Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2624/24.1T8CSC.L1-6
Relator: CLÁUDIA BARATA
Descritores: AUDIÇÃO PRÉVIA DO MENOR
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Nos termos do artigo 4º, nº 1, al. c) e nº 2, 5º, nº 1 e 35º, nº 3, todos do RGPT, o menor com idade superior a 12 anos de idade deve ser, via de regra, ouvido pelo Juiz, sempre que as questões em causa directamente lhe digam respeito.
II – A não audição do menor impõe sempre a prolação de despacho devidamente fundamentado da decisão.
III – A não audição e a omissão de despacho fundamentado conduzem à nulidade da decisão por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil.
IV – Tendo os progenitores logrado obter acordo em sede de conferência de pais, do qual consta, atenta a idade de jovem (16 anos) e dos problemas existentes entre o jovem e o progenitor que a Requerente progenitora relatou na diligência, um regime amplo de visitas, sem imposição de dias, períodos de férias ou divisão das datas festivas, não se justifica a audição do jovem.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
xxxxxx, com residente na ----------------, veio propor processo tutelar cível com vista à regulação do exercício das responsabilidades parentais nos termos do artigo 3º, alínea c), artigo 6º alínea c) e 35º e seguintes do RGPTC, a favor do menor xxxxxxxxxx, estudante, residência habitual com a requerente, contra xxxxxxxxxxxxxxx, residente ----------------, nos seguintes termos:
“(…)
B) FUNDAMENTOS
1. A requerente e o requerido são pais do menor xxxxxx, nascido em xxxxx de 2008, hoje com 15 anos.
2. Os pais do menor nunca foram casados entre si, contudo viveram em união de facto, sendo que o menor nasceu dessa relação.
3. A requerente encontra-se na casa da sua mãe na rua xxxxx.
(…)
5. Atualmente o menor reside encontra-se com a requerente na casa da mãe dessa
C) TERMOS DA REGULARIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE PARENTAL
CLÁUSULA PRIMEIRA
1 As responsabilidades, relativas a questões de particular importância para a vida da criança, serão exercidas por ambos os progenitores, de forma conjunta, diante da guarda conjunta, salvo nos casos de manifesta urgência, em que qualquer um dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível
2 Para efeitos do disposto no número anterior, são consideradas questões de particular importância, nomeadamente, as seguintes:
a) A fixação da residência da criança,
b) As decisões sobre o credo religioso, até que o menino complete os dezasseis anos;
c) A administração de bens que implique a sua oneração;
d) Autorização para o casamento;
e) Autorização para obter licença de condução de ciclomotores, prática de desportos motorizados ou atividades desportivas radicais;
f) Atividades extracurriculares desportivas , músicas e lúdicas
g) Intervenções cirúrgicas suscetíveis de colocar em perigo de vida do
menino ou intervenções de natureza estética;
h) Representação em juízo;
i) Frequência de escola pública ou privada, bem como a mudança de estabelecimento de ensino;
j) Orientações educativas e formativas de maior relevância;
k) Autorização para a outorga de contratos de trabalho ou de prestação de serviços até que o menino complete os dezasseis anos;
l) Autorização para a divulgação pública da imagem do menino;
m) Aquisição de nacionalidade;
n) Viagens para países estrangeiros,
3 O menor residirá habitualmente com a mãe, que exercerá a responsabilidades parentais referente a vida corrente daquele.
4 O Pai não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes definidas pelo progenitor com quem reside habitualmente, quando com esse se encontrar temporariamente, compromete-se assegurar a rotina da criança nos períodos que se encontrar com o menor, nomeadamente, a frequência de qualquer atividade extracurricular ou de apoio escolar ou ainda qualquer consulta de tratamento médico que se mostre necessária.
5 A mãe será o encarregado de Educação.
6 No que concerne ao acompanhamento escolar, nomeadamente, participação em reuniões de pais, o mesmo é assegurado por ambos os progenitores ou apenas por um, mediante acordo prévio.
CLÁUSULA SEGUNDA
(Residência da Criança e Convívio com os pais)
1. O menor passará os fins de semana de forma alternada com o pai, devendo este ir buscar e levar o menor à casa da mãe, respetivamente, sexta-feira pelas 20h e até 20 horas de Domingo.
2. Ambos os progenitores poderão acompanhar o menor a qualquer atividade ou acontecimento relevante na vida dele, nomeadamente, eventos académicos, extracurriculares celebrações e atos clínicos.
3. O progenitor, que não esteja com o menor, poderá encontrar-se com ele, sempre que acordar com o outro e este não se oponha e desde que não perturbe o seu normal descanso e atividades escolares.
4. O pai tomará uma refeição com o menor um dia útil por semana, conforme combinarem com antecedência de 5 dias, entre os três.
5. Em caso de compromisso pessoal, profissional, ou de qualquer outra natureza, que impeça algum dos progenitores de poder fazer o normal acompanhamento e guarda do menor, deverá, em primeiro lugar, consultar o outro progenitor para saber da disponibilidade desde para ficar com o menor, devendo, em caso de compromisso agendado, efetuar o contacto em prazo razoável.
CLÁUSULA TERCEIRA
(Férias)
1. Cada um dos progenitores passará metade de todas as ferias escolares de verão com o menor, sendo que se algum dos períodos de ferias de ambos coincidir o mesmo será repartido igualmente entre ambos. Os progenitores devem comunicar reciprocamente os respetivos períodos de ferias, logo que a entidade patronal fixe.
2. Ambos os progenitores se comprometem a indicar ao outro o local de ferias para onde se irão deslocar com a criança, bem como o meio e horário de contacto com ele.
3. O menor poderá acompanhar qualquer um dos progenitores em viagens ao estrangeiro, mediante o consentimento escrito do outro e a entrega de todos os documentos que forem necessários para o efeito.
CLÁUSULA QUARTA
(datas festivas )
1. O Natal, a Passagem de Ano, o Carnaval e a Pascoa serão alternados entre
os progenitores .
a) No natal o menor passará 24 de dezembro com um e 25 de dezembro com outro, em um ano e inverso no outro
b) Na passagem de ano passará o dia 31 de dezembro com um e o dia um de janeiro com o outro, em um ano e inverso no outro
c) O dia de carnaval passará os anos ímpares com o pai e anos pares com a mãe e o domingo de pascoa anos ímpares com a mãe e anos pares com o pai
d) Nos dias de aniversário do menor, ele almoçará com um progenitor e jantará com o outro, alternadamente, a combinar entre os três, atendendo os afazeres escolares deste e os profissionais daqueles, pernoitando com o progenitor que esteja confiado.
e) O menor passará com o pai o dia do aniversário desse e o “Dia Do Pai” e com a mãe o dia do aniversário dessa e o “ Dia Da Mãe”, sem prejuízo de suas atividades escolares e pernoitando com o progenitor que está confiado
CLÁUSULA QUINTA
(Alimentos e Despesas)
1. O pai pagará, a título de alimentos a quantia de 150 euros, que será creditada na conta bancária que a mãe indicar. Esse valor deve ser actualizado anualmente em janeiro, em função do aumento dos vencimentos do pai e na mesma proporção.
2. Cada um dos progenitores suportará metade das despesas relativas ao menor, nomeadamente, as escolares (compreendendo livros e material escolar, seguro escolar, alimentação na escola, propinas, fardas, passeios e excursões escolares, etc.). Também suportaram metade das despesas curriculares e as extracurriculares, na parte não comparticipada, como também vestuário, transporte e demais necessidade.
3. Cada um dos Progenitores suportará as despesas de alimentação e alojamento, no período em que o menor estiver consigo
4. Os progenitores suportarão ainda metade das despesas médicas e medicamentosas, na parte não comparticipada pelos serviços competentes, mediante a apresentação dos respetivos documentos comprovativos.
5. No que se refere a despesas medicas e medicamentos excecionais e extraordinário, com a saúde do menor, independentemente do sistema de saúde utilizado, na parte não comparticipada da mesma despesa, o pagamento de tais montantes será repartido pelos progenitores em partes iguais , que terão a obrigação de optar em cada caso pelo mais vantajoso
6. Considera-se despesas extraordinária e excecionais de saúde do menor, para aplicação da número anterior dessa cláusula, aquisição de óculos (armação e lentes); aparelhos dentários; calçados e materiais ortopédicos; vacinas não englobadas no Plano Nacional de Vacinação, desde que receitadas por médicos; intervenções cirúrgicas; despesas com medicamentos.
7. As despesas referidas nos números anteriores deverão ser reembolsadas ao Progenitor, que comprovadamente as haja antecipado, até ao final do mês seguinte à interpelação para o efeito, a ser realizada através de e-mail, que os progenitores indicarem
8. Para efeitos de comparticipação das despesas das crianças, o progenitor que as efetuar na integralidade, deverá enviar ao outro as respetivas faturas, até dia 30 de cada mês, devendo o outro reembolsá-lo da sua quota-parte, até ao dia 10 do mês seguinte, por transferência bancária,
a) Do Pai: deverá ser informado
b) Da Mãe: xxxxxxxxxxxxxxxxx
CLÁUSULA SEXTA
(Comunicações entre progenitores)
1- As comunicações entre os progenitores deverão ser efetuadas preferencialmente por telefone e por correio eletrónico, indicando-se, para o efeito, os seguintes endereços email
a) Do Pai: que deverá ser informado
b) Da mãe xxxxxxxxxxxxxx
2- Qualquer alteração do contato indicado pelos progenitores só poderá considerado depois de comunicado.
(…).”
*
Foi proferido despacho a designar data para a realização de conferência de pais.
*
No dia 17 de Setembro de 2014 procedeu-se à realização de conferência de pais na qual estiveram presentes, para além da Mmª Juiz de 1ª Instância, a Srª Procuradora da República Dra. xxxxx, a Srª escrivã auxiliar xxxxx, o jovem (menor) xxxxxxxxxxx, a Requerente xxxxxxxx, a sua patrona Dra. xxxxxx e o Requerido xxxxxxxxxxxxxx.
*
Da acta de conferência de pais consta:
“ACTA DE CONFERÊNCIA DE PAIS
REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
(…)
Quando eram 10:32 horas, pela Mm.ª Juiz de Direito foi declarada aberta a presente conferência e, expostos os motivos da mesma, passou a ouvir em declarações a requerente, xxxxxxxx tendo a mesma, em súmula, dito que:
Encontra-se a residir na Rua xxxxxxxxxxxxxxxx.
No dia 27 de Julho teve de sair de casa, tendo passado a residir, com o xxxxxx, em casa da sua mãe.
Existe um processo-crime, contudo, ainda não foi ouvida.
Apresentou queixa-crime na Esquadra de Oeiras no fim do mês de Julho e, neste momento, tem o botão de pânico.
Vive com o xxxxxxxxxxxxxx e com os pais.
Desde a separação o xxxxxx não voltou a ter contactados com o pai porque “não quer”.
Foi vítima de maus tratos psicológicos na presença do xxxxxxxxxxxxxxx.
Encontra-se desempregada, recebe RSI no valor de €300,00.
Comparticipa nas despesas domésticas com €50,00/€60,00, para as compras.
O xxxxxxxxxxxxxxxxxx está a frequentar um curso profissional de pintura de azulejos, na xxxxx.
O pai não tem ajudado no sustento do filho.
Pretende que o xxxxxxxxx se mantenha a viver consigo, que os contactos do pai com o filho sejam efectuados por via telefónica e que seja concedida uma pensão de alimentos de €150,00.
No dia 01 de Janeiro “ele disse-me à minha frente e à frente dos meus filhos que desgraçava a vida dele e que me cortava as duas pernas”.
No dia 27 de Julho saiu de casa porque no dia anterior o xxxxxx “ficou assentado no sofá à noite com a porta da rua aberta, com as luzes todas apagadas e fiquei com medo de estar em casa com os meus filhos”.
Existe um processo na CPCJ de Oeiras e já foi ouvida.
E mais não disse.
**
Após, a Mm.ª Juiz de Direito passou a ouvir em declarações o requerido, xxxxxxxxxxxxxxxxxx, tendo o mesmo, em súmula, dito que:
Há cerca de dois anos foi operado ao coração e “senti-me um pouco abandonado”.
Enquanto hospitalizado, a xxxxxxxxxxxx passou a residir em casa dos pais e quando regressou encontrou a casa suja e “não gostou muito”.
A xxxxxxxxxxxxx voltou para a casa dos pais, contudo, pediu para voltar para casa e, a partir daí, faziam vidas separadas.
No dia 27 de Julho estava a jantar, foi para o sofá, a porta estava aberta como habitualmente, a xxxxxxxxxxx entrou, acompanhada do xxxxxxx, do filho mais velho xxxxxxxxx e da namorada deste e nada disseram,
Três/quatro dias depois recebeu uma mensagem do xxxxxxxxx a dizer que estava em casa dos avós e a pedir dinheiro para viajar a Viana do Castelo, não tendo respondido.
Já foi, também, ouvido na CPCJ, mas não sabe o motivo.
Telefonou ao filho no dia do aniversário, que não atendeu a chamada, tendo, após, enviado uma mensagem a que ele, também, não respondeu.
Vive com o filho mais velho.
Paga renda de €4,00.
Encontra-se desemprego, mas faz alguns “biscates” na área da mecânica, retirando em média €600,00.
Concorda que o filho fique a viver com a mãe.
E mais não disse.
**
De seguida, a Mm.ª Juiz de Direito procurou obter o acordo entre os presentes quanto ao objecto dos presentes autos, o que foi possível, nos seguintes termos:
1- O jovem xxxxxxxxxxxxxxxx fica à guarda e cuidados da mãe, com quem residirá, exercendo esta as responsabilidades parentais relativamente aos actos da vida corrente da criança.
2- As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do jovem, serão exercidas em conjunto por ambos os progenitores.
3- Os convívios do pai com o xxxxxx serão combinados entre os progenitores, designadamente, por email, para os seguintes endereços:
- da mãe, xxxxxxxxxxxxxxx; e
- do pai, xxxxxxxxxxxxxx.
4- O pai prestará a título de alimentos ao jovem a quantia mensal de €125,00 (cento e vinte e cinco euros) a entregar à mãe até o dia 08 de cada mês por transferência bancária.
5- A prestação de alimentos referida no número anterior será actualizada anualmente de acordo com a taxa da inflação verificada no ano anterior (índice de preços ao consumidor excluindo a habitação) publicitada pelo INE.
6- As despesas médicas, medicamentosas e escolares do xxxxxxxxx serão suportadas na proporção de 50% por cada um dos progenitores, mediante apresentação do respectivo documento comprovativo da realização da despesa.
**
Após, foi concedida a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, a qual no uso da mesma disse:
Promovo a homologação do acordo.
**
Seguidamente, a Mm.ª Juiz de Direito proferiu a seguinte:
SENTENÇA
Nestes autos de Regulação das Responsabilidade Parentais, em que é Requerente xxxxxxxxxxxx e Requerido xxxxxxxxxxxxxx, uma vez que o acordo que antecede, quanto ao exercício das responsabilidades parentais, satisfaz os interesses do jovem xxxxxxxxxxxxxxxx e é válido quer quanto ao seu objecto, quer quanto à qualidade dos respectivos intervenientes, homologo-o nos termos do art.º 290º, n.º 4, do Código de Processo Civil e 37º, n.º 1 e n.º 2, do R.G.P.T.C. e, em consequência, condeno os progenitores a cumpri-lo nos seus precisos termos, declarando extinta a instância.
Custas em partes iguais por ambos os progenitores.
Valor para efeitos tributários: o mínimo.
Registe e notifique.
Transitada em julgado a presente decisão, comunique à Conservatória do Registo Civil competente (art.º 78.º do Código de Registo Civil).
Da sentença ora proferida, foram neste acto notificados os presentes que declararam ficar bem cientes do seu conteúdo.
Encerrada a diligência pelas 11:16 horas, foi lavrada a presente acta pela funcionária xxxxxxxxx que, depois de lida e achada conforme, vai ser electronicamente assinada, pela Mm.ª Juiz de Direito.”
*
Inconformada, veio a Requerente xxxxxxxxxxx interpor recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes alegações (que transcrevemos no que interessa para o presente recurso) e conclusões:
“(…)
Destaca-se, contudo, que a requerente foi vítima de violência doméstica, fato não relatado na petição inicial, mas relatado na sentença. Por esse fato, a recorrente saiu da morada da família, juntamente com seu filho menor, juntos encontram-se na casa da avó do menor, mãe da recorrente.
Informa-se que no dia marcado para a conferência de pais, o menor, xxxxxxxxxxxx, encontrava-se presente com o intuito de ser ouvido, pois alega sofrer violência psicológicas constantes do seu genitor, que não aceita sua orientação sexual, pois é homossexual, fato informado na conferência e pais (minuto 30 da audiência)
O pai afirma que o bullying e toda violência que sofre na escola e por culpa de sua orientação sexual, dentre outras agressões cotidianas a qual o menor desejava relatar na conferência, pois essa situação afeta sobremaneira sua dignidade a ponto de não querer conviver com o pai.
2- Da sentença - o que se pretende impugnar
Informa-se que a douta Sentença consta inúmeras omissões, pois não consta:
- A solicitação realizada pela recorrente na conferência de pais para que o menor fosse ouvido (minuto 15 até 25 da gravação da audiência)
- O indeferimento da escuta da criança
- A fundamentação da negativa da escuta
Pela leitura da sentença, não há como inferir que o menor estava presente para ser ouvido no dia da conferência.
Omitiu-se na sentença toda a situação, mesmo tendo sido solicitado a escuta sob o fundamento da violência psicológica.
Por essas razões, foi solicitado pela mandatária da recorrente a gravação da
conferência. Ao escutar a gravação da audiência, no trecho entre minutos 15 e 25, com atenção especial ao minuto 24, verifica-se que a Excelentíssima juíza afirma que valoriza negativamente o fato do menor querer ser ouvido, supondo que falará mal do pai por ter assumido uma posição junto com a mãe contra pai (minuto 16 e 19 da gravação da audiência), contudo a mãe em seu requerimento inicial pretende a divisão das responsabilidades e convívio do menor com o pai, contudo tal convívio afeta a dignidade do menor, segundo relato do próprio menor, principalmente quando o pai o humilha por sua opção sexual.
Resta claro que ouve o indeferimento da audição do menor sem qualquer justificativa.
3- Do Direito
Decorre do art.4 nº 1. al c) e nº 2 do art.5 nº 1 e art. 35 nº 3 do RGPTC, bem como outros normativos internacionais, que o juiz esta vinculado a ouvir a criança com idade superior a 12 anos, sobre as questões que lhe digam respeitos, ou se não ouvir deve justificar por despacho fundamentado o motivo que torna essa audição desaconselhável, tendo em vista o interesse da criança.
O que esta vedado é o juiz não ouvir e não justificar as razões de sua decisão.
(…)
4-Conclusão
Deverá ainda serem declarados nulos as decisões que constam nos números 1, 2 e 3 da sentença, mantendo-se apenas a forma de prestação de alimentos números 4, 5 e 6. As decisões apontadas devem ser substituídas por outra, depois da audição do menor
Termos em que, dando provimento ao presente recurso, farão V. Excias, como
sempre,
JUSTIÇA!!”
*
O Ministério Público veio contra alegar tendo apresentado nas suas contra alegações as seguintes conclusões:
“V – Conclusões
5.1. A recorrente vem interpor recurso da sentença proferida a 17 de Setembro de 2024, no processo acima identificado, que homologou o acordo dos progenitores quanto ao exercício das responsabilidades parentais do jovem xxxxxxxxxx, nos termos do artº 290º n.º 4 do Código de Processo Civil e 37º, n.º 1 e n.º 2, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e, em consequência, condenou os progenitores a cumpri-lo nos seus precisos termos, declarando extinta a instância.
5.2. Alega, em suma, que a sentença recorrida é nula porquanto o jovem xxxxxxxxxxxx nascido a xxxxxxx/2008, não foi ouvido previamente à decisão homologatória do acordo celebrado entre os progenitores.
5.3. A legislação nacional, em consonância com os instrumentos jurídicos europeus e internacionais, consagra o princípio da audição da criança, assente no direito da criança a ter voz no processo, a emitir a sua opinião sobre os assuntos que lhe digam respeito e a propósito dos quais tenha maturidade para a emitir, enquanto sujeito do processo com direito a exprimir-se quanto às decisões que a visem e à organização da sua vida e cujo contexto e dimensão possa compreender com a idade e maturidade que tem.
5.4. À luz do princípio enunciado, o Tribunal tem um poder-dever de ouvir a criança, mas poderá dispensar essa diligência quando, tal como sucedeu no caso concreto, a audição do jovem é contrária ao seu superior interesse e desnecessária, atento os termos do acordo celebrado.
5.5. Os progenitores chegaram a um consenso quanto ao exercício das responsabilidades parentais, em termos que mantêm, na sua essência, a situação de facto: o jovem continuará a residir com a mãe e os convívios com o pai deverão ser acordados entre os progenitores. Ou seja, o regime fixado não impõe um regime fixo de convívios do jovem com o progenitor, permitindo que a reaproximação destes ocorra de forma natural e na medida da evolução da relação entre ambos.
5.6. Mais decorreu das declarações prestadas pelos progenitores que a sua separação ocorreu num quadro de elevado conflito parental, ao qual o jovem esteve exposto e que justificou a instauração de processo de promoção e protecção, ainda pendente. Neste enquadramento fáctico, o conflito acaba por ser percepcionado pelas crianças, pelo que a audição prévia do jovem não acautelaria o seu superior interesse, pelo contrário, corria-se o risco de expor, ainda mais, o jovem a esse conflito e a colocá-lo numa situação de conflito de lealdade.
5.7. Por fim, não se desconhecendo que a posição da jurisprudência não é unânime quanto às consequências da omissão da audição da criança e da omissão do despacho que fundamente a sua não audição, não podemos deixar de referir que, não obstante arguir a nulidade da sentença homologatória do acordo, a recorrente não explicita quais os aspectos da decisão que pretende ver alterados, em que sentido e em que termos, na sua óptica, a audição do jovem imporia uma decisão diversa.
5.9. A recorrente e a sua Ilustre Patrona encontravam-se presentes na conferência de pais, foram confrontadas com a não audição do jovem pelo Tribunal e aceitaram pacificamente a decisão, sem qualquer contestação, nada tendo arguido ou contestado.
5.10. Confrontadas com o acordo de exercício das responsabilidades parentais, a recorrente manifestou expressamente o seu acordo com os respectivos termos, não tendo ela própria ou através da sua Ilustre Patrona, contestado ou manifestado discordância relativamente a nenhum dos respectivos pontos.
5.11. Quem deseja fazer-se valer de uma nulidade deve sindicar todos os passos de validade do acto e alertar o tribunal para que tome as providências necessárias, enquanto o acto se não mostrar concluído.
5.12. A nulidade invocada encontrava-se sujeita a prazo de arguição, nos termos do art. 199º n.º1 Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 33º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o qual terminou no momento em que o acto findou, tendo a nulidade cometida ficado sanada, sendo manifesta a extemporaneidade da sua arguição apenas nas alegações de recurso – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no processo n.º 572/16.8T8ETR-E.P1, datado de 26 Outubro 2017, acessível em https://jurisprudencia.pt/acordao/7343/.
5.13. A decisão proferida não nos merece qualquer censura.
Face ao exposto, deverá o recurso ser julgado improcedente e a decisão proferida
integralmente confirmada.
Porém, V. Exªs farão a costumada e esperada Justiça.”
*
A Mmª Juiz sustentou a decisão proferida.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. O objecto e a delimitação do recurso
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da recorrente nos termos dos artigos 5º, 635º, nº3 e 639º nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil.
A delimitação objectiva do recurso tem sempre que se balizar pelo teor das conclusões da recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso, porquanto os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova.
No recurso, enquanto meio impugnatório de decisões judiciais, só tem de se suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal de 1ª instância.
Acresce ainda que o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio, mas sim uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Partindo desta premissa, o recorrente tem o ónus de alegar e de indicar, de acordo com o seu entendimento, as razões porque a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Por último, o Tribunal de recurso não está vinculado à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Efectuada esta breve exposição e ponderadas as conclusões apresentadas, as questões a dirimir são:
- da nulidade da decisão homologatória por não audição de menor.
*
III. Os factos
Factos ou actos processuais referidos e datados no relatório que antecede
*
IV. O Direito
Em primeiro lugar cumpre desde já referir que nos termos do disposto no artigo 155º, nº 8 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 33º do RGPTC a documentação da diligência, no caso de conferência de pais, é documentada em acta, na qual são recolhidas as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido.
Todavia, por obediência ao princípio da transparência, as conferências de pais têm sido gravadas, apenas constando da acta os requerimentos, despachos e decisões considerados mais relevantes.
No caso que aqui cuidamos, notamos que a diligência foi gravada e a acta elaborada fazendo-se dela apenas constar, as declarações de ambos os progenitores (por súmula), a parte respeitante ao acordo obtido entre ambos os progenitores, a posição do Ministério Público e a decisão homologatória.
É ainda de salientar que da acta constam também os intervenientes processuais presentes.
Efectuada esta breve exposição e ultrapassada a questão atinente ao registo da diligência vem a Recorrente, progenitora do menor, alegar a nulidade parcial da decisão homologatória proferida em virtude de ter sido requerida a audição do jovem (menor de idade – 16 anos) e da mesma ter sido objecto de indeferimento sem qualquer justificação.
Saliente-se que a nulidade parcial invocada em lado algum é juridicamente enquadrada pela Recorrente (o que não afecta qualquer decisão a proferir por este colectivo porquanto existe liberdade de aplicação do direito).
Em sede de contra-alegações vem o Ministério Público defender que a nulidade invocada encontrava-se sujeita a prazo de arguição, nos termos do artigo 199º nº1 Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 33º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o qual terminou no momento em que o acto findou, tendo a nulidade cometida ficado sanada, sendo manifesta a extemporaneidade da sua arguição apenas nas alegações de recurso.
Apreciando.
Sobre a nulidade em questão existem três correntes.
Uma corrente defende que a nulidade é subsumível no artigo 195º do Código de Processo Civil por se tratar da omissão de um acto que a lei prescreve.
Uma segunda corrente entende que a omissão de audição integra o vício previsto no artigo 662º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil.
E uma terceira corrente que defende que a omissão é de direito material que tem como consequência a invalidade da decisão, excluindo a nulidade do campo das nulidades processuais e fazendo repercutir o vício directamente na decisão enquanto invalidade desta.
Esta última posição é a que tem merecido maior consenso jurisprudencial, da qual comungamos (neste sentido vide, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Julho de 2020; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Novembro de 2022; e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Janeiro de 2024, todos consultáveis em www.dgsi.pt).
“(…)
Como dissemos, a omissão em causa não é a omissão de um acto enquanto trâmite processual previsto pela lei, mas o desrespeito por um princípio enformador do direito das crianças, com repercussão processual, mas natureza substantiva, enquanto direito a ser ouvido, a ser-lhe proporcionada a liberdade de expressão de um verdadeiro sujeito de direitos e direito a fazer ouvir a sua voz no que lhe respeita, segundo a sua maturidade e capacidade de compreensão. O que afasta o enquadramento enquanto nulidade processual.
Por outro lado, embora sejam configuráveis situações de possível enquadramento no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, quando a audição da criança sirva os propósitos do artigo 5.º, n.º 6, do RGPTC, não é menos certo que o direito da criança a ser ouvida, a dimensão fundamental do princípio, mantém-se íntegro mesmo quando considerações de necessidade probatória não intervenham.(…)”.
Afastada está, assim, a natureza processual da nulidade defendida pelo Ministério Público, sendo, por isso e face à posição seguida, tempestiva a arguição da nulidade.
Resta então apurar quais as consequências decorrentes dessa nulidade.
Dispõe o artigo 4º, nº 1, al. c) e nº 2 do RGPTC, que:
“1 - Os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de protecção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes:
(…)
c) - Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.
2- Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica.”
Em conformidade com o disposto no artigo 5º, nº 1 do RGPTC a “A criança tem direito de ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.
Quanto à conferência de pais, prescreve o artigo 35º, nº 3 do RGPTC que “A criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é ouvida pelo tribunal, nos termos previstos na alínea c) do artigo 4.º e no artigo 5.º, salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselhar.
Preceitua ainda o artigo 1906º do Código Civil que:
“(…) 8 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
9 - O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.”
Citando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Janeiro de 2024, “(..) Sem preocupação de sermos exaustivos, refira-se o artº 12º nº 1 da Convenção dos Direitos da Criança, que determina que os Estados “…garantem à criança com capacidade e discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe dizem respeito, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.”
Igualmente, a Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, determina, no artº 3º, que se a criança tem discernimento suficiente, devem ser-lhe concedidos direitos no processo perante uma autoridade judicial, além do mais, ser consultada e exprimir a sua opinião.
Do mesmo modo, esse direito é assegurado no artº 24º nº 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que determina que a criança pode exprimir livremente a sua opinião e esta ser considerada nos assuntos que lhe digam respeito em função da sua idade e maturidade.
O artº 21º do Regulamento Bruxelas II ter (Regulamento (EU) 2019/1111, publicado no Jornal Oficial (JO) L178, de 02 de Julho de 2019 e, que veio revogar o Regulamento (CE) nº 2201/2003, também conhecido como Regulamento de Bruxelas II bis, aplicável aos processos iniciados a 21 de Agosto de 2022) determina:
Artigo 21.º
“Direito de a criança expressar a sua opinião
1. - No exercício da sua competência ao abrigo da secção 2 do presente capítulo, os tribunais dos Estados-Membros devem, em conformidade com o direito e os procedimentos nacionais, dar a uma criança que seja capaz e formar as suas próprias opiniões a oportunidade real e efectiva de as expressar, directamente ou através de um representante ou de um organismo adequado.
2.- Se o tribunal, em conformidade com o direito e os procedimentos nacionais, der à criança a oportunidade de expressar as suas opiniões nos termos do presente artigo, deve ter devidamente em conta as opiniões da criança, em função da sua idade e maturidade. que uma decisão em matéria de responsabilidade parental não será reconhecida se tiver sido proferida sem que a criança tenha tido a oportunidade de ser ouvida.”

Destes preceitos pode retirar-se que a audição da criança não constitui uma mera formalidade, mas sim uma autêntica peça chave que contribuirá para deslindar o objectivo principal: aferir o superior interesse da criança (Rossana Martingo Cruz, AAVV, Regime Geral do Processo Tutelar Cível, anotado, 2021, coord. De Cristina Araújo Dias et alii, pág. 104).(…)”
Assim, antes de tomar uma decisão provisória ou final, o Tribunal deve proceder à sua audição, ou, caso entenda que não a deve ouvir o Tribunal deve proferir despacho a justificar a não audição.
Não procedendo em conformidade, a decisão é nula por violação do direito material. A audição do menor deve ocorrer antes de proferida qualquer decisão que o envolva, sendo que essa decisão até pode ser de mera homologação de acordo de pais.
Esta audição tem como fim assegurar o direito ao menor a emitir opinião As declarações do menor não possuem qualquer valor probatório específico, nem vinculam para a tomada de posição.
Retornando ao caso que aqui cuidamos, não foi ouvido o jovem e não foi proferido despacho justificativo da não audição.
Tratar-se-ia, conforme já defendemos, de uma nulidade da sentença (artigo 615º, nº, 1, al. d) do Código de Processo Civil).
Todavia, conforme se alcança do teor dos autos, em sede de conferência de pais ambos os progenitores chegaram a acordo/transacção, o qual foi objecto de decisão homologatória.
Dispõe o artigo 1248º do Código Civil que:
1. Transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.
2. As concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.”
A transacção é um contrato processual, bivinculante, oneroso, constitutivo de obrigações recíprocas para os litigantes, dirimente da relação material controvertida e extintiva da relação processual onde se insere (artigos 277º, al. d), 283º, nº 2, 284º, 290º e 291º, todos do Código Civil). Tratando-se de um contrato, a transacção está sujeita ao regime geral do negócio jurídico (artigo 217º e segs do Código Civil).
No que diz respeito à transacção que põe termo aos autos, tal como consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Setembro de 2023, in www.dgsi.pt, “(…) Trata-se de uma decisão judicial corporizada na homologação do pacto afirmado pelas 1.ª e 2.ª autoras e pelas rés na ação, constituindo, por isso, um verdadeiro ato jurídico, formal e receptício, a que igualmente se aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos, pelo que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são igualmente válidas para a interpretação de uma decisão judicial (art. 295.º, do CC).
Tal como afirmado no Ac. do S.T.J. de 07.12.2016, Proc. n.º 187/13.2TBPRD.P1.S1 (Silva Gonçalves), in www.dgsi.pt, «a transacção exarada no processo, que põe termo ao litígio entre as partes, constitui um contrato processual, concretizando um negócio jurídico efectivamente celebrado pelas partes intervenientes na acção, correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita - a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões - art. 1248.º, n.º. 1, do Cód. Civil.
Ao homologar tal acordo o Juiz, nos termos do disposto no art.º 290.º, n.º 3 e 4 do C.P.Civil, limita-se a fiscalizar a legalidade, a verificar a qualidade do objecto desse contrato e a averiguar a qualidade das pessoas que nele intervieram.
A exigida exigência da presença do Juiz na homologação da transacção faz com que se atribua ao negócio celebrado uma função jurisdicional, dando-lhe força executiva; não toma, porém, o Juiz posição acerca do negócio acordado, ficando de fora do sentido e alcance do acordo celebrado.

Ora, se é assim, a decisão judicial corporizada na homologação do pacto afirmado pelas partes na acção, constituindo um acto jurídico, há-de interpretar-se segundo os princípios legalmente impostos e acomodados para os negócios jurídicos (art.º 295.º do C.Civil).
Neste contexto terá o intérprete de indagar qual a vontade das partes exteriorizada na transacção que o Juiz, ao homologá-la, jurisdicionalizou de tal modo que, encontrada esta, todas as circunstâncias envolventes do processo se clarificam e tomam um sentido definitivamente exacto - "as decisões, como os contratos, como as leis, como, afinal, todos os textos, têm de ser interpretados e não lidos; ler não é o fim; é o princípio da interpretação".»
A interpretação, tanto da transação, como da sentença homologatória, deve, assim, no caso concreto, fazer-se de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, ainda que menos perfeitamente (art. 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1, do CC).
Constituindo ambos – a transação e a sentença que a homologou – atos formais, tem de se aplicar à respetiva interpretação a regra fundamental segundo a qual não pode ela valer com um sentido que não tenha no documento ou escrito que a corporiza, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Entende-se por declaratário normal aquele que é medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante, a não ser que este, razoavelmente, não pudesse contar com tal sentido[viii].
Assim sendo, todas as dúvidas que eventualmente possam surgir na determinação do sentido e alcance das declarações de vontade exaradas na transação judicial homologada por decisão judicial terão de ser esclarecidas com recurso aos critérios legais de interpretação referentes aos negócios jurídicos, adiantados pelo disposto no artigo 236.º, n.º 1, do CC, que consagra a denominada teoria da impressão do destinatário, apenas com esta limitação: para que tal sentido possa valer é preciso que seja possível a sua imputação ao declarante, isto é, que este possa razoavelmente contar com ele.

Em cumprimento desta imposição legal, deve ter-se em conta, como já referido, que a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição de real declaratário, lhe atribuiria, nas concretas condições em que este se encontrava, tendo-se em conta os elementos que ele conheceu efetivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido, afigurando-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável.
Por sua vez, a normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante. (…)”.
Voltando ao caso que aqui apreciamos cumpre referir que o menor, pese embora com 16 anos de idade, é representado pelo Ministério Público e, em segundo lugar, a Requerente, sua mãe, estava presente na conferência de pais acompanhada de patrona que lhe foi nomeada.
Partindo do princípio, tal como resulta do teor da diligência, a Requerente conhece o seu filho e tem conhecimento dos seus “receios”.
Ao aceitar o acordo nos termos exarados em acta a Requerente progenitora, aceitou o regime de visitas que alcançado do menor ao pai.
Nestes termos, independentemente da audição do menor, sabendo a progenitora dos motivos pelos quais o filho queria ser ouvido pelo Tribunal, não devia ter aceite e celebrado o acordo.
Atente-se ainda que o regime de visitas acordado e devidamente homologado é um regime amplo, que impõe que as visitas do menor ao progenitor sejam previamente acordadas com a progenitora.
O regime de visitas que a Requerente propunha e que consta do requerimento inicial é, face ao regime acordado, muito mais preciso, pois, fixava dias de visitas, períodos de férias e datas festivas do menor ao progenitor.
Mais se refira que ouvimos a gravação da diligência na sua totalidade e dessa audição constatámos que a Requerente transmitiu ao Tribunal todas as questões existentes entre o menor e o progenitor e que levam o menor a não querer estar com o pai.
A Requerente nada teve a opor ao regime amplo de visitas. Saber se esse regime é do agrado ou não do menor, da gravação resulta que o menor não quer privar com o progenitor, pelo que não será do seu agrado. Todavia, o menor é representado pelos pais e pelo Ministério Público que sempre defende o menor salvaguardando o superior interesse do menor.
É, pois, de concluir que o regime acordado e homologado corresponde à pretensão da Requerente e do menor, até porque, conforme já se salientou, estava representada por Advogada que lhe foi nomeada como patrona, profissional do foro.
Por último, não cabe à Requerente recorrer nos moldes que o fez. Cabia antes ao menor solicitar ao Tribunal a nomeação de um advogado que o defendesse, invocando o seu desacordo com os termos da transacção ou com o facto do Tribunal não o ter ouvido.
Nestes termos, e face ao argumentos expostos, improcede a pretensão da Recorrente.
*
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente o recurso interposto e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 05 de Dezembro de 2024
Cláudia Barata
João Manuel P. Cordeiro Brasão
Vera Antunes