Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
28525/10.2T2SNT.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: DECISÃO SURPRESA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
MORTE DO EXECUTADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONCEDER PROVIMENTO
Sumário: I - Se o juiz ou, sendo caso disso, o agente de execução, não tiverem, como deviam, sinalizado em tempo útil e de forma cabal nos autos que se esteve a aguardar pela prática de ato processual indispensável para o prosseguimento dos autos, de forma a que a parte pudesse discernir que, com referência a um determinado marco temporal, se iniciara a contagem do prazo de deserção, não se poderá dizer que é (manifestamente) desnecessário ouvir as partes sobre tal questão (cf. art. 3.º, n.º 3, do CPC). Pelo contrário, sob pena de se verificar uma nulidade processual, com a anulação da decisão surpresa assim proferida, será necessário ouvi-las, não podendo o Tribunal, sem mais, proferir uma decisão conducente ou confirmativa da extinção da instância [cf. art. 277.º, al. c), do CPC].
II - Numa ação executiva para pagamento de quantia certa baseada em letras de câmbio, aceites pela 1.ª Executada (sociedade por quotas) e avalizadas pelo 2.º Executado e pelos 3.ºs Executados (marido e mulher), demandados em litisconsórcio voluntário passivo, nos termos conjugados do disposto nos artigos 27.º do CPC (em vigor à data da propositura da ação), 47.º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças e 512.º do CC, estando penhorado um veículo automóvel pertencente ao 2.º Executado e uma fração autónoma propriedade dos 3.ºs Executados, o princípio da estabilidade da instância não obsta ao prosseguimento dos autos no caso de falecimento do 3.º Executado.
III - Com efeito, impõe-se interpretar restritivamente os artigos 269.º, n.º 1, al. a), e 270.º, n.º 1, do CPC (de 2013 – cf. art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013) aplicáveis ao processo executivo (cf. art. 551.º, n.º 1, do CPC), entendendo que a suspensão da instância por óbito de alguma das partes aí prevista, após a junção ao processo de documento que o comprove, não tem razão de ser quando existem outros executados que podiam ter sido ab initio demandados individualmente, sem estarem acompanhados do falecido executado. Assim, apenas fica suspensa a instância quanto ao executado falecido [sendo a habilitação dos seus sucessores indispensável para fazer cessar tal suspensão – cfr. art. 276.º, n.º 1, al. a), do CPC], com todas as legais consequências (inviabilizando naturalmente a penhora ou venda de bens pertencentes a esse executado).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
Grasil - Confecções, S.A., Exequente na execução para pagamento de quantia certa que intentou contra VS__, Lda. (1.ª Executada), HS (2.º Executado), MS (3.º Executado) e mulher, MPS (3.ª Executada), interpôs o presente recurso de apelação da decisão que julgou deserta a instância.
Os autos tiveram início em 17-12-2010, com a apresentação de Requerimento executivo, em que a Exequente peticionou o pagamento coercivo da quantia exequenda, no valor de 33.987,67 € e respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, alegando que:
1 - A Exequente é legítima portadora de 7 letras de câmbio, aceites pela Executada VS__, Lda. e avalizadas pelos Executados MS, MPS e HS, uma no valor de 2.787,20 €, com data de vencimento em 25-04-2010, cinco letras no valor de 4.823,28 € cada, com datas de vencimento em 25-05-2010, em 25-06-2010, 25-07-2010, 25-08-2010 e 25-09-2010, respetivamente, e outra, no valor de 6.104,67 €, com data de vencimento em 25-10-2010.
2 - Os Executados, apesar de instados para o efeito, não pagaram tais letras nas respetivas datas de vencimento.
3 - A letra constitui título com força executiva, nos termos do preceituado no art. 46.º, n.º 1, al. c) do CPC.
4 - Os respetivos Executados, a Sociedade por Quotas VS__, Lda. e os avalistas, são solidariamente responsáveis pelo seu integral pagamento, atento o aceite e os avais prestados.
5 - Devem, por isso, os Executados à Exequente a quantia titulada pelas letras exequendas, que perfaz o montante global de 33.008,27 € (trinta e três mil e oito euros e vinte e sete cêntimos), a que acrescem juros de mora, desde as respetivas datas de vencimento, às taxas supletivas aplicáveis às dívidas de natureza comercial, importando os vencidos nesta data em 979,40 €.
Os Executados foram citados (cf. a/r juntos a 21-05-2011).
No seguimento da indicação feita no requerimento executivo, bem como em requerimento apresentado pela Exequente a 29-06-2011, foi efetuada a penhora de duas frações autónomas identificadas no requerimento executivo: a fração autónoma designada pela letra I, correspondente ao 4.º andar esquerdo do prédio sito na Rua …, n.ºs … a …, freguesia da Falagueira e concelho da Amadora, descrito na 1.ª CRP da Amadora sob o n.º …, propriedade dos 3.ºs Executados, e a fração autónoma designada pela letra J, correspondente ao 4.º andar direito do mesmo prédio, propriedade do 2.º Executado; mais tendo sido efetuada a penhora de veículo automóvel pertencente ao 2.º Executado, tudo conforme auto de penhora elaborado a 10-10-2011 e certidões juntas aos autos em 11-10-2011.
Em 24-10-2011, os 2.º e 3.ºs Executados vieram, por apenso (A), deduzir oposição à penhora, clamando pela sua redução, oposição que, por despacho de 19-11-2014, foi dada sem efeito por não ter sido suprida, no prazo fixado, a falta de junção aos autos de procuração forense.
Foi efetuada a citação dos credores nos termos do art. 864.º do CPC então em vigor.
A execução veio a ser sustada relativamente à fração autónoma designada pela letra J, pertencente ao 2.º Executado, por existir penhora anteriormente registada, no âmbito de ação executiva em que a ora Exequente veio reclamar o seu crédito, no valor de 33.987,67 €, tendo aí sido proferida sentença de graduação em 22-05-2014 (cf. certidão junta em 02-06-2014).
Em 28-10-2011, veio o Banco Espírito Santo, S.A., por apenso (B), deduzir Reclamação do seu crédito, garantido por hipoteca incidente sobre a fração autónoma designada pela letra I, propriedade dos 3.ºs Executados.
Este credor reclamante requereu, a 22-12-2011, que se procedesse à venda da dita fração, mediante propostas em carta fechada, o que teve a concordância da Exequente, salvo quanto ao valor base indicado (cf. requerimento de 11-01-2012).
Em 20-09-2013, os mandatários das partes (incluindo do credor reclamante), bem como o Agente de Execução (AE) e os 2.º e 3.ºs Executados compareceram em Tribunal, tendo sido tentada a conciliação das partes (a qual não foi possível obter) e prestados esclarecimentos.
Em 20-10-2015, as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a modalidade de venda da fração autónoma designada pela letra I, vindo a Exequente pronunciar-se conforme consta do requerimento apresentado a 03-11-2015, no sentido de se proceder à venda mediante propostas em carta fechada, sugerindo o valor base de 73.540 €. Também o credor reclamante se pronunciou, conforme requerimento apresentado em 04-11-2015.
Foi proferida em 29-03-2017, no apenso B, sentença que reconheceu o crédito reclamado pelo Banco Espírito Santo, S.A., garantido por hipoteca incidente sobre a fração autónoma designada pela letra I, graduando-o em primeiro lugar, seguido do crédito exequendo.
Em 20-04-2017, o AE decidiu que se iria proceder à venda desta fração, mediante propostas em carta fechada, sendo o valor base de 73.540 €, vindo, todavia, em 02-05-2017, comunicar às partes que se iria antes proceder à venda em leilão eletrónico.
Em 19-06-2018, a Exequente, no seguimento de notificação efetuada pelo AE (em 06-06-2018), veio informar que, no âmbito do processo executivo em que havia reclamado o seu crédito, lhe foi paga a quantia de 33.987,67 €, ficando em dívida os juros de mora vencidos após a entrada do requerimento executivo. Em 21-06-2018, a Exequente veio esclarecer que o valor dos juros calculados de 18-12-2010 até 30-06-2018 era de 18.425,80 €.
Em 22-01-2019, foi junto aos autos substabelecimento sem reserva com referência aos poderes conferidos pelos 2.º e 3.ª Executados ao seu anterior mandatário.
Em 28-01-2019, estes Executados vieram juntar procuração forense a favor do seu novo mandatário.
Em 12-04-2019, estes Executados vieram informar nos autos da comunicação dirigida ao AE em que davam conta do falecimento do 3.º Executado, ocorrido a 27-09-2017, requerendo que a instância fosse suspensa.
Em 26-04-2019, o AE veio informar nos autos do requerimento do mandatário do 3.º Executado em que dava conta do falecimento deste último, incluindo certidão do assento de óbito, da qual resulta o óbito ocorrido em 27-09-2017, no estado de casado com a 3.ª Executada.
Em 05-02-2020, foi junta aos autos pela Exequente “procuração a favor de novo mandatário”.
Em 06-02-2020, o AE veio juntar notificação dirigida à Exequente (ao seu novo mandatário), informando que havia sido enviado para o Tribunal o aludido requerimento a dar conta do falecimento do 3.º Executado.
Em 16-07-2020, o AE veio juntar aos autos certidão do assento de óbito deste Executado.
Em 08-03-2021, a Secretaria notificou o AE para informar se a execução já se encontrava extinta ao abrigo do disposto no art. 281.º do CPC, uma vez que até à data não tinha sido requerida a habilitação de herdeiros do falecido Executado e “tendo em conta que os presentes autos se encontram suspensos desde 06/02/2020”.
Em 16-04-2021, a Exequente veio requerer a habilitação dos sucessores do falecido Executado.
Foi proferido, em 20-04-2021, o despacho recorrido, com o seguinte teor:
“No passado dia 1 de setembro de 2013, entrou em vigor o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
Tal diploma eliminou a figura da interrupção da instância, resultando do n.º 5 do seu art. 281.º que, nas ações executivas, a instância se considera desde logo deserta, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. E, uma vez deserta, a instância não pode ser renovada, exceção feita aos casos previstos no art. 282.º do novo Código de Processo Civil.
Tais normas são imediatamente aplicáveis às ações executivas pendentes, por força do art. 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
No caso, verifica-se que, em 12.04.2019, a exequente foi regularmente notificada do falecimento do executado MS.
Porém, não providenciou pela habilitação dos seus herdeiros nem nada requereu nos autos até 16.04.2021 quando, finalmente, veio juntar requerimento em que pede sejam habilitados os herdeiros do falecido.
Verifica-se, assim, que o processo esteve parado a aguardar o impulso processual da exequente durante mais de seis meses, mostrando-se, consequentemente, deserta a instância executiva.
Termos em que, face ao exposto, indefiro o pedido de habilitação formulado pela exequente, declarando deserta a instância executiva.
Notifique.”
Em 28-04-2021, o AE notificou a Exequente para pagar a importância de 413,93 € a título de provisão, tendo em vista os seus honorários e o cancelamento do registo das penhoras dos imóveis e do veículo automóvel.
Em 28-04-2021, a AE decidiu igualmente extinguir a execução, por deserção.
Inconformado com aquela decisão judicial, na parte em que declarou deserta a instância executiva, veio a Exequente interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
Dúvidas não restam a ora apelante da sua legítima pretensão, atento os factos supra referidos, bem como a normas jurídicas violada, a saber:
- O despacho ora recorrido violou o artigo 281º nº5 do CPC, pois não deu a parte a faculdade de pronunciar, antes de tomada a decisão.
- O despacho ora recorrido violou os artigos 277º do CPC, na medida que a morte de um do executados, não pode, per si, por fim a essa mesma execução por deserção da instância.
Nestes termos e sobretudo no que serão objeto do douto suprimento de V.Ex.as, deve ser concedido provimento ao presente recurso e a final ser revogado o despacho que declarou deserta a instância.
Não foi apresentada alegação de resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se a decisão recorrida é uma decisão surpresa, que viola o princípio do contraditório;
2.ª) Se não estavam verificados os pressupostos da deserção da instância.
1.ª questão – Da decisão surpresa
A decisão recorrida declarou deserta a instância executiva, no seguimento do processado acima descrito no relatório.
Defende a Apelante, em síntese, que o tribunal, antes de julgar extinta a instância por deserção, deveria ter ouvido as partes, a fim de avaliar se a falta de impulso processual se deve ao comportamento negligente daquela, não podendo a deserção da instância ser declarada automaticamente.
Apreciando.
É inquestionável que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem – cf. art. 3.º, n.º 3, do CPC. Este comando é, aliás, uma decorrência do princípio mais abrangente da tutela jurisdicional efetiva contido no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa e do direito a um processo equitativo consagrado no art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Tem sido entendido que a inobservância desse princípio pode gerar nulidade processual, nos termos do art. 195.º, n.º 1, do CPC (“quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”), a qual, quando coberta por decisão judicial, poderá implicar a própria nulidade dessa decisão, a arguir no respetivo recurso.
Com efeito, o meio próprio para reagir contra as nulidades processuais cobertas por uma decisão judicial (despacho) que ordenou, autorizou ou sancionou (ainda que só de modo implícito) o respetivo ato ou omissão é o recurso desse despacho, como já explicava Manuel de Andrade, referindo a “doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se; contra as nulidades reclama-se” (in “Noções elementares de Processo Civil”, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 183). Não estando a nulidade a coberto de decisão judicial (despacho), a mesma deve ser arguida, mediante reclamação, nos termos e prazo do art. 199.º do CPC.
A questão que se coloca é, pois, a de saber se ao declarar a deserção da instância o Tribunal recorrido violou o princípio do contraditório e, em caso afirmativo, saber se o despacho recorrido deve, nessa parte, ser declarado nulo ou revogado e qual a decisão a proferir em substituição do mesmo.
Sobre a deserção da instância (e dos recursos) rege o disposto no art. 281.º do CPC de 2013 (aplicável na presente execução por força do disposto no art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26-06), com o seguinte teor:
“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
2 - O recurso considera-se deserto quando, por negligência do recorrente, esteja a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
3 - Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
4 - A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.
5 - No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
A articulação deste preceito legal com o preceituado no art. 3.º do CPC tem suscitado alguma controvérsia na jurisprudência e na doutrina. A posição mais amplamente sufragada, que acompanhamos, vem considerando que o juiz, enquanto “gestor do processo” (cf. art. 6.º do CPC) ou, sendo caso disso, o agente de execução, enquanto detentor da direção efetiva do processo executivo (na medida em que a este cabe a iniciativa e a prática das diligências do processo executivo necessárias à realização do seu fim – cf. art. 719.º do CPC) deve, quando considerar que o processo se encontra a aguardar o impulso processual das partes, alertá-las disso mesmo, advertindo-as, em particular o exequente, sobre as consequências da sua inatividade, com referência ao disposto no art. 281.º do CPC ou à figura da deserção, podendo mesmo, para prevenir alguma dúvida, explicitar a data (em regra da notificação) por referência à qual se conta o prazo de seis meses.
Numa tal situação, as partes poderão tomar posição a esse respeito (cf. art. 3.º, n.º 3, do CPC), reagindo como bem entenderem, designadamente reconhecendo ser devido e praticando o ato em causa ou justificando por que motivo não o fizeram (requerendo até a cooperação do tribunal ou da outra parte). Posteriormente, decorrido tal prazo (após ter sido sinalizada nos autos a possibilidade de deserção), se o juiz (ou o agente de execução) constatar que não foram praticados os atos para impulso do processo, já não será necessário ouvir, de novo, as partes para se pronunciarem sobre tal questão.
Assim, a nosso ver, mostra-se então desnecessário um contraditório especificamente destinado à pronúncia sobre a verificação dos pressupostos da deserção, não se nos afigurando que essa nova audição prévia se imponha para que o Tribunal possa aferir se a objetiva paragem do processo se deve à negligência da parte que tinha o ónus do impulso processual. Na verdade, este pressuposto (da negligência) deve ser aferido em face dos elementos evidenciados nos autos, sem que relevem minimamente outras circunstâncias “externas” que só podem ser atendidas no contexto de um incidente de justo impedimento.
Ao invés, se não tiver sido possível ao juiz ou, sendo caso disso, ao agente de execução, sinalizar em tempo útil e de forma cabal que se esteve a aguardar pela prática de ato processual indispensável para o prosseguimento dos autos, de forma a que a parte pudesse discernir que, com referência a um determinado marco temporal, se iniciara a contagem do prazo de deserção, já não se poderá dizer que é (manifestamente) desnecessário ouvir as partes sobre a visada questão. Pelo contrário, sob pena de ser proferida uma decisão surpresa, o que o art. 3.º, n.º 3, do CPC não permite, será necessário ouvi-las, não podendo o Tribunal, sem mais, proferir uma tal decisão conducente ou confirmativa da extinção da instância [cf. art. 277.º, al. c), do CPC].
A este propósito, acompanhamos e remetemos para as considerações desenvolvidas por Paulo Ramos de Faria, no seu artigo “O julgamento da deserção da instância declarativa (breve roteiro jurisprudencial)”, disponível para consulta na Julgar online, em que conclui (pág. 23), além do mais, o seguinte:
 “Princípio da cooperação e dever de gestão processual – O juiz tem o dever de comunicar às partes que o processo aguarda o seu impulso, esclarecendo-as sobre os efeitos da sua conduta.
Contraditório prévio à decisão – Se as partes já tiverem sido alertadas para a consequência da omissão do impulso pelo prazo de deserção, a lei não exige a sua audição após o decurso de tal prazo”.
Este autor, nas págs. 18-20, desenvolve esta problemática, tecendo considerações que citamos, pelo seu interesse (omitindo as respetivas notas de rodapé):
«Desnecessidade de nova audição das partes. Assentando hoje o encerramento do processo no julgamento da verificação dos dois pressupostos da deserção, não pode ela ser declarada sem que as partes tenham oportunidade de se pronunciarem sobre a questão (art. 3.º, n.º 3). Em especial, tem o demandante o direito de se pronunciar sobre o juízo de negligência formulado sobre a sua conduta. Todavia, a necessidade de permitir o exercício deste direito não deve impressionar, adotando-se soluções redundantes que a satisfação do princípio do contraditório não reclama.
Não se poderá perder de vista que estamos perante o mero decurso de um prazo processual, sem que a parte pratique o ato necessário a evitar a concretização do efeito da insatisfação de um ónus previsto na lei. Se o demandante tiver sido previamente alertado para as consequências da sua inércia, e sendo adotado o conceito de negligência acima referido, exigir a sua audição após o decurso do prazo de deserção para discutir a negligência, significa exigir a sua audição para discutir se alguma circunstância estranha à sua vontade o impediu de praticar o ato em tempo útil. Um tal benefício concedido ao autor não encontra paralelo, por exemplo, em semelhante prerrogativa atribuída ao réu, quando não conteste: o tribunal, antes de proferir um despacho julgando confessados os factos articulados, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 567.º – um efeito bem mais atentatório dos direitos subjetivos substantivos, do que a mera extinção da instância –, não convida o réu a esclarecer se a sua inércia se deveu a facto estranho à sua vontade; o despacho é proferido e, havendo justo impedimento, será ele alegado ulteriormente pelo modo próprio.
Se as partes já tiverem sido alertadas para a consequência da omissão do impulso pelo prazo de deserção, afigura-se ser redundante e não reclamada “por defeito” pela lei a sua audição após o decurso do prazo de deserção. A letra da lei apela mesmo à ideia oposta, não sendo intercalada a expressão “ouvidas as partes” no enunciado da norma contida no n.º 4 do art. 281.º – expressão presente nos arts. 6.º, n.º 1, 155.º, n.º 9, 176.º, n.º 3, 267.º, n.º 4, e 543.º, n.º 3, por exemplo –, prevendo-se, sim, o simples julgamento da deserção. Perante o referido alerta, é de exigir que a parte, atuando diligentemente, informe o tribunal sobre o surgimento de alguma circunstância impeditiva do impulso estranha à sua vontade. Não o fazendo, restar-lhe-á invocar o justo impedimento (da prática do ato e da participação do impedimento ao tribunal), no tempo e no modo previstos na lei, para afastar o juízo de negligência e atacar o julgamento de deserção da instância.
Do exposto resulta que, não se poderá dizer, sem mais, que devem as partes ser ouvidas depois de se verificarem os pressupostos da deserção, mas antes do seu julgamento. Tudo dependerá do caso concreto – mihi factum dabo tibi jus –, isto é, do grau de satisfação, pelo tribunal, do princípio da cooperação, do dever de prevenção e do dever de gestão processual, antes de se ter completado o prazo de deserção. O mais que se poderá dizer é que, quando estes princípios e deveres não tenham sido satisfeitos, não se podendo concluir que o demandante foi esclarecido pelo tribunal, deve ser oferecido o contraditório prévio à decisão.
Ainda que tenha alertado os litigantes nos moldes acima referidos no ponto 5.1, justifica-se que, por regra, nos casos em que a parte não está patrocinada, não estando a isso obrigada, e só nestes, o tribunal promova uma audição prudencial acrescida, antes de se pronunciar sobre a eventual deserção a instância, acautelando a possibilidade de existir um obstáculo à realização do ato e de a parte não ter ficado plenamente consciente da necessidade de o participar ao processo.»
Seguimos também, de perto, a posição que mais amplamente tem sido preconizada pelo STJ, em sucessivos arestos, com destaque para o acórdão de 19-09-2017, proferido na Revista n.º 1572/07.4TBCTX.E1.S1 - 6.ª Secção e cujo sumário, disponível em www.stj.pt, passamos a citar:
«I - A deserção da instância e dos recursos prevista no art. 281.º do CPC visa impedir um desperdício de recursos em processos em que o próprio comportamento negligente de uma das partes indicia o seu escasso interesse genuíno no processo em causa. 
II - Para que se verifique a deserção da instância não se exige o carácter mais ou menos fundamental do acto omitido, mas apenas que, cabendo à parte o impulso processual este tenha sido omitido com negligência. 
III - Mesmo advertida da necessidade de impulso processual da sua parte, a autora/recorrente prolongou a sua inacção por mais de seis meses, pelo que ocorre negligência processual fundamento da deserção da instância devidamente declarada por despacho judicial. 
IV - Inexiste fundamento legal para a “audição” das partes (seja ou não a expensas do princípio do contraditório) em ordem à formulação de um juízo sobre essa negligência, a qual se apresentada retratada objectivamente no processo”.»
Nesta linha de pensamento, veja-se, ainda, a título exemplificativo, o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 24-10-2019, proferido no processo n.º 2165/17.3T8CSC.L1.L1-2, em que a ora Relatora teve intervenção como Desembargadora-adjunta e do qual consta uma abundante resenha jurisprudencial, acórdão este disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:
“I - Para além dos casos em que tal decorre por força de um despacho judicial, há casos, excepcionais, em que a lei impõe às partes o ónus de um impulso processual. Um desses, poucos, casos é o da habilitação dos sucessores da parte falecida. Se a parte onerada com a necessidade de requerer a habilitação não o fizer, por negligência, durante um período de 6 meses, a instância será declarada deserta (art. 281/1 do CPC).
II - Salvo casos excepcionais, o tribunal deverá alertar a parte para a consequência da deserção da instância por negligência no cumprimento daquele ónus durante aquele período de tempo, o que normalmente será feito com a referência expressa a essa possibilidade, ou com a menção de que o processo fica à espera da prática do acto sem prejuízo do decurso do prazo do art. 281/1 do CPC.
III - Se a parte onerada com esse ónus nada fizer nesse prazo, nem vier ao processo, no decurso do prazo, justificar o facto, tal será suficiente para se concluir pela sua negligência e, por isso, o tribunal poderá declarar a deserção sem ter que ouvir as partes sobre isso”.
Transpondo estas considerações para o presente processo, parece-nos seguro concluir que o contraditório não foi devidamente cumprido, nisto assistindo razão à Apelante. Nem por decisão do AE, nem por despacho judicial, foi a Exequente advertida sobre a possível decurso do prazo de deserção da instância executiva, por falta de impulso processual da Exequente, ante a junção aos autos de certidão do assento de óbito do 3.º Executado, sendo certo que nem chegou a ser proferida qualquer decisão a respeito do requerimento de suspensão da instância. Apenas a Secretaria notificou o AE, em 08-03-2021, no sentido de informar se a execução já se encontrava extinta ao abrigo do disposto no art. 281.º do CPC, uma vez que até à data não tinha sido requerida a habilitação de herdeiros do falecido Executado e “tendo em conta que os presentes autos se encontram suspensos desde 06/02/2020”.
Assim, a decisão proferida, sem prévia audição das partes, constitui uma decisão surpresa, proferida com violação do princípio do contraditório.
A omissão da prática de ato que, de alguma forma, alertasse as partes a respeito de eventual deserção da instância, traduziu-se numa nulidade processual, que afeta, como é óbvio, a decisão recorrida, cuja anulação (e não revogação, como refere a Apelante) não pode deixar de ser decretada, por força do art. 195.º do CPC, o que se decide.
2.ª questão – Dos pressupostos da deserção
Importa agora, uma vez que já dispomos dos elementos necessários e as partes tiveram, entretanto, oportunidade de se pronunciar a esse propósito, conhecer da questão de saber se não estavam verificados os pressupostos da deserção (cf. art. 665.º do CPC).
A Apelante defende, em síntese, que não podia ter sido declarada deserta a instância uma vez que nada obstava ao prosseguimento dos autos em relação aos demais Executados.
Apreciando.
O Tribunal deve, com o prévio cumprimento do contraditório, conhecer oficiosamente da deserção da instância (cf. art. 281.º, n.º 4, do CPC), quando estejam verificados os seus pressupostos, ou seja, quando, nos termos da lei, se verifique a falta de impulso processual, por negligência da(s) parte(s), decorridos mais de seis meses. No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses – cf. art. 281.º, n.º 5, do CPC. Ou seja, a única especificidade é que na ação executiva a deserção opera automaticamente, não carecendo de ser declarada, mas também pressupõe que se verifique a negligência das partes em impulsionar o processo.
De novo, acompanhamos as considerações de Paulo Ramos de Faria, no citado estudo (págs. 13 e 23), quando, ao dar conta do processo legislativo que deu origem à redação final do citado art. 281.º, refere:
“A intenção do legislador, ao impor a prolação de um despacho declarativo da deserção da instância, terá sido, apenas, alertar a parte para a deserção por ela já provocada, de modo a poder acautelar o eventual reinício dos prazos de prescrição ou de caducidade a que o exercício do seu direito substantivo ainda se encontre sujeito, instaurando uma nova ação em tempo. E porque apenas este mero alerta para a deserção pretérita terá sido visado pelo legislador – e não a satisfação de um qualquer princípio transversal a todo o processo civil –, não causa estranheza o surgimento da norma contida no n.º 5 do art. 281.º, dispensando o julgamento da deserção da instância executiva pelo juiz – já que tal intervenção não é naturalmente essencial à deserção –, em harmonia com as restantes causas de extinção da execução (art. 849.º), mas não a verificação de qualquer dos pressupostos da deserção.
(…) Atendibilidade da deserção – Atualmente, o reconhecimento da deserção produz-se ope judicis, e não ope legis. O juiz conhece da deserção ex officio.
Natureza da decisão – O julgamento da deserção é meramente declarativo do facto jurídico processual extintivo da instância, tendo a decisão efeitos constitutivos ex tunc sobre o processo. Após a ocorrência da deserção, e antes de ser ela judicialmente reconhecida, os atos espontaneamente praticados pelas partes são potencialmente desprovidos do seu efeito jurídico processual típico. Se o tribunal praticar atos processuais, poderá ficar impedido de, oficiosamente, declarar extinta a instância”.
É sabido que a razão de ser da deserção da instância consiste fundamentalmente em promover a celeridade processual, com respeito pelos princípios dispositivo e da autorresponsabilidade das partes.
Tendo isso em vista, a deserção opera, conforme se retira da previsão legal, quando estejam verificados seguintes pressupostos:
- Uma omissão de ato da parte, que é causal da paragem objetiva do processo;
- A negligência da parte onerada com o impulso processual;
- E o decurso do tempo (contado desde o momento em que a parte devia ter praticado o ato omitido).
Note-se que apenas conduz à deserção da instância a paragem objetiva do processo (por mais de seis meses) que seja devida à omissão pela(s) parte(s) da (necessária) prática do ato de que dependia o prosseguimento dos autos, ato que tanto pode dizer respeito ao próprio processo principal, como a um incidente de que dependia o prosseguimento daquele processo, de que é exemplo paradigmático a habilitação dos sucessores da parte falecida, indispensável para fazer cessar a suspensão da instância determinada no processo principal – cf. artigos 270.º, n.º 1, e 276.º, n.º 1, al. a), ambos do CPC. Ou seja, perante um incidente com efeito suspensivo, a instância (ou o recurso) ficará deserta quando, por negligência das partes, o incidente se encontrar a aguardar impulso processual há mais de seis meses – cf. art. 281.º, n.º 4, do CPC.
Nas palavras do referido autor (artigo citado, pág. 4), a deserção da instância pressupõe uma “paragem qualificada do processo”, salientando que “Como resposta legal para o impasse processual, a extinção da instância só se justifica, no entanto, quando tal impasse não possa (não deva) ser superado oficiosamente pelo tribunal. Assim, determina a lei que a paragem do processo que empresta relevo ao decurso do tempo deve ser o efeito, isto é, o resultado (causalmente adequado) de uma conduta típica integrada por dois elementos: a omissão de um ato que só ao demandante cabe praticar; a negligência deste” (sublinhado nosso).
Mais explica este autor (artigo citado, págs. 5-6), a propósito da negligência, que “a deserção da instância prescinde de um juízo de culpa (censura) sobre a conduta do demandante. Por exemplo, ainda que não se censure o autor por, antes de praticar o ato em falta, passar largos meses tentando chegar a acordo com o réu – o que se admite, embora sem conceder, pois as demoradas tentativas de acordo devem ser ensaiadas antes de se provocar o funcionamento da pesada e onerosa máquina judiciária –, tal comportamento será de qualificar como negligente, para os efeitos que nos ocupam.
Resulta do exposto que negligente significa aqui imputável à parte (causalmente imputável), e não a terceiro – como a uma conservatória que se atrasa na entrega de uma certidão – ou ao tribunal. Em suma, a assunção pelo demandante de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência.
Esta conclusão é confirmada pelo abandono da expressão empregue no Código de 1939 – a qual, de outro modo, seria mais correta. Resultando a deserção da instância da inércia das partes, e não apenas da inércia do autor, tal significa que ela ocorre porque o demandante não praticou o ato necessário ao andamento dos autos, não satisfazendo, negligentemente, o seu ónus de impulso processual, e porque o demandado não praticou qualquer ato sub-rogatório catalisador do processo, nos casos em que este ato está ao seu alcance – sem que, no caso do demandado, se possa formular, com propriedade, qualquer juízo de culpa. Ou seja, a deserção da instância resulta também (causalmente) da circunstância de o réu nada ter feito para a impulsionar – daí a lei antiga referir-se à inércia das partes –, mas não da sua negligência (hoc sensu), pois não tem este qualquer ónus ou dever de o fazer.
A conduta omissiva e negligente da parte onerada com o impulso processual só cessará com a prática do ato que, utilmente, estimule a instância, ou com a superveniência de uma circunstância que subtraia à vontade da parte a possibilidade da sua prática” (sublinhado nosso).
A jurisprudência do STJ sobre o conceito de negligência em causa tem sido também pacífica e uniforme. Para além do acórdão acima citado, destacamos, pelo seu interesse, o acórdão de 08-03-2018, proferido no processo n.º 225/15.4T8VNG.P1-A.S1, e o acórdão de 20-09-2016, proferido no processo n.º 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1 - 6.ª Secção, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, citando-se, pelo seu interesse, a seguinte passagem do sumário deste último:
“V - A negligência a que se refere o n.º 1 do art. 281.º do CPC não é uma negligência que tenha de ser aferida para além dos elementos que o processo revela, pelo contrário, trata-se da negligência ali objetiva e imediatamente espelhada (negligência processual ou aparente). 
VI - Tal negligência só deixa de estar constituída quando a parte onerada tenha mostrado atempadamente estar impossibilitada de dar impulso ao processo. 
VII - Inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes no contexto da deserção da instância com vista a aquilatar da negligência da parte a quem cabe o ónus do impulso processual”.  
No caso da ação executiva, é conhecido o papel de relevo desempenhado pelo agente de execução, como se alcança designadamente do disposto no art. 719.º do CPC e dos artigos 162.º e 168.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14-09). Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Guimarães de 30-05-2018, proferido no processo n.º 438/08.5TBVLN.G1, disponível em www.dgsi.pt, citando-se, pelo seu interesse, parte do respetivo sumário:
“II. No actual regime desjudicializado do processo executivo, cabendo em regra ao agente de execução promover o seu regular andamento - actuando como profissional liberal e em nome do Tribunal que o haja nomeado -, a omissão do cumprimento de um concreto dever que lhe seja cometido para aquele efeito, não pode ser feita recair automaticamente no exequente, como incumprimento de um dever próprio de impulso processual, por o agente de execução não ser seu representante, nem por si contratado (art. 719º, nº 1 do C.P.C.).
III. Só perante a comunicação que seja feita ao exequente da indevida inércia do agente de execução, se constitui o respectivo ónus de tomar posição sobre o incumprimento comunicado, passando então os autos a aguardar o seu impulso processual próprio, a ocorrer necessariamente nos seis meses subsequentes (art. 281º, nº 5 do C.P.C.)”.
Não se pode, todavia, olvidar que sobre o juiz, mesmo no processo executivo, impende o dever de gestão processual (cf. art. 6.º do CPC). A respeito da intervenção do juiz na ação executiva, revemo-nos nas palavras de João Paulo Raposo, no seu artigo “Intervenção do juiz na execução: - Ainda um processo judicial?”, no e-book CEJ “Balanço do Novo Processo Civil”, março 2017, disponível em www.cej.mj.pt, designadamente quando conclui que: “O processo executivo é, inequivocamente, judicial;
− Assim sendo corre, necessariamente, em tribunal, em todas as fases;
− O juiz tem o controlo processual de todos os processos, que, de facto, pode exercer em concreto ou não.”
De salientar que, perante um atraso por parte do juiz, da secretaria ou do agente de execução, nada na lei processual impõe ao demandante (autor, requerente ou exequente) que, sob pena de deserção da instância, venha aos autos insistir que o ato em falta seja praticado. Tal não configura impulso processual para efeitos do disposto no art. 281.º do CPC, podendo apenas ser encarado como uma manifestação do princípio da cooperação (cf. art. 7.º, n.º 1, do CPC).
Transpondo estas considerações para o caso dos autos, lembramos que na decisão recorrida se considerou que, em 12-04-2019, a Exequente foi regularmente notificada do falecimento do 3.º Executado (MS). Porém, não providenciou pela habilitação dos seus herdeiros nem nada requereu nos autos até 16-04-2021 quando, finalmente, veio juntar o requerimento em que pediu a habilitação dos herdeiros do falecido. Concluiu o Tribunal a quo que se verifica, assim, que o processo esteve parado, a aguardar o impulso processual da Exequente, durante mais de seis meses, mostrando-se, consequentemente, deserta a instância executiva.
Não podemos acompanhar inteiramente estas considerações, por se nos afigurar, desde logo, que, em bom rigor, ante o requerimento de suspensão da instância apresentado pelo 2.º e 3.ª Executados, se impunha uma tomada de posição expressa por parte do AE ou do Tribunal, sendo razoável que a Exequente tivesse assumido que um tal requerimento iria ser apreciado, aguardando para, em função do que viesse a ser determinado, reagir conforme reputasse mais adequado.
Não se compreende, pois, a inatividade do AE que, não só nada disse a respeito do aludido requerimento, como tão pouco o submeteu a apreciação pelo Tribunal, nem cuidou de impulsionar os autos, mormente com a venda do veículo automóvel pertencente ao 2.º Executado, numa incompreensível inércia que não pode ser imputada à Exequente, tanto mais que, por motivo que não se alcança, a venda eletrónica da fração penhorada não chegou a ser efetuada.
Isto porque, na presente execução, os Executados foram demandados em litisconsórcio voluntário passivo, nos termos conjugados do disposto nos artigos 27.º, do CPC então em vigor, 47.º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças e 512.º do CC, não se vendo motivo para que o falecimento de um deles implicasse uma total suspensão da instância quando, como é sabido, o(s) outro(s) Executado(s) são solidariamente responsáveis pela totalidade da dívida exequenda.
Em nosso entender, o princípio da estabilidade da instância não obsta ao prosseguimento dos autos, impondo-se interpretar restritivamente  os artigos 269.º, n.º 1, al. a), e 270.º, n.º 1, do CPC de 2013 (cf. art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013), aplicáveis ao processo executivo (cf. art. 551.º, n.º 1, do CPC), entendendo que a suspensão da instância por óbito de alguma das partes aí prevista, após a junção ao processo de documento que o comprove, não tem razão de ser quando existem outros executados que podiam ter sido ab initio demandados individualmente, sem estarem acompanhados do falecido executado, pelo que apenas fica suspensa a instância quanto ao executado falecido [sendo a habilitação dos seus sucessores indispensável para fazer cessar tal suspensão – cfr. art. 276.º, n.º 1, al. a), do CPC], com todas as legais consequências (inviabilizando naturalmente a penhora ou venda de bens pertencentes a esse executado).
Nesta linha de pensamento, veja-se:
- o acórdão da Relação de Lisboa de 17-06-2010, proferido no proc. n.º 1471-J/1994.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, embora visando a questão de saber se habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa tem de ser promovida com intervenção, ativa ou passiva, dos sucessores que se pretendem habilitar e das partes sobrevivas; com especial interesse para o caso, veja-se a seguinte passagem da respetiva fundamentação: “É certo que, nos termos do art. 371.º do CPC, a habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa tem de ser promovida com intervenção, activa ou passiva, dos sucessores que se pretendem habilitar, e das partes sobrevivas.
Mas, sendo seguro que esta regra se destina a assegurar o direito de contraditório de todos os interessados no resultado da habilitação, deve entender-se que a intervenção no incidente deverá ser limitada às pessoas que possam ter interesse, e interesse atendível, na decisão a proferir no seu âmbito.
Ora, estando em causa a habilitação dos sucessores de uma executada, que foi demandada juntamente com mais trinta executados, numa acção em que o título executivo é constituído por uma livrança, subscrita pela primeira executada e avalizada pelos demais, julga-se ser seguro que o resultado da habilitação dos sucessores de um dos executados falecidos é perfeitamente indiferente para todos os demais executados. Que, consequentemente, nem terão legitimidade para intervir no incidente.
Com efeito, as obrigações dos executados, sendo de natureza cambiária, são solidárias, nos termos dos art. 47 e 77 da lei Uniforme sobre Letras e Livranças, podendo os respectivos devedores ser accionados individual ou colectivamente, sem qualquer ordem determinados. Ou seja, estamos perante um caso de litisconsórcio voluntário, definido no art. 27.º do CPC, em particular no seu n.º 2, do CPC.
Numa situação como a dos autos, em que um exequente demanda 31 executados, não estamos perante uma única acção executiva, mas perante uma acumulação de trinta e uma execuções, em que, nos termos do art. 29.º do CPC, é reconhecida aos diversos executados uma posição de independência recíproca.
Assim sendo, o falecimento de um desses executados apenas dá causa à suspensão da instância executiva em relação ao próprio executado falecido, não afectando o prosseguimento da execução em relação aos demais executados. E, no incidente de habilitação dos sucessores do executado falecido apenas devem ser admitidos a intervir, o próprio exequente e os sucessores a habilitar.
Julga-se que o art. 371.º n.º 1 do CPC comporta este entendimento, mesmo que isso se traduza numa interpretação restritiva do preceito. O que não faz sentido é pretender assegurar um direito de contraditório a quem, segundo se julga, não pode ser afectado pela decisão a proferir no incidente.”
- o acórdão da Relação do Porto de 07-04-2014, proferido no processo n.º 1472.04.0TVPRT.P1, in Colectânea de Jurisprudência, n.º 253, Tomo II/2014, também disponível em www.colectaneadejurisprudencia.com, conforme se alcança do respetivo sumário, com o seguinte teor: “Em caso de litisconsórcio voluntário, a suspensão da instância em relação a um dos co-executados, por falecimento deste, e a posterior extinção da instância por negligência do exequente na promoção do respectivo incidente de habilitação de herdeiros, não determina a extinção da instância relativamente aos restantes co-executados, mas apenas quanto a esse falecido co-executado.”
- o acórdão da Relação de Lisboa de 22-10-2020, proferido no proc. n.º 26302/02.3TVLSB.L1-6, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se explica precisamente que:
“1-Por regra, a deserção, enquanto causa de extinção da instância (artº 277º al. c) do CPC) no caso de óbito de uma das partes constitui, simultaneamente: (i) uma sanção para o não aproveitamento da oportunidade de regularização subjectiva da instância que é dada pela suspensão da instância e (ii), a constatação (implícita) de que a lide, desprovida de um dos seus elementos estruturantes, (uma das partes) não pode prosseguir.
2-No entanto, no caso de devedores solidários o falecimento de um desses devedores, em execução para pagamento de quantia certa, não afecta irremediavelmente a totalidade da lide executiva em termos de determinar a respectiva suspensão e extinção total: se permanece na execução quem responde pela totalidade da dívida, não desapareceu um dos elementos estruturantes da instância executiva, a parte passiva. Isto porque nas obrigações solidárias – de pagamento de quantia certa - basta que um dos credores e/ou devedores esteja na execução para que possam ocupar-se do cumprimento da totalidade da obrigação exequenda.
3- Assim, na execução para pagamento de quantia certa, o falecimento de um dos devedores solidários apenas determina a suspensão parcial da instância executiva quanto a esse executado falecido e não a suspensão da totalidade da instância.”
- o acórdão da Relação de Lisboa de 26-05-2022, proferido no proc. n.º 348/10.6PVLSB.1.L1-2, em que a ora Relatora interveio como 1.ª Adjunta, disponível em www.dgsi.pt, em que se cita outra jurisprudência e cujo sumário tem o seguinte teor:
“1. Em se tratando de uma obrigação solidária, como é o caso da que emerge da responsabilidade por factos ilícitos, não obstante cada um dos devedores seja responsável pela totalidade da dívida, os mesmos podem ser acionados individual ou coletivamente, ficando essa opção na disponibilidade do credor, sendo que, no caso de serem todos acionados temos uma pluralidade de partes do lado passivo, numa situação de litisconsórcio voluntário, atenta a noção do art.º 35.º do CPC.
2. Perante uma situação de litisconsórcio voluntário fundamentado na obrigação solidária integrada no título executivo, em que a execução tanto podia ter sido proposta contra um como contra os dois Executados, como aconteceu por opção do Exequente, por morte de um dos Executados a instância suspende-se apenas quanto ao falecido.
3. Se em se tratando de uma situação de litisconsórcio necessário, não temos dúvidas em defender que por morte de um dos executados a instância se suspende quanto a todos eles, já que é a própria lei ou o negócio a exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida para que fique assegurada a sua legitimidade processual, já em se tratando de uma situação de litisconsórcio voluntário, em que cada litigante conserva uma posição de independência em relação aos seus compartes, não se vê que haja obstáculo ao prosseguimento da execução por morte de um deles, suspendendo-se a instância apenas quanto ao executado falecido.”
Assim, contrariamente ao que consta na notificação dirigida pela Secretaria ao AE, não se se podia considerar verificada uma circunstância determinante da suspensão da instância, pois apenas estava comprovado nos autos o óbito do 3.º Executado, nada obstando a que o AE diligenciasse no sentido do seu prosseguimento, por exemplo, com a venda do veículo automóvel penhorado, propriedade do 2.º Executado.
Destarte, não se pode considerar que se estava a aguardar pela prática por parte da Exequente de um qualquer ato que fosse necessário para que a execução pudesse prosseguir, não sendo possível afirmar que, por negligência sua, o processo ficou mais de seis meses a aguardar o impulso processual.
Procedem, pois, as conclusões da alegação de recurso, impondo-se anular a decisão recorrida e, em sua substituição, determinar que os autos executivos prossigam, nos termos acima referidos, a sua tramitação, sem prejuízo da suspensão da instância quanto ao falecido Executado.
A Exequente, que retira proveito da procedência do recurso, já pagou a taxa de justiça devida, inexistindo custas de parte ou encargos, pelo que não vai ser condenada no pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
*
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, anula-se a decisão recorrida e, em substituição, determina-se que os autos executivos prossigam os seus normais trâmites, sem prejuízo da suspensão da instância quanto ao falecido 3.º Executado.
A Exequente, responsável pelas custas do recurso, não vai condenada no respetivo pagamento, uma vez que já pagou a taxa de justiça devida, inexistindo custas de parte e encargos.
D.N.

Lisboa, 26-01-2023
Laurinda Gemas
António Moreira
Carlos Castelo Branco