Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4704/18.3T8LSB.L1-1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
REGISTO
SOCIEDADES COMERCIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I.– O registo da prestação de contas ao abrigo do regime previsto no Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17/01 (IES), não desonera a gerência das sociedades por quotas da obrigação de apresentar contas no final de cada exercício, convocando para o efeito uma assembleia geral.

II.– Compete à sociedade demandada em inquérito judicial demonstrar que no final de cada exercício apresentou as respetivas contas, sob pena do inquérito prosseguir nos termos previstos no artigo 76.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais.

Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


Ação: Inquérito Judicial intentada ao abrigo do artigo 67.º do Código das Sociedades Comerciais.
AUTOR: – Adelino…
RÉ: – P… Cal Garrido, LD.ª

Pedido
Que seja fixado um prazo à gerência da sociedade ré para a apresentação dos documentos de prestação de contas em falta, ao abrigo do artigo 67.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (doravante, CSC).

Causa de pedir
A ré é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, cujo capital social se encontra dividi em duas quotas, uma na titularidade do autor; a outra na titularidade de Veríssimo…[1], que exerce as funções de gerente único da sociedade.
A sociedade ré não prestou contas relativas aos exercícios de 2013, 2014, 2015 e 2016, encontrando-se ultrapassado o prazo legal para a apresentação de contas.
O autor não foi convocado para qualquer assembleia geral anual destinada à apreciação do relatório de gestão, das contas e dos demais documentos referentes à prestação de contas daqueles exercícios.
Interpelou mais de uma vez a gerência para que as contas fossem prestadas, mas sem êxito.

Contestação
A ré apresentou contestação onde alegou que as contas dos exercícios de 2013 e 2014 não se encontravam registadas, mas que já procedeu ao registo.
Mais alegou que as contas dos exercícios dos anos em causa (2013-2016) foram elaboradas e submetidas nos termos da IES – Informação Empresarial Simplificada - na plataforma informática do Portal das Finanças como documentado na certidão permanente de registos que juntou com a contestação.
Defende, assim, que deve ser extinta a instância por se ter atingido o objeto dos presentes autos.

Sentença
Em 10/06/2018 foi proferida sentença que decidiu:
«a)– Julgar procedente a excepção dilatória inominada de
impossibilidade originária da lide e, em consequência, absolve-se a ré do pedido de prestação de contas referente aos anos de 2015 e 2016;
b)– Declarar extinta a instância quanto ao pedido de prestação de constas de 2013 e 2014 por
inutilidade superveniente da lide.»

Recurso
Inconformado, apelou o autor.
Não foi apresentada resposta ao recurso.
O recurso foi admitido por despacho proferido em 30/11/2018.

Conclusões da apelação:
«i)-  O presente recurso é interposto da sentença que absolveu da instância a Ré, por impossibilidade originária da lide - quanto a uma parte do pedido - e por inutilidade superveniente da lide - quanto a outra parte do pedido - em acção especial de inquérito à sociedade Ré, por incumprimento do dever de relato da gestão e, prestação de contas por parte da Gerência da ré, relativo ao exercícios de 2013, 2014, 2015 e, 2016, conforme previsto pelo artigo 65.º do C.S.C..
ii)- Salvo o devido respeito por opiniões diferentes, é entendimento do Autor não se conformar com tal decisão porquanto a sentença condenatória assenta em erro patente de julgamento e de percepção da realidade fáctica e jurídica subjacentes ao seu proferimento.
iii)- A recorrente considera que o Tribunal a quo efectuou uma aplicação errónea do direito à matéria de facto trazida aos autos, resultando numa decisão formalista que não cuidou de apreciar a questão trazido a juízo.
Uma vez que;
iv)- De facto, e como ficou patente do tramitado nos autos, sem impugnação da Ré, não foi o A. convocado, enquanto sócio da sociedade Ré, para comparecer em qualquer reunião da assembleia geral da Ré, para aprovação de contas dos anos em apreço.
v)- Aliás, não houve sequer lugar a qualquer reunião da assembleia geral da sociedade ré, convocada para esse fito.
vi)- Mostrando-se omitido o cumprimento do dever legal que a esse respeito impende sobre os Gerentes da sociedade.
vii)- E ao mesmo tempo violados os direitos societários do Autor.
viii)- Destarte nenhum acto conducente à idónea aprovação de contas foi empreendido.
ix)- Logo, as contas referentes aos exercícios em causa são de todo inexistentes.
x)- Não tendo os referidos documentos sido apresentados nos prazos fixados pelos artigos 65.º, n.º 5 e 67.º do Código das Sociedades Comerciais.
xi)- Aliás, no seu articulado a sociedade Ré, não logra em demonstrar, nem em rigor enuncia, factualiza ou sequer alega, que adoptou o procedimento legal de aprovação de contas que o A. diz, ab initio, preterido.
xii)- Assim, confessando que de facto não convocou o sócio Autor para qualquer reunião da assembleia geral de aprovação de contas, e que ademais, estas reuniões nem tampouco tiveram lugar.
xiii)- Apenas aduzindo aos autos, alegações atinentes à mera apresentação de documentos contabilístico-fiscais por parte do contabilista da sociedade Ré.
xiv)- Não podendo, os documentos unilateralmente depositados pela sociedade Ré junto das autoridades registrais e/ou fiscais configurar, strictu sensu, prestação de contas, conforme ao previsto pela lei.
xv)- De contrário, considerando-se que a mera apresentação e depósito de documentos contabilísticos junto das Autoridades Fiscais e/ou Registrais, preenche a definição inter-sócios de 'contas', seria derrogar o próprio Código das Sociedades Comerciais.
xvi)- E bem assim, esvaziar a figura legal de 'sócio', o qual passaria a ser inclusivamente dispensável na aprovação de contas da sociedade em que detém quinhão.
xvii)- E nessa hipótese - se a intenção declarada do Tribunal a quo se efectivar e se vier a fazer jurisprudência - bastando-se a obrigação de apresentação de contas com a mera declaração unilateral dos gerentes ou dos contabilistas.
xviii)- Numa palavra, considerando o dever de apresentação de contas como uma mera obrigação fiscal, desprovida a montante de qualquer senso de obrigação societária.

Deste modo;
xix)- Transparece a sentença recorrida total desconhecimento sobre o actualmente informatizado e virtual procedimento que conduz ao surgimento da tal "menção de depósito de contas" oriundo da feitura do IES, junto do "Portal das Finanças".
xx)- Tomando, pois, como sólido que se tal menção existe em inscrição informática, deve significar, inilidivelmente, que os documentos de suporte (entre os quais o relato de gestão, as convocatórias e as actas das reuniões de Assembleia Geral) existem.
xxi)- Cuidando de achar que os mesmos continuam a estar depositados na Conservatória do Registo Comercial, como outrora, intuindo que o autor deveria ter feito uma consulta presencial.
xxii)- Ademais, não atribui qualquer valoração à confissão ínsita em sede de contestação por parte da Ré de que, de facto, nenhuma convocatória foi efectuada nos anos em causa, nem, máxime qualquer Reunião de Assembleia Geral de aprovação de contas.
xxiii)- Revelando laborar em duplo erro, ambos grosseiros.
xxiv)- Assim decidindo, o Tribunal a quo, desconsidera in totum os interesses do sócio, Autor em ver relatada e mensurada a gestão que foi feita dos seus interesses.
xxv)- A qual não se basta com a mera indicação de que existirá um depósito feito unilateralmente pelo contabilista da sociedade Ré, a que impropriamente se chama de "contas".
xxvi)- As quais só perante apresentação aos sócios e em sede de Assembleia Geral, podem, de jure, adquirem o epíteto de contas, no verdadeiro sentido jurídico da palavra.
xxvii)-Devendo ademais ser acompanhadas da apresentação dos documentos de suporte das mesmas e seus relatórios de gestão, nos termos definidos nos artigos 65.º a 67.º do Códigos das Sociedade Comerciais.
xxviii)- Ora, nenhum destes pontos se encontra esclarecido.
xxix)- Tendo sido sempre recusado e omitido o seu esclarecimento por parte da gerência da recorrida, quando interpelada pelo Autor.
xxx)- Pelo que se mantém o interesse legítimo do Autor, sócio da Ré, de obter o inquérito à sociedade, e assim efectivar os seus direitos societários legalmente consagrados.
xxxi)- Devendo por isso ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que ordene a realização de inquérito requerido.
Mostram-se violados e indevidamente aplicados na decisão em recurso, o ditame de artigos 987º, 1048º do Código de Processo Civil, e 65.º a 67.º do Código das Sociedade Comerciais.»

II–FUNDAMENTAÇÃO

A–Objeto do Recurso

O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consiste em saber se deve ser fixado um prazo para a gerência da ré apresentar os documentos da prestação de contas dos exercícios dos anos de 2013 a 2016.

B–De Facto

A 1.ª instância emitiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
«Está provado nos autos, com relevância para a decisão a proferir, e com base na certidão do registo comercial da ré, junta aos autos com a contestação, o seguinte:
1.– A ré é uma sociedade por quotas, com o capital social de € 10.000,00;
2.– As contas da ré referentes ao exercício de 2015 foram registadas na conservatória do registo comercial em 22/08/2016.
3.– As contas da ré referentes ao exercício de 2016 foram registadas na conservatória do registo comercial em 22/06/2017.
4.– As contas da ré referentes aos exercícios de 2013 e de 2014 foram registadas na conservatória do registo comercial em 5/04/2018.»

C–De Direito

A questão que o recurso coloca é se deve ser fixado um prazo para a gerência da ré apresentar as contas dos exercícios dos anos de 2013 a 2016.

A sentença recorrida entendeu que depósito das contas na conservatória do registo comercial tornou inútil o pedido de inquérito judicial previsto no artigo 67.º do CSC, porquanto (i) o pedido de inquérito visa obter a fixação de um prazo para a prestação de contas e não apurar se as mesmas foram ou não prestadas validamente; (ii) a falta de convocação da assembleia para aprovação de contas pode ser fundamento para a ação de  declaração de nulidade ou inexistência das deliberações de aprovação das contas, mas não constituiu fundamento para o inquérito judicial; (iii) do mesmo modo a validade do registo também não se enquadra no objeto do inquérito judicial; (iv) e, finalmente, nada alegou o autor quanto a ter sido impedido de consultar os documentos na sede da ré ou que os tenha tentado consultar na conservatória e se tenha deparado com a sua inexistência, sendo que o inquérito judicial também não é o meio processual próprio para requerer a apresentação de documentos referentes à prestação de contas.

Discorda o apelante pelas razões que constam das conclusões de recurso, alegando, em suma, que a sentença incorreu em erro de julgamento ao não destrinçar entre o dever de apresentação de contas previsto nos artigos 65.º, n.º 5 e 67.º do CSC e o depósito de contas nos termos das regras da IES.

Ademais, acrescenta o apelante, o tribunal a quo não valorou a confissão da ré ínsita na contestação quanto à inexistência de convocatória para realização de assembleias gerais de aprovação de contas dos exercícios em causa nestes autos.

Vejamos, então.

Nas sociedades por quotas os órgãos de administração, no caso, os gerentes, encontram-se sujeitos ao dever de relatar a gestão e apresentar contas como decorre dos artigos 65.º a 70.º e 263.º, do CSC.

O dever de relatar a gestão e apresentar contas encontra-se sujeito a prazo.

Para as sociedades por quotas que não se enquadrem na parte final do n.º 5 do artigo 65.º do CSC – como parece ser o caso da sociedade ré – o prazo aplicável corresponde a três meses a contar da data do encerramento de cada exercício anual (1.ª parte do referido n.º 5 do artigo 65.º do CSC).

Assim, impende sobre a sociedade, através do seu gerente ou gerentes, o dever de convocar a assembleia geral com vista  à apresentação e aprovação das contas do exercício anual, apresentando o relatório de gestão e dos documentos de prestação de contas exigidos por lei (artigos 248.º, n.ºs 1 e 3, 259.º, 263.º, n.º 1 e 5, e 248.º, n.º 3, do CSC).

Por sua vez, compete aos sócios aprovar o relatório de gestão e as contas do exercício respetivo (artigo 246.º, n.º 1, alínea e), do CSC).

Os documentos que devem ser apresentados correspondem aos mencionados no artigo 65.º, n.º 1, do CSC, ou seja, o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas previstos na lei, que podem variar conforme as normas contabilísticas a que a sociedade comercial esteja sujeita, nomeadamente as regras constantes do SNC – Sistema de Normalização Contabilística (cfr. Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13/07, alterado pelo Decreto-lei n.º 98/2015, de 02/06).

Assim, o dever de prestar contas é correlativo do direito dos sócios a essa prestação de contas, independentemente dos direitos dos mesmos à informação ou consulta dos documentos societários (cfr. artigos 21.º, n.º1, alínea c), 214.º e 263.º, n.º 1, do CSC).

A falta de apresentação de contas (não da aprovação[2]) pelo órgão de gestão competente, nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 5 do artigo 65.º do CSC, confere a qualquer sócio o direito de requerer ao tribunal que se proceda a inquérito com vista a ser fixado um prazo adequado, segundo as circunstâncias, para que as contas sejam apresentadas (artigo 67.º, n.º 1 e 2, do CSC).

Esse inquérito judicial à sociedade segue os termos previstos no artigo 67.º do CSC ex vi do artigo 1048.º, n.º 3, do CPC.

Como decorre do artigo 70.º do CSC encontra-se a informação respeitante à prestação de contas sujeita a registo comercial nos termos da lei respetiva, ou seja, do Cód. de Registo Comercial.

Assim, visando-se dar publicidade à situação jurídica da sociedade comercial decorrente da prestação de contas e tendo em vista a segurança do comércio jurídico (artigo 1.º, n.º 1, do Cód. Registo Comercial), estipulam os artigos 3.º, n.º 1, alínea n), 15.º e 42.º do Cód. Registo Comercial que está sujeito a registo obrigatório a prestação de contas das sociedades por quotas.

O registo da prestação de contas consiste no depósito, por transmissão eletrónica de dados  de acordo os modelos oficiais previstos em legislação especial, da informação constante dos documentos referidos no artigo 42.º, n.º 1, alíneas a) a d), do Cód. Registo Comercial (cfr. artigo 53.º-A, n.ºs 3 e 5, alínea a), do Cód. do Registo Comercial).

A transmissão eletrónica de dados supra referida é realizada nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17/01, e alterações subsequentes[3], que criou a Informação Empresarial Simplificada (IES), a qual agrega num único ato o cumprimento de quatro obrigações legais, a saber: a entrega da declaração anual de informação contabilística e fiscal, o registo da prestação de contas, a prestação de informação de natureza estatística ao Instituto Nacional de Estatística (INE) e a prestação de informação relativa a dados contabilísticos anuais para fins estatísticos ao Banco de Portugal.

O pedido de registo da prestação de contas é, assim, feito por via eletrónica de forma totalmente desmaterializada através do envio da IES, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17/01 (cfr. artigo 13.º-A, da Portaria n.º 1416-A/2006, de 19/12, aditado pela Portaria n.º 562/2007, de 30/04).

Significa isto que as sociedades não têm de entregar na conservatória do registo comercial os documentos respeitantes às suas contas anuais, bastando que preencham os campos específicos para preenchimento e entrega automática que condensam a informação respeitante aos documentos previstos no artigo 42.º do Cód. do Registo Comercial (cfr. Portaria 208/2006, de 16/02).

Porém, as sociedades têm de disponibilizar aos interessados, sem encargos, no seu sítio na Internet (quando exista) e na sua sede, uma cópia integral do relatório de gestão, uma cópia da certificação legal das contas e do parecer do órgão de fiscalização quando existam (artigo 70.º, n.º 2, do CSC).

Para além disso, a informação relativa à prestação de contas é arquivada eletronicamente e pode ser acedida através da base de dados das contas anuais (BDCA) prevista no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17/01, mediante o pagamento de uma taxa (cfr. artigos 13.º-F a 13.º-J, da Portaria n.º 1414-A/2006, de 19/12, aditados pelas Portaria n.º 562/2007, de 30/04, e Portaria n.º 358/2015, de 14/10).

Sintetizado o regime legal que rege a prestação de contas das sociedades por quotas e o registo da informação daquela prestação, saí evidenciado que, por um lado, existe a obrigação legal dos gerentes da sociedades apresentarem anualmente as contas do respetivo exercício, convocando para o efeito a respetiva assembleia geral, na qual os sócios se pronunciam sobre as contas apresentadas e as aprovam, ou não; e, por outro lado, existe a obrigação de registar obrigatoriamente a informação sobre a prestação de contas nos moldes previstos no Decreto-Lei n.º 8/2007 (ISE), a realizar eletronicamente e de forma desmaterializada.

Ora a obrigação de comunicação da informação económico-financeira através da ISE e o correlativo registo obrigatório da prestação de contas não suprime a obrigação da sociedade apresentar anualmente as contas do exercício, aos seus sócios, nos moldes previstos no CSC, com vista à sua aprovação.

É evidente que compreendendo a IES a informação sobre a prestação de contas pressupõe que as mesmas tenham sido apresentadas e aprovadas antes. Aliás, os formulários relativos à IES são entregues eletronicamente ao Ministério das Finanças até ao 15.º dia do 7.º mês posterior à data do termo do exercício económico, independentemente de esse dia ser útil ou não útil (artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17/01, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 292/2009, de 13/10), ou seja, em data posterior ao prazo para a apresentação de contas previsto no artigo 65.º, n.º 5, do CSC.

Ora, tendo a ré documentado nos autos o registo da prestação de contas nos termos do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17/01, como decorre da certidão do registo comercial junta com a contestação, onde consta expressamente a menção ao dito diploma (cfr. fls.31-33v) é de concluir que cumpriu a obrigação de comunicação da informação económico-financeira através da ISE e o correlativo registo obrigatório da prestação de contas.

Porém, não resulta dos autos que tenha dado cumprimento àquela outra obrigação de apresentação de contas nos termos previstos no CSC, nos moldes supra referidos.

Na verdade, na contestação a ré nada menciona sobre o cumprimento dessa obrigação, ou seja, que convocou as respetivas assembleias gerais para apresentar as contas dos exercícios dos anos de 2013 a 2016. Aliás, na verdade, nem sequer impugnou o alegado pelo autor no artigo 12.º da petição inicial e documentos de suporte ao alegado (n.ºs 3 e 4 – cfr. fls. 11v-14), ou seja, que o autor interpelou a gerência da ré para que fossem prestadas as contas dos exercícios findos desde o ano de 2011.

Encontrando-se à data da instauração do presente inquérito judicial decorrido o prazo para a apresentação de contas dos exercícios de 2013 a 2016 (cfr. artigo 65.º, n.º 5, do CSC), assiste ao autor, na qualidade de sócio da sociedade ré, o direito de requerer ao tribunal que se proceda a inquérito com vista à fixação de prazo adequado para que sejam apresentadas as contas daqueles exercícios, nos termos consignados no artigo 67.º, n.º 1 e 2, do CSC.

Resultando, assim, do exposto que os fundamentos exarados na decisão recorrida não podem ser corroborados, porquanto o registo da prestação de contas ao abrigo do regime previsto no Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17/01 não desonera a gerência da ré da obrigação de apresentar contas no final de cada exercício, convocando para o efeito uma assembleia geral.

Competia à ré demonstrar nestes autos que tinha prestado contas nesses termos, pelo que, não o tendo demonstrado, cabe ao tribunal a quo dar cumprimento ao artigo 76.º, n.º 2, do CSC.

Em face do exposto, procede a apelação.

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da apelada (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III–DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que dê cumprimento ao disposto no artigo 67.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais.
Custas nos termos sobreditos.


Lisboa, 18 de junho de 2019



(Maria Adelaide Domingos – Relatora)
(Ana Isabel Mascarenhas Pessoa – 1.ª Adjunta)
(Eurico José Marques dos Reis – 2.º Adjunto)



[1]Este sócio e gerente também foi demandado na ação, mas  a petição inicial foi indeferida liminarmente em relação ao mesmo por ser parte ilegítima. Cfr. despacho proferido em 21/03/2018 (ref.ª 374781876).
[2]Cfr., Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, coord. COUTINHO DE ABREU, Almedina, 2.ª ed., p. 855.
[3]Que constam do DL n.º 116/2008, de 04/07, do DL n.º 292/2009, de 13/10, do DL n.º 209/2012, de 19/09, do DL n.º 10/2015 de 16/01 e do DL n.º 89/2017, de 21/08.