contrário, cfr. ac. TRL de 27/05/2001, CJ.2001, tomo 3, 102), mas deve conduzir à condenação do réu a cumprir a obrigação contra realização da contraprestação (condenação Zug um Zug), posto que, através da oposição desta excepção, o réu não nega a existência da obrigação a que se está vinculado, mas faz depender o cumprimento do oferecimento da prestação a que tem direito (ac. TRP de 16/11/2015, proc. 62/11.5TBSTS.P1 [: II - A excepção de não cumprimento do contrato não é senão a recusa temporária do devedor – credor de uma prestação não cumprida no âmbito de um contrato sinalagmático – que, assim retarda, legitimamente, o cumprimento da sua prestação enquanto o credor não cumprir a prestação que lhe incumbe. III - É uma excepção material dilatória: o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento nem enjeita o dever de cumprir a prestação; pretende tão-só um efeito dilatório, o de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação a que tem direito e (contra) direito ao cumprimento simultâneo. Este acórdão tem um voto de vencido quanto à matéria, como se vê sem razão]; já antes, o mesmo era sugerido por José João Abrantes, A excepção de não cumprimento do contrato no Direito civil português, Almedina, 1986, págs. 154 e 155, embora de forma não tão peremptória pois que também admitia que o juiz pudesse não condenar in futurum.
Depois, porque a excepção de não cumprimento do contrato pressupõe “que não exista uma obrigação de cumprimento prévio por parte daquele que pretende invocar a excepção” (Ana Taveira da Fonseca, obra citada, pág. 123, 4/II), o que aliás também resulta do disposto nos arts. 762/2 e 813 do CC, quando pressupõe que é ilícito o comportamento do credor que não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação pelo devedor. Ora, os serviços em causa tinham que ser solicitados pela ré e só depois disso é que a autora os podia cumprir (a autora invoca os artigos 795/2 e 815/2 do CC, mas esta pressupõe a impossibilidade e no momento em que a ré actuou esta questão não se punha).  
Por fim, porque se provou que a autora continuou a exercer a actividade para que estava contratada, só tendo deixado de fazer aquilo que a ré deixou de lhe solicitar. Ora, se a ré não solicitava dados serviços à autora e por isso esta não os podia fazer, isso não faz desaparecer a obrigação do pagamento assumida pela ré:
O artigo 406/1 do CC, sobre a ‘eficácia dos contratos’, dispõe: “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.”
Ora, se a ré pudesse, unilateralmente, deixar de solicitar determinados serviços à autora, por entender que eles já não eram necessários, diminuindo em conformidade a remuneração pelos serviços prevista no contrato, estaria a alterar unilateralmente o contrato, em violação do princípio consagrado naquela norma: os contratos são para ser cumpridos.
Isto que decorreria daquele princípio, até foi concretizado no contrato com mais abrangência (facto 6, cláusula 4/1): “por conta dos serviços mínimos a prestar […] a ré pagará ao Prestador uma remuneração anual […] que se encontra fixada […], independentemente de tais serviços mínimos serem prestados na sua totalidade." Ou seja, não distinguindo a causa por que os serviços não fossem prestados, o contrato põe a cargo da ré, não só o risco dos factos que originassem essa não prestação que lhe fossem imputáveis a ela, mas também os que fossem imputáveis a terceiros ou a causas de força maior. Apenas não são abrangidas, naturalmente, as causas que estejam ligadas à própria autora por facto culposo, pois que senão seria esta que estaria a alterar unilateralmente o contrato, só fazendo o que entendesse por bem e continuando a receber o mesmo.
Os casos admitidos na lei como excepção àquele princípio (art.º 406/1 do CC) têm pressupostos que têm de ser alegados e provados – e no caso não foram (questão que já se viu acima) -, como, por exemplo, a alteração das circunstâncias (art.º 437 do CC) e a revogação dos contratos de prestação de serviços tratada como revogação com ou sem justa causa (artigos 1154, 1156 e 1170 do CC) que dá ou não direito a indemnização (art.º 1172 do CC).
Assim, improcede a excepção de não cumprimento do contrato.
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Da ampliação do objecto do recurso
Nas sínteses 8 e 9 das suas contra-alegações, a autora diz:
A título subsidiário, em sede de ampliação do objecto do recurso, por força da autoridade do caso julgado, na sentença teria de se determinar que a denúncia do contrato celebrado entre as partes, por carta enviada pela ré à autora a 01/03/2013, apenas poderia produzir efeitos com referência a 31/12/2016.
Como, aliás, decidido no processo nº8946/14.2YIPRT, cuja sentença já transitou em julgado.
No corpo das alegações, a autora concluía, ainda na parte dedicada à ampliação do objecto do recurso, depois de longas considerações sobre o caso julgado:
“Pelo que a excepção de caso julgado deduzida pela ré terá fatalmente de improceder.”
Ainda no corpo das alegações, a autora, ainda na parte da ampliação do objecto do recurso, mas numa subparte epigrafada ‘da autoridade do caso julgado’, inicia as suas alegações com este §:
“Na verdade, não restam dúvidas que, atendendo à autoridade de caso julgado, como bem se decidiu no despacho saneador, a denúncia do contrato celebrado entre as partes, por carta enviada pela ré à autora a 01/03/2013, apenas poderia produzir efeitos com referência a 31/12/2016.”
A meio do corpo das alegações a autora diz:
“Pelo que, a questão dos efeitos da denúncia não podia ser de novo analisada, sob pena de violação da autoridade do caso julgado material, o que deveria ter sido decidido na sentença.”    
A ré responde o seguinte (na síntese da mesma, na parte útil):
B. [A]figura[-se] processualmente vedada ao Tribunal ad quem a apreciação dos argumentos aduzidos pela autora no seu pedido de ampliação do objecto de recurso, por já terem sido julgados improcedentes pelo Tribunal a quo, ao ter decidido, por despacho datado de 04/06/2018 já transitado em julgado, não haver autoridade de caso julgado daquela sentença sobre os presentes autos. Ora, não tendo a autora interposto recurso daquele despacho no prazo legal para o efeito, encontra-se precludido o seu direito de a ele reagir, cujo meio processual adequado nunca seria, de resto, um pedido de ampliação do objecto do recurso enxertado nas suas contra-alegações, mas antes um recurso autónomo.
C. Acresce que, deve ainda o pedido de ampliação do objecto de recurso ser desconsiderado, na medida em que apenas é utilizado pela autora como forma de, camufladamente, dele tentar retirar consequências potencialmente relevantes, não tanto para efeitos dos presentes autos, designadamente na eventualidade de este Tribunal considerar que os efeitos da denúncia operada pela ré se produzem a 01/03/2014 (cf. cláusula 7.1. do contrato de prestação de serviços), mas sobretudo da mencionada terceira acção, no âmbito da qual a autora peticionou a condenação da ré a pagar-lhe, entre outros, 541.598,55€, acrescida de juros legais vincendos, a título de serviços alegadamente prestados entre agosto de 2013 e Dezembro de 2016.
D. Cautelarmente – e sem conceder -, sempre se impunha negar a existência de qualquer autoridade de caso julgado, não devendo ser conferida eficácia à denúncia operada pela ré, por via da carta datada de 01/03/2013, por referência a 31/12/2016, mas antes a 31/03/2013, nos termos do disposto na cláusula 6.2. do contrato ou, caso assim não se entenda, no dia 01/03/2014, por aplicação da cláusula 7.1. do referido contrato – cf. parágrafos 47 a 85 das alegações de recurso da ré.
E. Em acréscimo, também não assiste razão à autora quando pretende, por via da (pretensa) autoridade de caso julgado daquela sentença, fazer prova da alegada prestação dos serviços a que estava contratualmente adstrita nos meses de Junho e Julho de 2013, pois, a causa de pedir e pedido apreciados no âmbito do processo n.º 8946/14.2YIPRT reconduzem-se a um momento temporal distinto daquele que está em causa nos presentes autos. Tampouco logrou a autora fazer prova nos presentes autos da sua prestação, muito menos que tivesse prestado o mínimo indispensável para que se constituísse na esfera jurídica da ré a obrigação de pagar a respectiva contrapartida financeira – cf. parágrafos 86 a 134 das alegações de recurso da ré.
Apreciação:
Da (in)admissibilidade da ampliação do objecto do recurso
Tendo em consideração as passagens citadas da parte das contra-alegações da autora dedicadas “à ampliação do objecto do recurso’ e o disposto no art.º 636/1 do CPC [No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação], resulta que a autora está a invocar a autoridade do caso julgado, de que falava implicitamente no seu requerimento inicial, para evitar que este TRL venha a considerar improcedente a acção com base na procedência da excepção da denúncia do contrato pela ré [porque o decidido na primeira acção implicaria que a questão da denúncia do contrato já teria sido decidida num certo sentido, qual seja, de que ela só produziria efeitos em 31/12/2016] ou com base na excepção de caso julgado.
Fundamento do pedido de ampliação, previsto no art.º 636/1 do CPC, é que a parte vencedora tenha decaído num fundamento. Pelo que é necessário que este fundamento tenha sido considerado na decisão recorrida.
Como explicam, Lebre de Freitas / Ribeiro Mendes / Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 3.º, 3.ª edição, Almedina, 2022, páginas 73-74: “[…O] preceito só se aplica quando o tribunal recorrido tenha efectivamente conhecido o fundamento em causa, julgando-o improcedente: a parte vencedora há de ter nele decaído. Se, ao invés, tal fundamento, invocado pela parte em 1.ª instância, não tiver chegado a ser apreciado (designadamente, por ser subsidiário e proceder o fundamento principal, ou por proceder um dos fundamentos em alternativa), o tribunal de recurso não deixará de o conhecer, sem necessidade de requerimento de ampliação, se julgar improcedente o pedido tido como procedente pelo tribunal recorrido.”
Ora, o tribunal recorrido pronunciou-se quanto ao fundamento em causa, sumariamente, considerando-o improcedente (num despacho anterior à sentença, não recorrível autónomamente, como já se viu), dando razão à ré.
Logo a ampliação é admissível.               
De resto, os fundamentos dados pela ré para a inadmissibilidade estão errados numa série de pressupostos:
Quanto a B – a decisão não está transitada, pois que nem sequer era susceptível de recurso autónomo.
Quanto a C – trata-se de argumentação completamente deslocada neste processo. A ré utiliza argumentos para os quais não tem qualquer base factual no processo. A terceira acção não é chamada ao caso.
Quanto a D e 1.ª parte de E – visto que a excepção da denúncia do contrato não foi deduzida e não pode ser apreciada, não tem qualquer razão de ser estar a discutir a autoridade do caso julgado resultante da anterior sentença quanto a tal denúncia, quer para conferir, quer para não conferir relevo ao mesmo na decisão desta acção.
Quanto à 2.ª parte de E – não é o momento próprio para estar a discutir a impugnação da decisão da matéria de facto.
Por fim, a inadmissibilidade da ampliação do objecto do recurso, não evitaria (como explicam os autores citados há pouco) que, caso fosse necessário (ou seja, caso se viesse a entender que, sem esse fundamento, a acção devia improceder ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido), este TRL pudesse considerar a autoridade do caso julgado produzida pela sentença anterior, caso eventualmente este fosse aplicável aos autos (isto é, caso realmente existisse uma decisão de uma questão prejudicial que também fosse objecto destes autos).
De qualquer modo, não tendo sido procedentes os fundamentos da ré contra a sentença recorrida, não há necessidade de conhecer o fundamento da autoridade do caso julgado para ver se a acção devia ser procedente.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas, na vertente de custas de parte, pela ré.
Lisboa, 02/03/2023
Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas