Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ADEODATO BROTAS | ||
Descritores: | REGULAMENTO BRUXELAS II BIS COMPETÊNCIA INTERNACIONAL RESPONSABILIDADE PARENTAL EXCEPÇÃO LITISPENDÊNCIA MUDANÇA DE RESIDÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/15/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1-Para efeitos do artº 19º nº 2 do Regulamento Bruxelas II bis (Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, alterado pelo Regulamento (CE) nº 2116/2004 do Conselho, de 2 de Dezembro de 2004), ocorre excepção de litispendência quando tenham sido instauradas acções relativas à responsabilidade parental em relação a uma criança, que tenham o mesmo pedido, a mesma causa de pedir, em tribunais de Estados-Membros diferentes e, que digam respeito ao mérito da matéria de responsabilidade parental. 2- Assim, se um primeiro processo instaurado num Estado-Membro visar a aplicação de medidas provisórias e cautelares, nos termos do artigo 20º do Regulamento Bruxelas II bis, qualquer processo instaurado posteriormente, noutro Estado-Membro, que incida sobre a questão de mérito relativa à responsabilidade parental em relação à mesma criança, não ficará sujeito ao disposto no artigo 19 º nº 2 do Regulamento Bruxelas II bis, não ocorrendo, por isso, a excepção de litispendência. 3- A determinação do conceito de residência habitual, na acepção do artº 8º nº 1 do Regulamento Bruxelas II bis, há-de ser feita à luz das disposições e do objectivo do dito Regulamento, nomeadamente do constante do seu considerando décimo segundo, daí ressaltando que as regras de competência nele fixadas são definidas em função do superior interesse da criança, em particular do critério da proximidade. 4- A esta luz, uma criança de seis meses de idade, que foi deslocada pela mãe da localidade onde nasceu e vivia em Espanha e, que passou a residir em Portugal onde, ao fim de seis dias, foi instaurado processo especial de Regulação das Responsabilidades Parentais, deve ter-se como residindo junto da mãe, em Portugal, por ser mais conforme ao superior interesse dessa criança permanecer junto da mãe, quer enquanto figura primária de referência, quer em face do critério da preferência maternal para crianças de tenra idade, permitindo, assim, assegurar a continuidade das relações afectivas da criança essenciais para o seu bem-estar psicológico. 5-Nestes termos deve aceitar-se que o tribunal de Família e Menores de Lisboa é internacionalmente competente para apreciar e julgar o processo especial de Regulação das Responsabilidades Parentais instaurado pela mãe seis dias após ter-se deslocado para Portugal acompanhada da criança. 6- A atribuição da competência internacional ao tribunal do Estado-Membro em questões relativas a matéria de Responsabilidade Parental, de acordo com o artº 16º nº 1, al. a), primeira parte, fixa-se no momento em que é instaurada a acção, concretamente, “Na data de apresentação ao tribunal do acto introdutório da instância…”, sendo por isso irrelevante que a criança, entretanto, tenha sido levada para Espanha. (Pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO. 1-NBM, com nacionalidade brasileira e residente em Lisboa, instaurou, em 31/08/2020, processo especial para Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais relativamente ao menor DB, nascido a 16/02/2020, contra VDG-T, com nacionalidade espanhola e residente em Lucena, Córdoba. 2- Designada data para a Conferência de Pais, veio o requerido apresentar requerimento, a 28/12/2020, no qual, além do mais, dá a conhecer que, em 25/08/2020, apresentou no Tribunal de Lucena, Córdoba, requerimento de Pedido de Medidas Provisórias Urgentes relativas ao pedido de guarda e custódia e pensão de alimentos, contra a requerente, relativos ao menor DB; mais deu a conhecer a pendência, no Tribunal de Almada (Proc. 6810/20.5T8ALM), de processo especial de entrega judicial da criança ao progenitor (ao abrigo da Convenção da Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças e, Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27/11). Requereu: -Que a instância seja suspensa nos termos nº 2 do artigo 19º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro e bem assim até à decisão processo n.º 6810/20.5T8ALM para entrega judicial do menor que corre termos do Tribunal de Almada. 3- Por despacho de 12/01/2021, foi ordenada a suspensão dos autos até à decisão final do processo de entrega judicial do menor ao progenitor (Proc. 6810/20.5T8ALM, do Tribunal de Almada). 4- Por sentença de 07/01/2021, proferida no Proc. 6810/20.5T8ALM, foi determinado o regresso do menor DB ao Estado Contratante da sua residência habitual (Espanha). O que teve lugar de imediato. Essa sentença foi confirmada por acórdão desta Relação (e Secção), tirado por maioria. Porém, por acórdão do STJ, de 08/09/2021, foi revogada aquela sentença, determinando-se: “Julga-se a apelação interposta pela Requerida procedente e em consequência, revoga-se a decisão recorrida, não se ordenando o regresso da criança DB a Espanha.” Na fundamentação desse acórdão do STJ é mencionado: “No caso dos autos, não vemos razão para negar a conclusão relativa à deslocação ilícita. Decisiva é a constatação do local onde a criança nasceu e onde se encontrava, quando de lá foi retirada pela mãe, que se ausentou para Portugal, sem conhecimento ou autorização do pai. (…) Cabia ter consultado ou obtido consentimento do pai do menor para a referida deslocação. Nesse sentido, existiu deslocação ilícita…” (…) “ Para uma criança com 16 meses de idade (à data do acórdão) ou 11 meses (à data da sentença), que privou permanentemente com a mãe, que assim se constituiu como figura efectiva de referência para a criança, a separação física operada pelo regresso a Espanha (que foi executada após prolação da sentença) só pode considerar-se uma violência, susceptível de afectar o equilíbrio psíquico dessa criança, constituindo uma situação intolerável. (…) “O regresso da criança deve ser recusado nos casos em que a separação seja claramente mais prejudicial à criança do que a permanência com o progenitor que a deslocou ou reteve ilicitamente.” 5- Com data de 25/02/2022, foi proferido o seguinte despacho nestes autos: “Por internacionalmente competente para conhecer dos termos da ação, designa- se, para conferência de pais, o próximo dia 30/03/2022, pelas 09h00. Sem prejuízo, oficie ao juízo de família e menores de Almada que informe data de propositura do procedimento de entrega judicial de criança.” 6- Inconformado com a decisão da afirmação da competência internacional do tribunal português para a acção, o requerido interpôs o presente recurso, em 23/03/2022, formulando as seguintes CONCLUSÕES: I. Em 25 de Fevereiro de 2022, o Tribunal a quo proferiu despacho, sob ref. Citius n.º 413033427, notificado em 28 de Fevereiro de 2022, nos termos do qual se declarou internacionalmente competente para conhecer dos termos da presente ação. II. Nestes termos, por tal decisão se afigurar contrária às regras legais aplicáveis à competência internacional em matéria de Responsabilidade Parental, não poderá a mesma subsistir, impondo-se a sua revogação pela violação das normas jurídicas em vigor e a sua consequente substituição por decisão que obedeça aos normativos aplicáveis. III. Por conseguinte, versa o presente recurso exclusivamente sobre matéria de Direito, cfr. artigo 639.º do CPC, incidindo sobre o aludido despacho. IV. Neste conspecto, veja-se que conforme já alegado pelo Recorrente (requerimentos de 28/12/2020, ref. Citius n.º 28074257, de 06/12/2021, ref. Citius n.º 31045286 e de 09/02/2022, ref. Citius n.º 31632055) corre termos nos tribunais Espanhóis ação destinada à Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais similar à presente, estando aí a ser apreciada a questão referente à competência dos Tribunais Espanhóis (cfr. requerimento de 06/12/2021, ref. Citius n.º 31045286 e cujos documentos traduzidos foram juntos por requerimento de 19/01/2022, ref. Citius n.º 31419362). V. Todavia, ignorando a pendência do processo de Responsabilidades Parentais em curso em Espanha, o douto Tribunal a quo declarou-se internacionalmente competente para conhecer os termos da ação, o que sucedeu indevidamente. VI. Vide que, assiste-se neste caso a uma simultaneidade de processos de Responsabilidade Parental, em curso em Espanha e Portugal, da qual resulta uma situação de litispendência de caráter internacional, subsistindo duas ações com a mesma natureza, compostas pelas mesmas partes, com idêntica causa de pedir e pedido (o qual consiste na fixação das responsabilidades parentais em ambos os processos). VII. Nestes termos, perante situações como a presente, e considerando que o conflito se coloca entre Portugal e Espanha, é aplicável o Regulamento CE n.º 2201/2003, de 27 de Novembro, relativo à competência, ao reconhecimento de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental. VIII. A este propósito, dita o artigo 19.º, n.º 2 do Regulamento CE n.º 2201/2003 que quando são instauradas em tribunais de Estados-Membros diferentes ações relativas à responsabilidade parental que tenham o mesmo pedido e causa de pedir, o Tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do Tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, IX. esclarecendo artigo 16.º, n.º 1 do Regulamento CE n.º 2201/2003, de 27 de Novembro que o processo se considera instaurado na data da apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância, ou ato equivalente. X. Ora, in casu, considerando que o processo para Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais foi iniciado em Espanha no dia 25 de agosto de 2020, e os presentes autos apenas em 31 de agosto de 2020, afigura-se insofismável a anterioridade do processo intentado no Ordenamento Jurídico Espanhol com vista à fixação das Responsabilidades Parentais do menor. XI. Por conseguinte, nos termos do art. 16.º, n.º 1, al. a) e art. 19.º, n.º 2 do Regulamento CE n.º 2201/2003, de 27 de Novembro, não dispunha o Tribunal a quo da faculdade de se declarar competente, estando obrigado à suspensão oficiosa da instância até que os Tribunais Espanhóis se pronunciassem quanto à sua própria competência internacional, XII. ficando, outrossim, sujeito ao que vier a ser decidido pelos Tribunais Espanhóis, cfr. disposto no artigo 19.º, n.º 3 do Regulamento CE n.º 2201/2003. XIII. Destarte, ao julgar-se o douto Tribunal a quo internacionalmente competente violou do disposto no artigo 16.º, n.º 1 e 19.º, n.º 2 e 3 do Regulamento CE n.º 2201/2003, de 27 de novembro, XIV. impondo-se, assim, que o despacho sob ref. Citius n.º 413033427 seja revogado, devendo ser substituído por decisão que determine a suspensão da instância em observância pelos aludidos normativos legais. XV. Ad cautelam, caso assim não se entenda, e conclua o Venerando Tribunal da Relação pela possibilidade de o Tribunal a quo decidir da sua própria competência – o que se rejeita e apenas se equaciona por mero dever de patrocínio – nunca o Tribunal a quo poderia concluir pela sua competência consideradas as regras de competência previstas no Regulamento CE n.º 2201/2003, de 27 de novembro. XVI. A este propósito, determina o artigo 8.º, n.º 1 do Regulamento CE n.º 2201/2003, de 27 de novembro que os Tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidades parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que seja instaurada no Tribunal. XVII. Prevendo, outrossim, o artigo 10.º, n.º 1 que em caso de deslocação ou retenção ilícitas, os tribunais do Estado-Membro onde a criança reside habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas continuam a ser competentes até a criança ter a sua residência habitual noutro Estado-Membro e se verifique alguma das situações elencadas numas de algumas das alíneas aí previstas. XVIII. Ora, ao tempo em que o processo de Responsabilidades Parentais se iniciou nos Tribunais Espanhóis, em 25 de Agosto de 2020, o menor residia habitualmente nesse mesmo pais, o que Recorrente alegou diversas vezes nestes autos (cfr. requerimento de 05/02/2021, ref. citius n.º 28431698), XIX. o que, inclusive, foi dado como provado no âmbito do processo de entrega judicial do menor intentado pelo Recorrente, decidido em última instância pelo Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 6810/20.5T8ALM (cfr. informação prestada por ofício do Tribunal a quo, em 21/12/2021, ref. Citius n.º 31179197), o qual, igualmente, reconheceu que a deslocação do menor para Portugal configurou uma deslocação ilícita. XX. Por conseguinte, considerando que o menor tinha a sua residência habitual em Espanha ao tempo da sua subtração ilícita pela Recorrida, são os Tribunais Espanhóis os tribunais internacionalmente competentes para conhecer das Responsabilidades Parentais, sendo certo que, na sequência da subtração ilícita do menor pela sua Progenitora para Portugal, tal não conduz à alteração da competência dos Tribunais Espanhóis para os Tribunais Portugueses, tanto mais que não se verifica nenhuma das situações previstas no artigo 10.º do Regulamento CE n.º 2201/2003, de 27 de novembro, nos termos do qual a competência dos Tribunal é alterada, quer porque o menor não passou a ter residência habitual em Portugal, quer porque não se verifica o preenchimento de nenhuma das alíneas aí previstas. XXI. Assim, ao decidir pela sua própria competência internacional, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 8.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1 do Regulamento CE n.º 2201/2003, de 27 de novembro, impondo-se, por isso, a revogação da decisão proferida e que, em substituição, seja proferida decisão que, em observância pelos referidos normativos determine a incompetência dos Tribunais portugueses, cfr. art. 17.º do aludido regulamento. * Princípios e disposições legais violadas ou incorretamente aplicadas: Foram violados, entre outros, os artigos 16.º, n.º 1, 19.º, n.º 2 e 3, artigo 8.º, n.º 1, 10.º, n.º 1 do Regulamento CE n.º 2201/2003, de 27 de novembro. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXA. MUI DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADO O DESPACHO SOB RECURSO. 7- O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, nos seguintes termos: O Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 32.º, n.º 3 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015 de 08/09 e 638.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, vem responder ao recurso interposto por VDG-T, do despacho judicial proferido em 28.02.2022, no qual se determinou: “Por internacionalmente competente para conhecer dos termos da acção, designa-se, para conferência de pais, o próximo dia 30/03/2022, pelas 09h00.” Afigura-se ao Ministério Público que tal despacho não deverá ser revogado, nos termos indicados pelo recorrente. Com efeito, analisados os elementos constantes dos autos e o seu objecto, adere-se à decisão proferida, não nos merecendo a mesma qualquer reparo. Negando provimento ao recurso. 8- A requerente não contra-alegou. 9- Já após a apresentação do recurso e respectivas alegações, o requerido veio juntar aos autos cópia da decisão proferida a 29/03/2022 pelo Tribunal Provincial de Córdoba, 1ª Secção Civil, que revogou a decisão anterior - proferida pelo Tribunal de Lucena que se havia declarado internacionalmente incompetente para apreciar as medidas provisórias requeridas pelo aqui requerido – decidindo que “…o Tribunal de Lucena tem jurisdição para julgar o presente processo.” * II-FUNDAMENTAÇÃO. 1-Objecto do Recurso. É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida. Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir: -Se o Tribunal de Família e Menores de Lisboa é internacionalmente competente para apreciar e decidir este processo especial para Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais relativamente ao menor DB. * 2- Factualidade Relevante. Para além da factualidade mencionada no Relatório que antecede, importa ainda ter presente a seguinte factualidade: 1- DB nasceu a 16/02/2020, em Cabra, Córdoba, Espanha, mostrando-se registado no Registo Civil de Cabra, como filho de VDG-T e de NBM. 2- O menor tem Documento Nacional de Identidade emitido por Espanha. 3- Em 25/08/2020 a progenitora do menor viajou com o filho para Portugal, o que deu origem ao procedimento de entrega judicial do menor ao progenitor, como referido no ponto 4 do Relatório supra, tendo sido entregue ao progenitor em 14/01/2021, decisão posteriormente revogada pelo STJ sem que, até à data da elaboração do presente acórdão haja nota do regresso do menor para junto da mãe. * 3- A Questão Enunciada. 3.1- Questão Prévia: Junção de Documento. Na fase de recurso, o apelante juntou aos autos cópia da decisão proferida a 29/03/2022 pelo Tribunal Provincial de Córdoba, 1ª Secção Civil, que revogou a decisão anterior - proferida pelo Tribunal de Lucena que se havia declarado internacionalmente incompetente para apreciar as medidas provisórias requeridas pelo aqui requerido – decidindo que “…o Tribunal de Lucena tem jurisdição para julgar o presente processo”. Coloca-se a questão de saber se é admissível a junção desse documento. Pois bem, determina o artº 425º do CPC que “…depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.” Por sua vez, o artº 651º nº 1 do CPC afirma que “As partes podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artº 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.” Resulta da conjugação destes dois preceitos que a junção de documentos na fase do recurso só é admissível em duas situações: i)- por se ter tornado necessária a junção em virtude do julgamento proferido em 1ª instância; ii)- por não ter sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em 1ª instância, no caso, até à prolação da decisão sobre a questão da competência internacional do tribunal a quo. No caso, não está em causa a situação referida em i), mas, antes, a referida em ii), visto que o decisão proferida pelo Tribunal Provincial de Córdoba ocorreu em 29/03/2022. Portanto, posteriormente à decisão da 1ª instância que julgou que o Tribunal de Família e Menores de Lisboa era internacionalmente competente para o Processo Especial de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais relativamente ao Menor DB. Assim, sem necessidade de outros considerandos, admite-se o mencionado documento. * 3.2- A Questão da Competência Internacional do Tribunal de Menores e Família de Lisboa para julgar o Processo Especial de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais relativamente ao menor DB. A 1ª instância - Tribunal de Menores e Família de Lisboa - de modo singelo e conclusivo, tabelarmente, afirmou-se internacionalmente competente para julgar o processo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais do menor DB. O progenitor, discordando dessa decisão, interpôs o presente recurso, dizendo que corre termos em Espanha (Tribunal de Lucena) acção destinada à Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, semelhante a esta e, aí, é discutida a competência dos Tribunais de Espanha o que de acordo com o artº 19º nº 2 do Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27/11, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar deve suspender oficiosamente a instância, até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, considerando-se para o efeito, que o processo foi instaurado na data da apresentação ao tribunal do acto introdutório da instância ou equivalente. Que no caso, o processo para Regulação das Responsabilidades Parentais em Espanha foi instaurado a 25/08/2020 e os presentes autos iniciaram-se a 31/08/2020, pelo que, entende, o Tribunal de Lisboa não se podia considerar competente e devia ter suspendido oficiosamente a instância (artº 19º nº 2 do Regulamento (CE) nº 2201/2003), ou declarar-se incompetente em favor do Tribunal de Espanha que, entretanto, se considerou competente (artº 19º nº 3 do Regulamento (CE) 2201/2003). Por outro lado, quando se iniciou o processo, afirma, o menor residia habitualmente em Espanha, pelo que de acordo com o artº 8º do Regulamento (CE) nº 2201/2003, os Tribunais Espanhóis eram os competentes, não relevando a deslocação ilícita do menor para Portugal feita pela mãe em 25/08/2020 (artº 10º nº 1 do Regulamento (CE) 2201/2003). Será assim? É o que importa decidir. 3.2.1- Quadro Normativo Relevante. Antes de mais, vejamos o quadro normativo relevante para a decisão da questão. Assim, em primeira linha importa ter presente o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, alterado pelo Regulamento (CE) nº 2116/2004 do Conselho, de 2 de Dezembro de 2004 (também conhecido por Regulamento Bruxelas II bis, doravante Regulamento), relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria de responsabilidade parental, e que revogou o Regulamento (CE) nº 1347/2000. Pois bem, estabelece o artº 1º nº 1, al. b): “O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas (…) à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.” Por sua vez, o artº 8º, com epígrafe “Competência geral” determina: “1. Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal. 2. O n.º 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.º, 10.º e 12.º” O artº 9º, com epígrafe “Prolongamento da competência do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança”, diz: “1. Quando uma criança se desloca legalmente de um Estado-Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança mantêm a sua competência, em derrogação do artigo 8.º, durante um período de três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão, sobre o direito de visita proferida nesse Estado-Membro antes da deslocação da criança, desde que o titular do direito de visita, por força dessa decisão, continue a residir habitualmente no Estado-Membro da anterior residência habitual da criança. 2. O n.º 1 não é aplicável se o titular do direito de visita referido no n.º 1 tiver aceitado a competência dos tribunais do Estado-Membro da nova residência habitual da criança, participando no processo instaurado nesses tribunais, sem contestar a sua competência.” E o artº 10º, com epígrafe “Competência em caso de rapto da criança”, determina: “Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado-Membro e: a) Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar o seu consentimento à deslocação ou à retenção; ou b) A criança ter estado a residir nesse outro Estado-Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições: i) não ter sido apresentado, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, qualquer pedido de regresso desta às autoridades competentes do Estado-Membro para onde a criança foi deslocada ou se encontra retida, ii) o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter sido apresentado nenhum novo pedido dentro do prazo previsto na subalínea i), iii) o processo instaurado num tribunal do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas ter sido arquivado nos termos do n.º 7 do artigo 11.º, iv) os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas terem proferido uma decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança.” Por sua vez, o artº 12º estabelece uma derrogação da regra geral do artº 8º estabelecendo uma extensão da competência para decidir questões conexas resultantes de divórcio, separação ou anulação de casamento (o que no caso dos autos não interessa dado que requerente e requerido não são casados entre si). Importa ainda ter presente o artº 16º nº 1 al. a): “ Considera-se que o processo foi instaurado: a)Na data de apresentação ao tribunal do acto introdutório da instância, ou acto equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido;” Relevante é ainda o artº 19º com epígrafe “Litispendência e acções dependentes”, especialmente o seu número 2: “1. Quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes são instaurados em tribunais de Estados-Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar. 2. Quando são instauradas em tribunais de Estados-Membros diferentes acções relativas à responsabilidade parental em relação à uma criança, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar. 3. Quando estiver estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar declarar-se incompetente a favor daquele. Neste caso, o processo instaurado no segundo tribunal pode ser submetida pelo requerente à apreciação do tribunal em que a acção foi instaurada em primeiro lugar.” Finalmente, releva o artº 20º, com epígrafe “Medidas provisórias e cautelares”: “1. Em caso de urgência, o disposto no presente regulamento não impede que os tribunais de um Estado-Membro tomem as medidas provisórias ou cautelares relativas às pessoas ou bens presentes nesse Estado-Membro, e previstas na sua legislação, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer do mérito. 2. As medidas tomadas por força do n.º 1 deixam de ter efeito quando o tribunal do Estado-Membro competente quanto ao mérito ao abrigo do presente regulamento tiver tomado as medidas que considerar adequadas.” 3.2.2- A Excepção de Litispendência. Ora bem, feita esta resenha normativa relevante para a situação dos autos, a primeira questão que se impõe ser analisada é a de saber se, no caso dos autos estamos perante uma situação de litispendência nos termos estabelecidos no artº 19º nº 2 do Regulamento. Pois bem, a excepção de litispendência ocorre quando tenham sido instauradas acções relativas à responsabilidade parental em relação a uma criança, que tenham o mesmo pedido, a mesma causa de pedir, em tribunais de Estados-Membros diferentes (artº 19º nº 2, 1ª parte do Regulamento) e que digam respeito ao mérito da matéria de responsabilidade parental, isto é, ambas devem ter por objecto a definição, rectius, a fixação do regime das responsabilidades parentais. Dito de outro modo, “para que o mecanismo previsto no artigo 19º, nº 2, seja aplicável, os processos instaurados nos dois Estados-Membros devem ser ambos processos sobre o mérito em matéria de responsabilidade parental. Contudo, se o processo instaurado no primeiro Estado-Membro visar a aplicação de medidas provisórias e cautelares nos termos do artigo 20º, qualquer processo instaurado posteriormente noutro Estado-Membro que incida sobre a questão de mérito relativa à responsabilidade parental em relação à mesma criança não ficará sujeito ao disposto no artigo 19 º, n.º 2. O raciocínio subjacente é o de que, uma vez que as medidas provisórias não têm força executória nos outros Estados-Membros, não é possível haver conflito de decisões.” (Cf. Guia Prático para aplicação do Regulamento Bruxelas II-A, Comissão Europeia, ponto 3.4.2.- Processos diferentes relativos à mesma criança instaurados em dois Estados diferentes, pág. 39 e segs.). De resto, esta é a interpretação do TJUE expressa no acórdão de 15 de julho de 2010, Bianca Purrucker/Guillermo Valles Perez, no processo C-256, Colet., p. I 7353). No caso em apreço, contrariamente ao que o apelante invoca, o procedimento que instaurou, a 25/08/2020, no Tribunal de Lucena, não corresponde a uma acção sobre o mérito de matéria de responsabilidade parental, mas somente de Pedido de Medidas Provisórias Urgentes (Procedimento de Medidas Provisionales Previas del art. 771 LEC n.º 504/20) relativas ao pedido de guarda e custódia e pensão de alimentos, contra a requerente, relativos ao menor DB. A esta luz, face ao que dispõe o artº 20º do Regulamento, a declaração de competência (internacional) proferida a 29/03/2022 pelo Tribunal Provincial de Córdoba, 1ª Secção Civil - que revogou a decisão anterior proferida pelo Tribunal de Lucena que se havia declarado internacionalmente incompetente para apreciar as medidas provisórias requeridas pelo aqui requerido – decidindo que “…o Tribunal de Lucena tem jurisdição para julgar o presente processo”, apenas tem relevância para as Medidas Provisórias e Cautelares ali solicitadas e não para a decisão de mérito sobre a Regulação das Responsabilidades Parentais. Assim sendo, resta concluir que não ocorre a invocada excepção de litispendência nos termos do artº 19º nº 2 do Regulamento e, assim sendo, não há que suspender o presente processo nem, tão-pouco, há lugar à declaração de incompetência nos termos do artº 17º do Regulamento. 3.2.3- A Competência Internacional para a acção Regulação das Responsabilidades Parentais. Defende o apelante que quando se iniciou o processo, o menor residia habitualmente em Espanha, pelo que de acordo com o artº 8º do Regulamento (supra referido Regulamento Bruxelas II bis) os Tribunais Espanhóis eram os competentes, não relevando a deslocação ilícita do menor para Portugal feita pela mãe em 25/08/2020 (artº 10º nº 1 do Regulamento). Vejamos. Com se salientou, o artº 8º do Regulamento estabelece a regra geral de competência internacional entre os Estados-Membros, em matéria de responsabilidades parentais, elegendo o elemento de conexão a “residência habitual” da criança “à data em que o processo seja instaurado no tribunal”. Sucede, porém, que o Regulamento não define o conceito de “residência habitual”, pelo que o TJUE tem vindo a decidir, de modo uniforme, que não remetendo o regulamento expressamente para o direito interno dos Estados-Membros, a determinação daquele conceito há-de ser feita à luz das disposições e do objectivo do dito regulamento, nomeadamente do constante do seu considerando décimo segundo, daí ressaltando que “as regras de competência nele fixadas são definidas em função do superior interesse da criança, em particular do critério da proximidade”. No acórdão de 22/12/2010, o TJUE escreveu, “a fim de que este superior interesse da criança seja respeitado da melhor forma, o Tribunal de Justiça já declarou que o conceito de “residência habitual”, na acepção do artigo 8º nº 1 do Regulamento, corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar”. E “para determinar a residência habitual de uma criança, além da presença física desta num Estado-Membro, outros factores suplementares devem indicar que essa presença não tem carácter temporário ou ocasional”. Como factores suplementares podem considerar-se, nomeadamente, a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado-Membro e da mudança, a nacionalidade da criança, a idade e, bem assim, os laços familiares e sociais que a criança tiver no referido Estado. Releva ainda o acórdão do TJUE, de 2/9/2009 (C-523/07), no qual se definiu: “O conceito de «residência habitual», na aceção do artigo 8. °, n.º 1, do Regulamento n.º 2201/2003, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao local que revelar uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar. Para esse fim, devem ser tidas em consideração, nomeadamente a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado-Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade do menor, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais que o menor tiver no referido Estado. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional determinar a residência habitual do menor tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto.”; O acórdão do TJUE, de 22/12/2010 (C-497/10 PPU, Mercredi/Chaffe), que decidiu: “O conceito de «residência habitual», na aceção dos artigos 8. ° e 10. ° do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar. Para tanto, e quando está em causa a situação de uma criança em idade lactente que se encontra com a mãe apenas há alguns dias num Estado-Membro diferente do da sua residência habitual, para o qual foi deslocada, devem designadamente ser tidas em conta, por um lado, a duração, a regularidade, as condições e as razões da estada no território desse Estado-Membro e da mudança da mãe para o referido Estado e, por outro, em razão, designadamente, da idade da criança, as origens geográficas e familiares da mãe, bem como as relações familiares e sociais mantidas por esta e pela criança no mesmo Estado-Membro. Cabe ao órgão jurisdicional nacional fixar a residência habitual da criança tendo em conta todas as circunstâncias de facto específicas de cada caso. Na hipótese de a aplicação dos critérios acima referidos levar, no processo principal, a concluir que a residência habitual da criança não pode ser fixada, a determinação do tribunal competente deveria ser efetuada com base no critério da «presença da criança» na aceção do artigo 13.° do regulamento”. O acórdão do TJUE, de 28.6.2018 (C-512/17): “O artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que a residência habitual da criança, na aceção deste regulamento, corresponde ao lugar onde, na prática, se situa o centro da sua vida. Cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar onde se situava esse centro no momento em que foi apresentado o pedido respeitante à responsabilidade parental relativa à criança, com base num conjunto de elementos de facto concordantes.” Na jurisprudência nacional importa ter presente o acórdão desta Relação, de 12/07/2012 (Sérgio Almeida) que considerou: “…tendo em atenção a nota 12 daquele Regulamento, verificamos, porém, que o critério decisivo para a determinação da competência em sede de responsabilidade parental não é tanto a residência habitual mas sim a proximidade. Isto é, a residência habitual é uma decorrência ou manifestação da proximidade, enquanto critério aferidor, e não o contrário. E, portanto, se a maior proximidade do menor for a outra ordem jurídica, será o Tribunal desta o competente (artº 15), já que é o que melhor corresponde ao superior interesse na criança (nota 12), na medida em que é “o que se encontra mais bem colocado para conhecer do processo (artº 15). A noção de ligação particular da criança a um Estado é-nos dada pelo n.º 3 do art.º 15, podendo destacar-se (al. c.) a nacionalidade da criança (a menor nasceu em Portugal e é portuguesa) e (al. d) um dos titulares da responsabilidade parental residir no país. Ora, como se exarou no recente acórdão desta Relação de Lisboa de 27-03-2012, justifica-se que “o mérito de um processo seja julgado por tribunal do Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular, pois que prima facie estará ele melhor colocado/preparado para conhecer do processo. Ou seja, em sede de aferição da competência internacional do tribunal de um Estado-Membro para conhecer de uma acção de regulação do exercício do poder paternal, as regras comunitárias não devem ser aplicadas de uma forma mecânica, simplista, antes se impõe que a regra geral do nº 1, do artº 8º, seja aplicada sob reserva (como o refere o nº 2, do artº 8º), não olvidando nunca o superior interesse da criança e o critério da proximidade (ou como refere o artº 15º, o tribunal do Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular)”. Na doutrina nacional tem particular interesse o artigo de António José Fialho (A Competência Internacional dos Tribunais Portugueses em Matéria de Responsabilidade Parental, Julgar nº 37, Janeiro Abril de 2019, págs. 13 a 35), onde sintetiza: “O conceito de residência habitual da criança deve ser objeto de uma interpretação autónoma, em conformidade com os objetivos e finalidade dos instrumentos internacionais, a determinar com base num conjunto de circunstância de facto relevantes em cada caso concreto (teste de conexão), incumbindo ao órgão jurisdicional nacional determinar esse local. As circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto que a doutrina e a jurisprudência têm utilizado para determinar a residência habitual são as seguintes: a)-Presença da criança sem carácter temporário ou ocasional, revelando uma certa integração num ambiente social e familiar; b)-Presença física da criança num determinado Estado (embora essa mera presença não seja suficiente); c)-Duração, regularidade, condições e razões da permanência num Estado e da mudança da família para esse Estado; d)-Nacionalidade da criança, local e condições de escolaridade, conhecimentos linguísticos, bem como laços familiares e sociais nesse Estado; e)-Aquisição ou locação de uma habitação ou pedido de atribuição de uma habitação social; f)-Idade da criança, ou seja, os fatores a tomar em consideração no caso de uma criança em idade escolar são diferentes daqueles a que se deve atender tratando-se de uma criança que terminou os seus estudos ou ainda daqueles que dizem respeito a uma criança em idade lactente; g)-Sendo a criança de tenra idade, origens geográficas ou familiares da pessoa ou pessoas de referência com as quais a criança vive, a guardam efetivamente e dela cuidam; h)-Estando a criança em idade lactante, razões da mudança da mãe para outro Estado, seus conhecimentos linguísticos e suas origens geográficas e familiares; i)-Intenção dos progenitores, que, embora não seja, em princípio, decisiva para determinar a residência habitual de uma criança, pode constituir um indício suscetível de completar um conjunto de outros elementos concordantes, nomeadamente quando expressa em circunstâncias exteriores; j)-Propositura conjunta de uma ação por ambos os pais de uma criança num tribunal da sua escolha”. Também Ana Rita Oliveira Sousa Nogueira Lopes (O princípio do superior interesse da criança na regulamentação das responsabilidades parentais pela União Europeia, Universidade do Minho, 2017, págs. 59 e segs) menciona: “O conceito de residência habitual poderá ter de ser, como já referido, interpretado consoante o contexto do caso concreto em que se insira, levando-se a cabo uma interpretação sistemática. Para além do mais, deverá ter-se em conta os objetivos prosseguidos pelo Regulamento, devendo atender-se neste caso ao já referido considerando n.º 12, que manda atender ao superior interesse da criança orientado pelo critério da proximidade. Daqui decorre que o conceito de residência habitual deverá, a final, ser interpretado à luz do superior interesse da criança.” Pois bem, no caso dos autos, impõe-se ter presente que o menor DB nasceu a 16/02/2020, em Espanha, país em que viveu até 25/08/2020, altura em que a sua mãe o deslocou para Portugal, país onde pretendia passar a viver (face à ruptura da vida em comum com o pai da criança). A mãe da criança instaurou acção especial de Regulação das Responsabilidades Parentais, a 31/08/2020, ou seja, seis dias depois de ter mudado de residência para Portugal – já verificámos que a instauração, a 25/08/2020, pelo pai, no Tribunal de Lucena, Espanha, em 25/08/2020, de Medidas Provisórias Urgentes (Medidas Provisionales Previas del art. 771 LEC n.º 504/20) é irrelevante para efeitos de fixação da competência internacional. Poderá considerar-se que, em 31/08/2020, a “residência habitual” do menor era (já) em Portugal? Como vimos, o conceito de “residência habitual” deve ser interpretado à luz do superior interesse da criança. Ora, como mencionou o STJ, no acórdão de 08/09/2021, proferido no Proc. 6810/20.5T8ALM (relativo ao pedido de regresso do menor a Espanha) “Para uma criança com 16 meses de idade (à data do acórdão) ou 11 meses (à data da sentença), que privou permanentemente com a mãe, que assim se constituiu como figura efectiva de referência para a criança, a separação física operada pelo regresso a Espanha (que foi executada após prolação da sentença) só pode considerar-se uma violência, susceptível de afectar o equilíbrio psíquico dessa criança, constituindo uma situação intolerável (…)“O regresso da criança deve ser recusado nos casos em que a separação seja claramente mais prejudicial à criança do que a permanência com o progenitor que a deslocou ou reteve ilicitamente.” Concordamos com este entendimento do STJ. Na verdade, tem sido entendido (Cf. Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divócio, 7ª edição, revista aumentada e actualizada, 2021, pág. 76) “…ser mais conforme ao superior interesse da criança que seja confiada à pessoa que cuida dela no dia-a-dia, o chamado Primary Caretaker, ou figura primária de referência. Esta regra permite, por um lado, promover a continuidade da educação e das relações afectivas da criança e por outro lado, atribuir a guarda dos filhos ao progenitor com mais capacidade para cuidar destes e a quem estes estão ligados emocionalmente.” E continua esta autora “A continuidade na relação psicológica principal da criança é essencial para o seu bem-estar, principalmente, quando a estabilidade familiar se rompe com o divórcio ou com a separação dos pais.” (A, e ob. cit., pág. 77). Posto isto, percebe-se o porquê de o STJ ter revogado a decisão da 1ª instância e ter recusado o regresso da criança a Espanha (mesmo que, de facto, tenha ocorrido esse regresso por decisão da 1ª instância). Acrescente-se ainda que não é despicienda a aplicação do critério da preferência maternal para crianças de tenra idade, “…há razões científicas para que assim suceda, segundo as quais, uma gravidez de uma criança desejada não é um fenómeno apenas biológico, mas afectivo e relacional, como demonstram estudos citados no acórdão do Tribunal Constitucional nº 225/2018, que declarou inconstitucional algumas normas da Lei 25/2016, de 22 de agosto, que consagrou a gestão de substituição.” (Clara Sottomayor, Regulação do Exercício…cit., pág. 75). Finalmente, estatisticamente, “…são as mulheres que assumem a maior parte dos cuidados às crianças, sobretudo, sobretudo, quando estas são de baixa idade.” (A. e ob. cit., pág. cit.). Ora, considerando estes ensinamentos e tendo em conta que quando a progenitora instaurou este processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, (31/08/2020) a criança tinha, praticamente, apenas seis meses de vida (nasceu a 16/02/2020), sendo do seu superior interesse permanecer/viver junto da mãe, a qual passou a ter residência em Portugal, temos de concluir dever considerar-se que o menor, à data da instauração da acção, tinha residência em Portugal. Na verdade, relativamente a um bebé de 6 meses, não pode falar-se em "integração num ambiente social", regularidade de permanência num território, ou de laços sociais, ou de condições de escolaridade ou de conhecimentos linguísticos. Com seis meses de idade releva a ligação afectiva maternal. Aliás, recorde-se o acórdão do THUE de 22/10/2010 (C-497/10 - Mercredi/Chaffe) "... quando está em causa a situação de uma criança em idade lactente que se encontra com a mãe apenas há alguns dias num Estado-Membro diferente do da sua residência habitual, para o qual foi deslocada, devem designadamente ser tidas em conta, por um lado, a duração, a regularidade, as condições e as razões da estada no território desse Estado-Membro e da mudança da mãe para o referido Estado (...) Cabe ao órgão jurisdicional nacional fixar a residência habitual da criança tendo em conta todas as circunstâncias de facto específicas de cada caso. Na hipótese de a aplicação dos critérios acima referidos levar, no processo principal, a concluir que a residência habitual da criança não pode ser fixada, a determinação do tribunal competente deveria ser efetuada com base no critério da «presença da criança» na aceção do artigo 13.° do regulamento”. Por conseguinte, é nosso entendimento que o Tribunal de Família e Menores de Lisboa é competente internacionalmente para apreciar e julgar a presente Acção Especial de Regulação das Responsabilidades Parentais. 3.2.4- Irrelevância do regresso do menor a Lucena (Espanha) para efeitos de fixação da competência internacional do Tribunal de Lisboa. Uma última nota. A circunstância de o menor, DB, ter passado a viver com o progenitor, em Lucena, Espanha, desde 14/01/2021, na sequência da sentença proferida pelo Tribunal de Almada, no Proc. 6810/20.5T8ALMSTJ (relativo ao pedido de regresso do menor a Espanha, sentença essa posteriormente revogada pelo acórdão do STJ de 08/09/2021) em nada altera a conclusão a que chegámos de o Tribunal de Família e Menores de Lisboa ser internacionalmente competente para a apreciar e decidir esta acção especial de Regulação das Responsabilidades Parentais relativas ao menor DB. Na verdade a atribuição da competência internacional ao tribunal do Estado-Membro em questões relativas a matéria de Responsabilidade Parental fixa-se, de acordo com o artº 16º nº 1, al. a), primeira parte, no momento em que é instaurada a acção, concretamente, “Na data de apresentação ao tribunal do acto introdutório da instância…”. (Cf., entre outros, os acórdãos do TJUE, de 01/10/2014 (Proc. C-436/13), de 06/10/2015 (Proc. C-489/14), de 15/112017 (Proc. C-499/15)). Ora, esta fixação da competência internacional no momento em que o processo é instaurado, expressa uma regra semelhante à do direito interno (perpetuatio fori), prevista no artº 38º nº 1 da Lei 62/2013, de 28/08 (LOSJ) que determina que a competência de um determinado tribunal se “…fixa no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente…” e, como sucede, de resto, no artº 9º nº1 da Lei 141/2015, de 08/09 (RGPTC) e artº 79º nº 1 da Lei 147/99, de 01/09 (LPCJP). Portanto, atribui-se “…a competência ao tribunal da residência da criança no momento em que o processo é instaurado….” (Cf. José Fialho, A Competência Internacional…, cit., pág. 22). Por conseguinte, no caso dos autos, a competência internacional do Tribunal de Família e Menores de Lisboa fixou-se na data da instauração da acção especial para Regulação das Responsabilidades Parentais relativas ao menor DB, a 31/08/2020. Em suma, o recurso improcede. * III-DECISÃO. Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão da primeira instância que considerou internacionalmente competente o Tribunal de Família e Menores de Lisboa para apreciar e julgar o presente processo especial de Regulação das Responsabilidades Parentais relativamente ao menor DB. Custas no recurso, pelo apelante. Lisboa, 15/09/2022 Adeodato Brotas Vera Antunes Teresa Soares |