Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
107/2003-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO DE EXCLUSIVIDADE
ACORDO
COMISSÃO DE SERVIÇO
IRREDUTIBILIDADE
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA.
Sumário:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
(A), jornalista, residente em Almada, moveu acção declarativa em processo comum contra :
(B) com sede Lisboa, pedindo que a acção seja julgada procedente e provada e em consequência :
- Ser reconhecido que o subsídio de exclusividade, pago em montante equivalente ao salário da respectiva categoria, faça parte integrante da retribuição do autor por constituir uma cláusula do seu contrato de trabalho;
- Ser a ré condenada a pagar ao autor a verba de 11.447.871$00, correspondente à parte da retribuição que lhe é devida e que não foi paga desde Junho de 1996 até à presente data, acrescida da importância de 1.866.205$00 a título de juros de mora já vencidos;
- Ser ré condenada no pagamento da verba de 6.060.000$00, referentes às retribuições devidas pelo acordo de deslocação e mudança de local de trabalho que se deve considerar validamente celebrado até 30 de Junho de 1998, ou, em alternativa, caso assim se não entenda, no pagamento da mesma verba a título de indemnização pelos danos sofridos pelo autor por violação das regras da boa-fé na formação do mesmo;
- Ser a ré condenada no pagamento dos juros vincendos que se mostrem devidos afinal.

Para o efeito alega em síntese :
O autor é jornalista e em Setembro de 1989 exercia a sua profissão no extinto "Diário Popular" onde era responsável pela área da Cultura e espectáculos, com a categoria de jornalista do II grupo e beneficiava de um regime de exclusividade que lhe conferia o direito a receber uma retribuição adicional equivalente a 100% do salário da sua categoria;
Nessa altura o autor foi contactado pela Direcção de Informação da (B) e Informação CIPRL, a que a ré sucedeu, sendo então convidado para ir trabalhar para a redacção daquela Agência, como jornalista da secção nacional - área da Cultura;
Tendo-lhe sido proposta a mesma categoria profissional e um subsídio de exclusividade de valor igual ao salário da categoria, única forma de a Agência poder oferecer condições para o autor aceitar a proposta de trabalho feita, pois sem a subsídio o estatuto remuneratório era inferior ao que detinha no "Diário Popular";
O autor disponibilizou-se a integrar os quadros da Agência mediante contrato sem termo, nas condições que lhe tinham sido propostas inicialmente, e em consequência o autor rescindiu o contrato que o vinculava ao "Diário Popular" em 1 de Janeiro de 1991, passando a trabalhar exclusivamente na redacção da (B), com a categoria de jornalista do II grupo e beneficiando do regime de exclusividade e de um subsídio equivalente a 100% desse salário, a titulo de subsídio de exclusividade;
Em 1 de Janeiro de 1996, a ré fez cessar definitivamente o referido regime de exclusividade não invocando qualquer fundamento para o efeito. Nessa mesma data a ré apresentou ao autor um denominado contrato de comissão de serviço, justificando-o com o facto de este passar "a exercer, em regime de comissão de serviço, as funções correspondentes a jornalista especialista em Cultura para o que foi designado por deliberação da assembleia garal da primeira outorgante";
Tais funções eram exactamente aquelas que o autor vinha desempenhando desde a data da sua admissão na ré não tendo havido na data de apresentação do denominado contrato de comissão de serviço, qualquer alteração na forma de prestação e no conteúdo, das funções que o autor vinha desempenhando; como contrapartida da invocada comissão de serviço, comprometeu-se a ré a pagar ao autor uma retribuição de valor equivalente à que vinha sendo paga a título de exclusividade, isto é no montante de 186.263$00, tal montante manteve-se fixo não acompanhando a actualização, que se verificou no vencimento do autor, como acontecia anteriormente com o denominado subsídio de exclusividade;
Em 1 de Julho de 1996 autor e ré celebraram um acordo de deslocação e mudança de local de trabalho temporário, segundo o qual aquele passaria a prestar funções em destacamento na delegação da (B) em Joanesburgo conservando todos os direitos adquiridos.
No entanto, a ré argumentando que o acordo de deslocação era incompatível com a manutenção do contrato de comissão de serviço por aquele já prever uma remuneração adicional indevidamente atribuída a título de ajudas custo a ré exigiu que o autor antes de partir para Joanesburgo, rescindisse o contrato de comissão de serviço, ordem que este acatou; a partir de 1 de Julho de 1996 a ré não mais pagou ao autor a retribuição adicional;
E, em conformidade, o autor pede que lhe seja pago o subsídio de exclusividade desde 1 de Janeiro de 1996 e até ao presente acrescido dos juros de mora considerando que não existiu qualquer comissão de serviço, e que o documento assinado em 1 de Janeiro 1996 é irrelevante para alterar as condições remuneratórias do autor no respeitante ao subsídio de exclusividade;
Também, o referido acordo de deslocação e mudança de local de trabalho foi denunciado pela ré em Junho de 1996.
Foi decidido que a delegação de Joanesburgo seria encerrada por questões orçamentais, e, então e na sequência de uma proposta apresentada à Direcção de Informação ficou assente que o autor passaria a ser jornalista residente em Nova Iorque; mas o autor não chegou a ser deslocado para Nova Iorque pelo facto da administração da ré ter cancelado a deslocação; muitas foram as vicissitudes destas suaa deslocações que acabaram por não acontecer retirando ao autor a expectativa de exercer uma actividade profissional estimulante que lhe provocaria proventos adicionais e são esses danos que deverão ser indemnizados pelo valor peticionado

Na contestação a ré alega em síntese :
O autor foi contratado pela(B) para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de jornalista do II grupo na área da Cultura, secção nacional, no regime de contrato de trabalho a termo certo, por seis meses, com início em 1 de Outubro de 1989;
E só em 1 de Agosto 1990 autor e ré subscreveram livremente e de boa-fé um contrato de exclusividade que se mostra junto como documento n.º 3;
Tal contrato de exclusividade foi alterado em 1 de Novembro de 1990, e sucessivamente renovado em 1 de Agosto de 1992 e 1 de Agosto de 1994; e foi licitamente denunciado em 29 de Setembro 1995, com eficácia a 1 de Janeiro 1996 e de acordo com n.º 5, da cláusula 33 do Acordo de Empresa da(B);
Em 1 de Janeiro de 1996, foi celebrado entre autor e ré um acordo relativo ao exercício do cargo em regime de comissão de serviço;
Tal acordo, bem como o regime nele previsto, assentou na especial relação de confiança, lealdade, dedicação e competência que a(B) reconhecia ao autor;
As partes acordaram que previamente à celebração do acordo de deslocação e mudança do local de trabalho para Joanesburgo o autor rescindisse o acordo de comissão de serviço vigente entre as partes;
Em consequência da rescisão do contrato de comissão de serviço a ré deixou de pagar ao autor o subsídio mensal a que se tinha obrigado enquanto vigorasse o referido contrato;
A partir de 1 de Julho de 1996 e até 30 de Agosto de 1997, o autor recebeu mensalmente, 12 vezes por ano a verba prevista no n.º 2, da cláusula 8, do acordo de deslocação, no valor de 505.000$00, em acréscimo à remuneração mensal correspondente à sua categoria profissional.
No que se reporta às deslocações do autor para Nova Iorque nunca esteve assente que o autor passaria a ser jornalista residente em Nova Iorque;
Em 18 de Junho de 1997, a administração da(B) comunicou à Direcção de Informação e à Direcção de Organização dos Recursos Humanos, mediante nota interna "que na reunião de 12 de Junho de 1997 deliberou não ratificar o acordo deslocação com o jornalista (A) por se considerarem os valores muito elevados";
O projecto de deslocação do autor era apenas uma proposta da Direcção de Informação da(B) que não mereceu acolhimento do Conselho de Administração;
E a ré conclui que não existiu qualquer incumprimento contratual que possa justificar o pedido indemnizatório do autor;
No que se reporta ao pedido subsidiário, refere que não existe qualquer proporcionalidade, nem nexo de causalidade entre os danos invocados e o prejuízo reclamado.

Após a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção improcedente por não provada e absolver a ré dos pedidos formulados .

O autor, inconformado, interpôs recurso tendo terminado as suas alegações com as seguintes
Conclusões

(...)

CUMPRE APRECIAR E DECIDIR

I - Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recurso, como resulta do disposto nos art.s 684 n.º3 e 690 do CPC, as questões a apreciar são as seguintes :
1ª Qual a retribuição devida ao autor em consequência do “Contrato de Exclusividade” e do denominado “ Acordo de Comissão de Serviço”
2ª Apurar se há danos indemnizáveis devidos pelo incumprimento de negociação do contratual que teve em vista a deslocação do autor para Nova Iorque


II - Fundamentos de Facto

1º O autor é jornalista portador da carteira profissional n.º 1459 e associado do sindicato dos jornalistas;
2.º O autor foi contratado pela ré em 1 de Outubro de 1989, mediante contrato a termo certo de seis meses, junto a folhas 102 a 104;
3º Desempenhando as funções de jornalista do II grupo;
4º Em 1 de Agosto 1990, autor e ré celebraram o contrato de exclusividade junto a folhas 106 a 108 dos autos, passando o autor a auferir um subsídio de montante igual ao da remuneração base e que acompanhava esta aquando de aumentos salariais;
5º Para o autor entrar ao serviço da ré foi decisivo o facto de lhe ser pago um subsídio de exclusividade, equivalente a 100% da remuneração para a sua categoria;
6º Em 29 de Setembro de 1995, a ré denunciou o contrato de exclusividade com efeitos a 1 de Janeiro de 1996, nos termos de folhas 26 dos autos, deixando de pagar o referido subsídio, que era então 186.263$00;
7º Em 1 de Janeiro 1996 o autor e ré celebraram o contrato, junto a folhas 27 e 28, encimado pelos dizeres "Acordo Relativo ao Exercício do Cargo em Regime de Comissão de Serviço";
8º Mediante o qual o autor auferia o salário base mensal de 186.263$00 e um subsídio de igual montante;
9º E desempenhando o autor ao abrigo de tal contrato as funções de jornalista especialista em cultura;
10º O autor desempenhava tais funções desde a sua entrada ao serviço da ré;
11º O subsídio referido em 8) manteve-se fixo, não acompanhando os aumentos do salário base;
12º Em Abril de 1996, a ré abriu concurso interno para lugar de jornalista correspondente da (B) na África do sul, tendo o autor sido seleccionado para o lugar;
13º O autor rescindiu o contrato de comissão de serviço com efeitos a 1 de Julho de 1996, cfr.fls 36;
14º O documento de folhas 36 foi elaborado pelo autor antes de este partir para Joanesburgo;
15º A ré entendia que não se coadunava a remuneração adicional da comissão de serviço com a verba que no âmbito da cláusula 8, n.º 2 (folhas 33) do contrato de deslocação lhe passaria a pagar;
16º Deixando a ré a partir de então de pagar o subsídio referido em 8);
17º A ré e o autor celebraram o contrato de folhas 32 a 35, visando a prestação de funções por destacamento de Chefe da delegação da(B) em Joanesburgo;
18º Por prever que a sua estadia em Joanesburgo, ao abrigo do contrato de folhas 32 a 35, iria ser longa o autor entendeu levar consigo a sua mulher e o seu filho de 16 meses de idade;
19º O que levou a que a mulher do autor sendo professora efectiva do ensino secundário tivesse de diligenciar no sentido de conseguir a sua requisição para funções compatíveis a exercer na área consular de Joanesburgo, requisição essa deferida a partir de Janeiro de 1997;
20º Na sequência do referido em 18º) a mulher do autor fez cessar um contrato de prestação de serviços que mantinha como o Centro de Formação Profissional das Artes gráficas e Multimédia, o que lhe conferiu no ano de 1995 um rendimento anual de 571.000$00;
21º Tendo o autor como acordado com a ré partido para Joanesburgo em Julho 1996;
22º Tendo sido decidido encerrar a delegação da ré em Joanesburgo o autor foi informado que iria a Joanesburgo apenas por seis semanas para tratar de questões relacionadas com a venda dos bens da delegação
23º A mulher do autor voltou a diligenciar junto dos serviços competentes para revogar a sua transferência para Joanesburgo o que veio a ser conseguido;
24º Na reunião de 17 de Dezembro de 1996 o Presidente do Conselho de Administração da ré comunicou que a ré projectava vir a abrir uma delegação nos Estados Unidos da América e que caso tal se concretizasse o autor seria o jornalista residente da(B) nos Estados Unidos da América;
25º O Presidente do CA da(B) na reunião tida com o autor em 17 de Dezembro de 1996, limitou-se a comunicar ao autor que a ré projectada vir a abrir uma delegação nos EUA, sendo tendencialmente plausível a indigitação do autor para a representante da(B) nos EUA;
26º Em 1 de Abril de 1997 o autor partiu para os EUA para fazer a reportagem da visita oficial do Primeiro-Ministro àquele país ;
27º Em 1 de Abril de 1997 o autor parte para os EUA para, além do mais, estabelecer a rede de contactos dos correspondentes da(B) em várias cidades americanas;
28º No regresso o autor apresentou em 15 de Abril de 1997, um relatório à Direcção de Informação da ré, nos termos do qual sugere, por razões de estratégia informativa a fixação de um jornalista delegado em Nova Iorque (documento folhas 42 e 43);
29º Em 6 de Maio de 1997, o autor apresentou à ré um relatório de custos de instalação de uma delegação nessa cidade junto a folhas 44 a 47;
30ºA administração da ré mandou elaborar pelos serviços jurídicos uma minuta do acordo de deslocação do autor para Nova Iorque;
31ºEm 4 de Junho de 1997 o Departamento de Recursos Humanos enviou ao Presidente do CA da ré a nota interna de folhas 54, na qual o Presidente da Direcção Geral confirma que a deslocação se mantém "uma vez que vai para Nova Iorque com outro contrato que anula o que tinha com a África do sul ";
32º Tendo o Director de Recursos Humanos da ré determinado que os serviços jurídicos elaborassem o respectivo contrato de deslocação;
33º A direcção de informação da ré pediu em 6 de Junho de 1997 a acreditação do autor junto dos serviços das Nações Unidas, declarando que "este foi nomeado desde hoje (6-6-97) correspondente nas Nações Unidas com residência em Nova Iorque (documento folhas 53);
34º O pedido de acreditação do autor junto dos serviços das Nações Unidas e subsequente pedido de renovação visavam aprontar e manter válida a acreditação do autor junto da ONU para a eventualidade de ser efectivado o contrato de deslocação;
35º A declaração de folhas 53 foi elaborada pelo seu subscritor "para fortalecer o jornalista junto dos seus interlocutores " que enquanto Director de Informação da(B), não dispunha de poderes para concretizar o acordo de deslocação;
36º O autor foi mandado para os Estados Unidos da América de 15 de Junho a 1 de Julho de 1997 , de 2 a 9 de Agosto 1997 e de 18 de Setembro a 5 de Outubro de 1997 para fazer cobertura de acontecimentos jornalísticos relevantes;
37º O autor deslocou-se diversas vezes a Nova Iorque no âmbito do debate nas Nações Unidas das questões relativas a Angola e Timor, não tendo o autor recebido indicação da Direcção de Informação para se instalar definitivamente nessa cidade;
38º Em 18 de Julho de 1997 a Direcção Geral da ré denunciou o acordo de deslocação de 1 de Junho 1996, nos termos de folhas 55;
39º A partir de Outubro de 1997 o autor deixou de receber qualquer contrapartida do acordo de deslocação;
40º Em 15 de Dezembro de 1997 a Direcção de Informação e a Secretaria Geral da ré apresentaram ao Presidente do Conselho de Administração uma nova proposta de radicação do autor em Nova Iorque;
41º O Presidente do CA determinou a orçamentação da verba necessária e elaboração de uma nova minuta do acordo de deslocação;
42º Constitui procedimento habitual na(B) a preparação de minutas tendo em vista a celebração de acordos ou contratos, o que não significa que os mesmos venham efectivamente a ser celebrados;
43º Assim sucedendo também com as minutas de folhas 51 e 52 e 67;
44º O projecto de deslocação do autor não mereceu acolhimento do Conselho de Administração ;
45º Em 20 de Janeiro de 1998 o Secretário-Geral da ré enviou ao autor a carta junta a folhas 68, na qual lhe comunicava que o projecto de colocação de um jornalista residente da (B) em Nova Iorque ficava momentaneamente suspenso,mas que caso as limitações orçamentais fossem ultrapassadas, tal projecto seria retomado;
46º O autor sentiu-se desgostoso por não se concretizar a deslocação para Nova Iorque;
47º Ao serviço da(B) o autor efectuou deslocações à Costa do Marfim em Novembro de 1997, à Bósnia em Dezembro 1997 , a Bruxelas, Albânia e Chipre em Janeiro de 1999 , em Novembro de 1999 à Turquia e em Janeiro de 2000 a Londres ;
48º O autor durante o período de serviço na EXPO 98 , de 1 de Março a 30 de Setembro de 1998, auferiu um subsídio de função no montante mensal de 130.000$00;
49º Tendo sido admitido com a categoria de jornalista do II grupo, o autor passou a jornalista do III grupo em Outubro de 1992, de IV grupo em Outubro de 1995 e de jornalista do V grupo em Abril de 1997;
50º O autor auferiu o salário mensal de 192.800$00 em 1996, de 199.300$00 em 1 de Janeiro 1997 e 31 de Março 1997, 223.000$00 de 1 de Abril de 1997 a 31 de Dezembro de 1997, de 240.800$00 em 1998;
51ºEntre Janeiro e Junho de 1999 o autor auferia o salário mensal de 247.542$00 tendo o mesmo passado para 259.262$00 em Julho de 1999;

III - Fundamentos de Direito

1ª Questão

Como acima se referiu, esta questão consiste em definir a retribuição devida ao autor em consequência do “Contrato de Exclusividade” e do denominado
Acordo de Comissão de Serviço
Comecemos, então, por analisar, o percurso contratual do autor com a ré:
Resultou apurado que o autor, jornalista profissional, foi contratado pela ré em 1.10.1989, mediante um contrato a termo de 6 meses, a fim de desempenhar funções de jornalista do II Grupo;
Em 1 de Agosto de 1990, autor e ré celebraram o contrato que denominaram “Contrato de Exclusividade”, junto aos autos a fls.106 a 108, segundo o qual o autor se comprometia a não exercer qualquer actividade de âmbito profissional, com ou sem remuneração, por conta própria ou alheia para além da que exercia ao serviço da ré, e ainda a vincular-se a uma total disponibilidade de horário de trabalho, conforme o teor da clª 2ª do mesmo contrato.
Como contrapartida a ré ficou obrigada a pagar ao autor um subsídio mensal de 100% da remuneração- base mensal, igualmente estabelecida no AE em vigor na ré, todavia resultou provado que o pagamento desse subsídio tinha sido decisivo para o autor se manter ao serviço da ré ( facto n.º5.)
Em 29 de Setembro de 1995, a ré denunciou com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1996, conforme teor da carta de fls 26, tal contrato de exclusividade, mas, em simultâneo, nessa mesma data autor e ré celebraram um novo acordo a que denominaram “Acordo Relativo Ao Exercício de Cargo Em Regime de Comissão de Serviço” – fls. 27 e 28
Nesse acordo ficou a constar que o autor passaria a exercer em “regime de comissão de serviço”, ao abrigo do DL n.º 404 /91 de 16.10, as funções correspondentes a jornalista especialista em Cultura, porém resultou provado que essas funções tinham sido sempre aquelas que o autor desempenhou ao serviço da ré – facto n.º10- e mediante a remuneração-base mensal de 186.263$00, acrescida de um subsídio de igual valor .
Mais tarde, em 1 de Julho de 1996, e com vista a uma mudança do local de trabalho do autor para Jonesburgo, autor e ré celebraram um “Acordo de Deslocação e Mudança de Local de Trabalho Temporário”, junto a fls.32 a 34, nos termos do qual o autor assumiu as funções de Chefe Delegação da(B), em Joanesburgo, e a ré comprometeu-se a pagar ao autor a remuneração mensal correspondente à sua categoria profissional, acrescida de uma verba mensal de 505.000$00, doze meses ao ano, a título de ajudas de custo.
Ficou ainda a constar do clausulado do mesmo que finda a deslocação, o autor retomaria a actividade profissional nas instalações da sede da(B), com os direitos e regalias que teria se nunca se tivesse ausentado.
Temos, assim, que após o contrato de trabalho inicialmente celebrado, seguiram- se 3 acordos, que foram alterando essa vinculação, a saber : 1º acordo “ Contrato de Exclusividade; 2º acordo, denominado “Acordo Relativo ao Exercício Relativo ao de Comissão de Serviço” , e 3ª acordo, denominado “Acordo de Deslocação e Mudança de Local de Trabalho Temporário” .
Todos estes acordos têm em comum o facto de atribuirem ao autor uma remuneração suplementar, a título de subsídio, para além da remuneração-base a que corresponde a sua categoria profissional no AE aplicável.
Vejamos, agora, qual a natureza jurídica desses subsídios.
O primeiro deles, consignado no “Contrato de Exclusividade” e também previsto na clª 33 do AE/Lusa, confere ao trabalhador o direito a uma prestação pecuniária de montante igual à remuneração base mensal do trabalhador, destinando-se por definição a compensar a dedicação exclusiva que o trabalhador coloca ao serviço da sua entidade patronal, e que assegurava que o autor não colaborasse com outro órgão de comunicação social, e que a ré pudesse razoavelmente contar com um desempenho profissional mais eficiente e interessado.
Esta remuneração integra, assim, o conceito de retribuição a que se refere o art. 82 da LCT, uma vez que se destina a pagar a actividade desenvolvida pelo autor nos aludidos termos, todavia, ele será, apenas, devido enquanto persistir a situação que lhe serve de fundamento, sendo certo que, nos termos do n.º5 da clª 33º do AE/(B), a empresa pode mediante pré -aviso de 90 dias denunciar o contrato de exclusividade
E foi o que sucedeu, pois em Setembro de 1995 com efeitos a de 1 de Janeiro de 1996, a ré denunciou tal acordo, e, assim, uma vez cessado esse regime de exclusividade o autor ficou liberto das obrigações por ele impostas e em consonância deixou de ter direito ao referido subsídio.
Assim, embora a remuneração a título de subsídio de exclusividade integre o conceito de retribuição, ela é só devida enquanto se mantiver em vigor o contrato de exclusividade, não integrando, nesse caso, a sua cessação a violação ao princípio da irredutibilidade da retribuição, consignado no art. 21 nº1 c) da LCT, vide sobre esta matéria, Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”, 11ª edição, pág. 453 e 454.
Aconteceu, porém, que na data da cessação do regime de exclusividade as partes celebraram o 2º acordo referido, “Acordo Relativo ao Exercício de Cargo em Regime de Comissão de Serviço
Defende o autor que este acordo constitui numa forma de justificação para a ré lhe continuar a pagar um subsídio equivalente a 100% da remuneração –base , passando, por isso, essa verba a integrar a definitivamente sua retribuição. A ré, por seu lado, defende que o pagamento daquele subsídio só era devida enquanto vigorasse o mesmo, o que sucedeu, apenas, até à celebração do 3º acordo “ O Acordo de Deslocação e Mudança de Local de Trabalho Temporário”
A decisão recorrida entendeu, no entanto, que o 2º acordo é nulo, por violar disposição legal imperativa, prevista no art.º 1 do DL n.º 404/91, de 16 de Outubro, que regula o trabalho em regime de comissão de serviço, uma vez que o autor continuou a desempenhar as mesmas funções, não tendo passado a exercer qualquer cargo na administração ou dela dependente, como exige um trabalho em regime de comissão de serviço, ao abrigo do aludido diploma legal.
Discordamos, porém, desta decisão pelas razões que passamos a expor :
Pouco importando o nome juris que as partes deram a este 2º acordo, o que interessa é aferir da sua substância, ou seja, da validade das alterações que ele pretendeu introduzir ao contrato de trabalho, competindo assim avaliar a natureza dessas alterações .
Analisemos, então, as dois pontos nele consignados.
1. No que respeita às funções atribuídas ao autor:
Como consta da sua clª 2ª, o autor passaria a exercer as funções de jornalista especialista em Cultura, só que, como já referimos, essas funções foram sempre as que o autor desempenhou ao serviço da ré ( facto nº10) , pelo que este acordo nada veio alterar nesta âmbito, sendo certo que o facto de nele se referir que o autor exerceria as funções em regime de comissão de serviço, só por si nada significa ou altera, pois que não ficou a constar que o autor passaria a exercer qualquer cargo na administração ou dela dependente, como exige o regime da comissão de serviço, por força do art. 1º do DL n.º 404/91, ou seja, em termos de atribuição de funções este acordo é inócuo e nele, também, não foi atribuído ao autor qualquer cargo em comissão de serviço.
2. No que respeita à retribuição do autor .
Relativamente a esta matéria ficou consignado no mesmo contrato, na clª 3ª, que o autor auferiria a remuneração- base no valor de 186. 263$00 e um subsídio no montante também de 186.263$00. Temos assim, que, no respeitante à retribuição do autor, este acordo introduziu um alteração importante, consistindo ela na atribuição de um subsídio complementar na retribuição mensal do autor, no montante de 186.263.$00, sem que essa atribuição tivesse ficado adstrita a qualquer especificidade temporária das funções a desempenhar pelo autor, que se mantiveram, aliás, as mesmas; sendo certo que, as partes podem fazer os ajustamentos salariais que julguem convenientes, desde que não violem o princípio da irredutibilidade da retribuição, expressamente, consignado na alínea c ) do art. 21 º da LCT.
Assim, o que resulta, do aludido Acordo, como defende o autor, é que tendo ele sido celebrado no mesmo dia em que a ré fez cessar os efeitos do regime de exclusividade e consequentemente o subsídio nele contemplado, as partes pretenderam, com ele, que o autor pelo exercício das suas funções de jornalista, passasse a auferir um subsídio no valor de 186.263$00 a acrescer à sua remuneração base, permitindo que o autor auferisse uma quantia mensal superior à prevista na tabela salarial, constante do AE para a sua categoria profissional ; o que se encontra igualmente justificado no autos, pois resultou provado que a ré sabia que para o autor se manter ao seu serviço tinha sido decisivo o facto de lhe ser pago um subsídio de exclusividade, equivalente ao 100% da remuneração para a sua categoria ( facto n.º 5 ) .
Temos, assim, que este 2º acordo visou apenas alterar a retribuição mensal do autor como contrapartida da sua actividade laboral ao serviço da ré, através da atribuição de um subsídio suplementar, dado que o regime de exclusividade acordado tinha cessado.
Deste modo, não podemos concluir pela nulidade do acordo em causa pois que ele não contempla qualquer situação irregular quer quanto às funções nele consignadas atribuídas ao autor, que são as mesmas, quer quanto à retribuição que foi entendida ser- lhe devida.
Assim, contrariamente ao decidido na decisão sob recurso, julgamos que este 2º acordo celebrado entre as partes não configura qualquer situação contrária à lei, pelo que não pode ser considerada nulo, devendo ser, antes outra a conclusão a retirar : a de que o subsídio no montante de 186.263$00 mensais (e não de valor equivalente às remunerações- base pois provou-se que o mesmo se manteve fixo – facto n.º11 ), constitui uma prestação regular e periódica, que integra uma contrapartida do trabalho prestado pelo autor, não se encontrando afecto a qualquer tarefa específica da sua actividade, passando por isso a fazer parte da sua retribuição, nos termos do art. 82 da LCT
Refira-se ainda, que relativamente à alegação da ré de que o subsídio contemplado no Acordo Relativo ao Exercício do Cargo regime de Comissão de Serviço, apenas, seria devido nos seus termos enquanto tal acordo vigorasse, o que aconteceu até à celebração do 3ª acordo o Acordo de Deslocação e Mudança do Local de Trabalho, também não tem procedência, pois que mesmo que assim o fosse, este 3ª acordo estipula na sua clª 13ª que : “O presente Acordo vigorara a partir do dia 1 de Julho de 1996 e pelo período de 2 anos renováveis, salvo se qualquer das partes o denunciar com aviso prévio de 60 dias, retomando o autor finda a sua deslocação . a sua actividade profissional, nas instalações da sede da(B) ,como os direitos e regalias que teria se nunca se tivesse ausentado
Ora, resultou provado que a ré deixou de pagar ao autor o subsídio contemplado no 2ª Acordo, porque entendia que ele não se coadunava com a verba contemplada na clª 8ª deste 3º Acordo, segundo a qual lhe passaria a pagar um valor adicional de 505.000$00 (facto n.º 15) . Entendimento que teve a concordância do autor ao denunciar o mesmo antes de ir para Joanesburgo ( factos n.ºs 13 e 14).
Assim, quando este 3ª acordo deixou de vigorar, o autor teria direito, por força da sua clª 13ª , acima referida, a auferir o subsídio que anteriormente vinha recebendo, no valor de 186.263$00.
Face a todo exposto, consideramos que o subsídio atribuído ao autor no 2º acordo passou a fazer parte integrante da sua retribuição, o qual foi, igualmente, integrado no âmbito da clª 8º do Acordo de Deslocação e Mudança do Local de Trabalho Temporário. Ora, tendo este acordo sido denunciado pela ré em 18 de Julho de 1997, com efeitos a Outubro de 1997 ( factos n.º 38 e 39), e tendo simultaneamente deixado de lhe pagar o aludido subsídio, violou a ré, com esta sua conduta, o disposto na alínea c) do art. 21 da LCT .
Assim, tendo a ré deixado de pagar tal componente da retribuição do autor a partir de Outubro de 1997, tem o autor direito a partir de então a auferir essa verba no valor de 186.263$00 e nessa sequência a que lhe sejam pagas as prestações devidas desde então, com os respectivos juros de mora.

2. Analisemos, agora, a 2 ª questão

Danos devidos pelo incumprimento de negociação contratual, com vista ao um acordo de deslocação do autor para Nova Iorque
O autor nos sua conclusões de recurso veio admitir que a sentença recorrida está correcta quando decide pela necessidade da prova de danos objectivamente graves para que possam ser ressarcidos, discordando, porém, que essa prova não tenha sido feita, mas apenas que a decisão recorrida não teve em conta toda factualidade que rodeou aquela negociação contratual.
Cremos que o autor não tem razão
Efectivamente, na decisão recorrida foi feito o correcto enquadramento da responsabilidade pré- contratual configurada pelo autor e na base dos factos provados concluiu, devidamente, que os danos verificados não atingiam a gravidade suficiente para serem ressarcidos no âmbito daquela responsabilidade, efectivamente o único dano provado relativamente à não concretização da deslocação do autor para Nova Iorque foi o de o “ autor sentir-se desgostoso por não se concretizar a sua deslocação a Nova Iorque” - o que não é suficientemente grave para merecer a tutela do direito no âmbito da responsabilidade pré- contratual.
E, porque o autor não deduziu nova argumentação nas conclusões de recurso, relativamente a esta matéria, colhemos neste âmbito a decisão recorrida e seus fundamentos, que foram cuidadosa e adequadamente analisados, ao abrigo do n.º5 do artº 713 do CPC

IV- Decisão

Face ao exposto, julgamos parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor e em consequência julgamos fazer parte da sua retribuição a quantia 186.263$00 mensais, desde de 1 de Janeiro de 1996, e condenamos a ré a pagá-la ao autor a partir de Outubro de 1997, data em que se considerou cessado o seu pagamento, com juros de mora, à taxa legal, vencidos sobre as prestações em atraso e nos vincendos, confirmando-se no demais a decisão recorrida

Custas na proporção decaimento

Lisboa , 8-10-03
Paula Sá Fernandes
Filomena carvalho
Dinis Roldâo