Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6462/2007-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: LOTEAMENTO URBANO
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/01/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A lei não consente qualquer operação de loteamento, nem a alteração de loteamento já aprovado pelas entidades competentes, feita por simples actos ou negócios jurídicos particulares, ferindo de nulidade quaisquer actos de que tais efeitos possam resultar, desde, pelo menos, o regime estabelecido pelo DL 289/73 de 06-06.
(FA)
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa

A., intentou contra a Comissão de Melhoramentos do Casal da S., a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário, pedindo que a R. fosse condenada a reconhecer o A. como dono e legítimo proprietário da parcela de terreno identificada no art.º 11.º da petição inicial, a abster-se de fazer uso da referida parcela e a pagar ao A. indemnização no montante de 4 600 000$00.
Para tanto alegou nos seguintes termos que, por comodidade, se transcrevem, na parte em que pode ser estabelecida alguma ligação entre os factos alegados e os pedidos formulados, mantendo-se a numeração dos artigos da petição inicial:
« 1. O A. é dono e legitimo proprietário de um lote de terreno com o n° 907....., cfr. doc. 1 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2. O referido prédio se encontra descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n° ....(Doc.1).
3. ........
4. A qualidade de proprietário do referido imóvel adveio ao A. por compra. (Doc. I)
10. Sucede que a configuração do lote 907 é aquela que apresenta neste momento.
11. Contudo, foram implantadas árvores, plantas e relva na configuração da Rua do lote 907.
12. Sem qualquer motivo ou justificação
13. Tal espaço foi adquirido à Comissão de Melhoramentos, ora R., há cerca de dez anos, pelo preço de Esc. 100.000$00 ( cem mil escudos).
14. Tendo o A. tratado e cultivado o referido espaço desde essa altura, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.
15°. E eis que, há cerca de um ano, representantes da R., abusivamente e contra a vontade do A., desapossaram o mesmo do referido espaço e inclusive estava um carro do mesmo estacionado no terreno e o mesmo foi retirado pela R.
Mas mais fez a R.,
16°. Chegaram a colocar uma rede de separação e a proceder à plantação de árvores e relva, desapossando assim o A. dos cerca de 100 m2 que tinha comprado à R. há cerca de 10 anos.
......
18. Usurpou assim a R. sem qualquer título de uma forma ilegal e contra a vontade do A. uma parcela de terreno da sua exclusiva propriedade para proveito próprio da mesma R. e fazendo seu o referido espaço.
........
23°. O A. ficou impossibilitado de utilizar essa parcela de terreno.
24°. Nomeadamente de o cultivar e de, posteriormente, colher os frutos.
25°. Prejuízos esses que se computam em Esc. 500.000$00 (quinhentos mil escudos).
Acresce que,
26.º Sentiu-se humilhado e enxovalhado.
27.º Os vizinhos chegaram a chamá-lo "banana", "cretino", que se fosse com eles as coisas não ficavam assim.
28°. É patente o seu sofrimento, sempre que olha para a sua parcela de terreno, vendo vedada a sua propriedade.
29°. Danos morais que o A. tem direito a ser ressarcido e que se computam em Esc. 2.000.000$00.

Citada , a ré contestou, concluindo que deve ser absolvida da instância por ser parte ilegítima, uma vez que o processo de legalização do Casal da S. era um processo de obras municipais, intervindo a ora ré em tal processo apenas em defesa dos interesses dos proprietários; ou que deve ser absolvida do pedido, uma vez que nada vendeu ao autor, nem alguma vez foi dona de qualquer parcela, ou lote de terreno no Casal da S. e também não praticou nenhum dos actos que lhe vêm imputados pelo autor.
Em reconvenção, pediu que o A. fosse condenado a pagar-lhe Esc. 52 244$00 correspondentes à última prestação da sua comparticipação nas despesas de recuperação do loteamento clandestino em que prédio do A. se situa, ao registo do alvará de loteamento e a penalizações por atraso no pagamento.
Na réplica o autor chamou à acção, nos termos do art.º 320.º e ss. do CPC, a Câmara Municipal de L., alegando o interesse desta quanto à legalização do Bairro do Casal da S, alvará de loteamento e implantação de infra-estruturas, bem como referente à área dos lotes do Bairro e nomeadamente referente ao objecto dos autos.
Quanto à reconvenção, o A. reconheceu dever a prestação referente a um ano dizendo que dado o litígio nunca lhe foi solicitado o pagamento.
Seguiu-se, na parte que agora interessa, o despacho saneador-sentença. No saneador foi indeferido o incidente de chamamento da Câmara Municipal de L., por o mesmo não ter sido adequadamente justificado, nem quanto à finalidade da intervenção, nem quanto ao interesse da chamada na acção.
Na sentença foi julgada improcedente a acção, porque a compra invocada pelo autor não fora formalizada por escritura pública e a posse que fora alegada por cerca de dez anos era insuficiente para justificar a aquisição por usucapião. E foi julgada procedente a reconvenção, assente na confissão do réu reconvindo.

Inconformado o A. apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde formulou as seguintes conclusões:
1 - O presente recurso de Apelação vem interposto de Douta Sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido e a reconvenção procedente, condenando o A. a pagar à R. a quantia de € 260,59 (duzentos e sessenta euros e cinquenta e nove cêntimos);
2 - Fundamenta-se a Douta Sentença Recorrida de que a alegada aquisição do A. não revestiu a necessária forma ( escritura pública) e sem registo de qualquer espécie, a posse por cerca de dez anos é insuficiente para conduzir à aquisição por usucapião ( art.º 1296º do C. Civil), o que, salvo o devido respeito, carece de qualquer fundamento.
3 - O Douto Tribunal “a quo” indeferiu o incidente do chamamento da demanda da Câmara Municipal de L., com o fundamento de que o A. não justificou o interesse no referido chamamento, o que não corresponde à verdade, pois o mesmo consta de art.ºs 1.º, 2.º, 3.º e 4.º da Réplica.
4 - No entanto, no caso de se entender que o chamamento não estava suficientemente justificado, o que se admite por mera hipótese, deveria o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" proferir despacho de aperfeiçoamento, no sentido de ser justificado, suficientemente, o chamamento à demanda, cumprimento ao disposto no art. 508.º n.º 2 e 3 do CPC.
5 - Pelo que, não o tendo feito, a Douta Sentença violou o disposto no art. 508° n.º 2 e 3 do CPC.
6 - Por outro lado, também a Douta Sentença não devia ter considerado que o espaço, objecto dos presentes, foi adquirido por usucapião e que a posse de dez anos é insuficiente para conduzir à aquisição por usucapião.
7 - Como consta dos articulados, o A. adquiriu, por compra, o lote de terreno no ano de 1986 (art. 1°,2°,3° e 4º da p.i. e 4º da contestação) e a R. confessa no seu art. 26º (da contestação), que em 9 de Março de 1986 o A. marido compareceu e perante a divergência de áreas: 320 m2 que comprou aos seus antepossuidores e a área que foi encontrada no terreno de 440m2 optou por ficar com esta última, pagando a quantia de 45.600$00 que corresponde a 152m2 da área ganha.
8 - Assim, o espaço ocupado pelo A. foi adquirido por compra, não se confundindo com qualquer posse precária e usucapião. Sendo certo que, nunca o A. alegou que adquiriu o espaço, objecto dos presentes, por usucapião. Pelo que, a Douta Sentença recorrida não deveria ter considerado que se tratava de usucapião.
9 - Nesta conformidade, a Douta Sentença recorrida conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, o que gera a sua nulidade (cfr. al. d) do n.o 1 do art. 668.º do C PC).
10- Acresce que, a Douta Sentença recorrida condenou o A. no pedido reconvencional, ou seja, condenou o A. a pagar à R. a quantia de €.260,59 (duzentos e sessenta euros e cinquenta e nove cêntimos).
11 - Contudo, esta quantia já foi integralmente paga pelo A à R. (Doc. 1). Assim, nada deve o A. à R., pelo que não devia ter sido condenado no pedido reconvencional.
12 - Pelo exposto, a Douta Sentença recorrida violou vários preceitos legais, nomeadamente o art. 508.º n.º 2 e n.º 3 do CPC, sendo nula (art. 668.º n.o 1 al. d) do CPC), devendo ser revogada e substituída por outra que declare a acção procedente e o pedido reconvencional improcedente.
A apelada contra-alegou, em termos idênticos aos da sua contestação, reconhecendo que, já depois da contestação, o autor havia pago as quantias que devia.
Depois de peripécias várias, foi proferido acórdão a julgar improcedente a apelação e a confirmar a decisão recorrida, acórdão que, porém, viria a ser anulado em via de recurso para o S.T.J., tendo sido ordenada a baixa dos autos a este tribunal para serem fixados os factos que se entenda estarem provados e que sejam necessários e suficientes para a decisão da causa.
É o que, agora, cumpre fazer.
Em jeito de justificação prévia, anota-se que a opção que até agora foi seguida, no que respeita ao tratamento da matéria de facto, assentou na convicção de que a presente acção não podia deixar de ser julgada improcedente.
Por isso mesmo, foi a acção prontamente decidida no despacho saneador, sem apuramento da matéria de facto controvertida, e, tendo sido transcrita a matéria da facto alegada na petição inicial em que se reconheceu alguma ligação aos pedidos formulados, não houve a preocupação de discriminar a matéria de facto provada e não provada. Pois que toda ela era insuficiente para que a acção pudesse ser julgada procedente.
Neste momento, revistos os autos, mantém-se inalterada a conclusão então estabelecida. Através da presente acção o A. pediu o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre uma parcela de terreno, com cerca de cem metros quadrados de área, situada em área abrangida por uma operação de loteamento, alegando tê-la comprado à R., há cerca de dez anos, pelo preço de 100.000$00, e tê-la cultivado desde então à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, até à sua usurpação pela R..
Ora, como bem se anotou na decisão de primeira instância, a alegada compra e venda não está titulada e a posse alegada não tem duração suficiente para fundar a aquisição com base em usucapião. Ou seja, com base nos factos alegados pelo autor, nunca o tribunal poderá reconhecer-lhe o direito de propriedade sobre a parcela de terreno reivindicada nos autos, parcela cuja localização e confrontações também não foram identificadas.
Acresce que, como também se ponderou no anterior acórdão, o pedido de reivindicação deduzido pelo autor implica uma alteração da operação de loteamento em que se insere a parcela reivindicada, alteração que não pode tornar-se efectiva por simples negócio entre particulares, sob pena de nulidade.
Julgando-se, assim, incontornável a improcedência da presente acção, não se irá remeter para julgamento o apuramento de quaisquer factos. Deste modo, em cumprimento do superiormente ordenado, será feito o elenco dos factos alegados em que se reconheça alguma ligação com os pedidos formulados, autonomizando aqueles que, por documento ou acordo das partes, devam ser considerados assentes, dos restantes.
Com estes pressupostos, seleccionamos a seguinte matéria de facto:
I - Provada
A. O A. é dono e legitimo proprietário de um lote de terreno com o n° 907, sito no Casal da S. , cfr. doc. 1 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
B. O referido prédio encontra-se descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n° .... .(Doc.1).
C. O prédio confronta: a norte com a R. ; a sul com o lote 912; a nascente com o lote 908 e a poente com a R. (Doc. 1 e 2).
D. A qualidade de proprietário do referido imóvel adveio ao A. por compra. (Doc. I)
E. Este Lote n.º 907 foi aprovado com a área inicial de 320 m2, indicada na autorização de loteamento.
F. A área do Lote mencionada no Registo foi, entretanto, rectificada para 336 m2.
G. A área efectivamente ocupada pelo Lote é de 440m2.
F. Tendo em conta a diferença entre a área inicial do Lote ( 320 m2) e a área final (440 m2), o A. optou por ficar com esta última, entregando à R., no dia 09-03-1986, a quantia de 45.600$00, correspondente a 152 metros quadrados de área ganha - Cf. doc. de fls. 32.

II – Não provada
1.º - A configuração do lote 907 é aquela que apresenta neste momento.
2.º- Contudo foram implantadas árvores, plantas e relva na configuração da Rua do lote 907.
3.º - Sem qualquer motivo ou justificação
4.º - Tal espaço foi adquirido à Comissão de Melhoramentos do Casal da S., ora R., há cerca de dez anos, pelo preço de Esc. 100.000$00 ( cem mil escudos).
5.º - Tendo o A. tratado e cultivado o referido espaço desde essa altura, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.
6.º - E eis que, há cerca de um ano, representantes da R., contra a vontade do A., desapossaram o mesmo do referido espaço e inclusive estava um carro do mesmo estacionado no terreno e o mesmo foi retirado pela R.
7.º - Chegaram a colocar uma rede de separação e a proceder à plantação de árvores e relva, desapossando assim o A. dos cerca de 100 m2 que tinha comprado à R. há cerca de 10 anos.
8.º - Assim a R., procedendo contra a vontade do A., fez sua a dita parcela de terreno.
9.° - O A. ficou impossibilitado de utilizar essa parcela de terreno.
10.º - Nomeadamente de o cultivar e de, posteriormente, colher os frutos.
11.º - Prejuízos esses que se computam em Esc. 500.000$00 (quinhentos mil escudos).
12.º - O A. Sentiu-se humilhado e enxovalhado.
13.º - Os vizinhos chegaram a chamá-lo "banana", "cretino", que se fosse com eles as coisas não ficavam assim.
14.º - É patente o seu sofrimento, sempre que olha para a sua parcela de terreno, vendo vedada a sua propriedade.

O Direito

O objecto do presente recurso mantém-se inalterado, sendo delimitado pelas respectivas conclusões, enquanto apoiadas nas alegações. Está, assim, em causa saber:
- Se deveria ter sido dado seguimento ao incidente de chamamento à acção da Câmara Municipal de L.;
- Se, ao considerar que, no caso, não havia aquisição por usucapião a decisão recorrida conheceu de questão de que não devia tomar conhecimento.
- Se deve ser reconhecido, designadamente com base em confissão da ré feita na sua contestação, que a parcela de terreno reivindicada pelo autor foi por ele adquirida por compra.
- Se, em face do pagamento ora alegado, deve ser julgado improcedente o pedido reconvencional.

Vejamos:

I - O chamamento à acção da Câmara Municipal de L.

Aparentemente sugestionado pela invocação da falta de legitimidade da ré, o autor veio requerer o chamamento à acção, nos termos do art.º 320.º do CPC da Câmara Municipal de L., alegando o interesse desta quanto à legalização do Bairro do Casal da S., alvará de loteamento e implantação de infra-estruturas, bem como referente à área dos lotes do Bairro e nomeadamente referente ao objecto dos autos.
Ora, admitindo-se que, através da indicação dos preceitos legais, o autor estava a requerer a intervenção principal da chamada, verifica-se que, como se anotou na decisão recorrida, não foi esclarecido a qual das partes se pretendia a associação da Câmara Municipal, nem isso decorre dos autos, não vindo igualmente formulada qualquer pretensão que envolva a chamada, para além do próprio chamamento.
Para além disso, e fundamentalmente, estando em causa na presente acção a reivindicação de uma parcela de terreno alegadamente vendida ao autor pela ré, e a indemnização do autor dos danos decorrentes da ocupação dessa parcela de terreno pela ré, não se descortina como é que a chamada Câmara Municipal de L. poderia associar-se a qualquer das partes na discussão da causa. Dos interesses invocados para justificar o chamamento - legalização do Bairro do Casal da S., alvará de loteamento e implantação de infra-estruturas, bem como referente à área dos lotes do Bairro e nomeadamente referente ao objecto dos autos - os primeiros não são postos em causa, nem prosseguidos, na presente acção, para o que aos tribunais comuns também seriam materialmente incompetentes; e, quanto à discussão da área do lote do autor, na parte em que isso não contenda com a operação de loteamento, da exclusiva competência da Câmara, é uma questão em que a chamada não tem interesse. Para mais quando, como já se referiu, a pretensão do autor assenta num contrato de compra e venda celebrado com a ré.
A pretendida intervenção não podia deixar, pois, de ser indeferida.

II – A declaração de inexistência de usucapião

Entende o apelante que ocorreu um excesso de pronúncia do tribunal, na parte em que apreciou a inexistência de usucapião, pois que tal fundamento de aquisição nunca foi invocado.
Assim vistas as coisas, parece que lhe assiste razão, apesar da irrelevância da questão, uma vez que nada de útil resultou da referida apreciação. Mas, se o apelante assume que nunca quis alegar, e não alegou, a existência de usucapião em seu favor, e não podendo concluir-se de forma diferente a partir dos articulados, haverá que reconhecer que o tribunal recorrido se pronunciou sobre uma questão de que não lhe era lícito conhecer.
Nota-se, em todo o caso, que era inteiramente razoável o entendimento de que a aludida questão estava suscitada, ainda que com limitações, vista a matéria alegada no art.º 14.º da petição inicial. Assim, e visto o facto de a pretensão do autor ser julgada improcedente enquanto fundada num contrato de compra e venda, nulo por vício de forma, maior justificação tinha a apreciação da existência de usucapião, sendo que, à data, ainda seria possível o aperfeiçoamento da petição inicial.
Como quer que seja, da referida apreciação nada resultou, em favor ou contra o ora apelante, não se justificando, maiores considerações a este propósito, ou, sequer, a anulação dessa parte da sentença.

III - A aquisição da parcela fundada em compra

Para mais fácil enquadramento da questão, relembremos as conclusões do apelante a este propósito.
Diz ele:
7 - Como consta dos articulados, o A. adquiriu, por compra, o lote de terreno no ano de 1986 (art. 1°,2°,3° e 4º da p.i. e 4º da contestação) e a R. confessa no seu art. 26º (da contestação), que em 9 de Março de 1986 o A. marido compareceu e perante a divergência de áreas: 320 m2 que comprou aos seus antepossuidores e a área que foi encontrada no terreno de 440m2 optou por ficar com esta última, pagando a quantia de 45.600$00 que corresponde a 152m2 da área ganha.
8 - Assim, o espaço ocupado pelo A. foi adquirido por compra, não se confundindo com qualquer posse precária e usucapião. ...... .

Ou seja, o apelante alega que adquiriu, certamente por escritura pública, o lote de terreno referido nas als. A) a D) da matéria de facto, com a área de 320 m2, compra que terá sido feita no ano de 1977. E que, posteriormente, foi verificado que a área do referido lote era de 440 m2, tendo sido acordado entre A. e R., em 09-03-1986, que o primeiro ocuparia toda a área encontrada, pagando em contrapartida à R. a quantia de Esc. 45.600$00, correspondente a 152 m2 de área ganha.
Tanto quanto parece, é este acordo que o A. tinha em vista quando, na petição inicial se referiu a um contrato de compra e venda celebrado com a R., ainda que com um preço diferente, continuando a referir-se-lhe nos mesmos termos, no âmbito do presente recurso, designadamente, nas conclusões ora transcritas, onde também invoca o reconhecimento desse acordo por confissão da R..
Mas o acordo assim identificado não pode ser qualificado como contrato de compra e venda.
Por um lado, julga-se ser evidente que a ré não outorgou nele na qualidade de proprietária, que, aparentemente, nunca foi, de qualquer parcela de terreno no referido loteamento, ou de vendedora dos referidos 152 m2 de terreno.
Por outro, subsistiria a questão fundamental, invocada na decisão recorrida, da inobservância da forma legal prescrita para os negócios jurídicos que envolvam a transferência do direito de propriedade sobre bens imóveis. Surpreendentemente, o apelante ignorou esta questão nas suas alegações, insistindo, agora com base na confissão da ré, em fazer valer um acordo não formalizado para justificar a aquisição de uma parcela de terreno, qualificando-o como contrato de compra e venda.
Nas suas alegações de recurso para o S.T.J. o apelante já veio corrigir a sua posição, dizendo que, afinal, o que está em causa é a área do lote de terreno comprado pela escritura outorgada no ano de 1977. Não existiria, assim, qualquer vício formal, estando em causa um único contrato de compra e venda devidamente formalizado, e haveria apenas que rectificar a área do lote então adquirido.
Mas, a ser assim, fica sem sentido a alegação de compra e venda feita na petição inicial, e nas alegações do presente recurso, em que o A. faz assentar o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a parcela reivindicada e em que teria outorgado a ora apelada como parte vendedora. Se o autor entende que, pela escritura outorgada no ano de 1977 comprou mais área do que aquela que lhe está reconhecida, deveria ter estruturado a sua pretensão a partir desse contrato, e não invocar um segundo contrato de compra e venda, nos termos em que o fez na petição inicial, e que não corrigiu antes de ser proferida decisão em primeira instância, nem antes do recurso para o STJ. E o tribunal só poderia servir-se dos factos alegados pelas partes.
Aliás, na medida em que esta pretensão do A. respeitante a uma parcela de terreno integrada numa operação de loteamento, implica a alteração desse loteamento, sempre a mesma estaria vedada por lei.
Com efeito, a lei não consente qualquer operação de loteamento, ou a alteração de loteamento já aprovado pelas entidades competentes, feita por simples actos ou negócios jurídicos particulares, ferindo de nulidade quaisquer actos de que tais efeitos possam resultar, desde, pelo menos, o regime estabelecido pelo DL 289/73 de 06-06.
No art. 1.º deste diploma define-se como operação de loteamento aquela que tenha por objecto ou simplesmente por efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, situados em áreas urbanas ou rurais, e destinados imediata ou subsequentemente à construção.
No art. 27.º estabelece-se, no seu n.º 1, que as operações de loteamento referidas no artigo 1.º, bem como a celebração de quaisquer negócios jurídicos relativos a terrenos, com ou sem construção, abrangidos por tais operações, só poderão efectuar-se depois de obtido o respectivo alvará, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do art.º 21, disposição aqui não aplicável. E, no n.º 2 do mesmo art.º 27.º estabelece-se que, nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos notariais relativos aos actos ou negócios referidos no número anterior, deverá sempre indicar-se o número e data do alvará de loteamento em vigor, sem o que tais actos serão nulos e não podem ser objecto de registo.
Este regime foi mantido, de uma forma mais vincada, no DL 400/84 de 31-12 e no DL448/91 de 29-11, dificultando-se mesmo, como medida preventiva, as aquisições de prédios rústicos em compropriedade – cf. Os art.ºs 57 e 58 do DL 400/84 de 31-12 e os art.ºs 53 e 56 do DL 448/91 de 29-11, onde se comina a referida nulidade.
Assim sendo, não pode ser reconhecida qualquer forma de aquisição do direito de propriedade sobre bens imóveis que envolva, ou tenha por efeito, uma alteração de uma operação de loteamento, alteração necessariamente dependente de licenciamento administrativo.
Como quer que seja, não foi minimamente estabelecida a ligação entre o lote de terreno tal como o mesmo está identificado nos autos – com a área registral de 336 m2 e real de 440 m2, e a dita parcele reivindicada, não havendo como concluir, a partir da matéria alegada, se os pretendidos cerca de 100 m2 se devem considerar subtraídos aos referidos 440 m2 reconhecidos ao lote, nem foi definida a localização da dita parcela.
A presente acção estava, pois, votada ao insucesso.

Quanto à reconvenção, o pagamento efectuado pelo autor reconvindo da quantia peticionada veio confirmar o acerto da pretensão deduzida.
Posto isto, tendo em conta que a notícia do pagamento chegou ao processo já na fase de recurso, no âmbito das respectivas alegações, é evidente que o mesmo não podia ter sido considerado na decisão recorrida. O tribunal só pode conhecer dos factos alegados pelas partes.
E porque os recursos visam apreciar as decisões recorridas e não proferir decisões novas, a notícia do pagamento, trazida já na fase de recurso, torna-se irrelevante no âmbito deste. A decisão recorrida não pode ser alterada com base em factos que, sendo do conhecimento das partes, não foram oportunamente alegados.
É óbvio que, reconhecendo a reconvinte que o pagamento já lhe foi feito, não poderá obter execução da decisão condenatória aqui proferida, ficando apenas em causa a responsabilidade pelas custas da reconvenção. Mas, como o pagamento em causa, para além de não ter sido invocado em tempo pela parte, terá sido efectuado já depois de ter sido deduzida a reconvenção, as custas sempre seriam da responsabilidade do reconvindo.

Termos em que se acorda em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Lisboa, 01-02-2007

( Farinha Alves )

( Paula Boularot )

( Lúcia de Sousa )