Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | MARIA DO ROSÁRIO MORGADO | ||
| Descritores: | FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL PRAZO DE PRESCRIÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | O Fundo de Garantia Automóvel não beneficia da extensão do prazo prescricional prevista no n.º 3 do art.º 498.º CC. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1. O “Fundo ...” veio instaurar contra JM. acção declarativa de condenação com processo ordinário pedindo a condenação do R. no pagamento de EUR 38.377,61 e correspondentes juros de mora, bem como das despesas inerentes à instauração deste processo, montante a ser liquidado posteriormente. Para tanto, alega, em síntese, que: No dia 10/12/20…, ocorreu um acidente de viação cuja produção se ficou a dever única e exclusivamente à conduta do réu, já que conduzia o seu veículo a uma velocidade «excessiva». Além disso, na data do acidente, o réu não dispunha de seguro válido e eficaz pelo que o FUNDO ..., faseadamente, desde 14/4/2005 a 07/08/2006, pagou aos lesados o equivalente aos danos por eles sofridos, em consequência do acidente, reembolso que, agora, por esta via, vem peticionar. 2. O réu foi citado editalmente. Em sua representação, o Ministério Público apresentou contestação e excepcionou a prescrição. 3. Foi proferido saneador-sentença que julgou procedente a excepção de prescrição e absolveu o réu do pedido. 4. Inconformado com esta decisão, dela apelou o autor defendendo, em conclusão, que o prazo de prescrição é de 5 anos (e não de 3, como considerou o tribunal a quo), uma vez que os factos ilícitos imputados ao responsável civil constituem crime, para o qual a lei prevê prazo mais longo. 5. Cumpre, assim, apreciar e decidir acerca da duração do prazo prescricional, sendo os factos a ter em conta os constantes do relatório. 6. Da prescrição 6.1. Como se referiu, o Ministério Público, citado em representação do réu ausente, veio invocar a excepção de prescrição, alegando que, na data em que a acção foi proposta, isto é, em 8/10/2009, já tinha decorrido o prazo de 3 anos, previsto no art. 498º, nº2, do CC. Na resposta à contestação, o “FUNDO ... ” alegou que o prazo prescricional é de vinte anos – e não de três –, por força do disposto nos arts. 309º e 311º, ambos do CC. O Tribunal recorrido, porém, considerando aplicável ao caso o prazo prescricional de três anos, previsto no nº2, do art. 498º, do CC, absolveu o réu do pedido. Nas alegações deste recurso, veio, o “FUNDO ... ”, sustentar que a actuação ilícita imputada ao réu integra os elementos típicos de um crime de ofensas à integridade física, para o qual a lei penal prevê um prazo de prescrição mais longo (ou seja, 5 anos), pelo que é este prazo que se deve ter em conta, por força do disposto no nº3, do art. 498º, do CC. Perante tal circunstancialismo, surge a dúvida sobre se a invocação pela primeira vez desta questão no âmbito deste recurso não constituirá «questão nova», cuja apreciação estaria, por isso, vedada a esta Relação. Na verdade, ainda que possa dizer-se que se está, essencialmente, perante um diverso enquadramento jurídico, a verdade é que os respectivos pressupostos de facto não foram equacionados naquela perspectiva pelas partes (maxime pelo ora recorrente) e, por isso mesmo, não foram objecto de debate na primeira instância. Não obstante, passaremos, a apreciar a questão suscitada no recurso e que consiste em saber qual é in casu a duração do prazo de prescrição. 6.2. Dispõe-se no nº 1, do art. 25º, do Dec. Lei nº 522/85, de 31/12 na redacção dada pelo Dec. Lei nº 122-A/86, de 30/5 [1], que "satisfeita a indemnização, o Fundo ... fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança". Configura-se, assim, uma verdadeira sub-rogação legal que coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao credor primitivo, independentemente de qualquer declaração de vontade do credor ou do devedor nesse sentido. Nesta medida, tendo o “FUNDO ... ” pago aos lesados o correspondente ao montante dos danos por eles sofridos, ficou, legalmente, sub-rogado nos direitos daqueles. Qual é, porém, o prazo prescricional de que dispõe o sub-rogado para exercer o direito ao reembolso, sob pena da sua extinção? O art. 498º, nº 1 do Cód. Civil, no quadro da responsabilidade civil por factos ilícitos, prevê que o direito de indemnização do lesado prescreve no prazo de três anos, [2] a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso. Por sua vez, no nº 2, do referido preceito legal estabelece-se que prescreve, igualmente, no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso [3] entre os responsáveis. Finalmente, no seu nº 3 estipula-se que, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. Sendo este o quadro legal, coloca-se a questão de saber se o subrogado pode beneficiar da extensão do prazo prescricional prevista no nº3 do art. 498º, CC, nos casos em que os factos praticados pelo lesante possam configurar um ilícito criminal, para o qual a lei penal preveja um prazo de prescrição que exceda o já referido prazo-regra de 3 anos, previsto no nº1 do art. 498º do CC. O apelante pugna por uma resposta afirmativa. Não sufragamos, contudo, este entendimento. Com efeito: O nº3, do art. 498º, do CC tem em vista compatibilizar os prazos de prescrição previstos na lei civil e na lei penal, já que, por força do chamado «princípio de adesão», a dedução da indemnização civil tem lugar, em regra, no processo criminal. Sendo assim, não faria sentido que se extinguisse, por prescrição, o direito à indemnização civil - conexa com o crime – se ainda estivesse a decorrer o prazo de prescrição do procedimento criminal. Ora, sendo aquelas, no essencial, as razões que estão na origem da consagração do alongamento do prazo previsto no nº 3 do art. 498º, do CC, as quais têm plena justificação quando se está (ainda) no âmbito da definição do direito do lesado, o mesmo não se pode dizer quando se trata do direito de reembolso (seja exercido por via do direito de regresso ou da sub rogação), cujo fundamento se encontra completamente dissociado do ilícito criminal.[4] Neste contexto, e fazendo apelo às regras de interpretação, plasmadas no art. 9º, do CC., não parece ser outra a solução legal. Aliás, neste esforço interpretativo, e como argumento final, cremos ser de trazer à colação, o disposto no actual regime jurídico, consagrado pelo DL nº 291/2007, de 21/8, em cujo art. 54º, nº6 se estatui que aos direitos do Fundo ... (previstos nos números anteriores) é aplicável o nº2, do art. 498º, do CC [5] sendo relevante para o efeito, em caso de pagamentos fraccionados, a data do último pagamento efectuado. Concluindo: Atendendo à data dos pagamentos efectuados pelo FUNDO ... ,[6] face à ausência de quaisquer causas de suspensão ou de interrupção, é de considerar que, à data da propositura da acção, se encontrava já extinto, por prescrição, o direito do autor. 7. Nestes termos, negando provimento ao recurso, acorda-se em confirmar a sentença recorrida. Custas pelo apelante. Lisboa, 6 de Novembro de 2012 Maria do Rosário Morgado Rosa Coelho (revi posição anteriormente adoptada) Maria Amélia Ribeiro --------------------------------------------------------------------------------------- [1] Diploma que não obstante ter sido entretanto revogado pelo DL nº 291/2007, de 21/8 - é aqui aplicável, atenta a data do acidente e a dos pagamentos efectuados pelo FGA. [2] Em derrogação do prazo geral previsto no art. 309º, do CC. [3] Não vamos agora deter-nos na questão de saber se o segmento legal "direito de regresso" deve ser interpretado correctivamente como verdadeiro direito de sub-rogação, ou se deve ser aplicado por analogia às situações em que está em causa o direito ao reembolso por via sub-rogatória. Na verdade, as duas figuras «desempenham do ponto de vista prático ou económico, uma análoga «função recuperatória» no âmbito das «relações internas» entre os vários sujeitos que estavam juridicamente vinculados ao cumprimento de certa obrigação ou, embora não o estando, acabaram por realizar efectivamente, na veste de garantes ou interessados directos no cumprimento, a prestação devida.» - cf., sobre esta problemática, os Acs. do STJ de 5/11/2009, www.itij.pt e de 25/3/2010, JusNet 1577/2010. [4] cf., sobre esta problemática, no sentido da aplicação do prazo de 3 anos, cf., entre muitos, os acórdãos do STJ de 5/6/2012, JusNet 3946/2012, de 4/11/2010, JusNet 5762/2010 e da Rel. Lisboa de 4/11/2010, JusNet 6202/2010; em sentido contrário, pode ver-se o ac. da Rel. Porto de 23/3/2012, JusNet 2312/2012. [5] Excluindo, portanto, a possibilidade de o FGA se prevalecer do alongamento do prazo do nº3, do art. 498º, do CC. [6] Quer se entenda que a expressão "direito de regresso" está ali plasmada impropriamente - devendo interpretar-se correctivamente como um verdadeiro direito de sub-rogação -, quer se entenda que o nº2, do art. 498º, do CC é de aplicar analogicamente, cremos haver consenso no sentido de que o prazo de prescrição começa a correr com o cumprimento – cf., entre outros, o ac. da Rel. Lisboa, de 20/9/2011, JusNet 5517/2011. Aliás, é precisamente neste sentido que dispõe o art.54º, nº6, do DL nº291/2007, de 21/8, diploma que revogou, na íntegra, o DL nº522/85, de 31/12. |