Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | CONCEIÇÃO SAAVEDRA | ||
| Descritores: | NULIDADE PROCESSUAL ARGUIÇÃO PRAZO VENDA EXECUTIVA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 03/12/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I- Se a parte não estiver presente quando a nulidade processual foi cometida, dispõe a mesma de 10 dias para a invocar contados da sua intervenção em ato processual subsequente ou da notificação para qualquer termo do processo, mas, neste caso, apenas quando for de presumir que então tomou conhecimento dessa nulidade ou que dela pôde aperceber-se; II- Na primeira situação o prazo conta-se, sem mais, desde a intervenção da parte no processo; III- Tendo a executada invocado nos autos a nulidade da citação, é pelo menos a partir dessa data que deve contar-se o prazo para arguir qualquer nulidade respeitante à venda, já levada a cabo, do imóvel penhorado; IV- Pelo menos a partir de então tinha o patrono nomeado à executada acesso ao processo e oportunidade de tomar conhecimento de eventuais irregularidades/nulidades cometidas no mesmo, prevenindo a hipótese de não conseguir obter, como efetivamente não conseguiu, a anulação do processado com fundamento na falta de citação da executada. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa. I- Relatório: Na execução comum para pagamento de quantia certa instaurada, em 12.12.2012, pelo BE…, S.A., atual NB…, S.A., contra MC… e AC…, veio a primeira, em 15.2.2018, requerer seja declarada nula a venda da fração autónoma penhorada nos autos, designada pela letra “B” correspondente ao … direito, destinada a habitação, do prédio urbano situado na Rua …, Lote …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … e inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de Marvila, sendo determinado o cancelamento de eventuais registos a favor do adquirente. Invoca, em síntese, que desde 2013 que as notificações a si dirigidas, nomeadamente quanto à renovação da instância, determinação da modalidade da venda e valor base do imóvel, foram erradamente remetidas ao Advogado Dr. CV… que não se encontrava mandatado para tanto, sendo certo que o tribunal considerou sem efeito a correspondente procuração e constituição de mandatário. Assim, conclui, ocorre nulidade nos termos do nº 2 do art. 195 do C.P.C., que gera a nulidade de todo o processado subsequente, designadamente a venda e consequente adjudicação do imóvel propriedade da executada. Ouvidos para o efeito, pronunciaram-se o Banco exequente, o credor reclamante BS…, S.A., e o agente de execução, sendo o primeiro pela procedência da pretensão e os últimos pela respetiva improcedência. Em 25.1.2018, invocara a mesma executada a nulidade da sua citação bem como a nulidade de todo o processado subsequente. Em 17.5.2018, foi proferida decisão que, apreciando ambas as questões, julgou improcedente a arguição de falta de citação e “improcedente o presente incidente de nulidade da venda.” Inconformada, recorreu a executada MC…, culminando as alegações por si apresentadas com as seguintes conclusões que se transcrevem: “ 1. O recurso de apelação que incide sobre decisão de que julgou improcedente o incidente de nulidade da venda, por falta notificação da modalidade da venda de imóvel em processo executivo, tem efeito suspensivo por esse imóvel consistir na casa de habitação da recorrente. 2. Tendo a recorrente invocado a falta de mandato do Dr. CV…, e não se encontrando este mandatado para que as notificações à recorrente fossem feitas na sua pessoa, tal facto era essencial para boa decisão da causa e fundamento da requerida para peticionar a nulidade da venda por falta de notificação da modalidade da venda e determinação do valor base dos bens. 3. Ora, sendo tal facto invocado pela recorrente, e sendo essencial para a boa decisão da causa, devia o Tribunal a quo ter-se pronunciado sobre tais factos, o que não aconteceu, sendo a sentença completamente omissa relativamente aos mesmos. 4. Assim, é nula a sentença nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C. porquanto o juiz não se pronunciou sobre questões sobre as quais se devia pronunciar, questões essas fundamentais para a boa decisão da causa. 5. Verificando-se que a notificação constante do ponto 4 da factualidade provada não foi expedida e muito menos recebida pela recorrente, não podia Tribunal a quo ter dado como provado tal facto, devendo aquele ponto passar a constar da matéria de facto não provada. 6. Atendendo que tal facto era essencial para a boa decisão da causa, devia ter sida como provado que foi dada sem efeito a procuração junta aos autos pelo Dr. CV… por despacho de 12/02/2014 (ref.ª citius 19592928, de 12/02/2014), passando tal facto a constar da matéria de facto provada. 7. Consequentemente, devia ainda ter sido dado como provado que apenas o Dr. CV… foi notificado para se pronunciar quanto à modalidade da venda (ref.ª citius 16033542, de 22/08/2017), bem como foi notificado do período de abertura do leilão (ref. Citius 16858931, de 9/11/2017), não tendo sido a recorrente notificada de tais actos, devendo tal facto passar a constar da matéria de facto provada. 8. Atenta a relevância daquele notificação para a boa decisão da causa e por ser aquela, a única notificação dirigida à executada relativa à vendo do imóvel, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que a 01/02/2018 for remetida à executada, MC…, notificação para proceder à desocupação do imóvel e à entrega das respectiva chaves, sendo esta a única notificação feita à executada relativa à venda do imóvel, devendo tal facto passar a constar da matéria de facto provada. 9. Dando-se o ponto 4 da factualidade dada como provada como não provado, não poderia o Tribunal a quo atender àquela notificação para invocar a extemporaneidade do requerimento de nulidade da venda. 10. Tendo a recorrente vindo invocar a nulidade da venda, no dia 15 de Fevereiro de 2018, fê-lo dentro do prazo supletivo de 10 dias, contado desde a data da notificação para a desocupação e entrega das chaves do imóvel, a única que lhe foi efetivamente remetida e por ela recepcionada. 11. Encontrando-se a executada a aguardar despacho quanto à nulidade da citação e, atendendo que a mesma teria efeitos sobre todo o processado, não era exigível à mesma invocar desde logo a nulidade da venda por falta de notificação da modalidade da venda e determinação do valor base dos bens. 12. A omissão da notificação à recorrente do despacho que designa a data, valor base, modalidade e local da venda, por ser susceptível de influir na decisão da causa, constitui uma nulidade processual. 13. Atenta a tramitação processual dos autos e as notificações da recorrente na pessoa de Advogado que não se encontrava mandatado, a nulidade da venda com base na falta de notificação da modalidade da venda não se pode considera sanada com a mera junção aos autos de ofício de nomeação da Ordem dos Advogados. 14. De igual forma, não se pode considerar a mesma sanada por não se ter invocada a nulidade da venda por falta de notificação da modalidade de venda e determinação do valor base dos bens com requerimento de nulidade da citação, porquanto esta implicaria a nulidade de todo o processo, não sendo exigível à executada invocar desde logo aquela nulidade por falta de notificação da modalidade da venda. 15. A interpretação de que com aqueles requerimentos de 24/01/2018 e 25/01/2018 a requerida veio sanar a nulidade decorrente da falta notificação da modalidade da venda e determinação do valor base dos bens, atendendo o processado, padece de inconstitucionalidade por violação do direito à propriedade privada e à habitação, consagrados nos arts. 62.º e 65.º respectivamente, bem como por violação dos princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança consagrados no artigo 2. 16. Assim, deve entender-se que a falta de notificação da modalidade da venda e determinação do valor base dos bens, constitui nulidade nos termos do citado art. 195.º do C.P.C. 17. Nos termos do n.º 2 do art. 195.º do C.P.C. a nulidade daquele acto leva à nulidade de todo o processado subsequente que dele dependam absolutamente, sendo nula a venda do imóvel. 18. Assim, é nula a venda e consequente adjudicação do imóvel propriedade da executada - Fracção autónoma designada pela letra "B" correspondente ao … direito destinada a habitação do prédio urbano situado na Rua …, Lote …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … e inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de Marvila.” Pede a procedência do recurso e a revogação do decidido. Contra-alegou o Banco exequente, defendendo, no essencial, que tendo a executada sido notificada em 10.1.2018 do encerramento do leilão eletrónico e da decisão de adjudicação do imóvel à sociedade adquirente, dispunha de 10 dias para arguir a nulidade da venda, o que não observou, pois só o fez depois de instada a entregar a fração. Conclui pelo acerto do julgado. O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. *** II- Fundamentos de Facto: A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade: 1) O exequente NB…, S.A., instaurou a presente execução contra a executada MC…, apresentando como título executivo uma escritura pública de compra e venda, empréstimo e fiança. 2) Nos presentes autos foi expedida, em 26.09.2013, carta registada com aviso de receção para citação da executada MC… para a Rua …, Lote …, … Dto, Bairro … …-… Lisboa (cfr. fls. 187/188 dos autos). 3) O aviso de receção da carta referida em 2. foi assinado pela própria executada MC…, o qual foi junto aos autos por requerimento apresentado pela agente de execução em 4.10.2013 (cfr. fls. 64 dos autos). 4) Nos presentes autos foi expedida, em 10.01.2018, pela agente de execução, notificação da executada MC… para a Rua …, Lote …, … Dto, Bairro … …-… Lisboa, comunicando-lhe, além do mais, o encerramento do leilão eletrónico para venda da fração autónoma designada pela letra “B” correspondente ao … direito destinada a habitação do prédio urbano situado na Rua …, Lote …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … e inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de Marvila, a identificação do proponente e proposta apresentada, tendo-lhe sido ainda enviada certidão de encerramento do leilão (cfr. requerimento apresentado pela agente de execução em 10.01.2018 com a referência 7503343). 5) A executada MC… veio aos autos comunicar que beneficiava de apoio judiciário através de requerimento que deu entrada em 24.01.2018. 6) A executada MC… veio arguir a falta de citação para os termos da execução através de requerimento que deu entrada nos autos em 25.01.2018. 7) A executada MC… veio arguir a nulidade da venda do imóvel efetuada na execução através de requerimento que deu entrada nos autos em 15.02.2108. *** III- Fundamentos de Direito: Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. De acordo com as conclusões apresentadas, cumpre conhecer: - da nulidade da decisão (art. 615, nº 1, al. d), do C.P.C.); - da impugnação da matéria de facto; - da nulidade da venda e da tempestividade da respetiva arguição. Antes, porém, apreciaremos do efeito do recurso. - Questão prévia: do efeito do recurso: Diz a recorrente que o recurso deve ter efeito suspensivo, nos termos do art. 647, al. b), e 629, nº 3, als. a) e b), do C.P.C., tendo em vista que o imóvel cuja validade da venda se questiona constitui a sua casa de habitação. Em 1ª instância, foi fixado ao recurso o efeito meramente devolutivo, nos termos dos arts. 853, nº 2, al. c), e nº 4, do C.P.C.. Vejamos. Dispõe o art. 839, nº 1, al. c), do C.P.C., que a venda fica sem efeito se, designadamente, for anulado o ato da venda, nos termos do art. 195 do mesmo Código. Por sua vez, de acordo com o art. 853, nº 2, al. c), e nº 4, do C.P.C., cabe recurso de apelação, nos termos gerais, da decisão que se pronuncie sobre a anulação da venda, o qual sobe em separado e com efeito meramente devolutivo (tendo em conta que a referida decisão não põe termo à execução nem suspende a instância). O art. 647, nº 3, al. b), refere que tem efeito suspensivo da decisão a apelação da decisão que ponha termo ao processo nas ações referidas nas alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 629 e nas que respeitem à posse ou à propriedade de casa de habitação. Finalmente, o art. 629, nº 3, als. a) e b), refere-se às ações em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com exceção dos arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios (al. a)) e às decisões respeitantes ao valor da causa nos procedimentos cautelares, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre (al. b)). No caso sub judice, e ainda que se conceda que o imóvel penhorado constitui a casa de habitação da executada MC…, estamos perante recurso interposto de decisão sobre a anulação da venda no âmbito de ação executiva para pagamento de quantia certa, não estando em causa nenhuma das ações referidas nas alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 629, nem ação que diretamente respeite à posse ou à propriedade de casa de habitação. Do que se trata é de um recurso sobre questão incidental da execução – anulação da venda – e não de processo que verse sobre a posse ou propriedade de casa de habitação. Assim, o efeito do recurso será o meramente devolutivo, nos termos dos arts. 853, nº 2, al. c), e nº 4, do C.P.C., conforme se entendeu em 1ª instância. A) Da nulidade da decisão (art. 615, nº 1, al. d), do C.P.C.): Sustenta a apelante que a decisão é nula, nos termos do art. 615, nº 1, al. d), do C.P.C., porque não se pronunciou sobre o que por si fora alegado quanto à falta de mandato conferida ao Avogado Dr. CV…, conforme judicialmente reconhecido, nem sobre a indevida notificação deste em nome da executada, o que constituía o fundamento da arguição de nulidade da venda do imóvel penhorado e era essencial à sua apreciação. Analisando. As nulidades da decisão previstas no art. 615 do C.P.C. de 2013 são – à semelhança do que sucedia com as antes previstas no art. 668 do C.P.C. de 1961 – deficiências da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento. A sentença é nula, de acordo com o art. 615, nº 1, al. d), do C.P.C., quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Este preceito deve conjugar-se com o nº 2 do art. 608 do mesmo Código, constituindo a nulidade da sentença a sanção para a inobservância deste último normativo. Assim, ao juiz cabe resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Nessa medida, se o mesmo deixar de pronunciar-se sobre questões que, nos moldes indicados, devia apreciar, a sentença é nula. Tais questões são, por outro lado, os problemas concretos a decidir e não os argumentos utilizados pelas partes na defesa das suas posições. Diz-nos J. Alberto dos Reis a tal propósito([1]): “(…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Ora, em primeiro lugar, a alegada desconsideração de certos factos alegados nada tem que ver com qualquer vício formal da decisão, nem se reconduz a uma qualquer omissão de pronúncia. Na verdade, os vícios de deficiência, obscuridade, contradição ou excesso da factualidade enunciada na decisão poderão ser arguidos como fundamento do recurso de apelação ou conhecidos oficiosamente pelo tribunal superior, nas condições previstas no art. 662, nº 2, al. c), do C.P.C.([2]). Do mesmo modo, quando a decisão de algum facto essencial para o julgamento da causa não se mostre devidamente fundamentada é que a Relação deve determinar, ainda que oficiosamente, que a 1ª instância a fundamente, nos termos e para os efeitos previstos no art. 662, nº 2, al. d), do C.P.C., determinando a baixa do processo para inserção da motivação em falta e ainda que para tanto seja necessário repetir a produção de prova([3]). Ou seja, nem a deficiência nas respostas dadas à matéria de facto nem a indevida motivação dessas respostas dão lugar à nulidade da sentença, ao abrigo do mencionado art. 615 do C.P.C.. A primeira poderá dar causa à anulação da decisão da 1ª instância se não for possível a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto (al. c) do nº 2 do art. 662). A segunda apenas permite que a falta seja colmatada na 1ª instância por ordem do tribunal superior (al. d) do nº 2 do art. 662). Por conseguinte, a alegada omissão de factos no elenco dos factos provados apenas constituiria, em abstrato, motivo de impugnação da matéria de facto, não correspondendo a qualquer vício formal da sentença, como invoca a apelante. Acresce que a decisão recorrida se limitou a concluir pela extemporaneidade da arguição de nulidade da venda, considerando que a executada fora notificada em 10.1.2018, pela agente de execução, sobre o encerramento do leilão eletrónico para venda da fração autónoma, a identificação do proponente e a proposta apresentada (ponto 4 supra), e não invocou a nulidade no prazo de 10 dias de que dispunha para o efeito (art. 199, nº 1), e ainda que, tendo arguido a falta de citação em 25.1.2018, só em 15.2.2018 invocou a nulidade da venda. Assim sendo, é evidente que não cabia, logicamente, qualquer pronúncia sobre a existência do vício invocado, pois, como vimos, ao juiz cabe resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Em suma, não se verifica a invocada nulidade da decisão. B) Da impugnação da matéria de facto: Questiona a apelante o ponto 4 julgado assente e reclama se dê ainda como provado, por se afigurar relevante para a decisão, que: - foi dada sem efeito a procuração junta aos autos pelo Dr. CV… por despacho de 12.2.2014; - apenas o Dr. CV… foi notificado para se pronunciar quanto à modalidade da venda bem como do período de abertura do leilão, não tendo sido a recorrente notificada de tais atos; - a única notificação dirigida à executada relativa à venda do imóvel foi em 1.2.2018, para proceder à desocupação da fração e à entrega das respetivas chaves. Como adiante melhor veremos, trata-se de matéria sem decisiva relevância para a decisão, pelo que sobre a mesma, e por razões de manifesta desnecessidade, nos dispensamos de aqui ponderar. C) Da nulidade da venda e da tempestividade da respetiva arguição: Como vimos, na decisão recorrida julgou-se improcedente a arguição de falta de citação da executada e improcedente o incidente de nulidade da venda, justificando-se a decisão nesta última parte nos seguintes termos: “(…) Estabelece o art. 195º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, que a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. No que respeita à regra geral sobre o prazo de arguição de nulidades, e de acordo com o estatuído no art. 199º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, se a parte não estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que a nulidade foi cometida, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele. Conforme resulta da factualidade provada, depois da realização do leilão eletrónico, foi expedida, em 10.01.2018, pela agente de execução, notificação da executada MC… para a Rua …, Lote …, … Direito, Bairro …, …-… Lisboa, comunicando-lhe, além do mais, o encerramento do leilão eletrónico para venda da fração autónoma designada pela letra “B” correspondente ao … direito destinada a habitação do prédio urbano situado na Rua …, Lote …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … e inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de Marvila, a identificação do proponente e proposta apresentada, tendo-lhe sido ainda enviada certidão de encerramento do leilão. Por conseguinte, a arguição da nulidade da venda é manifestamente extemporânea face do que dispõe o citado art. 199°, n° 1, do Cód. Proc. Civil, porquanto não foi efetuada no prazo de dez dias após a notificação da agente de execução em 10.01.2018, comunicando-lhe, além do mais, o encerramento do leilão eletrónico. Acresce que a executada MC… veio aos autos comunicar que beneficiava de apoio judiciário através de requerimento que deu entrada em 24.01.2018 e veio arguir a falta de citação para os termos da execução através de requerimento que deu entrada nos autos em 25.01.2018 sem que, simultaneamente, tenha vindo aos autos arguir a nulidade da venda do imóvel efetuada na execução, vindo fazê-lo só em 15.02.2108. Resulta pois que a nulidade da venda com fundamento na falta de notificação da modalidade da venda e determinação do valor base dos bens deve considerar-se sanada. Deve, pois, ser julgada improcedente a arguição da nulidade da venda. (…).” Apreciemos, então, da tempestividade da arguição. De acordo com o nº 1 do art. 195 do C.P.C.: “(…) a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.” Quanto ao prazo de arguição, dispõe o art. 149, nº 1, do C.P.C., que: “Na falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes requererem qualquer ato ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro poder processual; (…).” Assim, no que toca ao prazo em que deve ser arguida a nulidade, será este, na falta de disposição especial, de 10 dias contados (quando a parte não estiver presente no momento em que for cometida) “do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência” (art. 199, nº 1, do C.P.C.). Decorre, assim, destes dois últimos normativos, que se a parte não estiver presente quando a nulidade foi cometida, dispõe a mesma de 10 dias para a invocar contados da sua intervenção em ato processual subsequente ou da notificação para qualquer termo do processo, mas, neste caso, apenas quando for de presumir que então tomou conhecimento dessa nulidade ou que dela pôde aperceber-se. Ou seja, na primeira situação o prazo conta-se, sem mais, desde a intervenção da parte no processo. Como bem nos explicam António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa: “(…) Quando não esteja presente no ato em que a nulidade foi cometida, a parte dispõe do prazo de 10 dias (art. 149º, nº 1) para a respetiva invocação, contando-se tal prazo de uma das circunstâncias seguintes: da sua intervenção em qualquer ato processual subsequente ou da notificação para qualquer termo do processo. No primeiro caso, a mera intervenção processual marca o início do prazo da arguição, o que significa que a parte tem o ónus de, por via da consulta dos autos, detetar o vício, sob pena de preclusão. No segundo caso, não basta a simples notificação para marcar o início do prazo, impondo-se ainda que seja de presumir que a parte, em face da notificação, tomou conhecimento da nulidade ou se pôde aperceber na mesma.(…).”([4]) (sublinhado nosso). Revertendo para a situação em análise, verificamos que, conforme resulta dos pontos 5, 6 e 7 da matéria assente e não impugnada, a executada MC… veio aos autos comunicar que beneficiava de apoio judiciário através de requerimento que deu entrada em 24.1.2018, arguiu a falta de citação para os termos da execução em 25.1.2018 e veio depois invocar, através de um outro requerimento apresentado em 15.02.2108, a nulidade da venda do imóvel. Assinala-se, ainda, que no referido requerimento de 25.1.2018, quando arguiu a falta de citação, referiu a executada, concretamente e além do mais, que: “A executada desconhece, em absoluto, qual o título executivo, os fundamentos da execução e o montante das quantias alegadamente em dívida” (artigo 6º), “Mais, verifica agora que o imóvel no qual reside não só foi penhorado como já se encontra adjudicado” (artigo 7º), “Tudo isto sem que a executada alguma vez tenha sido citada da execução!” (artigo 8º). Finalmente, cumpre atentar que na primeira parte da decisão recorrida foi julgada improcedente a arguição de falta de citação da executada – o que não foi objeto de recurso – dando-se, aliás, como provado, sob os pontos 2 e 3 supra não impugnados, que a referida executada foi citada, por carta registada com aviso de receção expedida em 26.9.2013 e junta aos autos em 4.10.2013. Decorre do acima descrito que em 25.1.2018, quando invocou a nulidade da citação pela mão do patrono que lhe foi nomeado para a causa, caberia à executada, quando muito à cautela, também invocar a concreta nulidade da venda nos termos em que o veio a fazer depois (em 15.2.2018), ou pelo menos nos 10 dias subsequentes, pois o prazo de que dispunha para o efeito deve contar-se, como dissemos, a partir da intervenção da parte no processo depois de cometida a nulidade. Na verdade, já o dissemos, a intervenção processual da executada em 25.1.2018 – quando arguiu a nulidade da citação, logo alegando, aliás, ter conhecimento da penhora do imóvel e da venda – marca o início do prazo da arguição da nulidade dessa mesma venda (se antes não tiver decorrido tal prazo, como se defende no recurso), cabendo-lhe o ónus de, por via da consulta dos autos, detetar então qualquer vício verificado quanto a essa venda. Tanto mais que logo em 24.1.2018 o patrono nomeado requereu a sua associação ao Citius no âmbito do processo e respetivos apensos (cfr. fls. 159 a 161 deste recurso). Argumenta a executada que, encontrando-se a aguardar despacho quanto à nulidade da citação e, atendendo que a mesma teria efeitos sobre todo o processado, não lhe era exigível invocar desde logo a nulidade da venda por falta de notificação da modalidade da venda e determinação do valor base dos bens. Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão. A melhor prova disso é que a executada veio, afinal, arguir a nulidade da venda em 15.2.2018, ainda antes de se mostrar apreciada a invocada nulidade da citação. Conforme dissemos – e a não ter ocorrido a notificação referida no ponto 4 supra – sempre deveria tê-lo feito, à cautela, quando arguiu a nulidade da citação, mas pelo menos 10 dias após a sua intervenção no processo depois de cometida a nulidade, ou seja, a contar de 25.1.2018. Pelo menos a partir de então tinha o patrono nomeado acesso ao processo e oportunidade de tomar conhecimento de eventuais irregularidades/nulidades cometidas no mesmo, prevenindo a hipótese de não conseguir obter, como efetivamente não conseguiu, a anulação do processado com fundamento na falta de citação da executada. Assim, o prazo de 10 dias para invocar qualquer nulidade respeitante à referida venda iniciou-se (quando muito) em 25.1.2018, data em que a executada MC… interveio no processo através de patrono nomeado, impondo-se que averiguasse então da existência de qualquer vício processual entretanto verificado. O prazo para arguir a nulidade da venda não se conta, por isso, como sustenta a apelante, da data de 1.2.2018 em que a mesma terá sido notificada para proceder à desocupação do imóvel e à entrega das respetivas chaves. Invocando a executada apenas em 15.2.2018 a nulidade da referida venda, nomeadamente por não ter sido notificada da determinação da modalidade da venda e do valor base do imóvel, fê-lo de forma intempestiva, depois de decorrido o prazo de que dispunha para o efeito (que terminara, na melhor das hipóteses, em 5.2.2018), encontrando-se, por isso, extinto o direito de praticar tal ato (art. 139, nº 3, do C.P.C.). Encontra-se, deste modo, forçosamente sanada qualquer eventual nulidade processual ocorrida. Diz ainda a apelante que a interpretação de que a apresentação dos requerimentos de 24 e 25 de Janeiro de 2018 sanou a nulidade, decorrente da falta notificação da modalidade da venda e determinação do valor base dos bens, é inconstitucional, por violação do direito à propriedade privada e à habitação, previstos nos arts. 62 e 65 da C.R.P., e por violação dos princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança consagrados no art. 2 do mesmo Diploma Fundamental. Já vimos que, concluindo embora como na decisão recorrida, fazemos leitura algo diversa sobre a sanação da nulidade invocada. Ainda assim, sempre diremos que não se vislumbra ofensa dos princípios constitucionais referidos. Na verdade, o que está em causa é a aplicação do regime legal da arguição de nulidades processuais, sendo a disciplina correspondente prevista no C.P.C. aplicável a todos os interessados que à mesma devem obediência. Se a executada não cumpriu, como vimos, as regras nesse campo aplicáveis, como estava obrigada, e desse modo viu precludido o direito à invocação de uma eventual nulidade processual ocorrida, não pode depois escudar-se, com mera argumentação de ordem teórica, na proteção constitucional à propriedade privada e à habitação ou aos princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança. O regime geral sobre o prazo de arguição de nulidades que aqui temos em conta não viola os mencionados princípios constitucionais ou qualquer outro constante daquela Lei Fundamental, nos moldes defendidos pela apelante. Em suma, conclui-se pela sanação de qualquer nulidade processual referente à venda do imóvel, atenta a intempestividade da respetiva arguição, com o que fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso. Confirma-se o decidido, ainda que por motivos não exatamente coincidentes. *** IV- Decisão: Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em, julgando improcedente a apelação, manter a decisão recorrida e considerar improcedente a arguição, pela executada MC…, da nulidade da venda da fração em apreço. Custas pela apelante/executada, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. Notifique. *** Lisboa, 12.3.2019 Maria da Conceição Saavedra Cristina Coelho Luís Filipe Pires de Sousa [1] “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 143. [2] M. Tomé Soares Gomes, “Da Sentença Cível”, CEJ, Janeiro de 2014, pág. 45. [3] Cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, págs. 242 a 244. [4] “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2018, Vol. I, pág. 239. |