Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3396/16.9T8CSC-C.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: REGULAÇÃO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PROGENITOR SOBREVIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1.As responsabilidades parentais são exercidas em exclusivo por um dos progenitores quando um deles não as puder exercer por ausência (caracterizada pela falta de contacto com o domicílio legal, incapacidade(acidental ou derivada, por exemplo, de uma qualquer causa de anomalia psíquica, surdez-mudez, cegueira ou prodigalidade) ou outro impedimento decretado pelo tribunal (art.º 1903), também por morte de um deles (art.º 1904.) quando um dos pais esteja inibido do seu exercício (art.ºs 1913.º e ss.) ou na hipótese de filiação estabelecida apenas quanto a um dos progenitores, pois só a este cabe a titularidade e o exercício de todas as responsabilidades parentais (art.º 1910.º).

2.A circunstância de o tribunal ter deferido o exercício das responsabilidades parentais quer nos actos da vida corrente quer nas questões de particular importância apenas à progenitora mãe e não também ao pai, que ficou com o direito de visitas e com a obrigação de prestar alimentos ao filho, não significa que tenha perdido a titularidade do poder paternal, não significa que fica despojado de funções e direitos, pelo contrário ele conserva a titularidade das responsabilidades parentais, e a circunstância de não ter exercido o direito de visita não significa que tenha deixado de ser titular do poder paternal, tão pouco tal não consubstancia nenhuma das situações de inibição do exercício das responsabilidades parentais ex lege previstos no art.º 1913 do CCiv.

3.A designação por um dos progenitores, em documento autêntico, de pessoas que deverão assumir a qualidade de tutores do filho em caso do seu falecimento ou superveniente incapacidade, verificado o falecimento, não fica automaticamente dispensada a aferição das situações de tutela previstas no art.º 1921, do CCiv, em processo tutelar cível próprio.

4.Falecida a progenitora mãe, não obstante o progenitor pai não ter exercido o direito de visita que judicialmente foi fixado, por razões que se desconhecem, não tendo perdido a titularidade do poder paternal, mostrando-se disponível para o exercer, a ele cabe não só a titularidade como o exercício do mesmo.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


APELANTE / REQUERIDO na REGULAÇÃO das RESPONSABILIDADES PARENTAIS e PAI da CRIANÇA SVM : HM (Litiga como apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, está representado em juízo pela ilustre advogada AL com escritório em Lisboa conforme cópia do instrumento  e procuração de 20/12/2016 junta aos autos que substabelece sem reserva na pessoa das ilustre advogado LA com escritório em Lisboa conforme instrumento de procuração de 26/4/2022)
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APELADOS/TUTORES DESIGNADOS à CRIANÇA SVM: JL e MG, (representados pela ilustre advogada SA, com escritório em Lisboa conforme instrumentos de procuração de 1/2/2022, juntos aos autos)
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CRIANÇA:SVM,nascido no dia 12/04/2014 filho de APC, entretanto falecida e de HM como dos autos resulta.
Com os sinais dos autos. Valor da acção: 30.000,01 euros.
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I.1APC requereu, a 24/11/2016, a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente a SVM, nascido a 12/04/2014, filho da requerente e de HM.
I.2.Foi agendada conferência de pais, de acordo com o art. 35/1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, para 21/02/2017, tendo comparecido a mãe e a mandatária do pai, com poderes especiais para o representar. Por ter sido informado que o pai estava em estado de ansiedade que o impossibilitava de comparecer, foi agendada nova data para a realização da conferência.
I.3.Nessa segunda data, que apenas se concretizou a 18/05/2017, compareceu a mãe e a mandatária do pai que antes tinha enviado uma declaração de uma psicóloga, que diz que o pai tem sido seguido pela signatária em psicologia e aconselha o seu afastamento de situações ansiogénicas. Nessa data foram tomadas declarações à mãe (diz que aufere 640€ + 150 de subsídio de alimentação; vive com dois filhos, o outro de 14 anos de idade; o pai ganhará entre 1200 e 1300€ mensais; a pensão deve ser fixada pelo menos em 200€, mais despesas médicas, medicamentosas e escolares) e pela mandatária do pai, em representação deste, foi dito que irá impugnar a paternidade do menor; concorda que se fixe a residência do menor com a mãe e que esta exerça as responsabilidades parentais; não pretende conviver com o menor; até se apurar se o menor é seu filho não deve ser fixada pensão de alimentos. O MP promoveu que se apurasse o vencimento do pai na base de dados da segurança social, o que foi deferido.
I.4.Depois de ter sido junto aos autos uma consulta àquelas bases de dados onde constava como valor da última remuneração 1025€, foi fixado a 30/05/2017, mais ou menos nos termos da promoção do MP, o seguinte regime provisório do exercício das responsabilidades parentais: este seria exercido pela mãe, com quem o menor residiria; os alimentos seriam de 140€/mês [o MP promovia que fossem de 150€], mais 50% das despesas médicas e medicamentosas do menor [o MP falava destas despesas mas não comparticipadas e incluía despesas com livros e material escolar e visitas de estudo].
I.5.Foi solicitado ao Instituto de Segurança Social um relatório sobre a integração do menor no agregado da mãe.
I.6.A 16/06/2017, a mãe veio requerer que o regime provisório fosse completado de modo a, entre o mais, se referir às despesas escolares.
I.7.A 19/06/2017, o pai veio requerer que o processo ficasse suspenso enquanto se decidia a acção de impugnação da perfilhação; à cautela veio dizer que: o valor fixado era excessivo; não se sabe nada sobre a sua situação económica e despesas que tem; o requerido pela mãe quanto a despesas escolares não se justifica porque os alimentos já as compreendem; para o caso de o processo não ser suspenso pede prazo para apresentar todas as suas despesas.
I.8.A 20/06/2017 a mãe opôs-se ao pedido da suspensão (a acção de impugnação não é prejudicial, como diz o ac. do TRL de 20/05/2014, proc. 139/12.2T2AMD-B.L1-2) e à alteração do valor fixado para os alimentos e juntou documento para prova de que paga 48,50€ para o ATL, 9€ para música e 9€ para ginástica.
I.9.Por despacho de 18/09/2017, foi suspendido o andamento dos autos, com a nota de que tal suspensão não isentará o progenitor do pagamento das pensões fixadas e foi-lhe dado o prazo de 10 dias para fazer prova do pagamento das pensões em que foi provisoriamente condenado, bem como para juntar aos autos os documentos que protestou juntar no seu último requerimento.
I.10.A 21/02/2018, a mãe veio dizer que em face do relatório do INML juto ao processo apenso de impugnação, que concluiu que a probabilidade de o requerido ser pai biológico do menor é de 99,9999999999994%, vem requerer que os presentes autos sigam os seus trâmites normais, tendo em vista a regulação definitiva das responsabilidades parentais.”
I.11.A 27/05/2019 é proferida sentença determinando-se que a criança ficará a residir com a mãe, competindo a esta em exclusivo o exercício das responsabilidades parentais mais determinando-se que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança serão exercidas em exclusivo pela mãe; fixou-se um regime de visitas do pai  segundo o qual o pai da criança poderá visitar e estar com o menor sempre que o deseje, desde que a visita não contenda com os períodos de repouso ou lazer do menor, nem com as respetivas obrigações escolares, mediante prévia combinação com a mãe e em moldes a definir por esta (sublinhado nosso); e ainda o seguinte: (4) o pai da criança contribuirá com 140€ mensais, a título de alimentos, quantia que pagará até ao dia 8 de cada mês, mantendo-se o desconto no vencimento mensal do pai, já em curso; e que será actualizada anualmente, com início em Junho de 2020, de acordo e na proporção do índice de inflação publicado pelo Instituto Nacional de Estatística; (5) o pai suportará 50% das despesas médicas e medicamentosas, na parte não comparticipada, do filho, bem como, no início de cada ano escolar, 50% das despesas com livros e material escolar do filho, valores que a mãe remeterá para a morada ou para o email do pai no prazo de 15 dias depois de efectuada a despesa e que o pai fica obrigado a pagar à mãe até 8 dias depois do conhecimento da despesa.
I.12.Desta sentença houve recurso principal do pai quanto à matéria da pensão e das despesas e subordinado da mãe quanto as despesas, em parte procedente no acórdão da Relação; intocada pois a matéria quanto ao regime de visitas.
I.13.Tendo sido pedido foi junto relatório social complementar do ISSS de Lisboa datado de 19/3/2019 do qual consta entre o mais que:
“(...) No que diz respeito à Criança dos Autos, o SVM frequenta o Jardim de Infância da Boa Nova, pertencente ao Centro Paroquial do Estoril, do qual se junta em Anexo Informação Pedagógica, destacando-se as seguintes informações:
“O SVM apresenta-se como uma Criança meiga, simpática e com um desenvolvimento físico e emocional dentro do esperado etária”.(sic)
 A Criança encontra-se a beneficiar de Terapia Fala, atento às dificuldades diagnosticadas, em âmbito pedagógico.
“A mãe do SVM é presente e interessada em todas as atividades da nossa instituição”. (sic)
A progenitora SVM informou que, relativamente ao exercício das responsabilidades parentais referentes ao, as mesmas são exercidas em exclusivo por si, acrescentando que, não se concretizam convívios entre pai/filho, por decisão do adulto, cumprindo este com o pagamento da pensão de alimentos, através de penhora do seu vencimento e assumindo o pagamento de 50% das despesas de saúde do SVM.(...)”

I.14.No dia 19/11/2020 a mãe da criança APC apresentou no Cartório Notarial do Estoril para autenticação uma declaração segundo a qual declara que nomeia para os efeitos previstos no art.º 1928 do Código Civil, em caso do seu falecimento ou incapacidade tutores do seu filho menor SVM... nascido a 12/4/2014... JL... e MG...conforme documentos juntos aos autos.

I.15.Por requerimento de 1/2/2022 o requerido pai veio requerer o seguinte:
(...)HM, pai do menor SVM, tendo conhecimento do óbito da mãe do seu filho, a 26 de janeiro de 2022, vem requerer a extinção da regulação fixada no presente processo, tendo o ora progenitor e agora requerente o exercício das responsabilidades parentais, por força diretamente da lei, nomeadamente do disposto no artigo 1904º do Código Civil. Porém, não sabe o progenitor onde é que o seu filho se encontra ou com quem se encontra a residir. Apenas tem conhecimento, pelo requerimento que foi junto aos autos, que a mãe do seu filho nomeou dois tutores ao mesmo.
Assim, requer a V. Ex.ª que se digne notificar JL e MG, ambos residentes na Rua …, nº. …, … , G....., 3...-...1 F____F_____, a fim de informarem onde é que a criança se encontra. Apesar de o pai não ter estado presente na vida da criança, o SVM não ficou órfão de pais, mas apenas de mãe. A criança tem 7 anos e sempre viveu com a sua mãe, agora falecida, não tendo o pai contacto com a criança há bastante tempo. O afastamento entre a criança e o pai foi consequência da péssima relação que ambos os progenitores tinham um com o outro, agravada pelo facto de o progenitor ter também perdido a sua mãe, que o levaram a uma sintomatologia depressiva e a um quadro de ansiedade que só normalizou após muitas sessões de terapia. Neste momento, tem uma vida estável e feliz. É casado e tem uma filha deste casamento – Benedita – com 3 anos, irmã do SVM. Deste modo, quer o melhor para o seu filho, fazendo tudo o que estiver ao seu alcance para que este se sinta amado e protegido Assim, requer a V. Ex.ª que se digne notificar JL e MG, ambos residentes na Rua …, nº. …, …º , G....., 3...-...1 F_____F_____, a fim de informarem onde é que a criança se encontra. Mais requer, caso V. Ex.ª considere pertinente, o agendamento, com carácter de urgência, de uma conferência de pais a fim de agilizar a ida da criança para casa do pai.(...)

I.16.Os designados tutores foram notificados para se oporem querendo e constituírem advogado o que fizeram pugnando pelo indeferimento da pretensão do requerido pai.

I.17.Inconformado com o teor da decisão de 10/2/2022 que apreciando o requerimento do progenitor no sentido da extinção da regulação em virtude do falecimento da mãe do SVM e nos termos do art.º 1904 do CCiv o indeferiu em virtude de a falecida mãe a quem em exclusivo competia o exercício das responsabilidades parentais ter designado validamente tutores sustentando inexistir qualquer fundamento para que o requerido deixe de cumprir a suas responsabilidades alimentares apelou o pai em cujas conclusões conclui:
I.-No dia 27 de janeiro de 2022, o ora Recorrente teve conhecimento do falecimento da mãe do seu filho.
II.-Teve ainda conhecimento que esta tinha designado, “enquanto única progenitora a quem foi entregue o poder paternal, nos termos do art. 1928º, nº. 1 do Cód. Civil, como tutores do seu filho menor SVM, JL, NIF … e MG, NIF …”.
III.-Inconformado, fez requerimento ao processo, requerendo a extinção da regulação fixada no presente processo, uma vez que lhe caberia o exercício das responsabilidades parentais, por força diretamente da lei, nomeadamente, do disposto no artigo 1904º do Código Civil.
IV.-Assim, apesar de não ter estado presente na vida da criança em virtude da péssima relação entre ambos os progenitores, agravada pelo facto do progenitor ter também, aquando da regulação das responsabilidades parentais do filho, perdido a sua mãe, o que o levou a uma sintomatologia depressiva e a um quadro de ansiedade que só normalizou após muitas sessões de terapia como, de resto, se encontra provado no processo,
V.-A verdade é que manifestou no processo que quer reverter a situação, até porque tem todas as condições para o efeito,
VI.-Tendo, o ora recorrente, uma vida estável e feliz, sendo casado e tendo uma filha deste casamento, Benedita, com três anos, irmã do SVM.
VII.-Deste modo, foi requerido ao Tribunal a quo que notificasse os tutores a fim de informarem onde é que a criança se encontrava,
VIII.-Mais requerendo o agendamento, com carácter de urgência, de uma conferência a fim de agilizar a ida da criança para casa do pai.
IX.-Obviamente, que a ida para casa do progenitor não seria abrupta, mas iniciar-se-ia com um período de adaptação, permitindo vinculação e laços familiares prévios,
X.-De modo a que este, posteriormente, integrasse na família do pai, sem perder o contacto com os padrinhos - “ tutores”-, e com o seu irmão mais velho.
XI.-A conferência de pais serviria para definir timings, estratégias de integração da criança no seio familiar do progenitor, tendo em consideração o superior interesse da criança, atualmente com 7 anos.
XII.-Este menino e este pai ainda estão a tempo de criarem laços afetivos e de vinculação um com o outro,
XIII.-Para além de que existe uma irmã que pode enriquecer a vida do SVM que, infelizmente, passou pelo falecimento da sua mãe.
XIV.-Foi, no entanto, indeferido, por despacho de 10 de fevereiro de 2022, o requerido pelo ora recorrente.
XV.-Em suma, fundamentou o Tribunal a quo, na sentença proferida no âmbito destes autos, em 27 de Maio de 2019, já transitada em julgado onde se lê:
XVI.-“(...) o pai da criança tem sido uma figura ausente na vida do filho, que não se interessa por ele e que, assumidamente, não o pretende ver nem com ele contactar, afigura-se-nos ser de afastar in casu o regime-regra, ou seja, o exercício em comum das responsabilidades parentais do menor por ambos os progenitores (cfr. art. 1906, no 2 do Código Civil)”
XVII.-E por isso, determinou o Tribunal a quo que o exercício das responsabilidades parentais do SVM cabia em exclusivo à progenitora.
XVIII.-O Requerido invoca, agora, o disposto no artigo 1904º. do C.C.
XIX.-No entanto, defende o Tribunal a quo nos termos do art. 1928º., nº. 1 do C.C, os pais podem nomear tutor ao filho menor para o caso de virem a falecer ou se tornarem incapazes; se apenas um dos progenitores exercer o poder paternal, a ele pertencerá esse poder. E diz o nº. 3 que a designação do tutor e respetiva revogação só tem validade sendo feitas em testamento ou em documento autêntico ou autenticado.
XX.-Tendo considerado que a designação efetuada é válida por ter respeitado o formalismo legalmente imposto.
XXI.-Assim, foi indeferido o requerido pelo ora Recorrente.
XXII.-Ora, não se concorda com tal despacho.
XXIII.-O Código Civil no seu artigo 1904º  estatui que “Por morte de um dos progenitores, o exercício  das  responsabilidades   parentais  pertence    ao sobrevivo.”
XXIV.-Logo, após a morte da mãe do SVM, o exercício do poder paternal ficou a pertencer ao pai, ora Recorrente.
XXV.- Não se aplica o disposto no art. 1918º do Código Civil, pois o ora Recorrente não foi judicialmente inibido, total ou parcialmente, de tal exercício e não foi decretada qualquer providência limitativa do mesmo.
XXVI.-E também não se pode aplicar o instituto da tutela pois não se verifica, nos termos do art. 1921º do Código Civil, alguma das condições para que a mesma seja instituída – alíneas a) a d) –, a saber, o falecimento de ambos os pais; a inibição do poder paternal quanto à regência da pessoa do filho o impedimento de facto há mais de seis meses de exercer o poder ou se forem incógnitos
XXVII.-Assim, como não se verifica nenhuma das condições acima referidas não se pode aplicar o regime da tutela.
XXVIII.-Deste modo, não restam dúvidas que o exercício das responsabilidades parentais pertence ao ora recorrente, pai do menor, que se encontra vivo, e que expressou inequivocamente no processo o seu interesse em ter o filho consigo, dando-lhe amor, carinho e, muito importante, uma família na qual se encontra também a sua irmã de 3 anos,
XXIX.-Tendo este o direito a conviver e a ter um relacionamento pessoal com a sua irmã, sendo este convívio, importantíssimo para o desenvolvimento da sua personalidade.
 Termos em que deverá a presente apelação ser julgada procedente, por provada, revogando o despacho proferido, uma vez que não se aplica, no presente caso, o regime da tutela, pois, por morte da mãe do menor, o exercício das responsabilidades parentais pertence ao sobrevivo, ou seja, ao ora Recorrente, fazendo-se, desta forma, JUSTIÇA!

I.18.O Ministério Público em resposta e em conclusão sustenta que a os fundamentos da decisão proferida se encontra clara e suficientemente exposto não padecendo o despacho de qualquer nulidade, insuficiência erro ou contradição foi proferido de acordo com as normas legais vigentes e aplicáveis e em especial atendendo ao bem estar do SVM.

I.19Em contra-alegações concluem os apelados tutores:
1ª-Estabelece o art.º 1904º, n.º 1 do Cód. Civil, como regra, que “Por morte de um dos progenitores, o exercício das responsabilidades parentais pertence ao sobrevivo”.
2ª-Porém, como decorre dos art.ºs 1903º, n.º 1 segunda parte e 1904, n.º 2 do Cód. Civil, essa regra não se aplica quando, entre outros, e como acontece no caso concreto, o progenitor sobrevivo se encontra impedido de exercer as responsabilidades parentais por decisão judicial.
3ª-Com efeito, como se pode ler na sentença que regulou as responsabilidades parentais do menor SVM, já há muito transitada em julgado, mais concretamente do ponto 3, resulta provado que “O pai do menor não o procura, não se interessa por ele e não quer ter contato com este filho” e, por esse motivo, ou seja, porque “...o pai da criança tem sido uma figura ausente na vida do filho, que não se interessa por ele e que, assumidamente, não o pretende ver nem com ele contatar, afigura-se-nos ser de afastar in casu o regime-regra, ou seja, o exercício em comum das responsabilidades parentais do menor por ambos os progenitores (cfr. art.º 1906º, n.º 2 do Código Civil). Tendo em consideração que até à presente data quem sempre tomou todas as decisões nas questões mais relevantes da vida do menor foi a mãe, atribui-se à mesma, em exclusivo, o exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular importância”.
4ª-Ao ter atribuído à mãe, em exclusivo, o exercício das responsabilidades parentais do menor pelos factos provados indicados na sentença, o tribunal inibiu o pai de reger a pessoa do filho na aceção da al. b) do art.º 1921º do Cód. Civil.
5ª-Nos casos como presente, em que o progenitor sobrevivo se encontra impedido de exercer as responsabilidades parentais, deve o tribunal, nos termos do disposto no art.º 1904º, n.º 2 do Cód. Civil, ter em conta, como acontece no caso concreto, a disposição do progenitor que designe tutor para a criança.
6ª-Ora, a mãe do menor SVM, a quem estava unicamente atribuído o poder paternal, designou, por documento autêntico, nos termos do art.º 1928º, n.º 1 do Cód. Civil, como tutores para o seu filho JL e MG.
7ª-Tendo decidido bem o tribunal a quo, ao ter considerado válida e eficaz a designação dos mesmos como tutores.
8ª-E nunca seria, ao contrário do que defende o pai, do interesse do menor ir residir com o mesmo, mesmo tendo uma irmã, com quem diz ter direito a conviver, mas, estranhamente, omitindo a existência dos seus outros filhos e a necessidade que também teriam ou terão de estar com o irmão.
9ª-Nunca pode ser do interesse do menor ir residir com uma pessoa que sempre foi ausente na sua vida, que nunca se interessou por ele nem se acercou da sua mãe para estar com ele ou para perguntar se precisava de alguma ajuda monetária ou outra para o criar, e que, por vontade própria, expressa em tribunal através da sua Mandatária, declarou não o pretender ver nem contatar.
10ª-A má relação entre os progenitores ou um alegado estado de ansiedade ou depressão não são motivos válidos para um pai recusar um filho ou não se interessar por ele.
11ª-Tanto mais que, quando a sua saúde mental estabilizou e passou a ter, como agora diz, uma alegada vida estável e feliz, poderia e deveria ter procurado restabelecer com o filho uma relação, porém, nunca o fez, continuando a ser totalmente ausente, como se o SVM simplesmente não existisse, ignorando-o por completo.
12ª-Entregar o menor ao recorrente, pessoa que o mesmo não conhece e com quem, desde bebé, nunca mais teve contato, seria impor ao menor, que já vive um momento dificil com a morte da sua mãe, uma alteração tremenda na sua vida.
13ª-Mas não só, entregar o menor a uma pessoa que, assumidamente, disse não o pretender ver nem com ele contatar, é expô-lo a uma insuportável e desnecessária situação de risco suscetível de pôr em causa a sua saúde, formação moral e educação.

I.8.Recebida a apelação, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do mesmo.

I.13.- Questão a resolver:
Saber se não estando o requerido pai inibido do exercício do poder paternal, por morte da requerida mãe- que exercia em exclusivo, por determinação judicial, as responsabilidades parentais-, cabe-lhe exclusivamente nos termos do art.º 1904, do CCiv, não obstante a mãe da criança em vida ter validamente designado tutores ao filho ao abrigo do disposto no art.º 1928 do CCiv não se verificando os pressupostos da tutela.

IIFUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

I.1.É do seguinte teor a decisão de facto recorrida:
“(...)i)- Requerimentos de 27/01/2022 e 07/02/2022, Ref.ª 20328622 e 20398155: Visto.
Consigna-se que a mãe do SVM faleceu no passado dia 26 de Janeiro de 2022. *
ii)- Requerimentos de 01/02/2022, 02/02/2022 e 03/02/2022 e Promoção de 04/02/2022, Ref.ª 20357567, 20369690, 20377715, 135382531.

Vem o Requerido, por Requerimento de 01/02/2022, após ter tido conhecimento do falecimento da Requerente, mãe do SVM, requerer a extinção da regulação, referindo que as responsabilidades parentais deverão agora ser exercidas por si em exclusivo, nos termos do artigo 1904.º do C.C.

JL e MG, aqueles que foram designados tutores do SVM pela mãe, opuseram-se ao requerido pelo pai, indicando que foram designados pela mãe do SVM seus tutores ao abrigo do disposto no artigo 1928.º, n.º 1 e 3 do C.C, pelo que deverá ser julgada improcedente a pretensão do pai.

A Digna Magistrada do M.P, por considerar que a mãe do SVM designou validamente como tutores do seu filho as pessoas indicadas, promoveu o indeferimento do requerido, devendo o mesmo continuar a pagar a quantia de pensão de alimentos.

Tudo visto, cumpre decidir.

Estatui o artigo 1906.º, n.º 1 do C.C, aplicável ex vi artigos 1911.º e 1912.º também do C.C, que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
Diz ainda o seu n.º 2 que, quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
Ou seja, em geral ambos os pais devem decidir, em conjunto, quanto às questões de particular importância da vida da criança. Ou seja, em geral o exercício das responsabilidades parentais cabe a ambos os pais (com excepção dos actos da vida corrente que, em princípio, caberão apenas ao pai residente). A excepção é o contrário e deverá ficar reservados para os casos em que o superior interesse da criança assim o exige.

In casu, na sentença proferida no âmbito destes autos, em 27 de Maio de 2019, já transitada em julgado pode ler-se:
“(…) o pai da criança tem sido uma figura ausente na vida do filho,
que não se interessa por ele e que, assumidamente, não o pretende ver nem com ele contactar, afigura-se-nos ser de afastar in casu o regime-regra, ou seja, o exercício em comum das
responsabilidades parentais do menor por ambos os progenitores
(cfr. art. 1906, 2 do Código Civil)” (sublinhado nosso).

E por sso, determinou o Tribunal que, 1.- A criança ficará a
residir com a mãe, competindo a esta o exercício das
responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do
filho: 2.- particular importância para a vida da criança serão
exercidas em exclusivo pela mãe”.

Assim, fica claro que o exercício das responsabilidades parentais do SVM cabia em exclusivo à progenitora – circunstância que o Requerido, apesar de ter apresentado recurso, nem sequer colocou em causa.

O Requerido (pai do SVM) invoca o disposto no artigo 1904.º do C.C.

Aí se refere que, por morte de um dos progenitores, o exercício das responsabilidades parentais pertence ao sobrevivo. E segundo o n.º 2, é aplicável, em caso de morte de um dos progenitores, o disposto no n.º 1 do artigo anterior, sem prejuízo de o tribunal dever ter em conta disposição testamentária do progenitor falecido, caso exista, que designe tutor para a criança.
Afigura-se-nos, porém, que a aplicação desta norma (e também a do artigo 1903.º do C.C), pressupõe que as responsabilidades parentais caibam a ambos os progenitores.
De facto, se o Tribunal considerou que, tendo em conta a situação concreta e o superior interesse da criança, a melhor decisão seria a de confiar tal exercício apenas a um dos pais, não é pelo simples facto de o progenitor falecer que o outro se torna automaticamente capaz de exercer tais responsabilidades.
Olvida ainda o Requerido, progenitor do SVM, o disposto no artigo 1928.º, n.º 1 do C.C. Assim, segundo este artigo, os pais podem nomear tutor ao filho menor para o caso de virem a falecer ou se tornarem incapazes; se apenas um dos progenitores exercer o poder paternal, a ele pertencerá esse poder. E diz o n.º 3 que a designação do tutor e respectiva revogação só têm validade sendo feitas em testamento ou em documento autêntico ou autenticado.
Analisando a documentação junta aos autos, verificamos que a designação de JL e MG é válida, respeitando também o formalismo legalmente imposto (cf. artigos 1928.º e 1929.º do C.C).
Pelo exposto, indefere-se o requerido pelo pai do SVM, inexistindo ainda qualquer fundamento para que o mesmo deixe de cumprir as suas obrigações alimentares (cf. artigo 2013.º a contrario do C.C).

A morada onde se localiza o SVM já consta dos autos, tendo sido referida no Requerimento de 03/02/2022.(...)”
 
IIIFUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.1.Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608/2, 5, 635/4 e 639 (anteriores 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3), do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2.Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3.Saber se não estando o requerido pai inibido do exercício do poder paternal, por morte da requerida mãe- que exercia em exclusivo, por determinação judicial, as responsabilidades parentais-, cabe-lhe exclusivamente nos termos do art.º 1904, do CCiv, não obstante a mãe da criança em vida ter validamente designado tutores ao filho ao abrigo do disposto no art.º 1928 do CCiv não se verificando os pressupostos da tutela.
III.3.1.- O Tribunal recorrido em regime provisório e depois em decisão definitiva consignou a o exercício exclusivo das responsabilidades parentais a cargo da mãe quer para os actos da vida corrente quer para as questões de particular importância e fê-lo única e exclusivamente como se diz na decisão recorrida porque o pai da criança, na altura, era pessoa ausente da vida do filho, comprovadamente não o procurava, não se interessa por ele e não queria ter qualquer contacto com este filho não sendo de olvidar que o mesmo interpôs acção de impugnação da perfilhação que veio a ser julgada improcedente sendo que, em finais de 2019, foi estabelecido um regime definitivo de regulação das responsabilidades parentais nessa parte idêntico ao regime provisório estabelecendo, todavia, um regime de visitas nos seguintes termos: o pai da criança poderá visitar e estar com o menor sempre que o deseje, desde que a visita não contenda com os períodos de repouso ou lazer do menor, nem com as respetivas obrigações escolares, mediante prévia combinação com a mãe e em moldes a definir por esta (sublinhado nosso)
III.3.2.- As responsabilidades parentais são exercidas em exclusivo por um dos progenitores quando um deles não as puder exercer por ausência (caracterizada pela falta de contacto com o domicílio legal, incapacidade(acidental ou derivada, por exemplo, de uma qualquer causa de anomalia psíquica, surdez-mudez, cegueira ou prodigalidade) ou outro impedimento decretado pelo tribunal (art.º 1903), também por morte de um deles (art.º 1904.) quando um dos pais esteja inibido do seu exercício (art.ºs 1913.º e ss.) ou na hipótese de filiação estabelecida apenas quanto a um dos progenitores, pois só a este cabe a titularidade e o exercício de todas as responsabilidades parentais (art.º 1910.º).
III.3.3.- O Tribunal recorrido atribuiu a guarda e o exercício exclusivo das responsabilidades parentais à mãe ao que tudo indica fazendo uma interpretação do art.º 1903 do CCiv, no sentido de que o pai era pessoa ausente e manifestamente desinteressada da pessoa do filho e que o interesse deste último justificava também a exclusividade das responsabilidades parentais em matéria de questões de particular importância conforme o n.º 2 do art.º 1906 do CCiv. Não se verificava nenhuma das circunstância do art.º 1906_a do CCiv. O art.º 1906-a do CCiv “interpreta”, digamos assim, a expressão do n.º 2 do art.º 1906 do CCiv contrário aos interesses deste (filho) explicitando quando é que o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância se deve considerar contrário aos interesses ou como se diz agora superior interesse do filho.
III.3.4.- No art.º 1906_a do CCiv o legislador afasta o exercício em comum das responsabilidades parentais em questões de particular importância tendo em atenção muito justamente a circunstância de estar em grave risco os direitos e a segurança das vítimas em contexto familiar (os filhos), como maus tratos ou abuso sexual dos filhos”, poderá/deverá a guarda ser confiada ao progenitor não agressor e ser limitado o exercício do direito de visita do progenitor agressor. Ora não há noticia de haver qualquer situação de perigo pelo facto de, a falecida mãe o pai poder assumir as responsabilidades parentais nos termos do art.º 1904/1 do CCiv. Verdade que a Ex.mª Procuradora da República junto do Tribunal recorrido defende, na resposta, tal como o fizera no parecer que reproduz que “em face da conduta do progenitor espelhada nestes autos ao longo destes anos sempre se anota que não tivesse a mãe desta criança diligenciado atempadamente pela tutela do filho, nos termos do art.º 1918 do CCiv sempre poderia o tribunal a requerimento do Ministério Público confiar o SVM a terceira pessoa que não o seu progenitor...” e isto naturalmente nos termos do art.º 1907/1 conjugado com o art.º 1918 do CCiv, 35/1/c e 43 da LPPCJP com a regulamentação advinda da DL 12/08 de 17/1, sendo que a execução dessa medida obedece a um plano de intervenção elaborado de harmonia com o estabelecido em acordo de promoção e protecção ou em decisão judicial em cuja elaboração deve participar a pessoa idónea e a criança ou jovem de acordo com a sua capacidade para compreender o sentido da intervenção. Tudo indica dos autos que na sequência da morte da mãe a criança SVM se encontra de facto entregue àquelas pessoas que a mãe designou como tutoras e que ora contra-alegam no recurso. Sustentam os designados tutores e ora apelados que o tribunal ao ter atribuído à mãe em exclusivo, o exercício das responsabilidades parentais do menor pelos factos provados indicados na sentença inibiu o pai de reger a pessoa do filho na acepção da alínea b) do art.º 1921 do CCiv, não sendo do interesse do menor ir residir com os eu progenitor para além de ainda ter uma irmã, na medida em que não pode ser do interesse do menor ir residir com uma pessoa que tem sido ausente na sua vida que nunca se interessou por ele e que por vontade própria expressa em tribunal através da sua mandatária declarou que não o pretende ver nem contactar. Em primeiro lugar não consta que o Ministério Público instaurado qualquer processos de promoção e de protecção em razão de situação de perigo, designadamente por tendo falecido a mãe da criança, detendo aquela em exclusivo as responsabilidades parentais, a possibilidade de a mesma ser confiada ao pai sobrevivo que foi ausente da sua vida poder constituir um perigo para o mesmo, e a conclusão de que ocorre perigo não pode derivar de uma ilação que o tribunal tire da comprovada situação de ausência do pai da vida do filho, salvo melhor opinião uma ilação desse tipo pressupõe que estejam provados factos actualizados relativos à situação do pai e da criança que se desconhecem em absoluto; de resto nem o Tribunal recorrido decidiu confiar a criança aos designados tutores por existir uma qualquer situação e perigo na confiança do mesmo ao progenitor sobrevivo, o que o Tribunal faz, a nosso ver precipitadamente, é considerar que, por ter havido uma designação válida de tutores do SVM por parte da mãe, ocorrendo o falecimento da mãe, o pai sobrevivo não pode exercer as responsabilidade parentais. E pergunta-se: quem as exerce se o Tribunal não confirma expressamente os designados tutores como tutores do SVM? Está implícita a confirmação dos designados tutores? E com base em quê? Quem são estas pessoas? Que relação tiveram e têm com a criança?
III.3.5.-Como resulta dos autos o progenitor a quem não foi confiado o filho, manteve o direito de visitas do filho, por decisão judicial que se não demonstra ter sido alterada. O progenitor não residente mesmo que o sistema adoptado seja o exercício unilateral das responsabilidades parentais não fica despojado de funções e direitos, ele conserva a titularidade das responsabilidades parentais pois como não podia deixar de ser as consequências jurídicas da filiação mantêm-se intocáveis, apenas perde o direito activo da educação, no sentido da tomada de decisões sendo apenas titular dos poderes deveres que integram o conteúdo das  responsabilidades parentais (art.º 1978/1 do CCiv), mas não está legalmente autorizado a exercê-los, também conserva os deveres inerentes às responsabilidades parentais e ainda algumas faculdades. Para além do dever de prestar alimentos ao filho (art.º 1905 do CCiv), compete-lhe algo mais do que os simples deveres mínimos de assistência económica a que todo o progenitor é obrigado pelo simples facto da filiação, aquilo a que alguma doutrina designa de dever de colaboração que encontra o seu fundamento na mera titularidade das responsabilidades parentais e que abrange uma série de prestações como por exemplo prestar assistência ao filho em caso e internamento hospitalar, cuidar dele em caso de doença ou ausência do progenitor guardião[2]. O direito de vista consiste no direito unidas entre si por laços familiares ou afectivos estabelecerem relações pessoais e no contexto do divórcio ou separação o direito de vista significa a possibilidade de o progenitor sem a guarda e a criança se relacionarem e conviverem entre si, uma vez que taios relações não podem desenvolver-se forma normal no dia-a-dia em virtude de falta de coabitação, o direito de vista substitui o convívio diário entre este progenitor e os seus filhos/as tal como existia antes da separação de pessoas e bens ou divórcio. E se o progenitor- por razões que não cabe aqui averiguar por falta de elementos- não obstante na própria decisão tornada definitiva em finais de 2019 se ter consignado o direito de visita o não exercer, tal significa que está inibido do exercício do poder paternal quanto à regência da pessoa do filho estando por isso obrigatoriamente sujeito a tutela nos termos do art.º 1921/1/b do CCiv?
III.3.6.- Assumindo um carácter de garantia para os filhos (e não de sanção para os pais), os fundamentos de inibição tanto podem reconduzir-se a factores de ordem objectiva (artigo 1913) como de ordem puramente subjectiva (artigo 1915). Isto é, a lei distingue entre inibição de pleno direito e inibição judicial, consoante se trate de inibição resultante de situações expressamente fixadas na lei ou decorrente de situações não concretamente definidas e a apreciar a final pelo tribunal tanto num caso como no outro, o verdadeiro motivo da privação do exercício da autoridade dos pais é o incumprimento dos deveres fundamentais para com os filhos. Não se atribui uma valoração relevante à culpa, mas realça-se a situação de efectiva incompatibilidade entre um normal desenvolvimento do filho e o exercício do poder paternal pelos seus pais. São pressupostos da inibição a violação culposa dos deveres parentais para com os filhos e a gravidade do prejuízo que para estes resulte dessa violação e, ainda, a falta de condições do progenitor ou progenitores em cumprirem aqueles deveres. Determinar o que é um grave prejuízo é uma questão delicada e muitas vezes sujeita a subjectivismos. Mas é essencialmente nessa determinação que se estabelecerá a diferença entre o estatuído no artigo 1915.º do CCiv e o artigo 1918.º do mesmo diploma legal. Tanto nos casos previstos no artigo 1913.º como nos casos previstos no artigo 1915.º, se apenas um dos progenitores vier a ser inibido competirá ao outro progenitor a plenitude do exercício do poder paternal ou verá acrescido o exercício do poder paternal na parte correspondente à inibição (parcial) do outro. Se ambos se encontrarem inibidos quanto à pessoa do filho, haverá lugar à tutela, nos termos do artigo 1921.º, n.º1 alínea b) do CCiv, ou se um dos pais tiver falecido e o sobrevivo estiver inibido do exercício do poder paternal. O n.º1 do artigo 1915.º estabelece uma cláusula geral em que, a par de comportamentos voluntários e culposos estatuem casos de incumprimento involuntário (inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões). Resulta da redacção do n.º3, do artigo 1913.º do CCiv que a inibição das responsabilidades parentais deve ser decretada por tribunal com competência da área de jurisdição de família e do n.º 1 do art.º 1915 resulta que a inibição do exercício das responsabilidades parentais nessa situações em que qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos com grave prejuízo destes ou quando por inexperiência, enfermidade ou ausência ou outras razões se não mostre em condições de cumprir aqueles deveres é decretada pelo tribunal a requerimento do Ministério Público de qualquer parente ou mesmo de pessoa a cuja guarda ele esteja confiando de facto ou de direito, requerimento esse que dá origem a um processo tutelar cível nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 3/h e 52 e ss do RGPTC, com citação do titular do poder paternal para contestar (art.º 54), diligências probatórias e julgamento nos termos dos art.ºs 55 e 21, tudo isto em curto espaço de tempo previsto, sendo que, julgada procedente a inibição, se instaura a tutela ou outra providência tutelar cível adequada e administração de bens de caso for como previsto no n.º 2 do art.º 56. No caso concreto, caso o Ministério Público entenda existir razões para a inibição do poder paternal do requerido deve promover o respectivo processo tutelar cível e, uma vez procedente em sentença a inibição, deve, também o ministério Público e no interesse do menor promover a tutela por se verificarem as situações previstas nas alíneas a) e b), do n.º 1, do art.º 1921 do CCiv. Nada disso se demonstra ter ocorrido nos autos. Como preliminar ou incidente desta acção tutelar cível de inibição do poder paternal pode ordenar-se a suspensão do exercício e acolhimento da criança se o relatório sumário mostrar que o requerido ou requeridos são manifestamente incapazes física ou moralmente de cuidar da criança, tendo o acolhimento lugar em casa de pessoa ou família idónea preferindo os familiares obrigados a alimentos ou não sendo possível em instituição de acolhimento fixando-se logo provisoriamente a pensão que os pais devem pagar para sustento e educação da criança e lavrado auto de acolhimento em que são especificadas as condições em que a criança é entregue, ficando a suspensão do exercício das responsabilidades parentais e ao colhimento da criança sem efeito nos mesmos termos que as providências cautelares segundo o Código de Processo Civil. Ora, não se vislumbra que tenha sido requerida a suspensão do exercício das responsabilidades parentais que, por morte da mãe da criança dos autos fica a caber ao requerido pai nos termos do art.º 1904/1, do CCiv, ora recorrente, tão-pouco se vislumbra qualquer relatório que dê conta quer da situação da criança quer da eventual incapacidade do requerido de cuidar da criança que é seu filho. O Tribunal recorrido, a nosso ver erradamente, parte do princípio de que o disposto nos art.ºs 1903 e 1904 do CCiv só tem aplicação nas situações em que as responsabilidades, rectius, o exercício das responsabilidade parentais caiba a ambos os progenitores. Ora, salvo melhor opinião tal entendimento não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal. Como acima se disse a circunstância de o Tribunal de o tribunal ter deferido o exercício das responsabilidades parentais quer nos actos da vida corrente quer nas questões de particular importância apenas à progenitora mãe e não também ao pai que ficou com o direito de visitas e com a obrigação de prestar alimentos ao filho não significa que tenha perdido a titularidade pode poder paternal, não significa que fica despojado de funções e direitos, pelo contrário ele conserva a titularidade das responsabilidades parentais, e a circunstância de não ter exercido o direito de visita não significa que tenha deixado de ser titular do poder paternal, tão pouco tal consubstancia qualquer das situações de inibição do exercício das responsabilidades parentais ex legeprevistos no art.º 1913 do CCiv.
III.3.7.-A designação por um dos progenitores em documento autêntico de pessoas que deverão assumir a qualidade de tutores do filho em caso do seu falecimento ou superveniente incapacidade, verificado o falecimento, não fica automaticamente dispensada a aferição das situações de tutela previstas no art.º 1921 do CCiv em processo tutelar cível próprio. Falecida a progenitora mãe, não obstante o progenitor pai não ter exercido o direito de visita que judicialmente foi fixado nos termos referidos, por razões que se desconhecem, não tendo perdido a titularidade do poder paternal, mostrando-se disponível para o exercer, a ele cabe não só a titularidade como o exercício do mesmo. Contudo não é caso para terminar desde já o processo de regulação das responsabilidades parentais, na medida em que quanto ao exercício das responsabilidades parentais, como o próprio progenitor admite, estando o filho confiado de facto aos designados tutores ora apelados, provisoriamente determina-se que o mesmo continue confiado a essa pessoas não se efectuando desde já a entrega do filho ao progenitor sobrevivo sem que se conheça a real situação da criança e do próprio requerido pai, mantendo-se a obrigação alimentar a seu cargo como obrigação que sobre ele recai. O Tribunal requerido deverá solicitar relatórios sociais quer da situação do requerido progenitor quer das pessoas a quem a criança se encontra de facto confiada, por forma a viabilizar essa mesma entrega que deverá passar por um período inicial de convívios sem prejuízo de outras diligências tutelares que no Tribunal requerido forem eventualmente requeridas.

IVDECISÃO

Tudo visto acordam os juízes em julgar parcialmente procedente a apelação em consonância com o acima exposto, revogam a decisão recorrida que se substitui opor estoutra que julgando o requerido pai sobrevivo titular do poder paternal sobre o filho SVM, por morte da progenitora mãe, estando o filho confiado de facto aos designados tutores ora apelados, provisoriamente determina-se que o mesmo continue confiado a essa pessoas não se efectuando a entrega do filho ao progenitor sobrevivo sem que se conheça a real situação da criança e do próprio requerido pai, mantendo-se a obrigação alimentar a seu cargo como obrigação que sobre ele recai, devendo o Tribunal requerido solicitar relatórios sociais quer da situação do requerido progenitor quer das pessoas a quem a criança se encontra de facto confiada, por forma a viabilizar essa mesma entrega ao pai que deverá passar por um período inicial de convívios sem prejuízo de outras diligências tutelares que no Tribunal requerido forem eventualmente requeridas.
Regime da Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade do apelante e dos apelados na proporção de 1/10 e 9/10 respectivamente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido (art.º 527, nºs 1 e 2)



Lxa.,12 de Maio de 2022 

 

João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Nelson Borges Carneiro



[1]Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013, de 26/6, atentas as circunstâncias de a acção de regulação ser de 2016 e a decisão recorrida ter sido proferida em 10/2/2022 e o disposto nos art.ºs 5/1 da Lei 41/2013 de 26/7 que estatui que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente a todas as acções, sendo que quanto ao efeito de recurso se aplica o art.º 32 do RGPTC em que o efeito regra é o devolutivo salvo se o tribunal lhe fixar outro efeito (n.º4) que no caso não ocorreu, não sendo colocado no recurso a questão de efeito diferente; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, de 26/6, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2]SOTTOMAYOR, Clara, “Regulação das Responsabilidades Parentais...” Almedina Coimbra, 2.ª edição, 2014, págs. 106/107