Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8909/13.5TCLRS-E.L1-2
Relator: ANA CRISTINA CLEMENTE
Descritores: RECLAMAÇÃO
NÃO ADMISSÃO DE RECURSO
AGENTE DE EXECUÇÃO
ACTO PROCESSUAL
IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- A reclamação prevista no artigo 643º do Código de Processo Civil tem por finalidade garantir que, confrontado com decisão de indeferimento do recurso que interpôs, o recorrente possa suscitar a intervenção do Tribunal superior, a quem cabe a última palavra sobre a admissibilidade do mesmo.
II- A comunicação pelo Agente de Execução do agendamento da diligência para entrega do imóvel penhorado e vendido na execução ao adquirente, corresponde a um ato processual de cumprimento da decisão judicial proferida ao abrigo do artigo 828º do Código de Processo Civil, transitada em julgado.
III- Os atos processuais praticados pelo Agente de Execução são passíveis de impugnação a apreciar pelo Juiz titular do processo.
IV- A omissão da prática de ato processual pode constituir nulidade a suscitar pela parte prejudicada ao abrigo do artigo 195º do Código de Processo Civil, por via incidental no processo, estando atribuída ao Juiz da primeira instância a competência para a sua decisão; a interposição de recurso não é o meio processual adequado à sua apreciação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2ª Secção no Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório

Em 21 de Junho de 2024 a executada AA interpôs recurso identificando o respetivo objeto por referência à notificação “do despacho que autorizou a presença da PSP para o despejo a realizar no dia 10/7/2024 pelas 11h” apresentando as seguintes conclusões:
“1ª O despacho recorrido põe fim ao processo visto que tendo a venda prosseguido contra as várias reclamações do Recorrente o processo fica findo.
2ª O recurso respeita à posse/propriedade da habitação da Recorrente Cartaxo que aí reside com o filho, e um canídeo que não tem onde guardar e não tem outra habitação.
3ª Tal recurso ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 3 do art.º 647º do CPC tem imperativamente efeito suspensivo.
4ª Sobre se o despacho, não tendo sido apresentado recurso iria ou não pôr fim ao processo, eventuais dúvidas ficaram dissipadas quando o Tribunal recorrido autorizou a comparência da PSP para efetivação do despejo para o próximo dia 10/7/2024.
5ª Aliás, o processo nada tem a ver com o NRAU, diploma que ao contrário do CPC, parece atribuir efeito devolutivo, mas tal efeito constitui uma exceção da imposição de efeito suspensivo prevista no CPC, sendo assim inquestionável a aplicação no presente caso do efeito suspensivo.
6ª Resulta do despacho recorrido que o recorrente reclamou e arguiu a nulidade da penhora e da venda, em 16 de janeiro de 2024 e não obstante a utilização do formulário com designação que deveria ter sido de Arguição da Nulidade.
7ª Perante tal arguição de nulidade, com efeito suspensivo, era suposto que o Meritíssimo Juiz proferisse despacho liminar e consequente determinação de suspensão imediata dos atos de execução, sendo certo que em 19/1/2024 foi proferido despacho a aguardar o decurso do prazo do contraditório.
8ª O contraditório foi cumprido e o Tribunal ainda não conheceu e já deveria ter conhecido de tal questão concreta.
9ª Uma vez que a arguição de nulidade foi acompanhada do pedido de efeito suspensivo, enquanto a mesma não for conhecida e tendo já sido dado cumprimento ao contraditório também por força de tal efeito suspensivo não poderia ser ordenado o despejo pois que despejar quem está na iminência de ser proprietário afigura-se pretender retirar efeito útil à arguição de nulidade, a qual ainda não mereceu qualquer decisão judicial.
10ª Acresce que, em 21/2/2024, foi ordenada a abertura de Apenso para a Reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação a qual tem efeito suspensivo no presente processo
11ª Acresce ainda que estão igualmente ativo embargos de executado que mereceram despacho de 24/4/2024, os quais foram intentados em 13/1/2023 e pasme-se ao ser ordenada a criação de apensão não foi proferido qualquer despacho de admissão ou recusa dos embargos.
12ª Na ausência de decisão judicial – decorridos demasiados meses – naturalmente que tendo os embargos efeito suspensivo também por esta via o despejo não poderia ser ordenado dado que os embargos também visam a extinção da execução.
Termos em que revogando-se a autorização de comparência da PSP; a revogação do despejo marcado para 10/, e ordenando-se a atribuição de efeito suspensivo se fará Justiça!”
 Em 9 de Julho de 2024 foi proferido o seguinte despacho:
“A notificação de 07/06/2024 é uma notificação da Sra. Agente de execução, não constando da mesma ou anexa à mesma qualquer despacho.
Anteriormente a tal notificação o último despacho data de 28/02/2024.
Apenas há recursos de despachos/decisões judiciais.
Dos atos de AE há reclamação para o juiz.
Consequentemente, não admito o recurso interposto em 21/06/2024.
Notifique.”
Em 22 de Julho último a executada AA apresentou reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa  “do despacho que não admitiu o recurso interposto em 21 de Junho de 2024 alegando que “tendo sido notificada do douto despacho, o qual não deu resposta cabal à Comunicação à Agente de Execução efetuada em 09/07/2024, designadamente ainda não conheceu da Arguição de Nulidade formulada em 16/01/2024, a qual não pode deixar de conduzir à extinção da instância” com os seguintes fundamentos:
“1º Efetivamente, os despachos do AE não são passíveis de recurso, mas quando os atos do AE determinam a desocupação da habitação e não são acompanhados de um comprovativo da autorização judicial de comparência da PSP, válido e não antigo há cerca de um ano, e anterior ao esgotamento do poder jurisdicional, já se deverá entender que por se tratar de um ato lesivo de uma das partes e consequentemente, passível de recurso, tanto mais que a responsabilidade de a notificação ser efetuada através da AE não pode ser assacada a autora.
2º É incompreensível que tendo a Arguição de Nulidade baseada na preterição de exceção dilatória de omissão da integração no PERSI, arguida em 16/01/2024, relativamente à qual o Tribunal ordenou que se aguardasse o prazo do contraditório, e tendo esse sido exercido entre 19/01/2024 e 22/01/2024, o Tribunal ainda não tenha conhecido de tal questão.
3º Aliás, para além de se tratar de questão de conhecimento oficioso, as consequências da respetiva procedência determinam a extinção da execução e a anulação da venda, não se afigurando que deva ser promovida a desocupação antes de conhecida tal questão.
4º Assim, a não aceitação do recurso interposto em 21/06/2024, para que sejam dissipadas todas as dúvidas, deve ser objeto de revogação por Vexa, desde logo, para que seja dada prioridade ao conhecimento da invocada exceção dilatória.
5º A boa-fé processual da Reclamante não se compadece com a omissão de conhecimento de tal exceção, sob pena de despejada a família já não fazer qualquer sentido extinguir a instância executiva!!!
6º Por último, no que respeita a impossibilidade de recurso de um ato praticado por AE, sempre se dirá que já foi explicado que o Exmo. AE se arrogou no direito de invocar um despacho judicial, o qual não junta, não restando assim igualmente no âmbito da boa-fé processual alternativa à interposição de recurso, pois que mais uma vez a omissão da junção do despacho nulo por esgotamento do poder jurisdicional, não é de responsabilidade da Reclamante.
Termos em que deve a presente Reclamação ser admitida, julgada procedente por provada e por via dela ser o despacho de não admissão do recurso substituído por outro que o admita, com efeito suspensivo, seguindo-se os ulteriores termos.”  
Por decisão sumária proferida pela ora relatora, que conheceu da questão prévia relativa à competência para a decisão da reclamação, o despacho que não admitiu o recurso foi mantido.
A reclamante requereu “a ida à conferência” para “deliberar sobre o seguinte:
1º São ou não as exceções dilatórias, tal como a preterição do PERSI, de conhecimento oficioso?
2º Em caso afirmativo, deveria ou não o Tribunal de 1ª instância, ainda que decorrido o prazo para dedução de embargos, conhecer de tal questão no âmbito da execução?
3º O artigo 734º do CPC, mesmo após a transmissão dos bens, restringe-se ou não exclusivamente ao aperfeiçoamento do requerimento executivo?
4º A pretensão da Reclamante está ou não enquadrada, atentas as Conclusões do Recurso, na inutilidade contemplada na al. b) do nº 2 do art.º 644º do CPC?
5º Trata-se de uma arguição de nulidade – que ainda não foi conhecida pelo Tribunal de 1ª Instância - que visa a extinção da execução de forma oficiosa, a todo o tempo, sob pena de se beneficiar a instituição bancária violadora?
6º Perante sinais de incumprimento, com base na lei do consumidor, em fase pré-contenciosa, a instituição bancária não acatou e deveria ter acatado a obrigação de convidar o devedor a um acordo que contemplasse a dispensa de pagamento das prestações, pagando apenas os juros durante um período razoável?
7º O não conhecimento da nulidade consubstancia ou não uma denegação de justiça?
8º O adquirente no processo de execução deve ou não solicitar a devolução do dinheiro uma vez que nada justifica que a família do adquirente seja beneficiada preterindo-se a família da reclamante?”  
E concluiu “atento o exposto, deverão os Exmos. Desembargadores deliberar no sentido de com base na omissão – confessada pela Exequente – de integração no PERSI decorrente da lei em vigor em 2013, destinada a transpor a Diretiva Comunitária nº 2014/17/EU no “PERSI” o que manifestamente não teve lugar, tal como está demonstrado, deve o Recurso ser admitido, Como é de Justiça!”.
Os reclamados não tomaram posição.

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II. Questão a apreciar: saber se o recurso interposto pela executada no passado dia 21 de Junho é admissível.

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III. Fundamentação de facto:

Consultado o histórico do processo resulta, com relevo para apreciação da reclamação:
1. Por requerimento de 16 de Janeiro de 2024 a executada arguiu a nulidade da penhora e da venda pedindo que seja “declarada a extinção da execução, absolvendo-se a executada da instância e do pedido, com natural revogação do leilão/venda” alegando que  o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), instituído pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, em vigor desde 1 de Janeiro  de 2013, é aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito e que durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está vedada à instituição de crédito a instauração de ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito, norma imperativa cujo incumprimento corresponde a uma exceção dilatória inominada, acrescentando que a exequente não juntou qualquer comunicação efetuada aos executados.
2. Por despacho proferido a 18 de Janeiro foi determinado que se aguardasse o decurso do prazo para contraditório quanto ao requerimento identificado em 1).
3. Em 19 de Janeiro foi remetida às partes (executada, exequente e adquirente do imóvel, BB) e à Agente de Execução notificação desse despacho.
4. Em 30 de Janeiro, BB requereu a investidura na posse do imóvel.
5. Em 28 de Fevereiro foi proferido o seguinte despacho:
“Requerimento de 30/01/2024
Dê conhecimento ao AE.
O tribunal já se pronunciou anteriormente (despacho de 08/11/2023).”
6. Entre a data referida em 5) e 21 de Junho de 2024 não foi proferido qualquer despacho.
7. Em 7 de Junho de 2024 a Agente de Execução juntou aos autos comprovativo do ofício dirigido nessa data à PSP de Odivelas com o seguinte teor:
“Exmº. Sr. Comandante,
Fica Vª Exa pela presente notificado, de que foi designado o dia 9 de Julho de 2024, pelas 11:00 Horas para a diligência de arrombamento e mudança de fechadura do imóvel vendido nos presentes autos:
Prédio urbano situado na Rua …, Quinta …, Odivelas.
Assim solicita-se a Vª Exª que no dia e hora indicados compareçam no local, conforme despacho do Mmo Juiz que ora se anexa.”.
8. Em 14 de junho de 2024 a Agente de Execução remeteu à executada o seguinte ofício:
“Fica notificado, no seguimento da notificação de 06/06/2024, da alteração da data para o dia 10/07/2024, pelas 11.00 horas, para a tomada de posse do imóvel vendido, por motivos de indisponibilidade da PSP de Odivelas, conforme documentos em anexo.”
9. Na sequência de requerimento apresentado em 7 de Novembro de 2003, por BB, pedindo a entrega do imóvel nos termos dos artigos 828 e 861º do Código de Processo Civil, a 8 de Novembro foi proferido o seguinte despacho:
“Requerimento para execução especial para entrega de bem adquirido na venda executiva – artigo 828º do CPC [requerimento de 07/11/2023]
É aplicável a esta execução, com as devidas adaptações, o regime previsto no artigo 861º do Código de Processo Civil.
Cumprido que esteja o disposto no artigo 861º nº 3 do Código de Processo Civil, desde já, ao abrigo do disposto no artigo 757º, aplicável ex vi artigo 861º, ambos do Código de Processo Civil, autorizo a solicitação de auxílio das autoridades policiais e, se necessário, arrombamento da porta e substituição da fechadura, com observância do disposto nos nºs 5 a 7 do artigo 757º.
Notifique e comunique, devendo o AE acautelar eventual necessidade de realojamento – artigo 861º nº 6 do Código de Processo Civil.”
10. Em 9 de Novembro de 2023 foi remetida à executada notificação do despacho identificado em 9) [referência 158746344].
11. Por escritura pública outorgada a 5 de Setembro de 2023 no Cartório Notarial da Amadora, CC, invocando a qualidade de agente de execução nomeada no processo nº 8909-12.5TCLRS, declarou proceder à venda, livre de ónus e encargos, pelo preço já recebido de € 343.704,17 a fração autónoma designada pela letra “L” do prédio constituído em propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o nº 3.631, registada a favor da executada pela Ap. 45 de 30 de Agosto de 2005, a BB, que declarou aceitar e destinar a fração adquirida a habitação própria permanente.

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IV. Fundamentação de direito:

O artigo 641º nº 2 do Código de Processo Civil[1] dispõe que o requerimento de interposição do recurso é indeferido quando:
(a) se entenda que:
»» a decisão:
i) não admite recurso;
ii) que o recurso foi interposto fora de prazo;
»» o requerente não tem as condições necessárias para recorrer;
(b) não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.
O nº 6 clarifica que a decisão que não admita o recurso ou retenha a sua subida apenas pode ser impugnada através da reclamação prevista no artigo 643º.
Esse preceito estatui:
“1 - Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão.
2 - O recorrido pode responder à reclamação apresentada pelo recorrente, em prazo idêntico ao referido no número anterior.
3 - A reclamação, dirigida ao tribunal superior, é apresentada na secretaria do tribunal recorrido, autuada por apenso aos autos principais e é sempre instruída com o requerimento de interposição de recurso e as alegações, a decisão recorrida e o despacho objeto de reclamação.
4 - A reclamação, logo que distribuída, é apresentada ao relator, que, em 10 dias, profere decisão que admita o recurso ou o mande subir ou mantenha o despacho reclamado, a qual é suscetível de impugnação, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 652.º.
5 - Se o relator não se julgar suficientemente elucidado com os documentos referidos no n.º 3, pode requisitar ao tribunal recorrido os esclarecimentos ou as certidões que entenda necessários.
6 - Se a reclamação for deferida, o relator requisita o processo principal ao tribunal recorrido, que o fará subir no prazo de 10 dias.”
A reclamação, de que estas norma se ocupam, destina-se a garantir que, confrontado com decisão de indeferimento do recurso que interpôs, o recorrente possa suscitar a intervenção do Tribunal superior, a quem cabe a última palavra sobre a admissibilidade do mesmo[2].
Para além das situações de retenção do recurso por se entender que o seu objeto não é passível de apelação autónoma[3], a sua rejeição pode ter lugar, como vimos, por irrecorribilidade da decisão[4], por falta de legitimidade do recorrente[5], por intempestividade[6], ou por falta de alegações ou de conclusões, sendo que o meio de reação  adequado corresponde à reclamação[7].
O recurso interposto pela executada em 21 de Junho de 2024 surge após uma comunicação da Agente de Execução quanto ao agendamento, para 10 de Julho de 2024, da entrega do imóvel penhorado e vendido no processo executivo, com intervenção da PSP.
 As conclusões do recurso permitem destacar cinco temas que a recorrente pretende ver apreciados pelo Tribunal da Relação:
- 1ª: a venda prosseguiu apesar de várias reclamações e o despacho põe fim ao processo;
- 2ª a 5ª: o recurso deve ter efeito suspensivo;  
- 6ª a 9ª: o Tribunal a quo omitiu a prolação de decisão relativamente à arguição da nulidade da penhora e da venda suscitada em 16 de janeiro de 2024, incidente esse com efeito suspensivo do despejo;
- 10ª: em 21 de Fevereiro de 2024, foi ordenada a abertura de apenso para a Reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação, que tem efeito suspensivo do processo;
- 11ª e 12ª: em 13 de Janeiro de 2023 intentou embargos de executado, foi ordenada a criação do apenso, mas não foi proferido qualquer despacho de admissão ou recusa, sendo que os embargos têm efeito suspensivo e impediam que o despejo fosse ordenado.
Como resulta da delimitação da questão a apreciar, o objeto da reclamação prende-se, necessariamente, com a admissibilidade do recurso.
Diremos desde já, quanto às questões que a reclamante coloca no pedido de reapreciação da decisão sumária pela conferência, que subscrevemos o entendimento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2022, relatado pela Exm.ª Juiz Conselheira Maria Clara Sottomayor: são insuscetíveis de ser conhecidas nesta reclamação ou de determinar a decisão quanto à admissibilidade do recurso, porque reconduzem-se a uma questão de mérito, que “nada tem a ver com a verificação ou não dos pressupostos legalmente exigidos para a admissibilidade do recurso de revista - questão prévia e completamente independente da questão de mérito.”
Entremos no cerne da reclamação.
O artigo 853º do Código de Processo Civil estatui:
“1 - É aplicável o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração aos recursos de apelação interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da ação executiva.
2 - Cabe ainda recurso de apelação, nos termos gerais:
a) Das decisões previstas no nº 2 do artigo 644º, quando aplicável à ação executiva;
b) Da decisão que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução;
c) Da decisão que se pronuncie sobre a anulação da venda;
d) Da decisão que se pronuncie sobre o exercício do direito de preferência ou de remição.
3 - Cabe sempre recurso do despacho de indeferimento liminar, ainda que parcial, do requerimento executivo, bem como do despacho de rejeição do requerimento executivo proferido ao abrigo do disposto do artigo 734.º.
4 - Sobem imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, os recursos interpostos nos termos dos nºs 2 e 3 de decisões que não ponham termo à execução nem suspendam a instância.”
Por sua vez o artigo 644º do mesmo diploma prevê:
“1 - Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;
f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
g) De decisão proferida depois da decisão final;
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.
4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.”
Finalmente, definindo o âmbito da competência do Juiz no processo executivo, o artigo 723º nº 1 alínea c) dispõe que lhe cabe julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de dez dias.
A decisão que conferiu poderes para a Agente de Execução investir BB na posse do imóvel penhorado que adquiriu através de venda judicial, formalizada por escritura pública outorgada a 5 de Setembro de 2023, com recurso à força pública, foi proferida, como vimos, a 8 de Novembro de 2023, tendo transitado em julgado[8].
O artigo 827º do diploma em referência prescreve que, mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, com emissão, pelo agente de execução, a seu favor, do título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados e, de seguida, comunica a venda, juntando o respetivo título, ao serviço de registo competente, o qual procede ao registo do facto e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, nos termos do nº 2 do artigo 824º do Código Civil.
O artigo 828º estatui que o adquirente, com base no título de transmissão a que se refere o artigo anterior, pode requerer contra o detentor, na própria execução, a entrega dos bens, nos termos prescritos no artigo 861º, devidamente adaptados.
O adquirente recorreu a este mecanismo processual, volvidos cerca de três meses após a formalização da aquisição, por não ter ocorrido a entrega voluntária do imóvel pela executada, reiterando-o em 30 de Janeiro de 2024.
A notificação da Agente de Execução à executada com data de 14 de Junho de 2024 teve em vista dar-lhe conhecimento da data agendada para a investidura do comprador na posse da fração adquirida, com recurso à força pública, dando cumprimento, diga-se, tardio, ao despacho proferido em 8 de Novembro de 2023, oportunamente notificado.
Como a executada reconhece na reclamação, os despachos dos Agentes de Execução não são suscetíveis de recurso: decorre muito claramente do artigo 723º nº 1 alínea c) que, havendo motivos de discordância de uma decisão do Agente de Execução, a sua impugnação é dirigida ao Juiz de Execução para decisão.
Sucede, no caso, que a “decisão” da Agente de Execução limita-se ao agendamento da data da diligência, pois, no que diz respeito à investidura do adquirente na posse da fração autónoma em consequência da venda, cumpre o que foi determinado por despacho judicial de 8 de Novembro de 2023.
Por isso, a haver necessidade de reação da parte da executada relativamente à atividade da Agente de Execução por via desse agendamento, o meio adequado seria a impugnação do ato para decisão pelo Juiz titular do processo de execução e não a interposição de recurso, sendo certo que, como referimos, o ato em causa nada mais é do que o cumprimento de uma decisão transitada em julgado.
O ato em causa, comunicação da data da entrega – incorretamente apelidado de despejo, dado que se trata de um procedimento executivo para entrega de imóvel penhorado e vendido, impulsionado pelo adquirente e tramitado nos termos do artigo 828º do Código de Processo Civil, enxertado na execução para pagamento de quantia certa  movida pelo exequente – não põe fim ao processo de execução, pois este extingue-se quando ocorre alguma das circunstâncias previstas no artigo 849º, implicando a prática de ato processual nesse sentido pelo Agente de Execução, o que não manifestamente o caso.
Não estamos, pois, perante uma decisão recorrível, o que prejudica a tomada de posição acerca do efeito do recurso identificado nas conclusões 2ª a 5ª.
No que diz respeito aos argumentos tecidos nos artigos 2º, 3º, 5º da reclamação – que se reportam ao tema das restantes conclusões do recurso interposto em 21 de Junho de 2024 - diremos que os artigos 853º e 644º supra citados deixam bem claro que os recursos têm em vista a reapreciação de decisões judiciais.
No que diz respeito às nulidades há que distinguir duas modalidades:
- as especificadas no artigo 615º nº 1, que se reportam a vícios da sentença, igualmente aplicáveis aos despachos por via do disposto no artigo 613º nº 3, com as devidas adaptações, fundamento de recurso verificada a hipótese prevista na segunda parte do nº 4 da primeira norma citada;
- as genericamente previstas no artigo 195º nº 1[9], que dizem respeito a prática de um ato que a lei não admita e/ou a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 2022, relatado pelo Exmº Juiz Conselheiro Nuno Ataíde das Neves[10], distinguem-se as nulidades processuais, referentes à segunda aludida categoria, “que têm a ver com o cumprimento de formalidades cuja observância a lei adjectiva postula como principal/essencial ou de natureza secundária para a correcta tramitação do processo e para que se possa lograr o fim último do mesmo, a mais conscienciosa e justa decisão (…) formalidades do processo a se, de actos formais inerentes à própria tramitação do processo, actos ou formalidades cometidos que a lei proíbe ou de actos formais cuja observância a lei exige e foram omitidos, de natureza e índole intimamente adjectiva, que a lei comina com a nulidade (…) que deveriam ter ocorrido em momento antecedente ao da decisão final, e que, ao não correrem, inquinaram essa mesma decisão, feriram-na de nulidade”, das que denomina de “nulidades de conhecimento, de índole material decisória” respeitantes à primeira aludida categoria, que consistem em atos ou omissões praticadas pelo Tribunal “a jusante, no âmbito do processo decisório e com este concomitantes, como integrando este, actos que à decisão em si tangem” que classifica como “como nulidades do julgamento ou da sentença, estas previstas no art.º 615º do CPC”.
Resulta dos artigos 196º, 197º, 199º, o seguinte regime para a segunda categoria supra aludida:
- está excluído o conhecimento oficioso das nulidades previstas no artigo 195º;
- as nulidades processuais aludidas no referido preceito só podem ser invocadas pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato;
- não pode arguir a nulidade a parte que lhe deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à arguição;
- se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que as nulidades forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar;
- se a parte não estiver presente, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, sendo que neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
A omissão de prolação de uma decisão relativa a requerimento apresentado por um sujeito processual é passível de se enquadrar na categoria das nulidades processuais e no regime desenvolvido no parágrafo anterior e, como tal, o vício deve ser suscitado por via incidental.
Vem-se entendendo que as partes não podem suprimir a obrigação de arguir a nulidade perante o Tribunal que a teria cometido e suscitarem a sua apreciação e decisão apenas perante o Tribunal de recurso, por se tratar de uma questão nova, no sentido que não foi previamente suscitada perante o Tribunal recorrido e que não pode, por isso, fundamentar um pedido de reapreciação e modificação que o recurso pressupõe[11].
Conclui-se, pois, que as conclusões 6ª a 12ª com que a executada termina as alegações de recurso não são suscetíveis de apreciação em sede de recurso, desde logo, por não haver decisão.   
A reclamação improcede in totum.

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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da 2ª Secção deste Tribunal da Relação julgar improcedente a reclamação apresentada e a manutenção do despacho de 9 de julho de 2024 que não admitiu o recurso interposto pela executada em 21 de Junho de 2024.
Custas a cargo da reclamante.
 
Lisboa, 7 de Novembro de 2024
Ana Cristina Clemente
Paulo Fernandes da Silva
João Paulo Raposo
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[1] A este diploma se reportam todas as normas sem indicação de proveniência.
[2] Nesse sentido, vide Ac. RG de 19.12.2023 in https://www.dgsi.pt/jtrg processo nº 1592/19.6T8VRL-B.G1.
[3] Cfr. artigo 644º nº 3.
[4] Nas situações previstas nos artigos 629º, 630º e 632º.
[5] Cfr. artigo 631º.
[6] Cfr. artigo 638º.
[7] Nesse sentido, vide Ac. STJ  de 22.02.2016 in https://www.dgsi.pt/jstj processo nº 490/11.6TBVNG.P1-A.S1..
[8] Era facultado à executada recorrer desse despacho ao abrigo do artigo 644º nº 2 alínea h) ex vi artigo 853º nº 2 alínea a) ambos do Código de Processo Civil, mas não reagiu.
[9] Não tratamos aqui das nulidades previstas nos artigos 186º a 194º porquanto as mesmas têm regime próprio.
[10] In https://www.dgsi.pt/jstj processo nº 9337/19.4T8LSB-B.L1.S1.
[11] Nesse sentido, vide Ac. RL de 23.04.2024 in https://www.dgsi.pt/jtrl processo nº 1011/19.8T8FNC.L1-1.