Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16299/23.1T8LSB.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
FACTOR DE BONIFICAÇÃO 1.5
ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/24/2025
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário:
I – Se, na pendência da acção emergente de acidente de trabalho, o sinistrado completar 50 anos de idade, ser-lhe-á aplicada a bonificação do factor 1.5 previsto na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sem que haja necessidade de o beneficiário instaurar incidente de revisão da incapacidade para efeitos de ver satisfeito tal desiderato.
II – A jurisprudência uniformizadora adoptada pelos Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência deve ser seguida pelos demais tribunais judiciais enquanto subsistirem os pressupostos que a determinaram, atendendo ao seu valor reforçado.
III – O decidido pela sentença recorrida, que seguiu a jurisprudência fixada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 16/2024, publicado no Diário da República n.º 244/2024, Série I, em 17 de dezembro de 2024, a saber “1 - A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator; 2 - O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.” não viola os princípios da igualdade e da justa reparação dos trabalhadores.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Considerando a simplicidade das questões suscitadas, a relatora, fazendo apelo ao disposto nos artigos 87º do Código do Processo do Trabalho e 656º do Código de Processo Civil, vai julgar o presente recurso de apelação através de decisão singular e sumária.
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I – Relatório
A Responsável, Zurich Insurance Europe AG – Sucursal em Portugal, veio, ao abrigo do disposto no artigo 138º do CPT, requerer que o sinistrado, AA, fosse submetido a exame por junta médica por não concordar com a avaliação feita no exame médico realizado na fase conciliatória. Juntou quesitos.
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No dia 28 de Outubro de 2024, teve lugar a tentativa de conciliação, tendo o sinistrado declarado concordar com a proposta de acordo do Ministério Público e tendo a Seguradora declarado reconhecer “o acidente dos autos como de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões consideradas pelo Senhor Perito Médico do Tribunal no seu exame, bem como a sua responsabilidade emergente do acidente de trabalho em função da retribuição atrás referida.
Disse ainda não estar de acordo com a avaliação da incapacidade feita pelo perito médico do Tribunal, aceitando todos os pressupostos, bem como o proposto pelo Ministério Público pelo que não aceita a conciliação nos termos do proposto pelo Ministério Público, aceitando, no entanto, pagar a quantia de 5,00€, reclamada a título de transportes.”
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Foi realizada junta médica.
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Foi proferida sentença que decidiu:
A) Declaro que em 27.06.2022 o sinistrado AA sofreu um acidente de trabalho que lhe determinou uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 12,00% desde 26.06.2023;
B) Condeno a seguradora Zurich lnsurance, plc - Sucursal em Portugal a pagar ao sinistrado:
i. … o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de €1.243,70 (mil duzentos e quarenta e três euros e setenta cêntimos), devida desde 27.06.2023, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, vencidos desde aquela data e vincendos até integral pagamento;
ii. …. a quantia de €5,00 (cinco euros) acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 28.10.2024 e vincendos até integral pagamento, a título de pagamento de despesas de transporte;
C) Condeno a seguradora no pagamento das custas do processo;
D) Fixo o valor da causa em €17.231,49 (dezassete mil duzentos e trinta e um euros e quarenta e nove cêntimos).”
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Por despacho de 25-03-2025, foi rectificada a sentença, passando a constar do seu dispositivo que “A) Declaro que em 27.06.2022 o sinistrado AA sofreu um acidente de trabalho que lhe determinou uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 8,00% desde 26.06.2023, bonificada e revista para 12,00% desde 21-10-2024 e em consequência:
B) Condeno a seguradora Zurich lnsurance, plc - Sucursal em Portugal a pagar ao sinistrado:
… o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de €829,13
(oitocentos e vinte e nove euros e treze cêntimos), devida desde 27.06.2023, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, vencidos desde aquela data e vincendos até integral pagamento;
…. o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de €414,57 (quatrocentos e catorze euros e cinquenta e sete cêntimos), devida desde 21.10.2024, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, vencidos desde aquela data e vincendos até integral pagamento”;”
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Inconformada, a Seguradora interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que:
A – A Recorrente não se conforma com a decisão de fixar ao sinistrado uma IPP de 8,00% desde 26.06.2023, bonificada e revista para 12,00% desde 21-10-2024 e, em consequência, de condenar a seguradora recorrente a pagar ao sinistrado o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de €829,13 (oitocentos e vinte e nove euros e treze cêntimos), devida desde 27.06.2023, e, igualmente, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de €414,57 (quatrocentos e catorze euros e cinquenta e sete cêntimos), devida desde 21.10.2024.
B – Para assim decidir, o meritíssimo juiz a quo aderiu à decisão unânime da junta médica, que fixou ao sinistrado uma IPP de 8% a partir da data da alta ocorrida em 26/06/2023, e, num segundo momento, aplicou ao caso sub judicio a doutrina plasmada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência nº 16/2024, publicado no Diário da República, 1ª Série, de 17.12.2024, considerando que, tendo o sinistrado atingido os 50 anos de idade em 21.10.2024, a desvalorização de 8% fixada pela junta médica deverá beneficiar da aplicação do fator de bonificação previsto no nº 5, alínea a) das Instruções Gerais da TNI.
C – Entende, porém, a recorrente que o meritíssimo juiz a quo não poderia no âmbito do mesmo processo fixar uma determinada IPP e a correspondente pensão, com início no dia 26/06/2023 e, ao mesmo tempo, sem que ocorra qualquer novo impulso processual, mormente um incidente de revisão da incapacidade, fixar uma outra IPP e uma outra pensão, esta com início em 21/10/2024.
D – O assim decidido traduz um completo “atropelo” da legislação em vigor.
E – O próprio Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 16/2024, de 17 de dezembro, determina que a aplicação da bonificação da pensão pelo fator da idade terá de ter na sua base um incidente de revisão da incapacidade.
F – Para beneficiar da aplicação da bonificação 1,5, se assim o entender, o sinistrado terá de lançar mão do incidente de revisão da incapacidade, conforme é entendimento plasmado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência acolhido pelo meritíssimo Juiz a quo.
G – O Acórdão do STJ nº 16/2024 fixou a seguinte jurisprudência: “II. O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.
H – Ora se a aplicação da bonificação opera no âmbito do incidente de revisão, torna-se então imperioso articular a regra enunciada no nº 5 al. a) das Instruções Gerais da TNI com o disposto no Artº 70º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04/09, que versa, precisamente sobre a revisão das prestações por incapacidade.
I – Não poderia, pois, nestes autos, o meritíssimo juiz a quo fixar ao sinistrado uma IPP de 12% a partir de 21/10/2024, podendo apenas, isso sim, fixar a IPP de 8% a partir de 26/06/2023, em conformidade com o resultado unânime da junta médica.
Ademais
J – A interpretação normativa dada na douta sentença recorrida à alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei nº. 352/2007 de 23/10, é claramente inconstitucional.
K – A interpretação normativa dada à alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da T.N.I., aprovada em anexo ao Dec. Lei nº 352/2007, de 23/10, no sentido de a bonificação do fator 1.5 prevista nesse normativo dever ser concedida apenas tendo como critério a idade do sinistrado, aplicando-se a todo e qualquer sinistrado, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, é violadora dos princípios da igualdade e do direito à justa reparação dos trabalhadores lesados por acidentes de trabalho ou por doenças profissionais, consagrados constitucionalmente nos Artigos 13º e 59º, nº 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.
L – Aplicar o bónus de 50% do valor da pensão nas hipóteses de decurso da idade, a categoria dos trabalhadores lesados com mais de 50 anos acaba por sair manifestamente beneficiada com o entendimento que sobre esta matéria foi acolhido pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 16/2024.
M – A diferença de tratamento permitida pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência e aqui também adotada na douta decisão recorrida viola o princípio da igualdade consagrado no Artº 13º da Constituição da República
Portuguesa, pelo que não pode ser acolhida.
N – Também o princípio constitucional do direito à justa reparação consagrado no Artº 59º nº 1 f) é desrespeitado com a aplicação automática do coeficiente de bonificação preconizada na decisão recorrida, por remição para o Acórdão Uniformizador nº 16/2024.
O – O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 22-05-2024, ao determinar que a idade, enquanto requisito para aplicação do coeficiente de bonificação de 1,5 representa apenas e tão somente um critério de correção, não influindo, por conseguinte, no processo de avaliação da incapacidade, permite que esse fator idade venha a ser valorado por mais de uma vez para efeitos de determinação do grau de incapacidade.
P – Do disposto no Artº 21º da LAT e nos nºs 6 e 7 das Instruções Gerais da TNI resulta que o fator idade influi na ponderação dos coeficientes ou percentagens de incapacidade a fixar pelos peritos na avaliação médica.
Q – Por seu turno, a idade, por força da interpretação dada pela douta sentença recorrida à Instrução constante do nº 5 al. a) das Instruções Gerais, veio ainda acrescer, de modo automático, ao grau de incapacidade, esse sim, avaliado casuisticamente, pelos peritos.
R – A interpretação dada pelo Acórdão Uniformizador acolhida na decisão recorrida permite, pois, uma valoração múltipla do mesmo fator para efeitos de reparação, claramente violadora das exigências regulativas do princípio da justa reparação, pois permite uma cumulação de montantes indemnizatórios com fundamento no mesmo fator ou causa, a saber a idade.
S – A idade é um vetor ter em conta na avaliação da incapacidade e mostra-se devidamente acautelado em vários preceitos legais, mormente no nº 1 do Artº 21º da LAT e nos nºs 6 e 7 das Instruções Gerais da TNI. É também um fator obrigatoriamente considerado no âmbito da avaliação pericial pelos peritos médicos
T – A idade é, pois, um elemento muito relevante, mas que há-de ser considerado e ponderado casuisticamente numa avaliação concreta de incapacidade.
U – Atribuir uma bonificação automática pela idade é tratar por igual, pessoas com características diferentes, em claro desrespeito pelos princípios constitucionais da igualdade e do direito à justa reparação, consagrados nos artigos 13º e 59º nº 1 f) da Constituição da República Portuguesa.
V – A decisão recorrida, ao fixar em 12% o coeficiente global de incapacidade do sinistrado desde 21/10/2024 e, consequentemente, ao condenar a seguradora no pagamento do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia do valor de € €414,57 devida desde essa data, violou o disposto nos Artigos 20º, 21º nºs 1 e 3, e 48º nº 3 c), todos da Lei nº 98/2009, de 04/09, bem como a norma constante do nº 5, alínea a) das Instruções Gerais da T.N.I., aprovada pelo Decreto Lei nº 352/2007, de 23/10, e ainda os Princípios consagrados nos Artigos 13º e 59º nº 1 f) da Constituição da República Portuguesa, aprovada por Decreto de 10 de Abril de 1976, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que decida fixar ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial de 8% desde 26/06/2023 e condene a seguradora no pagamento de um capital de remição de uma pensão anual do montante de € 829,13 (oitocentos e vinte e nove euros e treze cêntimos)
COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA.”
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O Ministério Público contra-alegou, concluindo que:
1-A Tabela Nacional de Incapacidades tem, entre outras, a seguinte instrução geral: Nº5 “ Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são especificas de cada capítulo ou número:
Al. a) os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula IG+(IGx0,5) se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”.
2- O fator de bonificação de 1.5 é aplicado por se entender que depois dos 50 anos as lesões tendem a agravar-se progressivamente com a consequente maior limitação da capacidade de trabalho, passando o trabalhador a ter uma dificuldade acrescida para o desempenho de uma atividade profissional.
3- O sinistrado fez 50 anos no dia 21/10/2024, antes da realização da Junta Médica.
4- Os ilustres Peritos Médicos atribuíram ao sinistrado por unanimidade a IPP de 8%.
5- Tendo entretanto o sinistrado completado os 50 anos de idade, nada obsta à aplicação oficiosa da bonificação, sem necessidade de incidente de revisão de incapacidade por, no caso em concreto, ainda não ter sido fixada incapacidade.
6- Por outro lado, a interpretação dada pelo douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 16/2024 ao nº5 al. a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, assim como a interpretação dada na douta sentença ora recorrida não são inconstitucionais.
7- Pois, ao contrário do que alega a recorrente, não viola o principio da igualdade nem o direito à justa reparação, princípios consagrados nos arts. 13º e 59º nº1 al. f) da Constituição da República Portuguesa, pois, tal como é referido, e bem, no douto Acórdão idade - representa, ela própria, um fator que tem impacto na capacidade de trabalho ou de ganho e que representa um agravamento na situação do trabalhador, mormente no mercado de trabalho…”.
8- Já o douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 526/2016 de 04/10/2016, quando se debruçou sobre o critério da idade e o critério dos trabalhadores não reconvertíveis em relação ao posto de trabalho na aplicação da bonificação em causa se pronunciou neste sentido :…”Em ambos os casos estamos perante situações de maior dificuldade de acesso ao mercado de trabalho relativamente àquela em que se encontra um trabalhador, também vitima de acidente de trabalho ou doença profissional, mas ainda reconvertível ou de idade mais jovem”.
… “Sendo distintas as posições relativas dos trabalhadores, não se configura
qualquer violação do principio da igualdade, pois este pressupõe que se esteja perante situações equivalentes”.
…A situação dos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional que tenham uma idade igual ou superior a 50 anos não é idêntica à dos trabalhadores que não são vítimas daquelas circunstâncias ou com idade inferior a 50 anos….. O facto de o cálculo da incapacidade em ambos os casos comportar diferenças não se justifica que se considere violado o princípio da igualdade, pois estamos perante situações diferenciadas”.
9- Por outro lado, não existe uma dupla valoração do fator idade, ao contrário do que a recorrente alega.
10- Muito embora o perito médico, para a determinação do grau da incapacidade a atribuir tenha de avaliar vários pressupostos, entre eles a natureza e gravidade da lesão, o estado geral do sinistrado (capacidades físicas e mentais), idade e profissão, tal não significa que se valore duplamente o pressuposto idade.
11- Na verdade a instrução nº6 c) das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais prevê que “quando a extensão e gravidade do défice funcional tender para o valor mínimo do intervalo de variação dos coeficientes, os peritos podem fixar o valor de incapacidade global no sentido do máximo, tendo em conta, nomeadamente, o envelhecimento precoce”, que terá uma ponderação igual à da alínea a) ( estado geral da vitima).
12- Este envelhecimento precoce, a atender neste caso, pode ocorrer em idade inferior aos 50 anos, e não será por isso que lhe será atribuída a bonificação do fator 1.5.
13- Pelo que, ao contrário do alegado pela recorrente, os sinistrados com mais de 50 anos não são manifestamente beneficiados com o entendimento acolhido pelo douto Acórdão de Jurisprudência.
14- Não foi aplicada na douta sentença qualquer norma violadora dos princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa, nem a interpretação que foi dada à alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais é violadora desses mesmos princípios,
15- Pelo que, mantendo a douta sentença e decidindo que não foram violados os princípios da igualdade nem o direito da justa reparação, consagrados na Constituição da República Portuguesa, farão V. Exas Justiça!”
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Cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto
Considerando as conclusões de recurso apresentadas, que delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, cumpre apreciar e decidir se o tribunal a quo errou ao decidir aplicar o factor de bonificação de 1.5 a que se refere o ponto 5 a) das Instruções Gerais da TNI: por dever ser pedida a sua aplicação em incidente de revisão das prestações, e por a interpretação levada a efeito pelo tribunal ser inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da justa reparação dos trabalhadores.
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III – Fundamentação de Facto
São os seguintes os factos considerados provados pela 1ª instância (expurgados da referência aos meios de prova – facto 1):
1) No dia 27-6-2022, pelas 11.00 horas, em Lisboa, o sinistrado quando prestava o seu trabalho assessor de serviço, para a Entreposto Viaturas Desportivas - Comércio de Automóveis, S.A. e em execução de contrato de trabalho com esta celebrado, sofreu um acidente ao descer umas escadas na oficina, escorregou e bateu com a cabeça no corrimão das escadas, tendo ficado inanimado no chão, resultando em consequência as seguintes lesões e sequelas: traumatismo craniano e perda de conhecimento, bem como trauma dorsal, do qual resultou fratura de D7.
2) À data do acidente a sinistrado auferia a retribuição total anual de €14.805,92.
3) A Entidade Empregadora tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a seguradora Zurich lnsurance, plc - Sucursal em Portugal, através da apólice nº …, em função da retribuição indicada em 2).
4) O sinistrado despendeu a quantia de 5,00€ referente a despesas com transportes nas deslocações obrigatórias a este Tribunal e para a realização do exame médico.
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IV – Apreciação do Recurso
1.Insurge-se a Apelante contra a sentença por na mesma se fixar uma IPP, e a correspondente pensão, com início no dia 26/06/2023, e, ao mesmo tempo, sem que ocorra novo impulso processual, mormente em incidente de revisão da incapacidade, fixar outra IPP, e uma outra pensão, com início em 21-01-2024, esta contemplando o factor de bonificação de 1,5% a que alude o artigo 5º a) das Instruções Gerais da TNI.
Alega que o “assim decidido traduz um completo “atropelo” da legislação em vigor. O próprio Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 16/2024, de 17 de dezembro, determina que a aplicação da bonificação da pensão pelo fator da idade terá de ter na sua base um incidente de revisão da incapacidade.  Para atingir tal desiderato – a bonificação pelo fator 1,5 – se assim o entender, o sinistrado terá de lançar mão do incidente de revisão da incapacidade, conforme é entendimento plasmado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência acolhido pelo meritíssimo Juiz a quo. Ora se a aplicação da bonificação opera no âmbito do incidente de revisão, torna-se então imperioso articular a regra enunciada no nº 5 al. a) das Instruções Gerais da TNI com o disposto no Artº 70º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04/09, que versa, precisamente sobre a revisão das prestações por incapacidade. O regime especial definido na al) a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI não afasta, antes pressupõe a convocação da disciplina geral contida no artº 70º, nº 1 da Lei nº 98/2009, posto que a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais reveste uma natureza meramente instrumental em relação ao regime substantivo de reparação dos danos decorrentes de acidentes de trabalho previsto na Lei nº 98/2009, de 04/09.”
Portanto, o que a Apelante defende é que, tendo o sinistrado completado 5 anos no decurso dos presentes autos de acção emergente de acidente de trabalho, que, ainda assim, e para beneficiar do factor de bonificação  que alude o artigo 5º a) das Instruções Gerais da TNI deveria lançar mão de um incidente de revisão.
Sem razão, porém.
Como se sabe, recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça de forma a pôr termo às divergências jurisprudenciais existentes sobre se o factor de bonificação previsto no nº 5 a) das Instruções gerais da TNI é automaticamente aplicável quando o sinistrado, que não tinha 50 anos à data da alta médica, tenha 50 anos ou mais à data da revisão da incapacidade, decidiu, em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência – AUJ 16/2024, publicado no DR de 17/12/2024 - fixar a seguinte jurisprudência:
1 - A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator;
2 - O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.”
Com interesse para a questão a decidir, refere-se neste Acórdão: “Sendo assim, e se o legislador entendeu que quando o sinistrado tem 50 anos de idade ou mais se justifica uma bonificação por força da dificuldade acrescida, da maior penosidade laboral, que resulta do envelhecimento, haverá algum motivo que justifique que o sinistrado que tinha menos de 50 anos de idade, mas, entretanto, atinja essa idade, não passe a beneficiar da mesma bonificação?
Uma parte da nossa jurisprudência, como vimos, responde afirmativamente.
Invoca-se, sobretudo, que o legislador não previu qualquer mecanismo processual para revisão automática da pensão em função da idade e que a revisão da pensão seria um meio processual inadequado ou mesmo “enviesado”7[1]. Tal “colidiria frontalmente com o princípio estabelecido no artigo 70.º n.º 1 da Lei 98/2009, de onde decorre que no âmbito da revisão da incapacidade, a prestação pode ser alterada, mas desde que se verifique “uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado”8[2]. Acrescenta-se, ainda, que “a TNI tem natureza meramente instrumental em relação ao regime jurídico substantivo da reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho” e que “não são mais que um conjunto de regras elucidativas da aplicação prática da mesma, no que toca à determinação do coeficiente de incapacidade a atribuir em cada caso concreto, sem porém concorrerem com conteúdo jurídico relevante no regime da reparação dos acidentes, que é domínio da LAT e do seu regulamento”9[3].
Importa, todavia, ter em conta que ao estabelecer em uma norma legal que um sinistrado com 50 anos (ou mais) tem direito a uma bonificação de 1.5 o legislador exprimiu uma opção, a de considerar que a idade representa um agravamento das consequências negativas da perda da capacidade de trabalho ou de ganho decorrente do acidente de trabalho. “Em suma: para o legislador dos acidentes de trabalho a idade do sinistrado – no caso, 50 anos ou mais – é factor relevante, que “acresce” à sua IPP para efeitos de atribuição de incapacidade, factor assente no facto de que a partir dessa idade as condições físicas/psíquicas de qualquer trabalhador se agravam de modo natural”10[4].
(…)
Há, pois, que proceder a uma interpretação teleológica, de resto mais conforme com a tutela constitucional em matéria de acidentes de trabalho, e afirmar que o fator de bonificação deve ser atribuído ao sinistrado com 50 anos ou mais, quer tenha já 50 à data em que é avaliada inicialmente a incapacidade, quer tenha menos idade, mas venha a atingir 50 anos. Se, porventura, fosse exato que o legislador não tinha previsto um mecanismo processual para operar esta atualização e a aplicação da bonificação, tal implicaria a existência de uma lacuna a preencher pelo intérprete, já que o direito adjetivo não deve trair o direito material ou substantivo11.[5]
Mas, na realidade, a situação cabe na previsão do artigo 70.º da LAT se a mesma for objeto de uma interpretação teleológica. Com efeito, o legislador considerou que a idade do sinistrado – ter este 50 ou mais anos de idade – representa, ela própria, um fator que tem impacto na capacidade de trabalho ou de ganho e que representa um agravamento na situação do trabalhador, mormente no mercado de trabalho. Este agravamento pela idade, reconhecido pelo legislador, poderá ser objeto de um pedido de revisão das prestações12[6].
E não se afigura inútil ou “enviesada” a aplicação do mecanismo da revisão das prestações, tanto mais que o sinistrado tanto pode atingir os 50 anos apenas alguns dias, semanas ou meses após a fixação inicial das prestações, como pode vir a perfazer aquela idade anos ou mesmo décadas após tal fixação inicial, sendo conveniente que a bonificação seja aplicada a uma avaliação e a uma prestação atualizadas. Aliás, até pode suceder, por exemplo, que o incidente de revisão de incapacidade seja requerido pela entidade responsável com fundamento da melhoria da situação clínica (cf. artigo 70.º, números 1 e 2 da LAT), melhoria essa que pode vir a ser confirmada pela perícia médico-legal singular ou plural, havendo então que multiplicar essa nova IPP, inferior à originária ou até à atribuída num anterior incidente de revisão, pelo fator de bonificação de 1,5, desde que o sinistrado entretanto tenha atingido os 50 anos de idade.”
É sabido que os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não têm a força obrigatória geral que era atribuída aos Assentos. No entanto, a jurisprudência uniformizadora adoptada por tais acórdãos deve ser seguida pelos demais tribunais judiciais enquanto subsistirem os pressupostos que a determinaram, atendendo ao seu valor reforçado, pois, para além de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, o seu não acatamento pelos Tribunais de 1ª instância e da Relação é motivo para a admissibilidade especial de recurso, conforme resulta do prescrito na alínea c) do nº 2 do artigo 629º do CPC.
A propósito da citada alínea c) do nº2 do artigo 629º do CPC  - “Decisões que admitem recurso - 2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: (…) c) Das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça;”, escreve António Abrantes Geraldes[7], “Com esta previsão pretende-se potenciar, de forma indireta, a obediência aos acórdãos de uniformização de jurisprudência. Não beneficiando estes da força vinculativa que outrora era atribuída aos Assentos pelo revogado art. 2.º do CC, a recorribilidade das decisões que, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, contrariem jurisprudência uniformizadora constitui um fator fortemente inibidor da adoção de entendimentos desrespeitadores dessa jurisprudência de valor reforçado. Aliás, a experiência vem revelando que os tribunais de instância e o próprio Supremo, como é natural, acabam por seguir o entendimento uniformizado na resolução das questões a que o mesmo respeita, embora não esteja revestido de força vinculativa. Ou seja, apesar de a jurisprudência uniformizadora não ser formalmente obrigatória, acaba por ser generalizadamente acatada, valorizando-se os aspetos ligados à segurança e certeza que a uniformização acaba por imprimir.
Visam os AUJ garantir uma interpretação uniforme da lei, evitando-se decisões diferentes de casos semelhantes, contribuindo assim para evitar conflitos desnecessários, e assegurando a igualdade na decisão de situações semelhantes, concorrendo, pois, decisivamente para assegurar a segurança jurídica.  
O que o AUJ em análise, e que, pelas razões expostas seguiremos,  pretende dizer, no que à questão a decidir diz respeito, é que, sendo a função do incidente de revisão previsto no artigo 70º da LAT a de avaliar o agravamento ou melhoria na modificação da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, e sendo o factor de bonificação de 1.5, com base na idade, de aplicação automática, e portanto, a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, seja à data do acidente seja posteriormente ao mesmo, é esse – o incidente de revisão - o mecanismo próprio para fazer valer esse desiderato nas situações em que o sinistrado atinge a idade de 50 anos em data posterior ao acidente.
Tal significa que, em situações em que não está em curso um processo emergente de acidente de trabalho, reduto primordial adjectivo para a determinação da natureza e grau de incapacidade decorrente de sinistro laboral, ou um incidente de revisão da prestação, o sinistrado que pretenda fazer-se valer do referido factor de bonificação deve instaurar tal incidente com vista à concretização desse desiderato. Mas se, como acontece no presente caso, em que nos movemos no âmbito de um processo emergente de acidente de trabalho (concretamente para determinação da incapacidade do sinistrado), o sinistrado, no decurso do processo, completar, como completou (no caso, na fase conciliatória), 50 anos de idade, não há necessidade de novo impulso processual, pois já está pendente o competente mecanismo adjectivo adequado à aplicação dessa bonificação. O mesmo aconteceria se estivesse em curso um incidente de revisão da prestação e o sinistrado perfizesse 50 anos de idade no decurso do mesmo. É preciso ter presente que o factor de bonificação é de aplicação automática e legal, pelo que não ocorre no caso qualquer violação do princípio do pedido e, tão pouco, foi violada a proibição de decisão surpresa (o que nem sequer foi alegado mas que se traz à colação por mero exercício argumentativo).
Ao invés, a solução defendida pela Apelante atenta contra os princípios da economia processual e do aproveitamento dos autos, que visam evitar a repetição desnecessária de actos processuais.
Em conclusão – se na pendência da acção emergente de acidente de trabalho, o sinistrado completar 50 anos de idade, ser-lhe-á aplicada a bonificação do factor 1.5 previsto na alínea a) do nº5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sem que haja necessidade de o beneficiário instaurar incidente de revisão da incapacidade para efeitos de ver satisfeito tal desiderato.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
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2. Insurge-se também a Apelante contra a interpretação dada pela sentença à alínea a) do nº5 das Instruções Gerais da TNI, no sentido de o factor 1.5 dever ser concedido tendo apenas como critério a idade do sinistrado, e aplicando-se a todo o qualquer sinistrado, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só venha depois a atingi-la. Conclui pela inconstitucionalidade de tal interpretação por violar os princípios da igualdade e do direito à justa reparação dos trabalhadores lesados por acidente de trabalho ou doença profissional.
Quanto a esta questão, os fundamentos invocados pela recorrente foram já apreciados no citado AUJ, não tendo ocorrido desde então qualquer circunstância que imponha ou justifique não seguirmos essa jurisprudência, pelo que, pelas razões expostas, aderimos à mesma. De facto, o AUJ, após reconhecer que “O envelhecimento é um fenómeno universal, irreversível e inevitável em todos os seres vivos. É certo que envelhecer difere de indivíduo para individuo, uma vez que o processo de envelhecimento pode ser acentuado ou retardado em razão de vários factores, entre outros, desde logo os de natureza genética, mas também dos que respeitam às condições e hábitos de vida do indivíduo e dos seus comportamentos [...] Em termos gerais e abstractos, é do conhecimento da ciência médica e, nos dias que correm, com toda a informação disponível e divulgada e com os cuidados de saúde a que se tem acesso, também da generalidade das pessoas que, após os 50 anos há um acentuar desse processo natural, que se vai agravando progressivamente com o aumento da idade. A título de mero exemplo, é consabido que a partir dos 50 anos de idade, independentemente do estado de saúde do indivíduo, seja homem ou mulher, a medicina recomenda que se observem especiais cuidados preventivos de saúde, sendo aconselhável a realização de determinados exames de diagnóstico que normalmente não são prescritos antes de se atingir essa idade. É na consideração desta realidade incontornável que o legislador entendeu atribuir a bonificação do factor 1.5, reconhecendo que, em termos gerais e abstractos, a vítima de acidente de trabalho que fique com determinada incapacidade permanente terá uma dificuldade acrescida, como consequência natural do organismo, para o desempenho de uma actividade profissional”, refere, a propósito das questões da violação do principio da igualdade e da justa reparação dos trabalhadores, que “A este propósito importa, também, atender ao que o Tribunal Constitucional afirmou, em uma das várias ocasiões em que foi chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da atribuição desta bonificação em razão da idade do sinistrado e em que precisamente se pronunciou no sentido de “não julgar inconstitucional a norma que determina a aplicação do «fator de bonificação de 1,5, em harmonia com a alínea a) do n.º 5 do anexo I do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, (Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais)» aos coeficientes de incapacidade previstos nesse diploma quando «a vítima [...] tiver 50 anos ou mais”.
Pode, com efeito, ler-se, no n.º 7 da fundamentação do Acórdão n.º 526/2016 proferido a 4 de outubro de 2016, no processo n.º 1059/15 (6):
“Assim, as soluções legais do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, no que diz respeito à Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, são justificadas pela consagração de um regime autónomo, distinto do aplicável ao dano civil, especificamente desenhado para o dano laboral que atinge a capacidade de ganho do trabalhador e também a pessoa.
É neste contexto que surge um regime diferenciado dado a um grupo de trabalhadores face aos restantes trabalhadores, tendo como critério de aplicação a idade (igual ou superior a 50 anos, como se referiu). Pela inserção sistemática, pode concluir-se que o legislador traça uma aproximação entre esta situação e a dos trabalhadores que, embora tenham uma idade inferior a 50 anos, não são reconvertíveis em relação ao posto de trabalho, pois ambos os casos são colocados numa relação alternativa, dando origem (um ou o outro) à aplicação da bonificação. A aproximação destas duas situações também decorre do facto de o trabalhador vítima de acidente ou doença profissional apenas poder beneficiar da bonificação em causa (por um critério ou pelo outro) na ausência de outra bonificação equivalente. Em ambos os casos, estamos perante situações de maior dificuldade de acesso ao mercado de trabalho relativamente àquela em que se encontra um trabalhador, também vítima de acidente de trabalho ou doença profissional, mas ainda reconvertível ou de idade mais jovem. Sendo distintas as posições relativas dos trabalhadores, não se configura qualquer violação do princípio da igualdade, pois este pressupõe que se esteja perante situações equivalentes.
Há que reconhecer que no plano normativo não há discriminação alguma: a situação dos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional que tenham uma idade igual ou superior a 50 anos não é idêntica à dos trabalhadores que não são vítimas daquelas circunstâncias ou com idade inferior a 50 anos. A própria recorrente admite que «a passagem do tempo e a progressão da idade tenham efeitos (positivos e negativos) sobre a capacidade de ganho e a produtividade pessoal dos trabalhadores», e que «o envelhecimento, como o avançar da idade, quando produzam uma diminuição daquela capacidade de ganho, hão de naturalmente poder repercutir-se nos coeficientes de incapacidade» (cf. o ponto II., n.º 20 das alegações de recurso, fls. 131). O facto de o cálculo da incapacidade em ambos os casos comportar diferenças não justifica que se considere violado o princípio da igualdade, pois estamos perante situações diferenciadas.
Assim, a previsão de um regime mais favorável para os trabalhadores com idade igual ou superior a 50 anos, quando não tenham já beneficiado da aplicação do fator em causa, não é desrazoável ou arbitrária, por assente nas características do mercado de trabalho e da mais difícil inserção neste dos trabalhadores com idade superior a 50 anos. Existem, pois, fundamentos racionais, pois assentes em dados empíricos relacionados com as consequências do envelhecimento do trabalhador e com as características do mercado de trabalho, e objetivos, porque aplicáveis de forma genérica e não subjetiva, por o legislador ter em conta a idade do trabalhador ao estabelecer o regime aplicável ao cálculo das incapacidades dos sinistrados ou doentes no âmbito laboral. Cabe-lhe, assim, escolher os instrumentos através dos quais esta ponderação ocorre, tendo optado, neste caso, por consagrar uma repercussão nos coeficientes através da previsão de uma bonificação. O regime também prevê que a bonificação apenas opera uma vez, não ocorrendo se o fator em causa tiver já sido aplicado por outro motivo. Esta solução encontra-se dentro da margem de livre apreciação do legislador, não se apresentando como desrazoável.
Existindo fundamento material suficiente, razoável, objetivo e racional, para a diferenciação de trabalhadores com idades iguais ou superiores a 50 anos, nomeadamente relacionados com o efeito do envelhecimento na capacidade de ganho e tendo em conta as características do mercado de trabalho nacional, não é possível concluir que a solução tenha um caráter arbitrário ou que exista violação do princípio da igualdade”.
A solução encontrada pelo legislador com a aplicação automática da bonificação de 1.5 ao sinistrado com 50 anos ou mais à data da alta tem a vantagem de evitar a difícil determinação do impacto do envelhecimento sobre cada sinistrado em concreto, que variaria em razão de uma grande diversidade de fatores (o organismo de cada um, mas também, por exemplo, as especificidades da atividade laboral e do setor profissional). Admite-se que se possa falar aqui em uma ficção jurídica, como fez o Parecer do Ministério Público junto neste Tribunal e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-02-2016, no qual se pode ler que “o legislador “ficcionou” que, a partir daquela idade as lesões tendem a agravar-se com a consequente maior limitação da capacidade de trabalho do sinistrado/trabalhador”.
(…)
Pode, na realidade, afirmar-se que “[o] fator de bonificação 1,5, ao invés de violar os princípios da justa reparação e da igualdade, previstos, respetivamente, nos artigos 59.º, alínea f) e 13.º da CRP, foi criado no intuito específico de lhes dar integral cumprimento”, como se pode ler no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-09-2023, Processo n.º 21789/22.0T8SNT.E1.”
Pelas razões aqui expostas, impõe-se concluir no sentido de a interpretação dada pela sentença recorrida não violar os princípios da igualdade e da justa reparação dos trabalhadores, improcedendo o recurso.
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V – Decisão
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente o recurso interposto por Zurich Insurance Europe AG – Sucursal em Portugal, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da Apelante.
Notifique.
Registe.
Lisboa, 24 de julho de 2025
Paula Santos
______________________________________________________                   
[1] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-05-2015, processo n.º 744/09.1TTPTM-B.E1: “forma perfeitamente enviesada”. – Nota de rodapé do citado acórdão.
[2] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-10-2016, processo n.º 240/08.4TTVNG.5.P1. – Nota de rodapé do citado acórdão.
[3] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-05-2015.Nota de rodapé do citado acórdão.
[4] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-01-2020, processo n.º 587/06.4TUPRT.4.P1- Nota de rodapé do acórdão citado.
[5] Nas palavras de JOSÉ MANUEL IGREJA MATOS, Acidentes de trabalho – Incapacidades temporárias causadas por recidivas de lesões anteriores, Prontuário de Direito do Trabalho números 74/75, 2006, pp. 328 e ss., p. 330, “[o] processo funda a sua legitimidade na estrita medida em que sirva os interesses substantivos que a lei e o direito entendam dever salvaguardar”. – Nota de rodapé do citado acórdão.
[6] Como se pode ler na já citada Decisão Sumária do Tribunal Constitucional n.º 335/2022, “[a] aplicação da norma no incidente de revisão da incapacidade em nada altera os dados do problema”. – Nota de rodapé do citado acórdão.
[7] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2022, pág.57-58.