Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1773/2008-7
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTE COMUM
CONDOMÍNIO
LEGÍTIMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/06/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Embora o art.1421º, nº2, al.d), do C.Civil, presuma que as garagens e outros lugares de estacionamento são comuns, tal presunção pode ser elidida desde que se prove que os mesmos foram atribuídos pelo título constitutivo da propriedade horizontal a um ou a alguns dos condóminos.
II – Tendo, no caso, os lugares de estacionamento sido especificados no título constitutivo, integrando algumas das fracções autónomas, isso significa que o autor do título lhes quis atribuir natureza privativa, devendo considerar-se afastada a referida presunção legal.
III – Já os acessos a esses lugares, sendo de uso ou passagem comum a vários condóminos, não estando, pois, afectados ao uso exclusivo de um deles, são necessariamente comuns.
IV – Consequentemente, o condomínio, representado pelos administradores, tem legitimidade para pedir a supressão das dificuldades (defeitos) existentes em tais acessos.
(RN)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.
Na 16ª Vara Cível de Lisboa, o Condomínio do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Av.ª…, nº…, em…, representado pelos seus administradores, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum sob forma ordinária, contra F…, S.A., alegando que esta foi a construtora do referido prédio e que este tem vindo a apresentar defeitos que determinaram o mandato conferido pelos condóminos à administração para accionar os responsáveis.
Mais alega que, entre outros defeitos, no que respeita ao acesso e trânsito de veículos para parqueamento nas garagens, grande parte dos veículos automóveis, quando com dimensões médias ou medidas superiores, têm manifestas dificuldades em circular nas garagens para aí parquearem, e os poucos veículos que, pelas suas dimensões inferiores, conseguem entrar nas garagens, não conseguem, depois, aceder aos respectivos lugares de estacionamento, ou fazem-no com enorme dificuldade, designadamente, pela falta de espaço para a manobra de parqueamento nas zonas de circulação, e inexistindo outros espaços destinados à realização dessas manobras.
Conclui, assim, que deve a ré ser condenada à reparação de todos os vícios e defeitos, nomeadamente, os atrás indicados.
A ré contestou, alegando que a obra se encontra executada de acordo com as telas finais aprovadas e vistoriadas pela C.M.L., e concluindo pela improcedência da acção.
O autor replicou, concluindo como na petição inicial.
Seguidamente, foi proferido despacho saneador, tendo-se seleccionado a matéria de facto relevante considerada assente e a que passou a constituir a base instrutória da causa.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, após decisão da matéria de facto, proferida sentença, condenando a ré a proceder à eliminação dos defeitos verificados no prédio em questão, designadamente, nas garagens, a supressão das dificuldades de acesso aos lugares de estacionamento nºs 5, 6 e 10 do piso 2, nºs 19 e 20 do piso 1, nº10 FA do piso 0, nºs 17, 18 e 23 do piso -1, e nºs 7 e 8, do piso -2.
Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação daquela sentença.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
1. A administração do autor representa os comproprietários das partes comuns do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida…., nºs …a…, freguesia …., descrito na Conservatória do Registo Predial de …sob o nº ….[alínea A dos factos assentes].
2. Por escritura pública de 12 de Julho de 2000 foi constituída a propriedade horizontal do mencionado prédio, dela constando “são partes comuns e presumivelmente comuns, as definidas no artº 1421º do C.C e as demais coisas que não são afectas ao uso exclusivo de um dos condóminos”. Nessa escritura consta que foram exibidos: a) projecto aprovado em 17 de Setembro de 1999 e respectivas alterações aprovadas em 11 de Julho de 2000, pela Câmara Municipal de Lisboa [alínea B dos factos assentes].
3. Em 19 de Junho de 2002 a Câmara Municipal de Lisboa emitiu a “licença de utilização habitar e ocupar (parcial)”, relacionando que a obra do edifício foi concluída em 5 de Junho de 2002 [alínea C dos factos assentes].
4. Muitas das fracções autónomas do edifício foram prometidas vender com o edifício ainda em construção [alínea D dos factos assentes].
5. Pela ré, pelo menos, aos Srs. J…, R… e O…., enquanto promitentes compradores, foi inicialmente fornecida uma planta do edifício na qual constava a existência de sala de condomínio; e ao Sr. O… também foi fornecida inicialmente uma planta com casa de porteira [alínea E dos factos assentes].
6. Nas rampas dos pisos de estacionamento não existe qualquer sinalização, nomeadamente, luminosa, que garanta a ordem e a segurança no trânsito dos veículos [alínea F dos factos assentes].
7. Nem existem passadeiras de peões, designadamente, envolvendo as caixas de escada e câmaras corta-fogo [alínea G dos factos assentes].
8. Nas zonas de garagens não existem aspersores de água ou “sprinklers” [alínea H dos factos assentes].
9. A dependência existente no edifício destinada ao depósito do lixo não tem ventilação [alínea I dos factos assentes].
10. A ré foi a construtora do edifício, sua vendedora e promotora de vendas [alínea J dos factos assentes].
11. O edifício não tem casa de porteira, nem sala de condomínio [alínea L dos factos assentes].
12. O edifício tem duas caves, ou seja, dois pisos abaixo do nível do solo [alínea M dos factos assentes].
13. Aquando das negociações para as promessas de venda e durante a construção do edifício, a ré informou uma parte dos futuros compradores que então se apresentaram que o edifício tinha casa de porteira e outra parte dos mesmos que aquele tinha sala de condomínio [resposta ao artº 1º da base instrutória].
14. A ré entregou a alguns dos futuros compradores uma planta onde está assinalada a sala de condóminos [resposta ao artº 2º da base instrutória].
15. A ré promoveu a construção como sendo de qualidade [resposta ao artº 3º da base instrutória].
16. Os veículos automóveis de dimensões médias ou medidas superiores têm grande dificuldade em aceder aos lugares de estacionamento nºs 5,6 e 10 do piso 2, nºs 19 e 20 do piso 1, nº 10FA do piso 0, nºs 17, 18 e 23 do piso –1 e nºs 7 e 8 do piso –2, por falta de espaço para a manobra de parqueamento [resposta aos artºs 4º e 9º da base instrutória].
17. Não existem zonas livres ou locais próximos das rampas que garantam a passagem cruzada e a espera de veículos [resposta ao artº 5º da base instrutória].
18. O patamar na zona de acumulação do piso 0 tem largura inferior a 4,5 metros, sendo a mesma de 4,45 metros [resposta ao artº 6º da base instrutória].
19. Existem rampas e faixas com larguras inferiores a 3 metros no piso 1 (rampa de acesso ao piso 0), no piso 0 (rampa de acesso ao piso-1), no piso 2 atrás dos elevadores e nos pisos –1 e –2 atrás dos respectivos elevadores [resposta ao artº 7º da base instrutória].
20. Os raios de curvatura dos acessos às faixas de circulação têm larguras inferiores a 4 metros quanto às faixas e nos pisos 1, 0 e –1 esses raios têm valores inferiores a 6,5 metros no tocante ao bordo exterior [resposta ao artº 8º da base instrutória].
21. A sinalização luminosa referida em 6.nunca esteve prevista no projecto [resposta ao artº 10º da base instrutória].
22. As passadeiras mencionadas em 7.não foram exigidas pela Câmara Municipal de Lisboa [resposta ao artº 11º da base instrutória].
23. Durante o funcionamento dos ventiladores de extracção a instalação apresenta uma velocidade de ar que causa turbulência e ruídos que incomodam os condóminos e demais utentes dos espaços sujeitos aos efeitos do sistema, com um grau de incomodidade que em 24 de Outubro de 2001 foi medido em valor superior a 7.2dB(A) [resposta aos artºs 12º e 13º da base instrutória].
24. Nos pisos inferiores, principalmente nas cozinhas, há falta de caudal de ar devida a desregulação do sistema [resposta ao artº 14º da base instrutória].
25. As grelhas de extracção de ar provocam ruído decorrente da vibração e estrangulamento causados pela velocidade do ar que nas mesmas passa [resposta ao artº 15º da base instrutória].
26. A ventilação forçada nas casas de banho e nas cozinhas provoca ruídos por falta de compensação de ar [resposta ao artº 16º da base instrutória].
27. A bomba hidropressora do sistema anti-incêndio não tem instalada a sirene ou sinal acústico de alarme [resposta ao artº 23º da base instrutória].
28. Nas paredes exteriores a pintura está parcialmente manchada e desbotada [resposta ao artº 25º da base instrutória].
29. O átrio de entrada encontra-se revestido com mosaico de duas tonalidades diferentes da mesma cor [resposta ao artº 27º da base instrutória].
30. As caixas do correio apresentam arestas cortantes, constituindo perigo para os utentes [resposta ao artº 29º da base instrutória].
31. A casa da porteira inicialmente prevista no projecto do edifício foi eliminada, alterando-se esse projecto para contemplar a criação, no mesmo local, de uma sala de condomínio, o que também veio a ser alterado, desta feita, com a transformação do espaço em fracções autónomas de garagens, que a ré comercializou, o que foi efectuado para permitir uma melhor circulação automóvel no estacionamento [resposta aos artºs 30º, 35º e 37º da base instrutória].
32. Por ausência de sala de condóminos estes têm que reunir no átrio do condomínio [resposta ao artº 31º da base instrutória].
33. Para que o sistema de ventilação funcione de forma adequada é necessário actuar, por um lado, na compensação do ar através da instalação de grelhas na parede exterior das cozinhas e nas marquises e, por outro, ao nível da regulação dos registos dos exaustores das cozinhas e casas de banho por intermédio da regulação nas válvulas das instalações sanitárias, regulação e ajustamento dos registos dos exaustores das cozinhas por forma que fiquem sem hipótese de serem manuseados pelos utentes e execução de “frinchas” nas portas das casas de banho e da cozinha e entre todo o espaço compreendido entre essas divisões [resposta ao artº 32º da base instrutória].
34. Inicialmente os lugares de estacionamento eram 116 e actualmente são apenas 109, eram 15 no rés-do-chão e agora existem 11 [resposta ao artº 38º da base instrutória].
35. Foi também com base nas informações referidas em 13.que os futuros compradores aí referidos tomaram a decisão de adquirirem as suas fracções e ajustaram o preço respectivo [resposta ao artº 39º da base instrutória].
2.2. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª - Os estacionamentos mencionados com os nºs 5, 6 e 10 do piso 2, nºs 19 e 20 do piso 1, nº 10 FA do piso 0, nºs 17, 18 e 23 do piso -1 e nºs 7 e 8 do piso -2 não são partes comuns do condomínio e, como tal, a sua dificuldade de acesso não pode ser invocada pela administração do condomínio.
2ª - Existe, pois, falta de legitimidade por parte da administração do condomínio.
3ª - Apenas os seus proprietários poderiam invocar os vícios existentes e não a administração do condomínio, visto que os mesmos fazem parte integrante das fracções acima referidas.
4ª - Cada fracção autónoma não tem de ser espacialmente ininterrupta; pode, como neste caso, consubstanciar-se num andar ou parte dele e no espaço de estacionamento e da arrecadação determinado através da propriedade horizontal.
5ª - Ao proferir a douta sentença, nos termos em que o fez, não foi respeitada, pela Meritíssima Sr.ª Dr.ª Juíza a quo, a regra estabelecida no art.26º, do C.P.C..
6ª - Dever-se-á respeitar, face à falta de legitimidade do Administrador do condomínio, a disposição da alínea d) do nº1, do art.288º, do C.P.C., ou seja, a absolvição da instância.
2.3. O recorrido contra-alegou, concluindo que não deve ser concedido provimento ao recurso interposto pela apelante, mantendo-se a decisão recorrida.
2.4. Dir-se-á, antes do mais, que a recorrente, nas conclusões da sua alegação, restringiu expressamente o objecto do recurso, limitando-o à decisão que a condenou a proceder à supressão das dificuldades de acesso aos lugares de estacionamento nºs 5, 6 e 10, do piso 2, nºs 19 e 20, do piso 1, nº10 FA, do piso 0, nºs 17, 18 e 23, do piso -1, e nºs 7 e 8, do piso -2.
Para o efeito, alega que tais lugares de estacionamento fazem parte de várias fracções autónomas, que identifica, conforme consta do título constitutivo da propriedade horizontal, pelo que, a administração do condomínio não tem qualquer legitimidade para pedir a supressão das dificuldades de acesso a esses lugares, só tendo legitimidade para tal os proprietários de cada uma das fracções de que o estacionamento faz parte.
Na sentença recorrida considerou-se que a ré foi a construtora, vendedora e promotora do edifício e que, sendo o autor o condomínio resultante da constituição em propriedade horizontal do mesmo prédio, apenas aqueles defeitos ou vícios que se verifiquem nas partes comuns ou se precipitem no uso e fruição destas podem merecer tutela jurídica. Mais se considerou que a área das garagens encerra elementos da estrutura do edifício, que são comuns por força do art.1421º, nº1, al.a), do C.Civil (serão deste Código as demais disposições citadas sem menção de origem), bem como, zonas de passagem comum, não vindo, relativamente aos lugares de estacionamento, invocada a sua propriedade individual ou o direito de uso exclusivo por certos condóminos. Considerou-se, ainda, que a dificuldade em aceder aos lugares de estacionamento constitui, manifestamente, uma desconformidade da coisa por referência a um padrão de normalidade, donde ser mister concluir pela verificação de um vício juridicamente relevante, por cuja reparação a ré é responsável, nos termos do art.1223º. Considerou-se, por último, que, estando os acessos aos lugares de estacionamento localizados na parte estrutural do edifício, poderia questionar-se a possibilidade física da supressão dos defeitos, mas que, como se está perante uma excepção, cujo ónus de alegação e prova incumbia à ré, de acordo com o disposto no art.342º, nº2, e esta não alegou esse facto, deve proceder o pedido do autor dirigido à reparação dos concretos defeitos constatados. Daí o teor da decisão, ora impugnada.
A recorrente invoca, unicamente, no recurso que interpôs daquela decisão, a falta de legitimidade da administração do condomínio para pedir a supressão das dificuldades de acesso aos lugares de estacionamento em causa, por entender que estes, fazendo parte das fracções autónomas, pertencem aos proprietários de cada uma delas, não sendo, pois, comuns.
E é esta, por conseguinte, a única questão que importa apreciar no presente recurso.
Resulta do regime estabelecido nos arts.1414º e segs., que, na propriedade horizontal, se congregam duas situações jurídicas distintas, sendo uma de propriedade singular, no que respeita às fracções autónomas do edifício, e outra de compropriedade, cujo objecto é constituído pelas partes comuns referidas no art.1421º (cfr. o art.1420º). No entanto, não se está perante uma aplicação pura e simples do regime da propriedade e da comunhão, porquanto, por um lado, o direito sobre as fracções autónomas está sujeito a restrições que não existem para a propriedade em geral, e, por outro lado, são muitas as alterações que separam o estatuto do direito sobre as partes comuns do da compropriedade em geral. E foi com o objectivo de distinguir as situações de propriedade horizontal das de simples comunhão sobre coisa indivisa que o legislador recorreu ao conceito de condomínio, que, no dizer de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, vol.III, 2ª ed., «… é (…) a figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial – daí a expressão condomínio – sobre fracções determinadas».
Essencial à constituição da propriedade horizontal é a especificação que o art.1418º manda fazer no título constitutivo, para a devida individualização das fracções autónomas. Na verdade, a situação jurídica do imóvel, como objecto de um direito real, é definida pelo título de que este direito emerge, prevalecendo sempre o que resultar do título constitutivo, dada a natureza real do estatuto que nele se contém. Assim, por exemplo, embora o art.1421º, nº2, al.d), presuma que as garagens e outros lugares de estacionamento são comuns, tal presunção pode ser elidida, desde que se prove que os mesmos foram atribuídos pelo título constitutivo da propriedade horizontal a um ou a alguns dos condóminos. Sendo que, cada fracção autónoma não tem que ser necessariamente constituída por partes do imóvel contíguas, podendo compreender, designadamente, além do andar ou apartamento propriamente dito, uma garagem (cfr. ob.cit., pág.400, e, ainda, os Acórdãos da Relação de Évora, de 14/3/96, C.J., Ano XXI, tomo II, 275, e da Relação de Coimbra, de 21/11/06, C.J., Ano XXXI, tomo V, 25).
Ora, constata-se que, como vem alegado pela recorrente, no título constitutivo da propriedade horizontal do prédio em questão, os lugares de estacionamento referidos na decisão recorrida constam como fazendo parte das fracções autónomas «CK» (lugar nº1 do piso 2), «BD» (lugar nº6 do piso 2), «AD» (lugar nº10 do piso 2), «DI» (lugar nº19 do piso 1), «CU» (lugar nº20 do piso 1), «T» (lugar nº10 do piso 0), «BY» (lugar nº17 do piso -1), «BP» (lugar nº18 do piso -1), «BV» (lugar nº23 do piso -1), «AE» (lugar nº7 do piso -2) e «X» (lugar nº8 do piso -2). É o que resulta do teor dos documentos juntos aos autos a fls.1030 e segs., 1061, 1050, 1042, 1069, 1064, 1039, 1057, 1054, 1056, 1042 e 1040.
Assim sendo, dúvidas não restam que, tendo os referidos lugares de estacionamento sido especificados no título constitutivo, integrando as aludidas fracções autónomas, isso significa que o autor do título lhes quis atribuir natureza privativa, devendo considerar-se afastada a presunção legal prevista no citado art.1421º, nº2, al.d). Consequentemente, a circunstância mencionada na sentença recorrida de não vir invocada a sua propriedade individual ou o direito de uso exclusivo por certos condóminos, não implica que aqueles lugares sejam comuns, uma vez que se provou que os mesmos foram atribuídos pelo título constitutivo da propriedade horizontal a alguns dos condóminos.
Todavia, uma coisa são os lugares de estacionamento e outra os acessos a esses lugares. Note-se que do referido título constitutivo consta que: «São partes comuns, e presumivelmente comuns, as definidas no art.1421º do Código Civil, e as demais coisas que não são afectas ao uso exclusivo de um dos condóminos» (cfr. a al.B da matéria de facto assente). Nos termos da al.c), do nº1, daquele artigo, são partes comuns, designadamente, as entradas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos. Houve, assim, a intenção de considerar comuns mesmo aquelas entradas ou corredores cujo uso seja apenas comum a um grupo de condóminos ou cuja aptidão objectiva aproveite só a alguns deles. Isto é, sempre que tais elementos sejam utilizáveis (ainda que apenas potencialmente) por mais do que um condómino, deverão considerar-se forçosamente comuns. Acresce que, nos termos da al.e), do nº2, do mesmo artigo, se presumem comuns, em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.
Haverá, deste modo, que concluir que os acessos aos lugares de estacionamento, sendo de uso ou passagem comum a vários condóminos, não estando, pois, afectados ao uso exclusivo de um deles, são necessariamente comuns. Logo, ao pedir a supressão das dificuldades de acesso aos lugares de estacionamento em questão, o autor – condomínio tem interesse directo em demandar, atenta a utilidade derivada da procedência da acção (cfr. o art.26º, do C.P.C.). O que significa que, a nosso ver, é inquestionável, no caso, a legitimidade do condomínio, representado pelos administradores, dada a relação jurídica objecto do pleito.
Não se trata, assim, de uma questão de legitimidade dos administradores ou da administração. É certo que o art.1437º alude à legitimidade do administrador. Mas tem-se entendido que tal preceito se refere mais à capacidade judiciária do que à legitimidade em relação à lide, fazendo uma aplicação concreta do art.22º, do C.P.C. (cfr. Rui Vieira Miller, A Propriedade Horizontal no Código Civil, 3ª ed., pág.321, e o Acórdão do STJ, de 4/10/07, C.J., Ano XV, tomo III, 75). Quem é parte no processo, no que respeita às partes comuns do edifício, é o condomínio, que tem personalidade judiciária, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador (art.6º, al.e), do C.P.C.), embora não tenha personalidade jurídica. Por isso que é em relação ao condomínio, e não no tocante ao administrador, que se coloca a questão da legitimidade. Questão esta que se resolve nos termos atrás expendidos.
Refira-se, por último, que, estando o presente litígio directamente relacionado com a prática de um acto de administração (supressão de defeitos em partes comuns) que exorbita o âmbito das funções atribuídas pelo art.1436º à administração, esta carecia de autorização da assembleia dos condóminos para propor a presente acção, nos termos do disposto no art.1437º, nº1, in fine. No entanto, essa autorização foi concedida à administração do condomínio, conforme deliberação da assembleia geral dos condóminos, tomada no dia 11/12/2002 (cfr. a acta nº6, certificada a fls.28 e segs. dos autos). Aliás, esta questão nem sequer foi colocada no presente recurso.
Haverá, assim, que concluir que:
- os lugares de estacionamento em questão não são, no caso, partes comuns;
- no entanto, os acessos a esses lugares são partes comuns;
- logo, o condomínio tem legitimidade para pedir a supressão das dificuldades de acesso àqueles lugares;
- consequentemente, não tem a ré, ora recorrente, que ser absolvida, como pretende.
Improcedem, destarte, as conclusões da sua alegação, não merecendo, pois, censura a sentença recorrida.
3 – Decisão.
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença apelada.
Custas pela apelante.

Lisboa, 6/5/08

Roque Nogueira

António Santos A. Geraldes

Manuela Tomé Soares Gomes