Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
736/15.1PECSC.L1-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA GRAVE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: A ofensa do corpo que tem como consequência uma «doença permanente», traduz uma «ofensa à integridade física grave», conforme previsto no artigo 144.º, alínea c), do CP.

A agravante prevista na alínea b) do mesmo normativo, que também foi considerada pelo tribunal recorrido, tem a ver com a expressão ali referida de que a ofensa causada tirou ou afectou, «de maneira grave», a possibilidade de a ofendida «utilizar o corpo».

Ora, a rigidez do 1.º dedo da mão esquerda, tornando a sua mobilidade dolorosa, afecta a utilização desta mão, nomeadamente na execução das tarefas que exijam a utilização de ambas as mãos, ou seja, afecta a possibilidade de ser livremente utilizada uma (pequena) parte do corpo, mas não afecta a possibilidade de a ofendida utilizar «todo o corpo», como parece dar a entender a decisão recorrida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa.


IRelatório:



1 Em processo comum e sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, perante tribunal singular, no Juízo Local Criminal de Cascais (J1), Comarca de Lisboa Oeste, o arguido J. .

No final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Assim, pelo exposto, e tendo em conta as disposições legais consideradas, o Tribunal, decide julgar a acusação deduzida pelo Ministério Público e o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante "Lusíadas - Parcerias Cascais. S.A." procedentes, por prosados, e o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante PO. parcialmente procedente, por parcialmente provado, e, consequentemente:
A) Condenar o arguido J.  como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave, p.p. pelos arts. 143.°, n.º 1 e 144.°. als. b) e c), ambos do Cód. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

B) Suspender a execução da pena de prisão cominada ao arguido J. , a que é feita referência em A), pelo período de 2 anos, na condição de o arguido, no prazo de 1 ano, a contar da data do trânsito em julgado da presente sentença, pagar à demandante PO. a indemnização civil arbitrada em C), e pagar à demandante "Lusíadas - Parcerias Cascais. S.A." a indemnização civil arbitrada em D), o que deverá fazer através de depósito autónomo à ordem dos presentes autos, nesse prazo;
C) Condenar o arguido/demandado J.  a pagar à demandante PO. , a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia global de € 3.428,02 (três mil quatrocentos e vinte e oito euros e dois cêntimos);
D) Condenar o arguido/demandado J.  a pagar à demandante "Lusíadas - Parcerias Cascais. S.A." a quantia de €94,91 (noventa e quatro euros e noventa e um cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros legais de mora à taxa legal, desde a data da notificação, e até integral e efectivo pagamento;
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Mais se condena o arguido J.  nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 3 UC’s.
Custas cíveis a cargo da demandante PO. e do demandado J. na proporção do decaimento (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Processo Civil, aplicável ex vi art. 523.º Cód. Processo Penal).»
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2. Inconformado com a decisão, o arguido J.  interpôs recurso, que motivou, formulando conclusões, nas quais suscita, fundamentalmente, as seguintes questões:
A sentença não cumpre o dever de fundamentação, omitindo o exame crítico e concreto das provas, em violação do artigo 374.º, n.º 2, do CPP;
Verifica-se insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
A matéria de facto mostra-se incorrectamente julgada, devendo considerar-se como não provados os pontos 5, 6, 9, 10 e 11 dos factos provados, e declarar-se provada a matéria das alíneas o) e p) dos factos não provados;
Foram violados os princípios da livre apreciação da prova (art. 127.º, do CPP) e do in dúbio pro reo;
O Tribunal procedeu a uma errada qualificação jurídica dos factos, na medida em que o arguido não previu o resultado, razão pela qual o crime imputável seria o de ofensa à integridade física simples, agravado pelo resultado, previsto no artigo 147.º,  n.º 2, do CP, e não o crime do artigo 144.º, n.º 1, als. b) e c) do CP, pelo qual foi condenado;
A pena aplicada ao arguido é «manifestamente injusta», «excessiva e desproporcionada ao caso concreto»;
A indemnização civil não é devida, em face do não cometimento do crime pelo qual o arguido foi condenado, sendo o montante arbitrado a título de reparação de danos não patrimoniais «manifestamente excessivo e injusto».
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3. Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, concluindo que lhe deve ser negado provimento e mantida a decisão.
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4. Subidos os autos, a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer de fls. 445, «no sentido da manutenção do decidido …, pugnando pela improcedência do recurso».
5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n. º 2, do CPP, nada mais foi acrescentado.
6. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos a que se refere o art. 418.º, n.º 1, do mencionado Código, teve lugar a conferência, cumprindo decidir.
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II FUNDAMENTAÇÃO:
1– Vejamos o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne à matéria de facto (transcrição):
«A) MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Da discussão da causa, com interesse para a decisão resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia I de Setembro de 2015, o arguido J.  deslocou-se ao prédio sito na Rua MAV , onde até ao dia 19 de Março de 2015 se localizou a sua casa de morada de família, para recolher alguns bens pessoais - pranchas de windsurf e respectivo material de apoio e uma bicicleta -, que se encontravam guardados na garagem do prédio, onde o arguido chegou por volta das 23h00.
2.– Enquanto o arguido tentava tomar posse dos mencionados bens, a sua ex-mulher, PO. , opunha-se pela força física à remoção dos bens, tendo-se gerado uma discussão entre ambos.
3. O arguido decidiu, então, dirigir-se para o rés-do-chão, para chamar um vizinho, para o ajudar.
4. Enquanto o arguido se dirigia para o rés-do-chão, subindo as escadas da garagem para o rés-do-chão, a ofendida foi no seu encalço.
5. Num momento em que o arguido e a ofendida se encontravam junto à porta de entrada do rés-do-chão esquerdo, onde existe uma escadaria com degraus de pedra que dá acesso à garagem, na sequência da discussão, o arguido dirigiu-se à ofendida e empurrou-a com força, provocando a sua queda pelas escadas abaixo.
6. Em consequência directa e necessária da descrita conduta do arguido, PO. sofreu dores, traumatismo da mão esquerda e região coxígea, entorse da articulação metacarpo-falângica direita, polegar esquerdo, apresentando como sequelas mobilidades do primeiro dedo da mão esquerda, dolorosas e com rigidez.
7. As lesões demandaram um período fixável em 90 (noventa) dias de doença.
8. De tais lesões resultaram ainda consequências permanentes, rigidez do primeiro dedo da mão esquerda, que lhe afectam de maneira grave a possibilidade de utilizar o corpo e lhe causam doença permanente.
9. Ao empurrar a queixosa provocando a sua queda por um lanço de escada, o arguido agiu com o propósito de molestar a sua integridade física e de lhe produzir as lesões gravosas e irreversíveis referidas.
10. O arguido agiu de forma deliberada, livre e conscientemente, querendo, ao atingir o corpo da vítima da forma supra descrita, provocar-lhe lesões no corpo e na saúde, bem sabendo ainda que, com tal conduta, a podia afectar de forma grave na possibilidade de utilizar o corpo e de lhe provocar doença permanente, resultado esse que representou e quis.
11. O arguido sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei.
12. Em consequência das lesões de que padeceu, descritas em 6., no dia seguinte, 2 de Setembro de 2015, a ofendida PO. necessitou de recorrer ao Hospital de Cascais, onde deu entrada e recebeu assistência hospitalar nos Serviços de Urgência.
13. Pelos tratamentos hospitalares, nessa data prestados à ofendida, existe um débito hospitalar no valor total de € 94,91.
14. Em resultado das lesões que padeceu a ofendida suportou as seguintes despesas em tratamentos e farmácias:
- € 31,78 na farmácia Sacoor;
- € 20,40 no Hospital de Cascais:
- € 59,00 + € 50,00 + € 50,00 + € 50.00 + € 50,00 + € 50.00 + € 50,00 na Clínica da Mão Aquavida:
- € 3.99 + € 4.87 + € 3.99 no Hospital Lusíadas:
- € 3,99 no Hospital da Luz.
15. O que perfez o montante global de €428.02.
16. Em Janeiro de 2016, a ofendida apresentava dor constante no polegar esquerdo, com rigidez e deficite de flexão da MF E/F.
17. A ofendida despendeu muitas horas para se deslocar a médicos e fisioterapeutas.
18. Em resultado das lesões sofridas, a que é feita referência em 6., a ofendida deixou de poder carregar para casa sacos de compras ou objectos mais pesados, sem que tal lhe provoque dores:
19. Em resultado das lesões sofridas, a que é feita referência em 6., todas as tareias domésticas, mas especialmente as que envolvem o uso de ambas as mãos, como "lavar loiça", causam dores à ofendida;
20. Em resultado das lesões de que padeceu, a ofendida ficou limitada nos exercícios físicos que faz no ginásio.

Mais se provou, com interesse para a decisão do mérito:
21. A demandante PO. possui, como habilitações literárias, a licenciatura e o mestrado em engenharia química, que concluiu no Instituto Superior Técnico.
22. Exerce a actividade profissional de professora da disciplina de físico-química. na Escola Secundária de A. , auferindo o salário líquido mensal de € 1450,00.
23. Vive em casa própria, na companhia do filho mais novo, de 18 anos de idade, estudante, que frequenta o 12.° ano de escolaridade, na Escola Secundária de X. Paga a quantia mensal de € 280,00, relativa à prestação do empréstimo bancário que contraiu para compra da casa.
24. A demandante tem um outro filho, com a idade de 20 anos, estudante universitário, também comum ao arguido, que se encontra a frequentar o curso de tecnologias de informação na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e que, no mês de Outubro de 2017, deixou de viver com a demandante, para passar a viver com o arguido.
25. O arguido J. possui, como habilitações literárias, a licenciatura em engenharia civil, que concluiu no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa.
26. Exerce a actividade profissional de engenheiro civil, explorando, actualmente e desde há cerca de dois anos, a empresa "Y, Ld.a", auferindo um rendimento médio mensal líquido de cerca de € 1.000.00.
27. Tem três filhos, com as idades de 30, de 20 e de I8 anos, respectivamente, sendo os dois mais novos filhos comuns da demandante.
28. Vive na companhia da sua actual companheira, que exerce a actividade profissional de delegada de informação médica, em casa desta, e do filho de 20 anos de idade, estudante, que se encontra a seu cargo.
29. O arguido J.  não tem condenações averbadas no respectivo registo criminal.

B)MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

Com relevância para a decisão da causa não se provou a seguinte factualidade enunciada na acusação, no pedido de indemnização civil e/ou no articulado de contestação:
a)- que, em resultado do período de 90 dias de doença, a que é feita referência em 7., a ofendida tivesse sofrido um qualquer período de afectação da capacidade para o trabalho;
b)- que, em resultado das lesões sofridas, a que é feita referência em 6., a demandante PO. tem dores permanentes;
e)- que, em resultado das lesões sofridas, a que é feita referência em 6., a ofendida não consegue efectuar qualquer movimento com a mão esquerda, que não lhe provoque dores;
d)- que a ofendida PO. sempre foi uma mulher activa, com prática
regular de exercício físico;

e)- que, com as despesas em tratamentos e farmácias, a ofendida tivesse despendido o valor global de € 432,89;
f)- que a ofendida tem dores constantes na mão, situação que a deixa muito debilitada psicologicamente, impedindo-a inclusivamente de descansar e dormir;
g)- que, em resultado das lesões de que padeceu, a ofendida foi submetida a tratamentos dolorosos;
h)- que a ofendida ainda hoje sente vergonha junto dos seus vizinhos, familiares e amigos pela situação a que foi sujeita;
i)- que a ofendida continua, até à presente data, a ter algum receio que tal comportamento do arguido se volte a repetir;
j)- que, desde há três anos a esta parte, a ofendida se tornou uma pessoa diferente, sofrida, inquieta, com problemas de sono, devidos às dores e à humilhação sofrida;
k)- que o comportamento protagonizado pelo arguido, a que é feita referência em 2., influenciou a forma como os filhos vêem a ofendida, passando estes a ter comportamentos menos adequados em relação à mãe, respondendo torto e pondo em causa a sua autoridade;
I)- que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 2., a ofendida tivesse gritado, gesticulado ou tentado agredir o arguido, usando os braços e as pernas;
m)- que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 5., num momento em que o arguido se encontrava já a tocar à campainha, a ofendida acabou por se desequilibrar e cair dois a três degraus abaixo da escada;
n)- que a queda foi acidental e o arguido nada fez para a provocar;
o)- que foram o manifesto estado de exaltação e de desorientação física e mental da ofendida os causadores do desequilíbrio desta e subsequente queda;
p)- que o arguido pautou sempre o seu relacionamento com a ofendida, antes e depois dos incidentes de que a acusação dá noticia, de uma forma cordata, tentando a resolução da separação por via consensual;
q)- que o arguido é um homem muito afável, que sempre procurou resolver os assuntos relacionados com a separação de forma amigável;
r)- que a ofendida nunca aceitou que o arguido se separasse dela e depois de ter conhecimento que este mantinha uma relação amorosa com outra mulher e vivia de forma harmoniosa, decidiu vingar-se dele;
s)- que a ofendida é uma mulher temperamental, que amiúde usa modos agressivos com os que lhe são próximos, e não só, vingativa e incapaz de aceitar soluções consensuais para os conflitos;
t)- que os presentes autos, designadamente a responsabilização do arguido pelo acidente a que a própria deu causa, são apenas uma das formas que a ofendida vem usando para se vingar do arguido, para dele conseguir obter vantagem patrimonial.

CMOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.

Nos termos do art. 205.°. n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei, consagrando o Código de Processo Penal a obrigação de fundamentar a sentença nos artigos 97.º, n.° 5 e 374.°. n.º 2, exigindo que sejam especificados os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

No caso vertente, a convicção do Tribunal, relativamente aos factos considerados como demonstrados, alicerçou-se na apreciação, conjugada e com apelo às regras de experiência comum e de normalidade, dos elementos de prova constantes dos autos e resultantes da audiência de julgamento, tendo o arguido e a demandante confirmado, de forma, no essencial coincidente, a prática dos factos a que é feita menção nos pontos 1. a 4. da Matéria de Facto.

Já a decisão relativa ao preenchimento dos elementos integradores do tipo legal de crime fundou-se, em primeira linha, nas declarações da demandante PO. , que se revelaram logicamente coerentes com o envolvimento histórico da situação concreta, tendo sido prestadas de um modo sincero e objectivo, e sendo a demandante peremptória em descrever a ocorrência dos factos, a atitude por si adoptada face à agressão do arguido e as lesões de que padeceu. Apesar de ter sido o sujeito passivo do tipo legal em causa, logrou descrever a dinâmica da actuação do arguido, de forma que se ajuizou de credível, tanto mais que o seu relato é corroborado pela análise crítica da globalidade da demais prova produzida, pelo que dúvidas não teve o tribunal de que o arguido agrediu a demandante da forma que esta relatou, sendo que as lesões de que esta padeceu, e que se traduziram em traumatismo da mão esquerda e região coxígea, entorse da articulação metacarpo-falângica direita do polegar esquerdo, são compatíveis com as agressões descritas pela ofendida. Neste particular, a ofendida referiu que, na data dos factos, e depois de terem estado ambos a discutir, durante cerca de uma hora, no interior da garagem, seguiu no encalço do arguido quando este se dirigiu da garagem até à porta do apartamento do vizinho do rés-do-chão esquerdo, o que fez, com o propósito de continuar a conversa, tendo explicitado que, no momento em que chegou ao patamar do rés-do-chão, estando a uma distância curta do primeiro degrau, o arguido, que já aí se encontrava, após ter tocado à campainha do vizinho, desferiu-lhe um empurrão com as mãos esticadas, na zona do peito/ombros, provocando a sua queda pelas escadas abaixo, tendo caído de lado, sobre o lado esquerdo, ao longo de um lanço de oito degraus de pedra. Referiu, ainda, que, na ocasião, uma sua vizinha, de nome MC. , moradora na fracção correspondente ao rés-do-chão direito, apesar de não ter presenciado o empurrão, alertada pelo barulho, saiu de casa e foi em seu auxilio, ao contrário do arguido, que não lhe prestou qualquer tipo de auxílio, nem fez menção de a ajudar, tendo-se limitado a permanecer no patamar do prédio, impávido e sereno, a olhar na sua direcção. No decurso das suas declarações, a demandante foi confrontada com as fotografias juntas a fls. 23 a 30 dos autos, tendo explicitado que as mesmas foram tiradas no dia seguinte ao da prática dos factos, pelo seu vizinho JP. , e que as mesmas respeitam aos hematomas e lesões que apresentava ao nível dos ombros, braços, pernas e mão.

Com relevância nesta sede mostrou-se, igualmente, o depoimento testemunhal da referida MC., vizinha da demandante, moradora na fracção correspondente ao rés-do-chão direito, que deu conta ao tribunal de, na data dos factos, já depois do jantar, encontrando-se na sua residência, ter começado a ouvir o barulho de uma discussão, proveniente da garagem, tendo-se apercebido, pelas vozes, que eram o ora arguido e a ora demandante que se encontravam a discutir. Apesar de não ter conseguido ouvir o teor da discussão, apercebeu-se que a mesma se prolongou, seguramente, por mais de meia hora. tendo-se, a dado momento, apercebido que os mesmos já estavam a discutir nas escadas do prédio. Foi então que ouviu uma pessoa a gritar, de dor, o que a levou a abrir a porta de casa, tendo, nesse momento, visto a ofendida caída no canto do patamar do lanço das escadas do R/c de acesso à garagem, pelo que a sua preocupação foi dirigir-se à ofendida, para a socorrer, pese embora a mesma, na altura, se tivesse agarrado à mão e levantado sozinha. Na ocasião, a ofendida disse-lhe que o arguido lhe linha desferido um empurrão, sendo que a depoente, no momento em que estava a ajudar a ofendida, olhou na direcção do arguido, que se encontrava no cimo das escadas, e constatou que o mesmo estava impávido e sereno, nunca tendo perguntado à ofendida se a mesma estava magoada, se precisava de ajuda ou manifestado qualquer preocupação pelo seu estado de saúde. Inquirida, a ofendida adiantou que o patamar do rés-do-chão do prédio é muito estreito, tendo cerca de um metro e meio de largura, esclarecendo, no entanto, que no mesmo cabem, à vontade, duas pessoas. No dia seguinte, quando se encontrou com a ofendida, apercebeu-se que a mesma tinha uma das mãos imobilizada com uma tala, e tinha nódoas negras nos braços, no peito e no pescoço.

Embora sem conhecimento directo dos factos, foi relevante o depoimento da testemunha VC. , agente principal da P.S.P.. que, à data dos factos, como agora, prestava funções na 54.ª Esquadra, de Carcavelos, da P.S.P., que deu conta ao tribunal de, na referida data, ter sido efectuada uma denúncia telefónica para a Esquadra, por um vizinho da ofendida, a queixar-se do barulho proveniente da garagem do prédio. Ao chegar ao local, constatou que o arguido e a ofendida se encontravam a discutir por causa de uma bicicleta e de umas pranchas de surf que o primeiro queria retirar da garagem, ao que a ofendida se opunha, recordando-se de que nessa ocasião a ofendida se queixou de agressões e de mazelas numa das mãos e num dedo, o que levou a polícia a contactar os bombeiros e a solicitar a sua presença no local, a fim de prestar assistência à ofendida, tendo-se esta recusado a acompanhar os bombeiros e optado por permanecer no local, para se certificar de que o arguido não retirava a bicicleta da garagem. No decurso da sua inquirição, a testemunha VC.  foi confrontada com o auto de notícia de fls. 3 a 9, por si lavrado, cujo teor confirmou.

Igualmente sem conhecimento directo dos factos, foi relevante o depoimento da testemunha JP. , vizinho da demandante, morador na fracção correspondente ao rés-do-chão esquerdo, que deu conta ao tribunal de, na dada dos factos, o arguido ter tocado à campainha da sua residência, dando-lhe conta que estava com problemas com a ofendida na garagem, pelo que saiu de casa e acompanhou o arguido à garagem, tendo então constatado que havia uma desavença entre este e a ofendida, relacionada com uma bicicleta que o arguido pretendia levar da garagem, no que a ofendida não consentia. Recorda-se que na ocasião, alguns minutos depois de ter chegado à garagem, onde já se encontrava a ofendida, esta se ter queixado que estava com muitas dores numa das mãos e de ter dito que tinha sido empurrada pelo arguido pelas escadas abaixo. Na manhã do dia seguinte, a ofendida esteve na sua casa, tendo, então, constatado que a mesma tinha hematomas numa das mãos e num braço, tendo nessa ocasião tirado as fotografias juntas a fls. 23 a 30.

Todos os referidos depoimentos testemunhais, na matéria aludida, foram relevantes, tendo todos eles deposto com isenção, de forma explicativa e circunstanciada.

O tribunal valorou, igualmente, o resumo do episódio de urgência, que integra fls. 33 dos autos, de onde resulta que no dia 02/09/2015, pelas 02h21, ou seja, cerca de três horas após a prática dos factos a que é feita referência na acusação, a ofendida PO. deu entrada nos serviços de urgência do Hospital de Cascais Dr. JA. , apresentando "traumatismo da mão esq. e região coxígea", lesões estas que, de acordo com o auto de exame médico directo de fls. 82 e 83, terão resultado de traumatismo de natureza contundente, terão determinado um período de doença fixável em 90 dias, e tendo deste evento resultado para a examinanda, como consequências permanentes, rigidez do primeiro dedo da mão esquerda, que lhe afecta de maneira grave a possibilidade de utilizar o corpo e lhe causa doença permanente.

O perito médico, Dr. GC. , subscritor do auto de exame médico directo de fls. 82 e 83, prestou esclarecimentos em audiência de julgamento, tendo esclarecido que, em consequência da lesão que sofreu, a ofendida não sofreu qualquer fractura ou luxação, mas apenas uma entorse na articulação, entorse esta que consolidou, não curou e configura uma lesão grave, que, não sendo operável, é uma doença permanente, passível de provocar uma incapacidade permanente parcial em direito do trabalho. Confrontado com o relatório médico de fls. 243, adiantou que as lesões e sequelas aí assinaladas ficarão para a vida da ofendida, tendo esta a possibilidade de tomar injecções anuais para evitar a regressão do quadro clínico.

As lesões constantes da documentação clínica a que é feita referência nos dois parágrafos que antecedem permitem concluir que decorreram directamente da agressão perpetrada pelo arguido, a qual, segundo as regras da experiência comum, constitui causa adequada para produzir tais resultados.

Em face da análise crítica e conjugada da globalidade destes elementos probatórios não nos puderam merecer credibilidade as declarações do arguido J.  designadamente quando negou que, na ocasião, tivesse desferido um qualquer empurrão na ofendida PO. , e afirmou que foi por a ofendida ter subido as escadas do prédio no seu encalço que, num momento em que estava já no patamar do rés-do-chão do prédio, pôs as mãos à frente com a intenção de se defender, tendo nesse momento a ofendida embatido contra si, desequilibrando-se, e caído ao chão no segundo lanço das escadas que ligam a garagem ao rés-do-chão, tendo caído dois ou três degraus, nem quando afirmou que o embate da ofendida contra si foi tão rápido que não teve possibilidade de a agarrar, evitando a sua queda, e que, após a queda, a ofendida se levantou imediatamente e não se queixou, porquanto tais declarações se encontram em flagrante contradição com as declarações da demandante e com o depoimento testemunhal de MC., em cuja versão o tribunal, pelos motivos apontados, acreditou, afigurando-se esta versão inverosímil, e sendo infirmada pela demais prova produzida, acima apreciada.

Em suma, atentas as declarações da ofendida/demandante PO. e o depoimento das testemunhas MC., VC.  e JP. , conjugados com a análise crítica da prova documental e pericial a que acima se fez menção e com os esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelo perito médico, Dr. GC. , o tribunal ficou convencido que os factos ocorreram nos exactos termos que considerou provados nos pontos 5. a 8. e 12. da Matéria de Facto, tendo a análise da factura junta a fls. 181, cuja autenticidade e/ou veracidade não foi nunca posta em causa, sido determinante para prova da factualidade a que é feita menção no ponto 13..

O tribunal socorreu-se, ainda, de uma presunção natural no que tange aos factos subjectivos constantes dos pontos 9. a 11., porquanto os factos objectivos provados, de acordo com as regras da experiência comum, permitem inferir estes factos subjectivos. Que o arguido J.  agiu com vontade livre e consciente corresponde ao normal do agir humano, nada tendo sido alegado que ponha em causa essa liberdade de decisão, sendo notório que o arguido, pessoa adulta, com formação universitária, ao desferir na ofendida um empurrão na direcção de uma escadaria com degraus de pedra, fê-lo, necessariamente, com o propósito não só de a molestar na sua integridade física, mas também de lhe provocar lesões graves e irreversíveis, o que representou e quis.

Para prova das despesas que a demandante suportou relativas a tratamentos e despesas de farmácia, a que é feita menção nos pontos 14. e 15.. atendeu-se às declarações da própria, que, neste particular, encontram suporte de prova nas facturas juntas a fls. 228 a 242 (respeitando as facturas de fls. 236 e 237 à mesma despesa), cuja autenticidade e/ou veracidade não foi nunca posta em causa.

Quanto às consequências que, para a ofendida PO. , advieram da conduta do arguido J.  e para a decisão de facto sobre tal situação, o tribunal alicerçou, igualmente, a sua convicção na análise crítica do relatório médico junto, por cópia, a fls. 243, que foi determinante para prova da factualidade a que é feita menção no ponto 16. Neste particular, no que respeita à factualidade a que é feita menção nos pontos 18. a 20., atendeu-se, ainda, aos depoimentos testemunhais de HL., filho comum do arguido e da ofendida, de CL., amiga da ofendida, de AS., colega de trabalho da ofendida, e de MC. e de JP., vizinhos da ofendida, quanto às repercussões das lesões padecidas pela ofendida nas suas tarefas diárias, já que, em virtude das relações de proximidade existentes, lograram depor sobre essa factualidade, corroborando, no essencial, as declarações da demandante, que a este respeito adiantou que em resultado da lesão sofrida no dedo polegar da mão esquerda teve necessidade de, durante o período de um ano e seis meses usar, em permanência, uma tala fixa na mão, inclusivamente quando dormia ou tomava banho, com os incómodos daí decorrentes, sendo que durante muito tempo, em virtude das dores que sentia, teve necessidade de tomar analgésicos diariamente e de fazer todas as actividades servindo-se apenas da mão direita, sendo que, ainda hoje, quando faz esforços mais prolongados com a mão esquerda, sente dores, que apenas cessam com a tomada de analgésicos.

Os factos dos pontos 21. a 24. e dos pontos. 25. a 28. resultaram provados, tendo por base as declarações do arguido e da demandante, quanto às respectivas condições pessoais, laborais e económicas, que se consideraram credíveis, não sendo postas em causa, mostrando-se a ausência de antecedentes criminais do arguido certificada no C.R.C, junto aos autos.

A testemunha FR., agente principal da P.S.P., não trouxe qualquer contributo para a decisão da matéria de facto, nada sabendo de relevante, tendo dado conta ao tribunal de a sua intervenção, no âmbito dos presentes autos, se ter limitado a lavrar os aditamentos de fls. 10 e 11, cujo teor confirmou.

Também a testemunha HS., empregada comercial, não trouxe qualquer contributo para a decisão da matéria de facto, nada sabendo de relevante, tendo-se limitado a adiantar que numa ocasião a ora ofendida PO. se dirigiu ao seu local de trabalho, uma loja sita no Centro Comercial R. , tendo-a questionado se conhecia uma outra cliente da loja, de nome CT. , e, perante a sua resposta negativa, exibiu-lhe, no telemóvel, uma fotografia desta do "facebook" e perguntou-lhe se a mesma frequentava a loja com frequência. A testemunha HS. referiu, ainda, que algum tempo depois a CT. dirigiu-se à loja e perguntou-lhe se a ofendida lá linha ido fazer perguntas sobre si.

Também a testemunha CM., actual companheira do arguido, não trouxe qualquer contributo para a decisão da matéria de facto, nada sabendo de relevante, tendo-se limitado a adiantar que iniciou a relação de namoro com o arguido no dia 13 de Julho de 2015, tendo, nesse mesmo mês, ambos iniciado a vivência em comum, em condições análogas às dos cônjuges, e que no dia 1 de Setembro desse ano, quando se encontrava no Algarve, por motivos de trabalho, recebeu uma chamada telefónica do arguido a dar-lhe conta de que tinha sido agredido pela ofendida a murro e pontapé. Considera o arguido uma pessoa de trato amável.

Também a testemunha ES., amigo do arguido, não trouxe qualquer contributo para a decisão da matéria de facto, nada sabendo de relevante, tendo-se limitado a adiantar ter conhecido o casal, constituído pelo arguido e pela ofendida, há cerca de dezanove a vinte anos atrás, e ter o arguido como uma pessoa absolutamente calma e sempre pronta a ajudar, considerando ser impossível o mesmo poder bater em alguém.

Também a testemunha PM., amigo do arguido, não trouxe qualquer contributo para a decisão da matéria de facto, nada sabendo de relevante, tendo-se limitado a adiantar que mantém uma relação de amizade com o arguido desde há cerca de cinquenta anos, nunca o tendo visto exaltado.

Os factos que se deram como não provados, a que é feita menção nas als. a) a l), foram excluídos por não ter sido produzida prova que os confirmasse ou por se terem apurado factos distintos, incompatíveis com aqueles que se excluíram, encontrando-se a factualidade a que é feita menção nas als. e), m), n) e o) em patente contradição com a matéria de facto que o tribunal considerou como demonstrada.

Importa, ainda, salientar, no que respeita à factualidade a que é feita menção nas als. a) e k), ter sido a própria demandante, nas declarações que prestou, a referir não ter sofrido qualquer período de baixa médica em resultado da agressão que a vitimou, nem nunca ter faltado ao trabalho em consequência deste episódio, até porque procurou sempre agendar as consultas médicas e as sessões de fisioterapia para horários que não coincidissem com períodos de trabalho, e a negar, que em resultado destes factos, algum dos seus filhos tivesse passado a ter comportamentos incorrectos para consigo ou a desautorizá-la.

No que respeita à factualidade a que é feita menção em 1), pese embora o arguido, nas declarações que prestou, tivesse referido que, na sequência da discussão que se gerou na garagem, a ofendida o agrediu, atingindo-o com empurrões, pontapés e estaladas, tendo-lhe, em resultado deste comportamento, partido os óculos, tendo o arguido, pelo exposto, afirmado em audiência de julgamento coisa distinta da que alega no art. 2.° da contestação (onde refere que a ofendida "opunha-se pela força física à remoção dos bens, gritando, gesticulando e tentando agredi-lo usando os braços e as pernas"), em face da negação destes factos pela ofendida, o tribunal não conferiu credibilidade às declarações do arguido, porquanto, em relação a esta matéria, a versão apresentada pelo arguido em audiência de julgamento, não foi corroborada por qualquer outro meio de prova, testemunhal, documental e/ou pericial, pelo que face à negação pela ofendida da versão apresentada pelo arguido em audiência, ficou o Tribunal, nesta parte, em situação de dúvida fundada sobre a verificação de tais factos.»
***

2–Decorre das conclusões da respectiva motivação que o recorrente pugna pela sua absolvição (do crime e do pedido de indemnização civil formulado pela ofendida), acusando o tribunal de ter omitido o exame crítico das provas, alegando que há insuficiência da matéria de facto e impugnando a decisão de facto, bem como a qualificação jurídica dos factos provados, a pena aplicada e a indemnização arbitrada à ofendida, conforme decorre das questões que já enunciámos supra, no ponto 2 do antecedente relatório, que aqui damos por reproduzidas.

É, pois, chegado o momento de nos pronunciarmos sobre cada uma das aludidas questões, conhecendo do recurso.
***

3.Assim:

3.1.- O recorrente alega, além do mais, que o tribunal recorrido omitiu o exame crítico das provas, violando o artigo 374.º, n.º 2, do CPP.

Segundo o artigo 379.º, n.º 1, al. a), do mesmo Código, é nula a sentença «que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do art. 374.º…».
Vejamos, pois, o teor do normativo que aqui está em causa por, segundo o arguido, ter sido violado pelo tribunal de primeira instância:
«Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.»

Ou seja, para além de indicar as provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tem ainda de efectuar (no próprio texto da sentença) o exame crítico das mesmas, isto é, de explicitar o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas.

O objectivo dessa fundamentação é, no dizer de Germano Marques da Silva (In “Curso de Processo Penal”, 2ª ed., 2000, vol. III. pág. 294), o de permitir "a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina".

Como escreveu Marques Ferreira (In Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 229), "estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência".

Impõe-se pois, que esse exame crítico das provas nas quais se alicerçou a convicção do tribunal, indique as razões de ciência e demais elementos que, na perspectiva do tribunal, tenham sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal. «A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção» - Ac. do STJ de 30/1/2002, proc. nº 3063/01-3ª; MAIA GONÇALVES in “Código de Processo Penal Anotado e Comentado”, 13ª ed., 2002, pp. 739-740).

Porém, «a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível» (Ac. do STJ de 30/6/1999 - proc. nº 285/99-3ª). Efectivamente, «a motivação da decisão de facto, seja qual for o conteúdo que se lhe dê, não pode ser um substituto do princípio da oralidade e da imediação no que tange à actividade de produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe reflectir nela exaustivamente todos os factores probatórios, argumentos, intuições, etc., que fundamentam a convicção ou resultado probatório» (Ibidem.). Daí que «a fundamentação a que se reporta o art. 374º, nº 2, do CPP, não tem de ser uma espécie de “assentada” em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, sob pena de violar o princípio da oralidade que rege o julgamento feito pelo tribunal …». De modo que, «não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo» (Ac. do STJ de 12/4/2000, proc. nº 141/2000-3ª).

Alega o arguido (conclusões RR e SS) que:
A Sentença recorrida não cumpriu na íntegra o dever de fundamentação omitindo o exame crítico e concreto de parte da prova produzida em sede de julgamento, indicando os motivos concretos pelos quais não valorou o que as testemunhas apresentadas pelo Arguido disseram, e ainda os concretos factos pelos quais desconsiderou as declarações do Arguido.
A Sentença recorrida pouco ou nada se debruçou sobre as provas de sentido contrário, ou seja não aduziu as razões pelas quais perante a existência de contraindícios, optou pela versão da acusação e da Ofendida, para o preenchimento do tipo, e/ou por prova indireta, que não pode ser valorada, em detrimento de outra prova validamente produzida também em audiência de julgamento que em nada corroborou a versão acusatória, violando assim o art. 374.° n.° 2 do C.P.P.»

Acontece que, no presente caso, após enumerar os factos provados e os não provados, o tribunal recorrido passou a expor a motivação da decisão de facto, elencando, por um lado, as provas - tanto as de natureza documental e pericial, como a pessoal - que serviram para formar a respectiva convicção, resumindo mesmo, no que concerne à prova pessoal, o respectivo conteúdo e as razões de ciência das testemunhas ouvidas cujos depoimentos se revelaram úteis ao apuramento dos factos - presumindo-se a irrelevância das demais, não mencionadas, para esse mesmo efeito -, esclarecendo acerca da utilidade dos respectivos depoimentos para a decisão a tomar, seguindo-se a explicação de como tais provas conduziram o julgador à conclusão de que os factos se passaram nos termos em que foram declarados provados, ou seja, fez-se a análise crítica das aludidas provas, dando o tribunal a conhecer as razões pelas quais as declarações da ofendida - apoiadas na demais prova -, lhe mereceram credibilidade, contrariamente às do arguido.

Consequentemente, aquelas afirmações do recorrente não se mostram sustentadas nem têm correspondência com a realidade, sendo categoricamente desmentidas pelo teor da fundamentação da decisão de facto, que acima transcrevemos e para a qual remetemos.

Concluindo-se, pois, que a sentença não padece da nulidade alegada, ou de qualquer outra das previstas no art. 379.º, n.º 1, do CPP, nem se vislumbra a existência de quaisquer nulidades do procedimento de que cumpra neste momento conhecer, sendo certo que, também não foram suscitadas.

3.2. No que concerne a vícios da decisão, o recorrente invocou que há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Após invocar várias razões que, na sua opinião, deveriam ter conduzido à conclusão de que a ofendida não merece a credibilidade que lhe foi concedida, contrariamente ao arguido, que se mostra «absolutamente credível e coerente», este concluiu que «não poderia o douto tribunal a quo, em face das inúmeras contradições da ofendida nas suas declarações e ao seu “evolutivo” relato dos factos (que aconselharia que nem sequer lhe fosse dada credibilidade) concluir que tais declarações se mostram isentas e imparciais e que descrevem a verdade dos factos, bem como em face da insuficiência resultante para a decisão da matéria de facto, dar como provado que o arguido tenha desferido á ofendida um empurrão com as mãos esticadas …», pelo que, «verifica-se em consequência insuficiência para a decisão da Matéria de Facto Provada e uma incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto» - cfr. conclusões O, S e T).
No que se refere a vícios da sentença, rege o n.º 2 do art. 410.º, do CPP, em cuja alínea a) se prevê a alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Aquele, tal como os demais previstos nas alíneas b) e c) do mesmo n.º 2,  tem de resultar, como a referida norma expressamente exige, «do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», ou seja, sem recurso a elementos estranhos à decisão, ainda que constantes do processo (Vd. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. III, pág. 367; Ac. do STJ de 4/12/2003, Proc. 3188/03, in “Verbojuridico.com/Jurisprudência/STJ”).

Para que o vício em causa se verifique «… é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito». «É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada» - autor e obra citada, p. 339 in fine e 340. Ou seja, há insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou não contém, nomeadamente, os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa exclusiva da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido.

O que significa que tal vício só existe quando o tribunal se vê perante a impossibilidade de decidir, porque a matéria de facto provada é tão escassa que o não permite.

Porém, isso nada tem a ver com a insuficiência da prova produzida (se, realmente, não foi feita prova bastante de um facto e, sem mais, ele é dado como provado, haverá, antes, um erro na apreciação da prova []), nem com a insuficiência dos factos provados para a decisão de direito proferida (em que, também poderá haver erro, já não na decisão sobre a matéria de facto, mas relativamente à qualificação jurídica desta), conforme salienta aquele ilustre professor.

Ora, o que o recorrente alega para integrar o aludido vício é precisamente que a prova produzida em julgamento é insuficiente para que se possam declarar provados os factos da acusação e que fundaram a sua condenação.

Todavia, a discordância quanto à valoração das provas não integra tal vício e o eventual erro nessa apreciação, gerador de uma decisão que, na perspectiva do recorrente, não reflecte a verdade, só pode ser atacado pela via da impugnação prevista no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP.

Os factos declarados provados mostram-se suficientes para que uma decisão seja proferida, não sendo apontados pelo recorrente quaisquer outros, diferentes dos alegados e daqueles que foram apreciados pelo tribunal, que possam ser reputados como essenciais à decisão da causa e que tenham sido esquecidos pelo tribunal na investigação que realizou com vista à descoberta da verdade material.

Concluindo-se, pois, que inexiste o alegado vício, não se vislumbrando que a sentença padeça de qualquer outro, numa apreciação oficiosa da matéria.

3.3. Terão sido violados pelos tribunal recorrido os princípios da livre apreciação da prova (art. 127.º, do CPP) e do in dubio pro reo, como defende o recorrente (cfr. conclusões OO e HHH)?

Entendemos que não.

Segundo dispõe o art. 127.º, do CPP, norma que por aquele foi invocada, “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

Não se vislumbra que, no presente caso, a apreciação da prova levada a cabo pelo julgador tenha infringido as regras da experiência, pois, nenhum dos factos provados, de per si ou no conjunto da matéria de facto que foi fixada pelo tribunal a quo, viola essas regras.

Como tem sido recorrentemente salientado, a garantia de legalidade da "livre convicção" a que alude aquele normativo processual penal, terá de bastar-se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo da sua formação, de forma a ficar bem claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção, possibilitando a partir daí o necessário controlo da sua legalidade, como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efectuada, enfim, da razão de ser do crédito ou descrédito dado a este ou àquele meio de prova.

Sendo certo que convicção livre não é, nem pode equivaler, a livre arbítrio na formação dessa convicção, antes terá de ser o reflexo de uma apreciação objectiva das provas produzidas, permitindo um controle por parte dos interessados e do tribunal de recurso, é manifesto que o presente caso não revela qualquer arbítrio ou discricionariedade na análise da prova, tendo sido respeitados os princípios atinentes.

Por outro lado, manda o princípio in dubio pro reo que, em sede de decisão da matéria de facto, em caso de dúvida se decida a favor do arguido.

Como explica, mais uma vez, o Prof. Germano Marques da Silva (obra citada, vol. I, pág. 84): «A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência».

Se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, tiver conduzido «à subsistência no espírito do Tribunal de uma dúvida positiva e invencível», outra alternativa não é deixada ao julgador senão aplicar o aludido princípio. O in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997).

Todavia, no caso em apreciação, não resulta da fundamentação da decisão de facto que o julgador tenha ficado com quaisquer dúvidas quanto à verificação ou não dos factos que julgou provados, de molde a justificar a aplicação do aludido princípio, antes tendo a decisão sido proferida no pleno convencimento de que os factos ocorreram da forma como são descritos na factualidade provada, tendo por base, fundamentalmente, as declarações da ofendida, as quais foram consideradas credíveis, tendo as mesmas sido coadjuvadas, em grande parte, por vários outros meios de prova que são especificadamente analisados na motivação da respectiva decisão.

Pelo que, não se demonstra que o tribunal recorrido tenha incorrido na violação dos aludidos princípios e das normas que os enformam, nomeadamente, dos artigos 127.º do CPP e 32.º, n.º 2, da CRP.

3.4. Perante a prova produzida em julgamento, deverão considerar-se como não provados os pontos 5, 6, 9, 10 e 11 dos factos provados, e declarar-se provada a matéria das alíneas o) e p) dos factos não provados?

Estamos no domínio da verdadeira impugnação da matéria de facto provada e não provada, matéria que se rege pelo disposto no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, cujo teor é o seguinte:
«3 Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)- As provas que devem ser renovadas.

4 Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.»

Constituindo o recurso em processo penal um verdadeiro «remédio jurídico», com vista à reparação de eventuais erros cometidos pelo tribunal a quo na apreciação da prova, ao tribunal de recurso competirá aferir da legalidade das provas que foram relevantes, bem como certificar-se que o raciocínio que conduziu à convicção que foi formada e permitiu chegar à decisão de facto proferida não se mostra viciado.

Por outro lado, deverá ter-se presente que, em matéria de apreciação da prova, intervém sempre uma componente subjectiva, nomeadamente quanto à credibilidade da prova pessoal, e que os próprios depoimentos em audiência são frequentemente condicionados pelo modo como são recebidos. Tal componente «implica a imediação da produção da prova e a decisão pelos próprios juízes que constituíram o tribunal na audiência e essa componente não é, pelo menos em grande parte, sindicável pelo recurso, onde falta a imediação» (G. Marques da Silva, obra citada, pag. 817).

Seguindo-se de perto, nesta matéria, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004 (DR - II série, de 2/6/2004), diremos que a censura dirigida à convicção do julgador «não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão».

Por isso, para que a impugnação de facto proceda, é necessário que as provas indicadas pelo recorrente imponham, quanto à matéria impugnada, uma decisão diversa da proferida, não bastando que permitam uma diferente leitura, consoante a pessoa que as analisa e valora.

Ora, relativamente aos factos provados, o que se constata é que o tribunal recorrido fez uma leitura correcta das provas, estando aqueles suficientemente apoiados no teor das declarações da ofendida e depoimentos das testemunhas MC., vizinha daquela, VC. , agente da PSP, JP. , vizinho da ofendida, tendo todos eles deposto, segundo o tribunal recorrido, «com isenção, de forma explicativa e circunstanciada», para além da documentação referente ao episódio de urgência hospitalar onde deu entrada a ofendida três horas após os factos, e auto de exame médico onde se descrevem as lesões por esta sofridas e demais consequências para a saúde decorrentes da agressão de que fora vítima, tendo o médico subscritor de tal exame (Dr. GC. ) prestado os esclarecimentos necessários em audiência de julgamento. O tribunal explica as razões pelas quais as declarações da ofendida lhe mereceram credibilidade e menciona também aquelas que o levaram a concluir que as do arguido não eram merecedoras de igual crédito, fazendo uma análise crítica das aludidas provas, conforme consta de fls. 10 a 13, supra, aí se referindo que as demais testemunhas – FR., Hs., CM., Es. e PM. – não trouxeram qualquer contributo para a decisão em matéria de facto.

O arguido começa por impugnar o facto provado n.º 5, que considera dever ser não provado, o que teria como consequência a retirada dos factos provados n.ºs 6, 9, 10 e 11, devendo, por outro lado, considerar-se provados os factos que constam como não provados sob as alíneas o) e p).

Os argumentos aduzidos pelo recorrente são vários. Porém, todos eles têm um só objectivo: retirar credibilidade às declarações da ofendida, dando-a, em contrapartida, às suas próprias declarações.
O recurso em matéria de facto não é, nem pode ser, uma simples guerra de credibilidade dos intervenientes que estão em posições processuais opostas. Sendo igualmente evidente que também não assume grande relevância, para aferir dessa credibilidade, o número de testemunhas que se posicionam de cada um dos lados em confronto, podendo a verdade estar num único depoimento, que se opõe a todos os demais.

Tal como referimos supra, estando a decisão de facto devidamente fundamentada e assente nas provas produzidas, ao recorrente não lhe resta outra alternativa que não seja demonstrar, com base nas provas que tem de especificar - indicando concretamente as passagens dos depoimentos e/ou das declarações em que se apoia, quando elas tenham sido gravadas (n.º 4 do art. 412.º, do CPP) -, que houve erro na respectiva valoração, nomeadamente, que o real conteúdo das aludidas provas não corresponde ao sentido que foi apreendido e que lhe foi atribuído pelo julgador.

Nesse aspecto, o recorrente não alega, muito menos demonstra, que ocorra qualquer divergência entre, por um lado, o que foi declarado pela assistente e pelas aludidas testemunhas cujos depoimentos foram relevantes para a decisão tomada, por outro, o que resulta da motivação da decisão de facto como sendo o conteúdo dessas mesmas provas. Ou seja, deverá concluir-se que o tribunal tomou devida nota do que foi dito pela assistente e pelas mencionadas testemunhas.

Por outro lado, a prova pericial e documental também sustenta os factos que, com base nela, foram declarados provados.

Para questionar a credibilidade das declarações da ofendida/demandante, o arguido invoca, fundamentalmente, que nenhuma das testemunhas consideradas relevantes presenciou os factos, que só ele e a assistente sabem como ocorreram, que aquilo que por ele foi afirmado se mostra «credível e coerente com a circunstância de a ofendida estar a tentar agredi-lo», na medida em que aquele correu «pelas escadas acima para pedir ajuda a um vizinho», decorrendo da experiência de vida que «só se corre a procurar ajuda quem dela necessita, quem se sente ameaçado, agredido ou em risco de o ser». Por outro lado, alega aquele que «o depoimento da ofendida é efectuado em evidente conflito de interesses face à sua posição processual», que não foi tido em conta «o circunstancialismo antecedente ao alegado empurrão», a formulação usada para descrever o sucedido «mostra-se inexacta», contradizendo-se a ofendida não só quanto «à forma como terá ocorrido o alegado empurrão, quanto à localização onde se encontrava antes da queda, local em que ocorreu a queda e o modo como terá caído», que as declarações desta vão “evoluindo” «na medida em que se vai apercebendo … de qual será a versão factual que melhor serve o seu interesse em obter a condenação do arguido», apresentando-se como «contrário à lógica comum» o propósito alegado pela ofendida de que perseguiu o arguido para continuar a conversa, quando «não se estava perante uma conversa, mas sim perante uma grande discussão». Concluindo o mesmo, perante o que ele alega e o estado de exaltação em que se encontrava a ofendida, bem como, perante as «inúmeras contradições da ofendida nas suas declarações e ao seu “evolutivo” relato dos factos», que o tribunal não podia concluir que «tais declarações se mostram isentas e imparciais e que descrevem a verdade dos factos».

É verdade que nenhuma das testemunhas acima referidas presenciou os factos em julgamento, circunstância que é, aliás, reconhecida e expressamente evidenciada pelo tribunal relativamente a cada uma das testemunhas em causa, tendo o julgador delimitado correctamente o grau de conhecimento de cada uma, quanto aos factos imputados ao arguido, bem como a respectiva razão de ciência, dando os respectivos depoimentos apoio, ainda que parcialmente, à versão da ofendida, mostrando-se esta mesma versão corroborada, também, pela prova pericial e documental, na parte relativa às lesões sofridas pela vítima e às demais consequências, para a sua saúde, da agressão de que foi alvo.

Em contrapartida, a versão relatada pelo arguido - de que não empurrou a ofendida, sendo a sua queda acidental, ou ainda de que aquele se terá limitado a estender os braços para impedir que a ofendida se aproximasse mais de si, embatendo esta contra as mãos do arguido, o que a levou a desequilibrar-se e cair - é que não tem qualquer outro apoio nas demais provas produzidas, nada mais existindo nos autos que sustente esta diferente perspectiva de como ocorreram os factos, para além das declarações do próprio recorrente, sendo certo que, o seu interesse no desfecho da causa, dada a sua posição processual e o risco de condenação numa pena criminal, é bem mais relevante e comprometedor da respectiva isenção e objectividade do que o da ofendida, tal como refere o MP na sua resposta ao recurso, acrescendo que o arguido não está obrigado a depor e, se o fizer, nada o obriga a dizer a verdade, sem outras consequências caso minta (salvo se o fizer quanto à sua identidade), enquanto a ofendida/demandante está obrigada a declarar a verdade, sob pena de responsabilidade criminal, ao abrigo do artigo 359.º, n.º 2, do CP.

A invocada retorsão do arguido sobre a agressora, que no caso seria a ofendida PO. , também não está minimamente indiciada. A retorsão consiste numa reacção, mediante uma agressão ilícita, a uma agressão também ela ilícita. Ou seja, pressupõe que o autor da retorsão esteja nesse momento (no próprio acto) a ser agredido, ou na iminência de o ser. Todavia, nenhuma prova existe, para além da alegação do arguido, de que este estava a ser vítima de agressões, ou na iminência de ser agredido, por parte da ofendida, no exacto momento em que empurrou esta.

Nesse aspecto, bem como quanto aos demais, o alegado pelo arguido não é mais do que a sua própria visão dos factos, necessariamente parcial, que resulta de uma interpretação subjectiva da prova, levada a cabo por uma das partes e à qual não é exigível que seja verdadeira, isenta e imparcial, contrariamente ao tribunal, cujos atributos de isenção, objectividade e imparcialidade não são minimamente colocados em crise, sendo a este que cumpre julgar e decidir da causa, impondo-se a sua avaliação da prova àquela que é feita pelas partes processuais, as quais têm manifesto interesse pessoal no seu desfecho.

Com o devido respeito e apesar da argumentação do recorrente, não encontramos nas declarações da ofendida/demandante as alegadas contradições, em pontos cuja relevância comprometa a credibilidade que à mesma foi concedida, nem vemos razões sérias que nos convençam a conceder à versão do arguido maior crédito do que aquele que mereceu junto do tribunal de primeira instância.
Perante aquela argumentação e confrontada com o teor das provas indicadas e que foram consideradas relevantes, também não se suscitam a este tribunal de recurso dúvidas sérias e razoáveis quanto à prática, pelo arguido, dos factos que foram declarados provados na sentença, nomeadamente, dos que foram concretamente impugnados, inexistindo razões para concluir que, com tais provas, deveria o julgador ter ficado com dúvidas daquela natureza e ter aplicado o princípio in dubio pro reo, o qual, reafirmamos, não se mostra violado no caso sub judice.

Nessa conformidade, não se vislumbrando que tenha ocorrido qualquer violação das regras ou dos princípios respeitantes à prova, nomeadamente do atrás aludido, e porque nenhuma censura há a fazer à decisão que incidiu sobre a matéria de facto submetida a julgamento, improcede a correspondente impugnação e considera-se aquela matéria definitivamente fixada, a ela devendo ser aplicado o Direito.

3.5. No que a este concerne, entende o recorrente que o Tribunal procedeu a uma errada qualificação jurídica dos factos, porquanto, estes integram a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, agravado pelo resultado, previsto no artigo 147.º,  n.º 2, do CP, e não o crime do artigo 144.º, als. b) e c), do CP, pelo qual foi condenado.

Obviamente que tal alegação tinha como pressuposto a procedência, ainda que parcial, da impugnação de facto, o que não ocorreu.

Fazendo o «enquadramento jurídico-criminal» dos factos provados, o tribunal de primeira instância fundamentou a respectiva decisão nos seguintes termos:
«…
O crime de ofensa à integridade física grave surge, em termos latos, como um delito qualificado pelo resultado, que apresenta, precisamente pelo resultado a que conduz, uma ilicitude mais grave do que a que corresponde ou subjaz ao tipo dc ilícito fundamental, ofensa à integridade física simples.

É susceptível de constituir uma ofensa à integridade física grave, designadamente, a conduta do agente que comprometa, de maneira grave, a possibilidade de utilizar o corpo (al. b) do art. 144.°), ou que provoque doença permanente (al. c) do art. 144.°), estando em causa, na primeira situação, como fundamento de agravação, uma noção de carácter eminentemente funcional, e na segunda, a duração dos efeitos nocivos de que a lesão se reveste.

Já no que respeita ao tipo subjectivo do ilícito, o dolo tem que abranger não só o delito fundamental, como as consequências que o qualificam, sendo suficiente o dolo eventual.

No caso vertente, tendo resultado provado que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas na acusação, o arguido J.  dirigindo-se à ofendida PO. , desferiu-lhe um empurrão com força, provocando a sua queda pelas escadas abaixo, tratando-se esta de uma escadaria constituída por degraus de pedra, tendo, em consequência directa e necessária de tal conduta, a ofendida sofrido dores, traumatismo da mão esquerda e região coxígea, entorse da articulação metacarpo-falângica direita do polegar esquerdo, apresentando como sequelas e consequências permanentes mobilidades do primeiro dedo da mão esquerda dolorosas e com rigidez, que lhe afectam de maneira grave a possibilidade de utilizar o corpo e lhe causam doença permanente, o que fez com a intenção de a maltratar na sua integridade física e de lhe produzir as lesões gravosas e irreversíveis referidas, bem sabendo ainda que, com tal conduta, a podia afectar de forma grave na possibilidade de utilizar o corpo e de lhe provocar doença permanente, resultado esse que representou, quis e logrou alcançar, mostram-se então preenchidos, pelo arguido, quer os elementos objectivos, quer os elementos subjectivos daquela infracção, não se suscitando qualquer dúvida em como a conduta do arguido compromete, de forma permanente, a possibilidade da ofendida de utilizar a sua mão esquerda.

Por conseguinte, … concluímos que o arguido J. é jurídico-penalmenle responsável pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave. p. p. pelos arts. 143.º, n.° 1 e 144.º, als. b) e c), ambos do Cód. Penal.»

Perante aquela mesma factualidade, que acima transcrevemos, não restam dúvidas de que, em consequência do empurrão desferido pelo arguido à ofendida, fazendo-a cair pelas escadas de granito, esta sofreu as lesões atrás referidas, ficando com «mobilidades do 1.º dedo da mão esquerda dolorosas e com rigidez», do que resultou, para a mesma, uma «doença permanente», impedindo-a de utilizar o referido dedo e ficando limitada no uso da mesma mão, em várias tarefas.

A ofensa do corpo que tem como consequência uma «doença permanente», traduz uma «ofensa à integridade física grave», conforme previsto no artigo 144.º, alínea c), do CP.

A agravante prevista na alínea b) do mesmo normativo, que também foi considerada pelo tribunal recorrido, tem a ver com a expressão ali referida de que a ofensa causada tirou ou afectou, «de maneira grave», a possibilidade de a ofendida «utilizar o corpo». Esta conclusão, vertida no facto provado n.º 8, resulta directamente do conteúdo do exame pericial de fls. 82/83, complementado pelas declarações do respectivo perito (Dr. GC. ), que sustenta o referido facto.

Ora, a rigidez do 1.º dedo da mão esquerda, tornando a sua mobilidade dolorosa, afecta a utilização desta mão, nomeadamente na execução das tarefas que exijam a utilização de ambas as mãos, ou seja, afecta a possibilidade de ser livremente utilizada uma (pequena) parte do corpo, mas não afecta a possibilidade de a ofendida utilizar «todo o corpo», como parece dar a entender a decisão recorrida.

Sobre esta agravante, escreveu Paulo Pinto de Albuquerque - in “Comentário do Código Penal …”, ed. 2008, pág. 389 - que, «a impossibilidade de utilizar o corpo consiste na imobilização do corpo como um todo, mesmo que o órgão ou membro atingido não tenha sido suprimido. Em regra, essa impossibilidade concorre com a perda ou, pelo menos a afectação séria das capacidades da vítima».

De igual modo, Paula Ribeiro de Faria - in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, pág. 229 – salienta que se trata de «uma noção de carácter funcional, pelo que ao seu preenchimento não basta inclusivamente a perda de um órgão no sentido utilizado pela alínea a) deste tipo legal (um rim, por exemplo), se as funções por este desempenhadas no quadro geral do organismo humano continuam a ser asseguradas (pelo outro rim). Para que estejamos perante uma “impossibilidade de utilizar o corpo” é pois, necessário o sacrifício de uma função biológica, que tem lugar desde logo em casos de paralisia, ou seja, em todos aqueles casos de “séria lesão da capacidade de movimentação de uma parte do corpo que afecta todo o organismo”. A perda de mobilidade num braço, o enrijecimento muscular de uma perna que obriga à utilização de muletas, podem ser considerados como paralisia neste sentido, comprometendo a já referida capacidade de utilização do corpo».

A impossibilidade de a ofendida utilizar o «primeiro dedo da mão esquerda», ainda que com carácter permanente ou duradouro, mas sem afectar de «maneira grave» a «capacidade de trabalho» - circunstância que não foi invocada na acusação, nem vem referida no relatório pericial, que limita tal incapacidade ao mesmo período de 90 dias atribuído à doença (fls. 83) -, nunca poderá traduzir-se em retirar à ofendida ou afectar-lhe, «de maneira grave», a «possibilidade de utilizar o corpo», com a extensão supra aludida, ou seja, «como um todo», apenas a limitando na execução de algumas tarefas, ou fazendo com que estas sejam, para ela, dolorosas, ao executá-las.

Entendemos, pois, que não se mostra preenchida a agravante da alínea b) do artigo 144.º, do CP, sendo os factos provados subsumíveis apenas à circunstância prevista na subsequente alínea c), por referência à «doença permanente».

Consequentemente e apesar da aludida limitação, o arguido cometeu o crime que lhe foi imputado e pelo qual foi condenado.

3.6. Impugnando a medida da pena que lhe foi aplicada, o recorrente defende que a mesma é «manifestamente injusta, … excessiva e desproporcionada».

Note-se que a moldura correspondente ao crime cometido é de prisão de dois a dez anos, conforme resulta do respectivo tipo legal.
Aquele foi condenado em 2 anos e 6 meses de prisão, cuja execução foi declarada suspensa pelo período de 2 anos.

Após uma exposição que incidiu sobre os princípios e critérios que devem ser observados nesta matéria, o tribunal de primeira instância justificou a sua escolha do seguinte modo:
«Assim, nesta perspectiva, valorando a matéria fáctica provada nos termos do art. 71.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Penal, imporia atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do arguido e contra ele, designadamente:
- o dolo, o qual se mostra na modalidade de dolo directo;
- a ilicitude dos factos, a qual se mostra de grau elevado, tendo em conta o modo de execução dos factos e a gravidade das suas consequências, com o arguido a empurrar a ofendida por uma escadaria constituída por degraus de pedra, tendo a ofendida PO. , em consequência directa e necessária da actuação do arguido, sofrido traumatismo da mão esquerda e região coxígea, entorse da articulação metacarpo-falângica direita do polegar esquerdo, bem como as respectivas dores e incómodos, e careceu de assistência médica, tendo-lhe tais lesões determinado um período de doença de 90 dias, delas resultando, como consequências permanentes, rigidez do primeiro dedo da mão esquerda da ofendida, que lhe afecta de maneira grave a possibilidade de utilizar o corpo e lhe causa doença permanente;
- são prementes as razões de prevenção geral, uma vez que a ofensa à integridade física simples é um crime frequente, perturbando fortemente a paz social, que importa reforçar:
- a conduta anterior e posterior aos factos, tendo em conta que o arguido, que contava 56 anos de idade, à data da prática dos factos, não tem antecedentes criminais e que, posteriormente à prática do crime em análise, decorrido que se encontra um período superior a três anos, não voltou a delinquir;
- quanto às exigências de prevenção especial, porque estamos longe, muito longe mesmo, como é óbvio (pelo acima dito quanto à idade do arguido e á ausência de práticas criminosas), da necessidade de socialização, somente pela via da advertência, então, mínima, é que aquelas se destacam:
- as condições pessoais do arguido mostram tratar-se de pessoa inserida profissional e socialmente.

Numa visão de conjunto, e ponderadas as circunstâncias pessoais, a intensidade do dolo,  o grau de ilicitude, a gravidade da culpa, e todas as circunstâncias preventivas ou retributivas dentro da moldura penal abstracta susceptíveis de consideração, tem-se por justo e adequado, fixar uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, situada um pouco acima do limite mínimo da moldura abstracta aplicável.

A pena em que o arguido J.  fica, agora, condenado, implica que se aborde a questão da suspensão da execução da pena.

Para as penas de prisão não superiores a 5 anos, dispòe o n.° 1 do art. 50.° do Cód. Penal: "O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição'', devendo o período de suspensão ser graduado entre o mínimo de 1 e o máximo de 5 anos (n.° 5).

Como resulta da lei, é pressuposto material da aplicação da suspensão de execução da pena de prisão um prognóstico favorável pelo tribunal relativamente ao comportamento do(s) arguido(s).

Para a decisão da presente questão relevarão, nos termos do normativo-fundamento, os factos atinentes à personalidade do agente (i), às condições da sua vida (ii), à sua conduta anterior ao crime (iii), à sua conduta posterior ao crime (iiii) e às circunstâncias deste (iiiii).

Na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão - a este propósito, cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal … Português, Vol. II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1991, pp. 143.

Para a suspensão da execução da pena importam, pois, considerações exclusivas de prevenção geral e especial.

No caso vertente, o quadro factual a considerar está retratado na factualidade assente.

No que respeita ao arguido J.  com referência à conduta anterior ao crime objecto dos presentes autos, de referir que o arguido, que contava 56 anos de idade à data da prática dos factos, não evidenciava passado criminal.

Já na atenção da conduta posterior, importa ponderar que, desde a data da prática pelo arguido do crime objecto dos presentes autos, decorrido que se encontra um período superior a 3 anos, o mesmo não voltou a incorrer na prática de qualquer outro crime, encontrando-se social e profissionalmente inserido, e tendo um filho, de 18 anos de idade, a cargo.

Resulta, assim, de tudo o que antecede, que todas estas circunstâncias pessoais, relativas ao arguido J.  permitem formular a previsão que a simples censura do facto e a ameaça da pena serão suficientes para prevenir a reincidência, realizando a finalidade de prevenção especial.

Sobra, é certo, a questão da prevenção geral. Relativamente à qual o crime de ofensa à integridade física grave assume especial acuidade. Porém, nas condições específicas da situação concreta, podendo a comunidade consciencializar que, relativamente a este seu membro, se poderá ter por razoavelmente adquirido que o perigo de reincidência se mostra afastado, seguramente então não só verá protegidas as suas expectativas na manutenção da vigência da norma violada e da paz jurídica, como, sem receio pela própria segurança, dará o seu aval ao prosseguimento da reinserção em liberdade.

Em suma, a execução da pena de 2 anos e 6 meses de prisão, ora aplicada ao arguido J.  não é indispensável, por um lado, ao restabelecimento da paz social, e por outro, a que o arguido interiorize a necessidade de pautar o seu comportamento de acordo com o Direito, considerando-se antes que a simples censura do facto e a ameaça da pena são suficientes para o afastar da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

A aplicação ao arguido dessa pena de substituição, pelo poder persuasivo da ameaça da prisão, que no caso permite fazer um prognóstico favorável sobre o seu comportamento futuro, não põe em crise a confiança dos cidadãos no sistema penal.

Como realça Figueiredo Dias, o que está em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, devendo o tribunal estar disposto a correr um certo risco fundado e calculado - sobre a manutenção do agente em liberdade. Só havendo sérias razões para duvidar da capacidade do arguido de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, é que o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada - a este propósito, cfr. Ob. Cit. pp. 344.

Não havendo, assim, no caso vertente, exigências preventivas a oporem-se à suspensão da execução da prisão, não pode ela deixar de ser decretada.

Nestes termos, decide-se suspender a execução da pena de 2 anos e 6 meses de prisão, cominada ao arguido J.  pelo período de 2 anos, por, atenta a natureza e o contexto em que ocorreram os factos objecto dos presentes autos, concatenado com a primariedade do arguido e com a sua inserção familiar, social e profissional, nos parecer ser este o período de suspensão adequado ao caso vertente.

Segundo o disposto no art. 51.º n.° 1, al. a) do Código Penal, "a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente: a)Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea".

No caso em apreço, a conduta delituosa do arguido não foi inócua: para além das ofensas físicas causadas à ofendida PO. , produziu consequências permanentes na sua vida, uma vez que a rigidez do dedo polegar da mão esquerda, de que padece, lhe afecta a possibilidade de usar o corpo de maneira grave e causa-lhe doença permanente, tendo ainda provocado à demandante "Lusíadas - Parcerias Cascais. S.A.", um prejuízo de € 94,91, correspondente ao valor da assistência hospitalar que prestou à ofendida.

A reparação do mal in casu configura-se necessária.

Tal reparação justifica que na situação presente se afecte a esfera patrimonial do arguido, pelo que se decide suspender a execução da pena de 2 anos e 6 meses de prisão, cominada ao arguido J.  pelo período de 2 anos, sob condição de, no prazo de 1 ano, a contar da data do trânsito em julgado da presente sentença, proceder ao pagamento a cada uma das demandantes da indemnização civil a seguir arbitrada, o que deverá fazer por meio de depósito autónomo, à ordem dos presentes autos, no mesmo prazo.»

Perante o exposto e tendo em conta a incriminação considerada pelo tribunal recorrido, a conclusão a retirar é de que a pena aplicada não pode ser tida como «excessiva e desproporcionada».
A pena a aplicar ao caso concreto, com respeito pela respectiva moldura, deverá resultar da aplicação dos critérios definidos nos arts. 40.º e 71.º, do Código Penal, dos quais se retira que “a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”(art. 40.º) e que «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção» (art.º 71.º, n.º 1).

Assim, subscrevendo o que vem sendo afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça na sua constante jurisprudência, a medida concreta da pena tem como parâmetros: a) a culpa, cuja função é a de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; b) a prevenção geral (de integração), à qual cabe a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; c) a prevenção especial, à qual caberá a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente.

A culpa e a prevenção constituem, pois, os dois termos do binómio que importa ter em conta para o aludido fim.

Na concretização desses princípios, manda o n.º 2 do mesmo art. 71.º que “o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”, considerando, nomeadamente, as circunstâncias enunciadas nas diversas alíneas da mesma norma.

Cumpre-nos salientar que o tribunal recorrido ponderou todos os factores considerados relevantes - elevado grau de ilicitude, modo de execução dos factos e gravidade das suas consequências, intensidade do dolo como sendo directo, atenuante da primariedade e bom comportamento posterior aos factos, condições pessoais e boa inserção profissional e social do arguido, as prementes razões de prevenção geral e as muito ténues exigências de prevenção especial -, sem que, pelo recorrente, seja adiantada alguma outra circunstância, de cariz diferente, que justifique uma reponderação da pena, sendo certo que, a que foi aplicada se situa muito perto do limite mínimo da respectiva moldura, para além de ter sido suspensa a respectiva execução por apenas dois anos, o que constitui uma barreira praticamente incontornável e que tende a impedir, na prática, qualquer eventual redução, sob pena de saírem frustradas as expectativas da comunidade na reposição da validade da norma violada, evidenciando, desse modo, uma incapacidade de resposta às supra assinaladas exigências de prevenção geral.

Todavia, não podemos, por outro lado, olvidar que a pena escolhida pelo tribunal recorrido teve em consideração a verificação de duas circunstâncias agravantes - as das alíneas b) e c) do artigo 144.º do CP -, com reflexo directo na agravação do crime e na correspondente pena, na medida em que, aquela situação terá contribuído para que a ilicitude do facto fosse colocada num grau um pouco mais elevado do que aquele que efectivamente decorre da incriminação ora operada por este tribunal de recurso, ao excluir a agravante da aludida alínea b)..

Entendemos, por isso, que, na sequência dessa alteração, se impõe uma ligeira redução da pena de prisão que foi aplicada ao arguido, de molde a que nela seja reflectida a nova realidade típica.

Na concretização desse princípio e tendo em conta o circunstancialismo acima aludido, fixa-se em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses a pena de prisão em que fica condenado o recorrente, mantendo-se a suspensão da execução desta pena, pelo mesmo período de 2 anos, bem como as condições que lhe estão associadas e que decorrem da sentença. 
***

3.7. Por fim, no que concerne ao pedido de indemnização civil, o arguido considera, por um lado, que a indemnização não é devida, porque não cometeu o crime, por outro, que o montante da indemnização arbitrada à ofendida/demandante, por danos não patrimoniais, é «excessivo e injusto».

A primeira questão, referente à obrigação de indemnizar, está claramente prejudicada pela solução dada ao recurso na parte criminal, tendo ficado assente que o arguido cometeu os factos ilícitos que lhe eram imputados e que foram declarados provados, constituindo-se na obrigação de ressarcir a ofendida pelos danos que a esta causou com aquela conduta ilícita, nos termos das respectivas disposições do direito civil e que foram devidamente citadas na sentença recorrida.

Resta-nos, por isso, discutir da justeza e/ou eventual excessividade do montante arbitrado a título de danos não patrimoniais.

O valor do pedido formulado em 20/09/2017 pela demandante foi por esta fixado em € 5432,89, dos quais € 5000,00 (cinco mil euros) seriam por danos não patrimoniais.

O arguido/demandado foi condenado a pagar-lhe o montante global de € 3428,02, a título de indemnização, correspondendo € 3000,00 (três mil euros) aos danos de natureza não patrimonial e respeitando o valor restante (€ 428,02) a danos patrimoniais, conforme se extrai da fundamentação da decisão.

Porque o valor do pedido é superior à alçada do tribunal de primeira instância – que está fixada em € 5000 – e o arguido foi condenado em valor superior a metade dessa alçada, a decisão é também recorrível nesta parte (artigo 400.º, n.º 2, do CPP), tendo o arguido legitimidade para tal.

O recorrente não discute os pressupostos da sua responsabilidade civil, tendo os mesmos, bem como os critérios seguidos para determinar o montante dos danos que aqui estão em causa, sido clara e exaustivamente expostos, na decisão impugnada, para ela se remetendo, neste momento, sem necessidade de maiores desenvolvimentos em tal matéria, apenas se reforçando a ideia, ali vincada, de que «a indemnização por danos não patrimoniais não visa, propriamente, o ressarcimento do lesado, mas antes oferecer-lhe uma compensação que seja justo contrabalanço para o mal sofrido (neste sentido. Rui Alarcão, Direito das Obrigações, Livraria Almedina, 1983. pp. 270), devendo, para cobrar efeito dignificante, ser significativa e não meramente simbólica».

Ora, o tribunal recorrido teve em consideração a «globalidade do quadro» traçado na matéria de facto provada, «designadamente a extensão e natureza dos danos», apelando a um «juízo de equidade», tendo fixado a indemnização, «à luz do critério da ponderação das realidades da vida e com o melindre que sempre acarreta a quantificação de tais danos», nos aludidos € 3000,00 (três mil euros).

Na nossa perspectiva, perante o aludido quadro – tipo de agressão, zonas corporais atingidas, consequências para a ofendida em termos de dores, tempo de doença, dificuldades posteriores na execução de tarefas que exijam a utilização da mão esquerda, submissão a vários exames médicos, consultas, assistência hospitalar, sequelas de carácter permanente e abalo psicológico decorrente de toda a aludida situação, ponderando ainda a capacidade económica do demandado e da demandante -, o aludido montante jamais poderá ser considerado excessivo e, por isso, injusto, não se vislumbrando quaisquer razões para a sua redução.
Improcedendo, assim, nesta parte, o recurso.
***

IIIDECISÃO:

Em conformidade com o exposto:
- Julga-se parcialmente procedente o recurso criminal do arguido J.  e, em consequência, condena-se o mesmo, como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave, p. p. pelo artigo 144.º, alínea c), do CP, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, mantendo-se, quanto ao mais, a decisão recorrida, nomeadamente, quanto à suspensão da execução daquela pena, pelo mesmo período de 2 anos, bem como quanto às condições que lhe estão associadas e que decorrem daquela mesma decisão;
- Julga-se improcedente o recurso do mesmo arguido, no que concerne ao pedido de indemnização civil.
Sem custas, por não serem devidas, na parte criminal.
Custas da parte cível, pelo recorrente.
Notifique.



Lisboa,19/03/2019



José Adriano – 
(Texto elaborado em computador e revisto pelo relator).

Vieira Lamim