Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1274/22.1T8BRR.L1-4
Relator: LEOPOLDO SOARES
Descritores: COMISSÃO DE SERVIÇO
FORMA ESCRITA
FORMALIDADE AD SUBSTANTIAM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I– A existência de acordo escrito relativo à verificação de uma situação de comissão de serviço constitui formalidade ad substantiam dessa situação.

II–A doutrina distingue entre as formalidades ad substantiam ou ad solemnitatem e as ad probationem.

III–As primeiras [ditas substanciais] são exigidas sob pena de nulidade do negócio. Sem elas o negócio não é válido, sendo a sua falta irremediável. São insubstituíveis por qualquer outro tipo de prova. Na sua origem estão razões de: solenidade, reflexão e prova.

IV–As segundas [probatórias] são impostas exclusivamente para a prova do negócio, sendo que sem elas a mesma é mais difícil de obter.

V–Assim, na falta de referência de que o cargo ou função é exercido em Comissão de Serviço a mesma é nula.
Todavia, permanece intacto o contrato de trabalho com as inerentes consequências a nível de direitos, deveres e garantias para os titulares daquela relação laboral.


(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


AAA intentou acção , com processo comum , contra Centro Social Paroquial Padre (…).

Pede que se considere :

a)-que não foi contratada para prestar a sua função de Directora Técnica/Coordenação Técnica em Comissão de Serviços;

b)-ilícita a decisão do Réu , de 25/2/2022, em retirar-lhe as funções de Directora Técnica/Coordenação Técnica e em consequência o mesmo seja condenado a atribuir-lhe as funções de Directora Técnica/Coordenação Técnica que vinha exercendo desde a sua admissão e a prestar trabalho na Rua Marquês de Pombal nº1, Barreiro;

c)-O Réu seja condenado a pagar-lhe uma quantia em valor que não deve ser inferior a € 2.500,00 a título de danos morais.

- Caso venha a ser considerado que exercia as funções de Directora técnica/coordenação técnica em comissão de serviço o Réu deve ser condenado a pagar–lhe € 1.602,00 por falta de aviso prévio.

Alega, em síntese, ter celebrado com o Réu um contrato de trabalho para exercer funções de Coordenação Técnica.

O Réu comunicou-lhe a cessação do exercício dessas funções, passando a desempenhar funções no serviço de apoio à comunidade.

Em 5 de Setembro de 2022, realizou-se audiência de partes.

O Réu contestou.

Alegou, em suma, que a Autora exerceu as funções de Directora técnica em regime de comissão de serviço.

Finaliza solicitando a sua absolvição do pedido.

Em 8 de Novembro de 2022:

- dispensou-se a realização de audiência prévia;

- os autos foram saneados;

- identificou-se o objecto do litígio;

- dispensou-se a enunciação dos temas da prova;

- fixou-se o valor da causa em € 7.500,00.

Em 22 de Novembro de 2022, realizou-se julgamento que foi gravado.

Em 12 de Dezembro de 2022, foi proferida sentença que logrou o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos de direito invocados, o tribunal decide julgar a ação parcialmente procedente porque parcialmente provada e consequentemente decide:

- Considerar que a Autora não foi contratada para prestar a sua função de Diretora Técnica/Coordenação Técnica em Comissão de Serviços;

- Considerar ilícita a decisão do Réu de 25/2/2022, em retirar à Autora as funções de Diretora Técnica/Coordenação Técnica e em sequência ser o Réu condenada a atribuir à Autora as funções de Diretora Técnica/Coordenação Técnica que vinha exercendo desde a sua admissão e a prestar trabalho na Rua … Barreiro.

- Absolver o Réu dos demais pedidos formulados.

Custas a cargo de ambas as partes na proporção do respetivo decaimento, fixando-se o decaimento da Ré em 66,67% e o da Autora no remanescente (art. 527.º do Código de Processo Civil)

Registe e Notifique.» - fim de transcrição.

As notificações da sentença foram expedidas em 12 de Dezembro de 2022, sendo que o MºPº foi notificado nessa data.

Em 6 de Fevereiro de 2023, o Réu recorreu.

Concluiu que:

«

(…)

A Autora contra alegou.

Concluiu nos seguintes moldes:

(…)

Em 29 de Março de 2023, o recurso foi admitido em 1ª instância.

A Exmª Procuradora Geral Adjunta formulou o seguinte parecer:

«Os autos definem-se pelo pedido elaborado pelo autor e nesse sentido nestes autos foi proferida decisão com o seguinte teor:

- Considerar que a Autora não foi contratada para prestar a sua função de Diretora Técnica/Coordenação Técnica em Comissão de Serviços;

- Considerar ilícita a decisão do Réu de 25/2/2022, em retirar à Autora as funções de Diretora Técnica/Coordenação Técnica e em sequência ser o Réu condenada a atribuir à Autora as funções de Diretora Técnica/Coordenação Técnica que vinha exercendo desde a sua admissão e a prestar trabalho na Rua …, Barreiro.

Ora, no recurso interposto a Ré não incide sobre a questão essencial que constrói a decisão a saber – a de que a autora não foi contratada para prestar a função de directora técnica/coordenação técnica em Comissão de serviço.

No recurso apresentado pretende a recorrente recorrer da matéria de facto questionando a fixação factual efectuada nas alíneas d , Q da sentença.

Fá-lo não cumprindo com o ónus previsto no artigo 640 do CPC, nomeadamente não indica:

a)-Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

b)-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

O que a recorrente efectua é uma leitura diversa dos elementos de prova constantes dos autos, não demonstrando em que medida por recurso ao conteúdo dos meios de prova carreados se impunha a fixação de matéria factual diversa daquela que foi efectuada.

O Ministério Público entende que a douta decisão não merece censura, já que a sentença especificou de forma clara os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão, fez uma análise crítica da prova indicada e aplicou corretamente as normas jurídicas.

Pelo que se emite parecer no sentido de que a sentença impugnada apreciou corretamente a matéria de facto provada e interpretou e aplicou acertadamente as respetivas normas jurídicas, decidindo em conformidade.

Desta forma, nenhuma censura deverá merecer a referida decisão, a qual, por isso, deve ser confirmada, declarando-se em consequência, improcedente o recurso interposto.»- fim de transcrição.

Foram colhidos os vistos.

Nada obsta ao conhecimento.

***

Eis a matéria dada como provada[que se mostra impugnada] :

A.–

Autora e Réu celebraram em 01/01/2001, um contrato de trabalho a termo certo.

B.–

O contrato foi prorrogado mantendo-se em vigor como contrato trabalho sem termo.

C.–

A Autora foi contratada com a categoria de Técnica de Serviço Social de 2ª, para desempenhar funções de Coordenação Técnica, no âmbito da atividade exercida pela Autora e que na quando da admissão era de apoio domiciliário e centro de dias para idosos.

D.–

A Autora, desde a data de admissão em 01/01/2001 até 31 de março de 2022, sempre exerceu funções de Coordenação Técnica/Direção Técnica.

E.–

Em 25/02/2022 a direção do Réu decidiu a cessação do cargo de Diretora Técnica, com efeitos a partir de 1 de abril, conforme comunicação feita à Autora.

F.–

A Autora não aceitou a decisão da direção conforme comunicação feita em 23 de março.

G.–

Recebeu como resposta, a 30 de março, comunicação mantendo a decisão proferida.

H.–

O Réu não elaborou Regulamento Interno, como não procedeu a determinação por escrito das tarefas e funções a desempenhar pela Diretora Técnica/Coordenação Técnica.

I.–

Em novembro de 2020, a atual direção fez sair um designado «código de conduta do director/a Tecnico /a do centro Social e Paroquial Padre …».

J.–

O Réu, em janeiro de 2011, alterou a sua sede para a Rua … 1 Barreiro, assim como os serviços administrativos, centro de dia, serviços de apoio domiciliário, refeitório, direção e direção técnica.

K.–

A Autora, desde a mudança da sede e dos serviços em janeiro de 2011, prestou sempre serviço no edifício da Rua … Barreiro.

L.–

A Autora, a partir de 1 de abril de 2022, dia a partir do qual deixou de exercer funções de direção técnica, foi colocada a trabalhar na Travessa … Barreiro, local onde funciona o serviço de apoio à comunidade.

M.–

O gabinete que ocupava na Rua ... ... nº ... passou a ser ocupado pela técnica responsável pelo serviço de apoio domiciliário … e que estava também colocada no apoio à comunidade.

N.–

Com a decisão de afastar a Autora da Direcção / coordenação técnica foi determinado à Autora exercer funções de Assistente social à comunidade e que consistem, conforme descriminação apresentada à Autora pela técnica ….,em :

- Atendimento e acompanhamento social das famílias e pessoas individuais que recorram ao serviço e que será feito em articulação com parceiros locais e regionais da comunidade;

- Proceder ao diagnóstico social da comunidade, identificando as necessidades existentes, estabelecer prioridades, conhecendo as causas que estão na origem dos problemas, nomeadamente a situação social e tipo de população/alvo;

- Fazer supervisão e gestão das tarefas do elemento de apoio do IEFP;

- Supervisão e gestão das tarefas dos voluntários do CSPPAM;

-Articulação com o elemento da direção responsável pela frota automóvel e manutenção de edifícios;

-Articulação com os voluntários que conduzem a viatura afeta ao apoio na comunidade;

-Articulação com o membro da direção responsável pelos projetos, no que respeita a candidaturas e execução das mesmas;

-Articulação com o membro da direção responsável pela tesouraria, no que concerne aos produtos doados ao CSPPAM.

- Articulação com parceiros locais, no que respeita à utilização e rentabilização dos recursos existentes nas instituições;

- Articulação com a equipa técnica do CSPPAM.

O.–

Para além das tarefas anteriormente identificadas e de carácter geral, tem tarefas especificas relativas a: Banco Alimentar, POAPMC, Balneário Social, Loja Comunitária, Balcões Informativos e Apoio na comunidade. Assim:

a)-Banco Alimentar

- Atendimento e acompanhamento social das famílias/indivíduos que recorram ao serviço em articulação com as entidades parceiras locais e regionais da comunidade e banco alimentar;

- Gestão da distribuição dos alimentos entre os beneficiários e o CSPPAM;

- Gestão da distribuição dos alimentos pelos beneficiários do Banco Alimentar;

- Gestão do armazenamento dos alimentos;

- Gestão semanal dos beneficiários de Banco Alimentar;

- Articulação no que respeita ao funcionamento e gestão das entregas de alimentos mensais e semanais com a coordenadora do grupo sócio caritativo e respetivos voluntários;

- Articulação com o CSPPAM (cozinha) na gestão produtos disponíveis;

- Planeamento, execução e realização de ações de esclarecimento para as famílias, bem como preparação da materiais informativos a distribuir.

b)- POAPMC

- Atendimento e acompanhamento social das famílias/indivíduos isolados que recorrem ao serviço, em articulação com o Instituto da Segurança Social e Protocolo RSI;

- Articulação com o BA e ISS no que respeita ao funcionamento, desenvolvimento e execução do programa;

- Gestão da distribuição dos alimentos pelas famílias beneficiárias do BA (plano de distribuição de alimentos);

- Gestão de armazenamento dos alimentos;

- Gestão mensal dos beneficiários de POAPMC;

- Gestão da plataforma SIFEAC;

-Realização e conformação das credências de cada agregado/indivíduos isolados;

- Planeamento, execução e realização de ações de esclarecimento para as famílias, bem como preparação de materiais informativos a divulgar.

c)- Balneário Social

-Atendimento e acompanhamento social das famílias/pessoas isoladas que recorrem ao serviço, em articulação com as entidades parceiras da comunidade;

- Articulação com a CMB no que respeita ao funcionamento do balneário social;

- Articulação/supervisão das funcionárias do balneário, no que respeita a funções, procedimentos no balneários e com beneficiários;

- Receção e entrega no CSPPAM do dinheiro proveniente da lavandaria/banhos.

d)-Loja Comunitária

- Atendimento e acompanhamento social das famílias/indivíduos que recorrem ao serviço, em articulação com as entidades parceiras da comunidade;

- Articulação com a CMB no que respeita ao funcionamento da loja comunitária;

- Articulação/supervisão das funcionarias da loja comunitária, no que respeita a funções, procedimentos na loja e com beneficiários.

e)-Balcões Informativos

- Atendimento e acompanhamento social das famílias/indivíduos que recorrem ao serviço, em articulação com as entidades parceiras da comunidade;

- Apoio no desenvolvimento de redes locais e respostas de proximidade para a comunidade local.

P.–

A Autora foi colocada a exercer as funções que era desempenhadas pela técnica ….

Q.–

Autora e Réu não celebraram por escrito qualquer acordo de exercício de cargos em regime de comissão de serviços, nem assinou qualquer documento escrito ou aceitou exercer a Direção Técnica / Coordenação Técnica em comissão de serviço.

R.–

Em 1 de julho de 2013, foi celebrada uma adenda ao contrato em que a Autora “passou a exercer as funções de assistente social no Centro Social ...”.

S.–

Na altura a Autora foi afetada a um projeto designado como «Programa Contrato Local de Desenvolvimento Social Mais ( CLDS+ ) durante 13 horas semanais e com a remuneração global referida na Adenda.

T.–

Com o fim do projeto, em 2015, deixou de estar afeta e voltou à remuneração anterior.

U.–

Enquanto esteve afeta a este projeto, manteve as suas funções de Diretora Técnica/Coordenação Técnica, exercendo essas funções e acumulando com a afetação ao referido projeto.

V.–

A Autora sempre foi conhecida como Diretora Técnica do Centro Social Paroquial Padre ... .

W.–

A Autora foi colocada a prestar serviço na Travessa … Barreiro, local onde apenas ela presta serviço, como trabalhadora da Ré e numa vertente relacionada a comunidade e não com os utentes / idosos do apoio domiciliário e centro de dia.

X.–

A Autora auferia uma remuneração base de 1540,62 € acrescida de subsidio de isenção de trabalho no valor de 308,12 €, perfazendo a remuneração um total de 1848,74 € mensal.

Y.–

O Centro Social e Paroquial … é uma instituição particular de solidariedade social (IPSS) que se dedica, entre outras atividades a cuidados aos seniores/ idosos dispondo de Centro de Dia, Serviço de Apoio ao Domicílio.

Z.–

Todos os dias a Autora se desloca à sede do Réu.

****

A título de Factos não provados consignou-se:

«

Com relevância para a boa decisão da causa resultaram não provados os seguintes factos:

a.-Que para além das funções referidas em P. a Autora tenha passado a acompanhar projetos da instituição; higiene e segurança no trabalho, acompanhar a gestão da Itau (empresa que passou a explorar o refeitório / refeições partir de 1/04/2022).

b.-Que a Autora exercia essencialmente funções na vertente de apoio a idosos, na direção do apoio domiciliário centro de dia, estando indicada junto do Instituto da Segurança Social como a diretora técnica para estas vertentes.

c.-Que a Autora é pessoa conhecida no meio do apoio social e em quem confiavam os utentes e demais interessados no apoio social e os trabalhadores da Instituição confiavam.

d.-Que nas circunstâncias vertidas em W. a Autora deixou de ter qualquer relação com atividade dos restantes trabalhadores da instituição.

e.-Que o Réu sabia que retirando a Direção Técnica/Coordenação Técnica à Autora e afastando-a dos restantes trabalhadores e dos utentes, exerceria pressão para aceitar a cessação do contrato de trabalho.

f.-Que o Réu com o seu comportamento sabia que iria afetar a Autora na sua auto-estima, afetando-a psicológica e fisicamente.

g.-Que entre ambas as instalações do Réu distem apenas 600 metros, não existindo afastamento de trabalhadores nem de utentes.

h.-Que a alteração do local de trabalho se deve apenas à falta de espaço na Rua ... ... e a Autora tem desse facto perfeito conhecimento, sendo que, para o bom desempenho das atuais funções não necessita de trabalhar na Rua …, pois na … dispõe de melhores condições para o efeito.

i.-A Autora aceitou o exercício de funções de Diretora Técnica em Comissão de Serviço.

***

A Motivação logrou o seguinte teor:

«

(…)

(…)

A nosso ver, com respeito por opinião distinta, a prova produzida nos autos é perfeitamente suficiente para se formar convicção no sentido perfilhado pelo Tribunal “ quo” .

A segunda questão a apreciar consiste em saber se deve considerar-se que a Autora exerceu o cargo de Directora Técnica em comissão de serviço ou se a exerceu no âmbito do seu contrato de trabalho por ser a sua categoria profissional.

Segundo a recorrente o contrato de trabalho celebrado entre ambas apresenta como funções a prestação de funções de coordenação técnica, mas não o cargo de Directora Técnica.

Da cláusula primeira do seu contrato de trabalho resulta que a mesma foi contratada com a categoria de profissional de Técnica de Serviço Social de 2ª.

A Cláusula em apreço também refere que a A. desempenha funções

de Coordenação Técnica, mas não como se entendeu na sentença o cargo de Diretora Técnica

O desempenho de funções de coordenação técnica não se pode confundir com o cargo de Diretora Técnica.

O cargo de Direção Técnica corresponde e assenta numa relação de confiança existente entre a pessoa que exerce tais funções e a entidade patronal.

Ora, a seu ver, decorre do contrato de trabalho que a Autora não foi contratada como Diretora Técnica, mas como técnica de serviço social de 2.ª.

Ao assumir o exercício das funções de Diretora Técnica aceitou - por acordo - o exercício dessas funções em regime de comissão de serviço.

Aliás, tratando-se a Direção Técnica de um cargo que tem por base a confiança da Direção/órgão da Direção da instituição particular de solidariedade social (IPSS), que tem um mandato de 4 anos (conforme artigo 10º dos seus Estatutos), cumprido o tempo do mandato a nova Direção pode mudar a Direção Técnica, que é um cargo e não uma categoria profissional.

A comissão de serviço, tal como configura a legislação e a jurisprudência, tem como características a transitoriedade de funções e a reversibilidade do respectivo título profissional, pelo que finda a comissão, o trabalhador regressa à sua categoria profissional.

Foi isso que aconteceu no caso da A.

Sobre o assunto a sentença recorrida discreteou o seguinte:

«

O thema decidendum consiste em aferir se o exercício das funções da Autora como Diretora Técnica o foi no âmbito do regime de comissão de serviço, com as inerentes consequências legais.

O ponto de partida para análise de todas as questões integrantes do objeto do litígio consiste em aferir da existência de uma relação jurídica entre as partes e a sua caracterização.

Nos termos do disposto no art. 11.º do Código do Trabalho:

“Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”

Da factualidade provada dúvidas não se suscitam ao tribunal de que efetivamente entre ambas as partes foi celebrado um contrato de trabalho, estando as questões suscitadas alicerçadas em factos ocorridos durante a sua vigência.

Resulta da factualidade provada que a Autora foi contratada para exercer as funções de coordenadora técnica, sendo que este conceito equivale, atenta a factualidade provada ao exercício de funções de diretora técnica.

Desde o início da relação laboral, que data de 2001, que a Autora sempre exerceu tais funções.

A questão que se coloca é a de saber se tais funções são apenas exercidas em comissão de serviço.

E a resposta não pode deixar de ser negativa.

Efetivamente, o regime do contrato de trabalho em comissão de serviço, considerando a lei em vigor à data da celebração do contrato de trabalho entre as partes nos presentes autos, estava previsto no Decreto-Lei n.º 404/91, de 16.10, nos termos de cujo n.º 1:

1.–Podem ser exercidos em regime de comissão de serviço os cargos de administração, de direção diretamente dependentes da Administração e, bem assim, as funções de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos e a outras funções previstas em convenção coletiva de trabalho, cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança.

2.–Excluem-se os cargos de chefia direta e todos os outros cargos hierárquicos que não envolvam coordenação de outras chefias, salvo tratando-se de dirigente máximo de estabelecimento com um número de trabalhadores não superior a 20, desde que, neste caso, envolva capacidade de gestão e chefia diretamente dependentes da Administração.”

Nos termos do art. 3.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Redução a escrito”:

1.–O acordo relativo ao exercício de cargos em regime de comissão de serviço está sujeito a forma escrita, devendo ser assinado por ambas as partes e conter as seguintes indicações:

a)-Identificação dos outorgantes;

b)-Cargo ou funções a desempenhar com menção expressa do regime de comissão de serviço;

c)-Categoria ou funções exercidas pelo trabalhador ou, não estando este vinculado à entidade empregadora, a categoria em que se deverá considerar colocado na sequência da cessação da comissão de serviço, se for esse o caso.

2.–Na falta de redução a escrito da menção referida na alínea b) do número anterior, considera-se que o cargo ou as funções são exercidas com caráter permanente.”

Da factualidade provada resulta que a Autora iniciou a sua laboral com o Réu através de contrato de trabalho a termo certo, que foi prorrogado e se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Iniciou tal relação, e tendo sido contratada, para exercer as funções de diretora técnica.

Inexiste qualquer cláusula incerta no contrato de trabalho celebrado nos termos e para efeitos do disposto no art. 3.º n.º 1 alínea b) do referido diploma legal.

Assim, e em conformidade com o n.º 2 do mesmo preceito, o cargo de diretora técnica exercido pela Autora assume caráter permanente.

É, assim, de declarar procedentes os primeiro e segundo pedidos formulados pela Autora.

Fica prejudicada a apreciação do pedido subsidiário.

Do pedido de pagamento de danos não patrimoniais:

Nos termos do disposto no art. 323.º n.º 1 do Código do Trabalho:

1-A parte que faltar culposamente ao cumprimento dos seus deveres é responsável pelo prejuízo causado à contraparte.”

O ressarcimento dos danos não patrimoniais tem consagração legal no art. 496.º n.º 1 do Código Civil, com a seguinte redação:

“Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”

Tem sido entendido de forma unânime pela jurisprudência (a par dos ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e atualizada, página 499, anotação ao artigo 496.º) que são danos não patrimoniais indemnizáveis as dores físicas e psíquicas, a perturbação sofrida, os sofrimentos morais e os prejuízos na vida de relação, sobretudo os provenientes de deformações estéticas.

No entanto, estes danos têm que ser apreciados nas circunstâncias concretas do caso, devendo ser selecionados com extremo rigor e atender-se apenas aos que, pela sua gravidade, mereçam a proteção jurídica conferida pela norma.

Não resulta, contudo, da factualidade provada qualquer facto que se subsuma na norma em análise.

Assim, é de improceder o pedido formulado a este título.» - fim de transcrição.

****

A relação em causa, que é inequivocamente uma relação de trabalho, com a invocada “comissão de serviço “ iniciou-se em 2001 [quando vigorava o Decreto-Lei n.º 404/91, de 16 de Outubro], sendo que esta última terá cessado em 2022 na vigência do CT/2009 [ aprovado pelo Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro].

Recorde-se que segundo o artigo 7º deste último diploma:

Aplicação no tempo

1–Sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.

2–As disposições de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho contrárias a normas imperativas do Código do Trabalho devem ser alteradas na primeira revisão que ocorra no prazo de 12 meses após a entrada em vigor desta lei, sob pena de nulidade.

3–O disposto no número anterior não convalida as disposições de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho nulas ao abrigo da legislação revogada.

4–As estruturas de representação colectiva de trabalhadores e de empregadores constituídas antes da entrada em vigor do Código do Trabalho ficam sujeitas ao regime nele instituído, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos relacionados com a respectiva constituição ou modificação.

5–O regime estabelecido no Código do Trabalho, anexo à presente lei, não se aplica a situações constituídas ou iniciadas antes da sua entrada em vigor e relativas a:

a)-Duração de período experimental;

b)-Prazos de prescrição e de caducidade;

c)-Procedimentos para aplicação de sanções, bem como para a cessação de contrato de trabalho;

d)-Duração de contrato de trabalho a termo certo.

6–O regime estabelecido no n.º 4 do artigo 148.º do Código do Trabalho, anexo à presente lei, relativo à duração de contrato de trabalho a termo incerto aplica-se a situações constituídas ou iniciadas antes da sua entrada em vigor, contando-se o período de seis anos aí previsto a partir da data de entrada em vigor da presente lei.

****

Em 2001, o regime de comissão de serviço era regulado pelo Decreto-Lei n.º 404/91, de 16 de Outubro, que estatuía :

Artigo 1.º

Comissão de serviço

1-Podem ser exercidos em regime de comissão de serviço os cargos de administração, de direcção directamente dependentes da Administração e, bem assim, as funções de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos e a outras funções previstas em convenção colectiva de trabalho, cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança.

2-Excluem-se os cargos de chefia directa e todos os outros cargos hierárquicos que não envolvam coordenação de outras chefias, salvo tratando-se de dirigente máximo de estabelecimento com um número de trabalhadores não superior a 20, desde que, neste caso, envolva capacidade de gestão e chefia directamente dependentes da Administração.

Artigo 2.º

Preferência

Em igualdade de condições, têm preferência no exercício de cargos em regime de comissão de serviço os trabalhadores já vinculados à entidade empregadora.

Artigo 3.º

Redução a escrito

1-O acordo relativo ao exercício de cargos em regime de comissão de serviço está sujeito a forma escrita, devendo ser assinado por ambas as partes e conter as seguintes indicações:

a)-Identificação dos outorgantes;

b)-Cargo ou funções a desempenhar com menção expressa do regime de comissão de serviço;

c)-Categoria ou funções exercidas pelo trabalhador ou, não estando este vinculado à entidade empregadora, a categoria em que se deverá considerar colocado na sequência da cessação da comissão de serviço, se for esse o caso.

2- Na falta de redução a escrito da menção referida na alínea b) do número anterior, considera-se que o cargo ou as funções são exercidas com carácter permanente.

Artigo 4.º

Cessação da comissão de serviço

1-A todo o tempo pode qualquer das partes fazer cessar a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço.

2-A cessação da comissão de serviço está sujeita a um aviso prévio de 30 ou 60 dias, consoante a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço tenha tido uma duração de até dois anos ou mais de dois anos.

3-Cessando a comissão de serviço, o trabalhador tem direito:

a)-Ao regresso às funções correspondentes à categoria que antes detinha ou às funções que vinha exercendo quando estas confiram direito a categoria ou nível remuneratório previsto em convenção colectiva de trabalho aplicável, ou ainda à que entretanto tenha sido promovido ou, no caso de ter sido contratado para o efeito, à colocação na categoria constante do acordo, salvo se, neste, as partes tiverem convencionado a extinção do contrato com a cessação da comissão de serviço;

b)-À rescisão do contrato nos 30 dias seguintes à decisão da entidade empregadora que ponha termo à comissão de serviço;

c)-A uma indemnização correspondente a um mês da remuneração de base auferida no desempenho da comissão de serviço, por cada ano ou fracção de antiguidade na empresa, no caso previsto na alínea anterior e na parte final da alínea a), salvo se a cessação ocorrer ao abrigo de processo disciplinar do qual resulte cessação do contrato de trabalho.

4-O disposto nos n.os 2 e 3 não prejudica a aplicação de regimes mais favoráveis constantes de convenção colectiva ou de contrato individual de trabalho.

Artigo 5.º

Contagem do tempo de serviço

O tempo de serviço prestado em regime de comissão de serviço conta, para todos os efeitos, como se tivesse sido prestado na categoria de que o trabalhador é titular.

Artigo 6.º

Aplicação do regime geral

Aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho em tudo o que não contrarie o disposto no presente diploma.

Artigo 7.º

Regime transitório

Às comissões de serviço já constituídas o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 4.º do presente diploma só se aplica decorridos 12 meses sobre a sua entrada em vigor.

O CT/2003, aprovado pelo Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em relação ao regime de comissão de serviço passou a contemplar o seguinte:

Artigo 244.º

Objecto

Podem ser exercidos em comissão de serviço os cargos de administração ou equivalentes, de direcção dependentes da administração e as funções de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos, bem como outras, previstas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, cuja natureza também suponha, quanto aos mesmos titulares, especial relação de confiança.

Artigo 245.º

Formalidades

1–Do acordo para o exercício de cargos em regime de comissão de serviço devem constar as seguintes indicações:

a)-Identificação dos contraentes;

b)-Cargo ou funções a desempenhar, com menção expressa do regime de comissão de serviço;

c)-Actividade antes exercida pelo trabalhador ou, não estando este vinculado ao empregador, aquela que vai exercer aquando da cessação da comissão de serviço, se for esse o caso.

2–Não se considera sujeito ao regime de comissão de serviço o acordo não escrito ou em que falte a menção referida na alínea b) do número anterior.

Artigo 246.º

Cessação da comissão de serviço

Qualquer das partes pode pôr termo à prestação de trabalho em comissão de serviço, mediante comunicação escrita à outra, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço tenha durado, respectivamente, até dois anos ou por período superior.

Artigo 247.º

Efeitos da cessação da comissão de serviço

1–Cessando a comissão de serviço, o trabalhador tem direito:

a)-A exercer a actividade desempenhada antes da comissão de serviço ou as funções correspondentes à categoria a que entretanto tenha sido promovido ou, se contratado para o efeito, a exercer a actividade correspondente à categoria constante do acordo, se tal tiver sido convencionado pelas partes;

b)-A resolver o contrato de trabalho nos 30 dias seguintes à decisão do empregador que ponha termo à comissão de serviço;

c)-A uma indemnização correspondente a um mês de retribuição base auferida no desempenho da comissão de serviço, por cada ano completo de antiguidade na empresa, sendo no caso de fracção de ano o valor de referência calculado proporcionalmente, no caso previsto na alínea anterior e sempre que a extinção da comissão de serviço determine a cessação do contrato de trabalho do trabalhador contratado para o efeito.

2–Salvo acordo em contrário, o trabalhador que denuncie o contrato de trabalho na pendência da comissão de serviço não tem direito à indemnização prevista na alínea c) do número anterior.

3–A indemnização prevista na alínea c) do n.º 1 não é devida quando a cessação da comissão de serviço resultar de despedimento por facto imputável ao trabalhador.

4–Os prazos previstos no artigo anterior e o valor da indemnização previsto na alínea c) do n.º 1 podem ser aumentados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato de trabalho.

Artigo 248.º

Contagem do tempo de serviço

O tempo de serviço prestado em regime de comissão de serviço conta como se tivesse sido prestado na categoria de que o trabalhador é titular.

Por sua vez, o CT/2009 prevê o seguinte para o regime de comissão de serviço:

Artigo 161.º

Objecto da comissão de serviço

Pode ser exercido em comissão de serviço cargo de administração ou equivalente, de direcção ou chefia directamente dependente da administração ou de director-geral ou equivalente, funções de secretariado pessoal de titular de qualquer desses cargos, ou ainda, desde que instrumento de regulamentação colectiva de trabalho o preveja, funções cuja natureza também suponha especial relação de confiança em relação a titular daqueles cargos.

Artigo 162.º

Regime de contrato de trabalho em comissão de serviço

1–Pode exercer cargo ou funções em comissão de serviço um trabalhador da empresa ou outro admitido para o efeito.

2–No caso de admissão de trabalhador para exercer cargo ou funções em comissão de serviço, pode ser acordada a sua permanência após o termo da comissão.

3–O contrato para exercício de cargo ou funções em comissão de serviço está sujeito a forma escrita e deve conter:

a)-Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;

b)-Indicação do cargo ou funções a desempenhar, com menção expressa do regime de comissão de serviço;

c)-No caso de trabalhador da empresa, a actividade que exerce, bem como, sendo diversa, a que vai exercer após cessar a comissão;

d)-No caso de trabalhador admitido em regime de comissão de serviço que se preveja permanecer na empresa, a actividade que vai exercer após cessar a comissão.

4–Não se considera em regime de comissão de serviço o contrato que não tenha a forma escrita ou a que falte a menção referida na alínea b) do número anterior.

5–O tempo de serviço prestado em regime de comissão de serviço conta para efeitos de antiguidade do trabalhador como se tivesse sido prestado na categoria de que este é titular.

6–Constitui contra-ordenação grave a falta da menção referida na alínea b) do n.º 3, salvo se o empregador reconhecer expressamente e por escrito que o cargo ou funções são exercidos com carácter permanente, e constitui contra-ordenação leve a falta de redução a escrito do contrato ou a violação da alínea c) do referido número.

Artigo 163.º

Cessação de comissão de serviço

1–Qualquer das partes pode pôr termo à comissão de serviço, mediante aviso prévio por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante aquela tenha durado, respectivamente, até dois anos ou período superior.

2–A falta de aviso prévio não obsta à cessação da comissão de serviço, constituindo a parte faltosa na obrigação de indemnizar a contraparte nos termos do artigo 401.º

Artigo 164.º

Efeitos da cessação da comissão de serviço

1–Cessando a comissão de serviço, o trabalhador tem direito:

a)-Caso se mantenha ao serviço da empresa, a exercer a actividade desempenhada antes da comissão de serviço, ou a correspondente à categoria a que tenha sido promovido ou, ainda, a actividade prevista no acordo a que se refere a alínea c) ou d) do n.º 3 do artigo 162.º;

b)-A resolver o contrato de trabalho nos 30 dias seguintes à decisão do empregador que ponha termo à comissão de serviço, com direito a indemnização calculada nos termos do artigo 366.º;

c)-Tendo sido admitido para trabalhar em comissão de serviço e esta cesse por iniciativa do empregador que não corresponda a despedimento por facto imputável ao trabalhador, a indemnização calculada nos termos do artigo 366.º

2–Os prazos previstos no artigo anterior e o valor da indemnização a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 podem ser aumentados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato de trabalho.

3–Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.

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Relembrada a letra da lei dir-se-á, agora , que tal como se refere em aresto da Relação de Lisboa, de 07-03-2012, proferido no processo nº 171/11.0TTPDL.L1-4, acessível em www.dgsi.pt:

«A nossa doutrina define a comissão de serviço como um contrato de trabalho especial, de natureza necessariamente temporária e com as seguintes características fundamentais, aqui enunciadas por Irene Gomes, em “Principais aspectos do regime jurídico do trabalho exercido em comissão de serviço”, estudo publicado a páginas 241 e seguintes da obra colectiva “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea”, Almedina, Março de 2004, ainda que no quadro do Decreto-Lei n.º 409/91, de 16/10:

“Assim, o primeiro ponto a salientar é que o regime jurídico do contrato individual de trabalho continua a ser a matriz geral da comissão de serviço, como resulta do preceituado no art.º 6.º que manda aplicar a esta modalidade de trabalho o regime laboral comum, salvo o disposto em contrário no diploma.

O segundo ponto a reter do regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 404/91 é que, quanto à constituição da comissão de serviço, o legislador exige a sua redução a escrito, nos termos do preceituado no art.º 3.º, n.º 1.

Em terceiro lugar, o legislador confere a ambas as partes a possibilidade de fazer cessar, a todo tempo, a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço, nos termos do art. 4.º, n.º 1”.

Julgamos que o Código do Trabalho de 2003 (e depois o de 2009) não veio modificar tais traços essenciais e definidores do contrato de comissão de serviço, como é possível extrair do que Maria do Rosário Palma Ramalho afirma em “Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, Almedina, Julho de 2006, páginas 284 e seguintes, no âmbito do primeiro diploma assinalado, e João Leal Amado, no quadro do actual Código do Trabalho, sustenta em “Contrato de Trabalho”, 2.ª Edição, Janeiro de 2010, numa publicação conjunta de Wolters Kluwer e Coimbra Editora, páginas 150 e seguintes.

O regime que antes constava do artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 404/91, de 16/10 e que depois ressaltou dos artigos 246.º e 163.º dos dois sucessivos Códigos do Trabalho constitui o elemento que distingue verdadeiramente tal instituto do contrato de trabalho em geral (inclusive, do contrato de trabalho a termo certo e incerto), suscitando mesmo, junto de alguns autores e com referência, v. g., à comissão de serviço externa sem garantia de emprego, dúvidas de constitucionalidade, tal como se pode ver em Jorge Leite, “Comissão de Serviço”, Questões Laborais, n.º 16, Ano VII, 2000, páginas 152 a 161 e em João Leal Amado, obra citada, página 153.

Luís Miguel Monteiro, em “Regime Jurídico do Trabalho em Comissão de Serviço”, publicado igualmente a fls. 507 e seguintes da obra colectiva “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea”, Almedina, Março de 2004, refere, acerca de tal problemática e também no quadro do Decreto-Lei n.º 404/91, de 16/10, o seguinte:

“De acordo com a leitura do Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 64/91, de 4 de Abril de 1991, o que subjaz à comissão de serviço e assegura a sua constitucionalidade, designadamente quando a cessação daquela é acompanhada pela extinção do contrato de trabalho, é o "evidente carácter fiduciário” dos cargos dirigentes ou a eles equiparados, "de tal forma que, pela sua própria natureza, são exercidos pelos titulares de forma precária". Em todos os casos para que a lei admite o recurso à comissão de serviço verifica-se "aquela modificação no conteúdo ou na essencialidade do dever de lealdade que MONTEIRO FERNANDES (ob. cit., p. 190) considera típica dos cargos de direcção ou de confiança". É o que basta para o "Tribunal reconhecer que, nestes casos (itálico nosso), há fundamento material para um regime de cessação do contrato, restrito ao contrato ou acordo de comissão de serviço, que o fará terminar com a cessação da relação de confiança considerada essencial. Neste caso, a quebra da relação fiduciária torna absolutamente impossível o serviço comissionado, como se de impossibilidade objectiva se tratasse, não tendo sentido falar-se de derrogação de normas inderrogáveis a este propósito".

Neste pressuposto, a conformidade constitucional do instituto será posta em causa se este for aplicado a cargos em que a obrigação de lealdade constitui um dever acessório e não uma parcela essencial da posição jurídica do trabalhador. Tanto bastaria para suportar uma declaração de inconstitucionalidade da cláusula da convenção colectiva ao abrigo da qual a relação de comissão de serviço foi constituída, se ao Tribunal Constitucional se reconhecesse jurisdição para tanto”. (cf., no mesmo sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, obra e local citados).

Sendo assim, na base daquelas três características existe ainda o elemento fiduciário ou de confiança, que constitui, ao que parece, a raiz da figura em apreço, atentas as funções que são exercidas ao abrigo da mesma.»- fim de transcrição.

****

No caso em exame, constata-se que a impugnação da matéria de facto improcedeu, sendo certo que à data do inicio da incontrovertida relação laboral entre os litigantes o regime da comissão de serviço era regulado pelo Decreto-Lei n.º 404/91, de 16 de Outubro.

Segundo aresto do STJ, de 24-01-2018, proferido no âmbito do processo nº 2137/15.2T8TMR.E1.S1, N.º Convencional, 4ª Secção, Relator Conselheiro António Leones Dantas, acessível em www.dgsi.pt: As notas de rodapé devem ali ser consultadas.

«– A comissão de serviço como forma específica de contrato de trabalho, depois de consagração em instrumentos de regulamentação coletiva foi introduzida no regime jurídico português, com caráter geral, através do Decreto-lei n.º 404/91, de 16 de outubro.

Sobre o regime emergente deste diploma, que nas suas linhas gerais se manteve no Código do Trabalho de 2003 e no código em vigor, nomeadamente nos artigos 161.º a 164.º deste código, referiu-se no acórdão desta Secção de 19 de fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 5/11.6TTGRD.C1.S1[1], o seguinte:

«Efetivamente, constatando que o regime do contrato individual de trabalho não apresentava qualquer especialidade para o exercício de funções que pressupõem uma especial relação de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, o legislador veio consagrar a figura da “comissão de serviço”, face à necessidade de assegurar níveis cada vez mais elevados de qualidade, responsabilidade e dinamismo na gestão das organizações empresariais.

Por isso, com vista à salvaguarda da lealdade, dedicação e competência em que assenta a confiança que o exercício de certos cargos exige, e constatando o legislador que o desaparecimento destes atributos de caráter interpessoal concorre para a eclosão de situações degradadas de relacionamento laboral, para as quais o regime legal do contrato individual de trabalho não apresentava uma solução satisfatória, veio aquele diploma a admitir a figura da comissão de serviço.

Na verdade, vigorava então o princípio da correspondência entre a atividade exercida e a categoria/estatuto do trabalhador, conforme resultava do art. 22º, nº 1 do D.L. nº 49 408 de 24 de novembro de 1969, e que aprovou o regime do contrato individual de trabalha (também conhecido por LCT), e que só admitia as exceções decorrentes do “ius variandi”.

Donde resultava que, verificando-se, cumulativamente, os requisitos previstos no seu nº 2, ao desempenho de funções nestes casos não correspondia o direito à respetiva categoria profissional, embora se tivesse que atribuir ao trabalhador retribuição superior, se esta correspondesse ao desempenho das novas funções.

Por outro lado, estava absolutamente vedado à entidade patronal baixar definitiva ou temporariamente a categoria para que o trabalhador tinha sido contratado ou a que fora, entretanto, promovido, conforme decorria dos artigos 21º, nº1, al. d) e 23º da LCT.

Por isso e perante esta proteção legal da categoria profissional, o legislador, na sequência do que já estabeleciam alguns instrumentos de regulamentação. coletiva para responder a necessidades específicas das empresas, veio consagrar um regime excecional para o desempenho de cargos de “direção”, cuja disciplina se afastava daqueles princípios estruturantes do Direito do Trabalho.

Foi neste enquadramento que foi consagrada a comissão de serviço, que estabelecia que o exercício de funções neste regime é de caráter precário, não conferindo ao trabalhador o direito à aquisição da categoria profissional respetiva, possibilitando-se às empresas o desempenho de certas funções ao trabalhador sem que se produzisse o efeito estabilizador da aquisição da categoria em conformidade com o chamado princípio da irreversibilidade.» - fim de transcrição.

In casu, examinado o contrato de trabalho inicialmente celebrado [ vide fls. 10 v e 11] verifica-se que consta da sua clª 1ª que o Réu admitiu a Autora ao seu serviço atribuindo-lhe a categoria profissional de Técnica de Serviço Social de 2ª, desempenhando as funções de Coordenação Técnica .

Tal menção é reiterada na clª 2ª que refere a remuneração correspondente à categoria de Técnica Superior de 2ª já devidamente acrescida da gratificação correspondente ao desempenho das suas funções de Coordenadora Técnica .

Todavia, não consta do acordo qualquer referência expressa e inequívoca a comissão de serviço, sendo certo que tal menção constitui formalidade ad substantiam da sua existência.

Na base da forma negocial, quando exigida, estão razões de:

- solenidade;

- reflexão;

- prova (vide A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral , Tomo I , 1999, pág 319).

A doutrina costuma distinguir entre formalidades ad substantiam ou ad solemnitatem e simplesmente ad probationem.

Nas palavras de Manuel de Andrade “as primeiras, também chamadas substanciais são as exigidas sob pena de nulidade do negócio.

Sem elas não é válido o negócio. A sua falta é de todo irremediável.

São, em suma, absolutamente insubstituíveis por qualquer outro género de prova.

As segundas, também chamadas probatórias, são as impostas, e não de modo absoluto, apenas para a prova do negócio.

Sem elas o negócio não é propriamente nulo; só que a sua prova será mais custosa de obter.

São, portanto, formalidades cuja falta pode ser suprida por outros meios de prova mais difíceis de conseguir” – vide Teoria Geral da Relação jurídica, vol II, Facto jurídico, em especial negócio jurídico, Almedina, 1974, pág 145.

Cabe, pois, concluir que na falta de referência de que o cargo ou função é exercido em Comissão de Serviço a mesma é nula por inobservância de forma.

Todavia, esse facto não afecta a validade do negócio jurídico em causa, verificando-se a sua manutenção forçada, sem possibilidade de afastamento pela vontade hipotética das partes.

Assim, o contrato de trabalho continua a existir.

Sobre a forma escrita do acordo de comissão de serviço o supra citado aresto do STJ referiu:

«

MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, referiu sobre o mesmo o seguinte:

«O contrato de trabalho ou o acordo para prestações em função de regime de comissão e serviço deve ser reduzido a escrito, nos termos do art. 162.º, n.º 3 do CT, e dele devem constar as menções referidas nessa mesma norma.

A não redução a escrito, e bem, assim, a não referência das funções a desempenhar e do regime da comissão de serviço aplicável determinam a conversão automática do contrato em contrato de trabalho comum (art. 162.º, n.º 4).

Trata-se, em suma, da manifestação do princípio da proteção do trabalhador na matéria da forma quando estejam em causa regimes menos favoráveis para o trabalhador do que o regime comum».[3]

Por outro lado, esta autora, a propósito da forma e das formalidades do contrato de trabalho em geral, afirmou o seguinte:

«Em primeiro lugar, cumpre referir que, nos casos em que o contrato de trabalho seja sujeito a exigências legais de forma (i.e, quando seja um negócio formal), a forma a seguir é a forma escrita.

Trata-se contudo, de uma forma qualificada, porque do documento contratual devem constar certas menções obrigatórias.

Algumas destas menções obrigatórias são comuns a todas as situações em que a lei exija forma escrita (assim a identificação e assinatura das partes), enquanto outras variam consoante as especificidades do contrato de trabalho em questão – assim, vejam-se, no Código do Trabalho, (…) o art. 162.º, n.º 3, quanto às menções do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço (…).

O ponto importante a reter nesta matéria é que, tal como sucede em relação à falta de forma, a omissão das menções mais importantes pode importar a consequência, acima indicada, da conversão do contrato (…). Estas menções obrigatórias mais importantes têm assim valor ad substantiam para o contrato em questão.»[4]

Segundo a mesma autora, «o recurso à comissão de serviço fora dos casos previstos na lei, comina uma situação de nulidade, por contrariedade à lei».[5]

LUÍS MIGUEL MONTEIRO, por seu turno, afirmou que «a comissão de serviço tem origem obrigatória num acordo entre empregador e trabalhador, necessariamente escrito e contendo a identificação dos contraentes, a cargo ou funções a desempenhar com menção expressa do regime de comissão de serviço.

Tratando-se de trabalhador já ligado à empresa, o acordo deve mencionar a sua categoria ou funções exercidas. A menção destina-se a tornar clara a situação do trabalhador após a cessação da comissão de serviço, pois a hipótese normal envolverá o regresso ao posto de trabalho ocupado antes da comissão»[6].

E que «a falta de redução a escrito do contrato ou a ausência neste de expressa referência ao regime de comissão de serviço tem efeito idêntico ao recurso à comissão para provimento de cargos que a não admitem – o empregador não pode pôr termo ao exercício das funções contratadas por simples declaração unilateral».[7]

Por outro lado, IRENE GOMES, pronunciando-se sobre o regime emergente do Decreto-lei n.º 404/91, de 16 de outubro, referiu que «A forma exigida assume-se como ad substantiam não podendo a falta de redução a escrito ser substituída, nos termos do art. 364.º, n.º 1 do Código Civil, por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.

De facto, no caso da comissão de serviço não estamos perante uma situação em que a exigência de documento escrito vise apenas a prova das declarações.

Aqui, a forma escrita tem em vista possibilitar uma maior reflexão das partes, uma formulação mais precisa e completa das declarações negociais e um maior elevado grau de certeza sobre os termos contratuais, afastando, consequentemente, o regime do n.º 2 do art. 364.º do Código Civil.

Quanto à inobservância da forma e formalidades legais impostas para o trabalho exercido em comissão de serviço, a lei só se pronuncia expressamente relativamente a um ponto concreto – falta de redução a escrito da menção de que o cargo ou funções a desempenhar são efetuados em comissão de serviço (art. 3.º, n.º1, al. b) e n.º 2).

Nesse caso, e de acordo com o n.º 2 do art. 3.º, “considera-se que o cargo ou as funções são exercidas com caráter permanente.

Assim, na falta de referência de que o cargo ou função é exercido em Comissão de Serviço, permanece intacto o contrato de trabalho, ou seja a comissão de serviço é nula, por inobservância de forma, mas essa parte contratual não afeta a validade do negócio jurídico em causa, verificando-se a sua manutenção forçada, sem possibilidade de afastamento pela vontade hipotética das partes.

(…)

De facto, a necessidade de controle da legitimidade do recurso da comissão de serviço explica a razão da exigência formal da figura e da severidade do regime perante a sua inobservância.»[8]

5–Esta Secção debruçou-se sobre as consequências da omissão de sujeição à forma escrita do desempenho de funções de natureza diretiva em comissão de serviço no acórdão proferido na revista n.º 5/11.6TTGRD.C1.S1, datado de 19 de março de 2013, já acima referido.

Considerou-se nesse aresto, tendo em conta o regime decorrente do Decreto-lei n.º 404/91, de 16 de outubro e a disciplina emergente do Acordo de Empresa aplicável ao caso, que a não sujeição a forma escrita da comissão de serviço não afastava a aplicação ao caso do específico regime de cessação daquela forma de contrato de trabalho, com os seguintes fundamentos:

(….)

Deste modo e conforme resulta do artigo 234º do Código Civil, preceito aplicável aos atos jurídicos por força do artigo 295º, temos de concluir que, face às circunstâncias do caso, o simples desempenho do cargo pelo trabalhador após submissão ao aludido processo concursal, constitui uma clara intenção da aceitação da proposta negocial da R, nos termos em que tinha sido publicitada – desempenho de funções de chefia em regime de comissão de serviço.

Por outro lado, a declaração negocial pode ser tácita, não impedindo o caráter formal da declaração que ela seja tacitamente emitida, desde que (como foi o caso) a forma escrita tenha sido observada quanto aos factos donde a declaração se deduz (processo concursal do trabalhador, ato de nomeação e subsequente aceitação do desempenho do cargo), conforme resulta dos nºs 1 e 2 do artigo 217º do CC.

(…)

Considerou-se neste aresto que a redução a escrito contrato para desempenho de funções em comissão de serviço era dispensável no caso, porque a nomeação do trabalhador ocorreu no contexto de um procedimento de natureza concursal que realizava por inteiro os objetivos subjacentes à redução a escrito do acordo relativo ao desempenho das funções de chefia em comissão de serviço, nos termos do artigo 162.º do Código do Trabalho.

São as específicas condições de transparência que caracterizam este procedimento de seleção e nomeação, com a objetivação das condições em que a função é exercida, que na ótica do aresto em causa garantem as razões subjacentes à norma relativa à relativa à forma do contrato, hoje resultante do n.º 4 do artigo 162.º do Código do Trabalho em vigor, ao tempo, do artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 404/91, de 16 de outubro.»- fim de transcrição.

No caso em exame não se vislumbra que tenha existido qualquer concurso procedimental interno ou externo para efeito do exercício das funções de Direcção Técnica da Ré, sendo certo que a Autora também não solicita que lhe seja atribuída a categoria de Directora mas a atribuição dessas funções que sempre exerceu.

Ora, como,igualmente, se refere no supra citado aresto:

«A caracterização da posição do trabalhador na organização da empresa é encontrada a partir do conjunto de serviços e tarefas que constituem o objeto da prestação laboral, a que aquele contratualmente se obriga, e que se aglutinam no âmbito da categoria profissional que lhe corresponde.

O conceito de categoria profissional é utilizado em vários sentidos, nomeadamente, os de categoria-função e os de categoria- estatuto.

O conceito de categoria-função «descreve em termos típicos, i. e, com recurso aos traços mais impressivos, a atividade a que o trabalhador se encontra adstrito»[9].

Por sua vez, a categoria-estatuto, também designada categoria normativa, «corresponde à designação formal dada pela lei ou pelos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho a determinado conjunto de tarefas, com vista à aplicação do regime laboral previsto para essa situação»[10].

A categoria profissional do trabalhador é assim determinada em função do «binómio classificação normativa/funções exercidas», correspondendo ao essencial das funções que o trabalhador se obrigou a desempenhar pelo contrato de trabalho.

«O conceito de categoria profissional é anterior e exterior ao contrato de trabalho e à integração do trabalhador na organização, mas pode ter uma relevância direta no contrato, designadamente quando o exercício de uma certa atividade profissional dependa da posse da carteira profissional ou de outro título de habilitação, cuja falta determine, (…), a nulidade do contrato ou, se aquele título vier a ser retirado durante a execução do contrato, a sua caducidade»[11].

Segundo BERNARDO XAVIER, a atribuição da categoria «normativa» que de acordo com aquele autor corresponde «à posição do trabalhador para efeitos de um certo estatuto», «coloca-se em três planos.

Um resulta da descrição o mais completa possível da situação de facto e, portanto, da análise das funções desempenhadas, dos seus requisitos profissionais e das características do posto de trabalho.

Outro, que releva da interpretação do IRCT e das grelhas classificativas. E o terceiro, que supõe a justaposição destes planos para detetar a congruência classificatória operada em face da situação dada como verificada»[12].

Na determinação do concreto enquadramento do trabalhador numa determinada categoria profissional, apela-se, tal como se referiu no acórdão desta Secção de 17 de março de 2010, proferido na revista n.º 435/09.3YFLSB[13], «à essencialidade das funções exercidas, no sentido de que não se torna imperioso que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria – tal como ela decorre da lei ou de instrumento de regulamentação coletiva – mas apenas que nela se enquadre o núcleo essencial das funções efetivamente desempenhadas» e prosseguiu-se nesse acórdão referindo que «tenha-se ainda presente [como refere o Acórdão desta secção de 10/12/2008, na Revista n.º 2563/08] que, exercendo o trabalhador diversas atividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deve fazer-se tendo em consideração o núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou a atividade predominante e, sendo tal diversidade indistinta, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efetivamente exercidas, ou seja, em caso de dúvida quanto à categoria profissional, a atração deve fazer-se para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador.» [14].

Decorre desta jurisprudência que na determinação da categoria profissional correspondente a um trabalhador, se destaca, em primeiro lugar, a necessidade de caracterização do «núcleo essencial das funções efetivamente desempenhadas» por esse trabalhador, uma vez que é a partir deste núcleo que se encontrará a categoria correspondente, por comparação entre as funções efetivamente desempenhadas e a descrição do conteúdo funcional da categoria em causa, tal como abstratamente se mostre definido.» - fim de transcrição.

In casu, não se verificando – como não se verificou nem sequer , a nosso ver, de forma tácita ou implícita - uma situação de comissão de serviço a Ré não pode fazer cessar algo que nunca existiu , o que não contende com a continuação da relação laboral.

É patente que a Autora sempre exerceu as funções de Directora Técnica com a categoria profissional de Técnica de Serviço Social de 2ª.

Por outro lado, não existem elementos factuais que nos permitam considerar que o exercício das funções de Directora Técnica depende da existência de uma especial relação de confiança entre o trabalhador(a) que as desempenha e a Direcção, sendo certo que a Ré desde o início não pode ter deixado de entender – o que ocorreu durante cerca de 21 anos … - que as mesmas eram adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.

Em face da longevidade do exercício dessas funções também cumpre, concluir que - de parte a parte - a categoria profissional da Autora nunca constitui obstáculo e sempre lhe permitiu o desempenho de funções de Direcção Técnica sem desvalorização profissional, sendo que entre o exercício dessas funções e a sua categoria existe ligação funcional.

Recorde-se o disposto nos artigos 115º e 118º do CT/2009, sendo que o trabalhador que exerce tais funções tem nessa mesma qualidade os respectivos direitos, deveres e as inerentes garantias [vide artigos 127º ,128 e 129 do CT/2009,sendo que no caso atenta a inexistência de qualquer comissão de serviço, fosse em que período fosse, da sua já longa relação laboral e funcional não se divisa qualquer motivo para a alteração da actividade exercida pela trabalhadora desde o início e por acordo, implicando tal comportamento a sua desvalorização profissional a que a lei se opõe tal como decorre do disposto nos artigos 118 e 129 do CT/2009] .

Assim, atento o disposto no nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 404/91, de 16 de Outubro, sendo certo que não se vislumbra que desde o acordo mencionado em A, B, C e D tenha sido celebrado outro por escrito, afigura-se-nos que cumpre confirmar a sentença recorrida.

Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso.

Custas pela recorrente.

Notifique.

Lisboa, 2023-06-14

Leopoldo Soares
Alves Duarte
Maria José Costa Pinto.

_______________________________________________________

Artigo 115º

Determinação da actividade do trabalhador

1-Cabe às partes determinar por acordo a actividade para que o trabalhador é contratado.

2-A determinação a que se refere o número anterior pode ser feita por remissão para categoria de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou de regulamento interno de empresa.

3-Quando a natureza da actividade envolver a prática de negócios jurídicos, considera-se que o contrato de trabalho concede ao trabalhador os necessários poderes, salvo se a lei exigir instrumento especial.

Artigo 118.º

Funções desempenhadas pelo trabalhador

1-O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida actividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.

2-A actividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional.

3-Para efeitos do número anterior e sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional.

4-Sempre que o exercício de funções acessórias exigir especial qualificação, o trabalhador tem direito a formação profissional não inferior a dez horas anuais.

5-Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no número anterior.

Normas que regulam:

Artigo 127.º

Deveres do empregador

1- O empregador deve, nomeadamente:
a)-Respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade;
b)-Pagar pontualmente a retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho;
c)-Proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral;
d)-Contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação;
e)-Respeitar a autonomia técnica do trabalhador que exerça actividade cuja regulamentação ou deontologia profissional a exija;
f)-Possibilitar o exercício de cargos em estruturas representativas dos trabalhadores;
g)-Prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a protecção da segurança e saúde do trabalhador, devendo indemnizá-lo dos prejuízos resultantes de acidentes de trabalho;
h)-Adoptar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
i)-Fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidente ou doença;
j)-Manter actualizado, em cada estabelecimento, o registo dos trabalhadores com indicação de nome, datas de nascimento e admissão, modalidade de contrato, categoria, promoções, retribuições, datas de início e termo das férias e faltas que impliquem perda da retribuição ou diminuição de dias de férias.
2-Na organização da actividade, o empregador deve observar o princípio geral da adaptação do trabalho à pessoa, com vista nomeadamente a atenuar o trabalho monótono ou cadenciado em função do tipo de actividade, e as exigências em matéria de segurança e saúde, designadamente no que se refere a pausas durante o tempo de trabalho.
3-O empregador deve proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da actividade profissional com a vida familiar e pessoal.
4-O empregador deve comunicar ao serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral, antes do início da actividade da empresa, a denominação, sector de actividade ou objecto social, endereço da sede e outros locais de trabalho, indicação da publicação oficial do respectivo pacto social, estatuto ou acto constitutivo, identificação e domicílio dos respectivos gerentes ou administradores, o número de trabalhadores ao serviço e a apólice de seguro de acidentes de trabalho.
5-A alteração dos elementos referidos no número anterior deve ser comunicada no prazo de 30 dias.
6-Constitui contra-ordenação leve a violação do disposto na alínea j) do n.º 1 ou nos n.os 4 ou 5.

Artigo 128.º

Deveres do trabalhador

1- Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a)- Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;
b)-Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade;
c)-Realizar o trabalho com zelo e diligência;
d)-Participar de modo diligente em acções de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador;
e)-Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;
f)-Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;
g)-Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador;
h)-Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;
i)-Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim;
j)-Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
2-O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.

Artigo 129.º

Garantias do trabalhador

1- É proibido ao empregador:
a)-Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como despedi-lo, aplicar-lhe outra sanção, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício;
b)-Obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho;
c)-Exercer pressão sobre o trabalhador para que actue no sentido de influir desfavoravelmente nas condições de trabalho dele ou dos companheiros;
d)-Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
e)-Mudar o trabalhador para categoria inferior, salvo nos casos previstos neste Código;
f)-Transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, ou ainda quando haja acordo;
g)-Ceder trabalhador para utilização de terceiro, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
h)-Obrigar o trabalhador a adquirir bens ou serviços a ele próprio ou a pessoa por ele indicada;
i)-Explorar, com fim lucrativo, cantina, refeitório, economato ou outro estabelecimento directamente relacionado com o trabalho, para fornecimento de bens ou prestação de serviços aos seus trabalhadores;
j)-Fazer cessar o contrato e readmitir o trabalhador, mesmo com o seu acordo, com o propósito de o prejudicar em direito ou garantia decorrente da antiguidade.
2- Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.]