Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2199/22.6T8LRS-A.L1-7
Relator: DIOGO RAVARA
Descritores: ACEITAÇÃO DE HERANÇA
ACÇÃO SUB-ROGATÓRIA
ACÇÃO EXECUTIVA PENDENTE
COMPETÊNCIA
JUÍZO DE EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. A ação subrogatória de aceitação de herança, prevista no art.º 1041º do Código de Processo Civil e destinada ao exercício da faculdade consagrada no art.º 2067º do Código Civil é uma ação declarativa que deve seguir a forma de processo comum de declaração.
II. Na pendência de ação executiva, tendo o executado renunciado a uma herança, pode o exequente deduzir ação de sub-rogação contra os herdeiros, por apenso aos autos de execução.
III. Nas circunstâncias referidas em II., o Juízo de Execução é competente, em razão da matéria, para tramitar e julgar a ação sub-rogatória – arts. 91º do CPC e 129º, nº 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: 1. Relatório
A  [ – … Mútua, S.A ] intentou ação declarativa constitutiva subrogatória de aceitação de herança contra  B, C [… Canalizações, Unipessoal, Lda ], e D  
Tal ação foi intentada por apenso à execução para pagamento de quantia certa que a autora havia intentado contra os réus C e D, e que corre termos no Juízo de Execução de Loures sob o nº 2199/22.6T8LRS-A.L1.
Na petição inicial, a autora expôs o seguinte:
“1.
O Requerente é dono e legítimo portador de duas livranças emitidas 25/11/2021 e vencidas a 06/12/2022, no valor de €15.296,28 e €16.497,79, subscritas pela sociedade C e avalizadas por B, aqui Requeridos.
2.
Apresentadas a pagamento, as mesmas não foram pagas na data de vencimento nem até ao presente, motivo pelo qual a ora Requerente as apresentou como título executivo nos autos aos quais a presente corre por apenso.
3.
Até à presente data, mantém-se integralmente em divida o valor de capital titulado pelas livranças, bem como os juros de mora vencidos, calculados à taxa legal de 4% ao ano, e respectivo imposto do selo, que ascendem, a 26/09/2023, a €2.387,99.
4.
É a Requerente credora também dos Requeridos Executados do imposto do selo suportado com o preenchimento das livranças, no valor de €158,97.
5.
Ascende, como tal, o crédito do Requerente, à presente data, ao montante de €34.341,03, ao qual acrescerão os juros vincendos até efectivo e integral pagamento.
Posto isto,
6.
Nos autos de acção executiva aos quais os presentes correm por apenso, foi nomeado à penhora o direito ao quinhão hereditário, pertencente ao executado B, referentes à herança aberta pelo óbito de sua mãe RH (herança com o NIF …),
7.
Da qual é beneficiária, além do Executado, a aqui Requerida D.
8.
O Ilustre Agente de Execução efectuou a notificação à co-herdeira, nos termos do art.º 781 nº 1 do C.P.C., a 15/04/2023, conforme expediente junto aos autos que aqui se dá por reproduzido.
9.
Por escrito da ora Requerida dirigido ao Ilustre Agente de Execução, e notificado ao Exequente a 05/05/2023, constatou-se que por escritura pública datada de 24/05/2018, o Executado PC repudiou a herança aberta por óbito de sua mãe, RH.
10.
Declarou não ter descendentes.
11.
Apenas pela notificação que lhe foi dirigida pelo Ilustre Agente de Execução a 05/05/2023 a Exequente, ora Requerente, tomou conhecimento do repúdio.
12.
Até à presente data, não logrou efectuar-se a penhora de qualquer bem, direito ou rendimento dos Executados nos autos principais,
13.
Uma vez que estes não são proprietário de bens imóveis, móveis sujeitos a registo, saldos de contas bancárias, rendimentos do trabalho ou outros, conforme pesquisas patrimoniais efectuadas pela Ilustre Agente de Execução, já juntas aos autos principais e que, por economia processual, aqui se dão por reproduzidas.
Ora,
14.
Dispõe o artigo 2067.º do Código Civil (CC), com a epígrafe Sub-rogação dos credores: 1. Os credores do repudiante podem aceitar a herança em nome dele, nos termos dos artigos 606.º e seguintes.
2. A aceitação deve efectuar-se no prazo de seis meses, a contar do conhecimento do repúdio.
3. Pagos os credores do repudiante, o remanescente da herança não aproveita a este, mas aos herdeiros imediatos.
15.
Nos termos do disposto no artigo 606.º do CC, para o qual remete o regime anteriormente enunciado, «sempre que o devedor o não faça, tem o credor a faculdade de exercer, contra terceiro, os direitos de conteúdo patrimonial que competem àquele, excepto se, por sua própria natureza ou disposição da lei, só puderem ser exercidos pelo respectivo titular» (n.º1). «A sub-rogação, porém, só é permitida quando seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor» (n.º 2).
16.
Por seu turno, estabelece o artigo 2039.º do mesmo diploma, que «[d]á-se a representação sucessória, quando a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário a ocupar a posição daquele que não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado».
17.
Relativamente à “aceitação da herança”, a qual pode ser expressa ou tácita (artigo 2056.º do CC), prevê o artigo 2050.º, n.º 1 do CC que o domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, independentemente da sua apreensão material, esclarecendo o n.º 2 que os efeitos da aceitação retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão.
18.
Já o “repúdio da herança”, contrariamente à aceitação, constitui um ato formal, o qual está sujeito à forma exigida para a alienação da herança (artigo 2063.º do CC). Trata-se de um ato irrevogável (artigo 2066.º do CC), que tem também como efeito essencial o da retroação ao momento da abertura da sucessão, considerando-se como não chamado o sucessível que a repudia, salvo para efeitos de representação (artigo 2062.º do CC).
19.
Por último, estabelece o artigo 1041.º do CPC, com a epígrafe Ação sub-rogatória, que a aceitação da herança por parte dos credores do repudiante faz-se na ação em que, pelos meios próprios, os aceitantes deduzam o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio (n.º 1). Obtida sentença favorável, os credores podem executá-la contra a herança (n.º 2).
20.
Da conjugação dos enunciados preceitos legais resulta, no essencial, que a enunciada aceitação da herança pelos credores do repudiante configura um meio de tutela de direito comum de garantia dos credores, consubstanciado na designada ação sub-rogatória. 
21.
Assim, tal como salienta o Ac. TRG de 11-01-2006 (relatora: Maria Rosa Tching), « desde que o repúdio da herança prejudique um credor ou credores, ou seja, desde que não existam, no património do devedor/repudiante, bens suficientes para o pagamento dos seus débitos, podem os credores deduzir o pedido dos seus créditos, através de uma acção em que farão a aceitação da herança que fora anteriormente repudiada e que constituirá título executivo.
22.
É, como tal, legítimo à credora, ora Requerente, a aceitação da herança em nome do Requerido repudiante,
23.
Bem como a posterior penhora dos bens e direitos integrantes da herança, até satisfação integral do seu crédito.”
Terminou pedindo que:
“a. Os Requeridos sejam condenados a reconhecerem o crédito do autor sobre o primeiro Requerido no montante de €34.341,03, e ainda o seu pagamento acrescido dos respetivos juros moratórios até efectivo e integral pagamento;
b. Seja declarada e os Requeridos reconhecerem o direito da Requerente de aceitar a herança repudiada pelo primeiro Requerido, ficando sub-rogada na posição deste, nos termos do art.º 2067º do Código Civil e do art.º 1041º do Código de Processo Civil;
c. Seja declarado o direito da Requerente, como credora do primeiro Requerido, a executar e indicar à penhora, por força do repúdio da herança pelo primeiro Requerido, por óbito de sua mãe RH, de todos os bens ou direitos que compõe tal herança, em consequência do repúdio da herança por parte do primeiro Requerido;”
Aberta conclusão, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Por apenso aos autos de execução, veio o exequente A instaurar ação sub-rogatória contra B e C, ambos executados nos autos e contra D. Alegou, em suma, que nomeou à penhora o direito ao quinhão hereditário do executado B na herança aberta por óbito da mãe; a co-herdeira D foi notificada nos termos do disposto no artigo 781º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tendo vindo declarar que o executado repudiou a herança; pretende a exequente a aceitação da herança em nome do executado repudiante.
Apreciando.
De acordo com o disposto no artigo 65º do Código de Processo Civil «As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada.».
Os juízos de execução são juízos de competência especializada – cfr. artigo 81º, n.º 3, alínea j), da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (na versão dada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro).
Preceitua o artigo 129º da Lei da Organização do Sistema Judiciário que:
«1 - Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal da propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas em processos de natureza criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível. 
3 - Para a execução das decisões proferidas pelo juízo central cível é competente o juízo de execução Incidente por Apenso que seria competente se a causa não fosse da competência daquele juízo em razão do valor.».
 Conforme resulta deste normativo legal, os juízos de execução têm competência para a tramitação dos processos de execução de natureza cível, que não sejam excluídos por lei.
 Os juízos de execução terão ainda competência para a tramitação dos incidentes da ação executiva – cfr. artigo 91º do Código de Processo Civil.
 A ação sub-rogatória não constitui incidente do processo executivo, mas sim uma ação autónoma, que segue a forma do processo comum de declaração (cfr. artigos 10º, 546º, 548º e 1041º, todos do Código de Processo Civil) – veja-se ainda Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina, Maio, 2020, p. 484.
A competência dos juízos de execução não abrange ações declarativas.
O tribunal competente para a tramitação e apreciação desta ação não é o juízo de execução, o qual carece de competência material para a sua apreciação, mas sim a secção cível.  
A infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do Tribunal, a qual constitui uma exceção dilatória, que é de conhecimento oficioso, pode ser conhecida nesta fase do processo e, neste caso, implica o indeferimento liminar da petição inicial – cfr. artigos 96º, alínea a), 97º, n.ºs 1 e 2, 99º, n.º 1, 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, alínea a), todos do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, julga-se verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da matéria e, em consequência, indefere-se liminarmente a petição inicial. 
Custas pelo autor (cfr. artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Valor da causa: o indicado pelo autor.
Registe e notifique, incluindo ao Ministério Público (cfr. artigo 252º do Código de Processo Civil).
Comunique.”
Inconformada, a autora interpôs o presente recurso de apelação, cuja motivação sintetizou nas seguintes conclusões:
“(…) 
L. Tem vindo a ser entendimento da jurisprudência que a acção de sub-rogação pode ser apresentada na pendência de acção executiva contra o repudiante.
M. Veja-se, a propósito, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06/10/2005, processo n.º 44/05-3, disponível em www.dgsi.pt, que, em situação semelhante à dos presentes autos, sumaria:
– O repúdio da herança é um negócio jurídico unilateral, não receptício, incondicional, não sujeito a termo, irrevogável e cujos efeitos se retroagem ao momento da abertura da sucessão.
– Na pendência duma acção executiva, tendo o executado renunciado a uma herança, pode o exequente deduzir a respectiva acção de sub-rogação contra os herdeiros.
N. Sendo um dos pressupostos da acção sub-rogatória a inexistência de outros bens ou direitos que permitam acautelar o pagamento do crédito, é manifesto que a prova de tal facto se fará com poupança de tempo e recursos se a acção subrogatória correr por apenso aos autos executivos.
O. Nos termos do artigo 91.º do CPC, os juízos de execução terão ainda competência para a tramitação dos incidentes da ação executiva.
P. Um “incidente de instância” será, em termos processuais, toda e qualquer questão que pode ser levantada pelo Autor ou pelo Réu, e que altera ou é susceptível de alterar a normal marcha do processo. Os incidentes da instância traduzem-se em relações processuais secundárias, intercorrentes no processo principal, de caráter episódico ou eventual, que se destinam a prover, em regra, sobre questões acessórias, nomeadamente respeitantes ao preenchimento ou à modificação de alguns dos elementos da instância em que se inserem.
Q. No caso concreto, é manifesto que a questão suscitada tem conexão relevante com a instância executiva, uma vez que pretende fazer-se prova do crédito exequendo, da impossibilidade da sua cobrança coerciva, da existência da herança e do seu repúdio,
R. Todos estes factos decorrem de actos já praticados na ação executiva, sendo chamados à acção sub-rogtória os Executados e a co-herdeira, que interveio também já na acção executiva na sequência de notificação para penhora do quinhão hereditário que lhe foi dirigida pelo Agente de Execução. Assim sendo, mostra-se de toda a utilidade para a correcta gestão processual que a acção sub-rogatória corra como incidente por apenso à acção executiva.
S. Não tendo entendido e decidido conforme exposto, a sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, designadamente dos artigos 91º, 96º, alínea a), 97º, n.ºs 1 e 2, 99º, n.º 1, 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, alínea a), 1041º todos do CPC, e artigos 1067º e 606º do Código Civil.
T. Pelo que, no provimento do presente recurso, deve revogar-se o despacho recorrido e, em sua substituição, ser proferida outro que ordene o imediato prosseguimento do dos autos, com a citação dos Requeridos.
O Tribunal a quo admitiu o recurso, que qualificou como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, e determinou a citação dos réus para os termos da causa e do recurso.
Notificados os réus executados, e citada a ré D para os termos da causa e do recurso, nenhum deles apresentou contra-alegações ou contestou a ação.
2. Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[1]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º n.º 3 do CPC).
Não obstante, a este Tribunal está vedado apreciar questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[2].
No caso em análise, considerando o teor das alegações de recurso apresentadas pelo recorrente, a única questão a apreciar e decidir reside em apreciar se se verifica a exceção de incompetência do Tribunal a quo e consequentemente, se se justificava o indeferimento liminar do requerimento inicial.
3. Fundamentação
3.1. Os factos
Os factos a considerar são os que resultam do relatório que antecede.
3.2. Os factos e o Direito
3.2.1. Do indeferimento liminar
O despacho recorrido indeferiu liminarmente a petição inicial com fundamento na incompetência absoluta do Juízo de Execução, isto nos termos previstos no art.º 590º, nº 1 do CPC, e com fundamento na incompetência absoluta (em razão da matéria) do Juízo de Execução.[3]
Vejamos então.
Estabelece o art.º 65º do CPC que “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada.”
Ora, nos termos previstos no art.º 81º, nº 3, al. j) da LOSJ os Juízos de Execução são Tribunais de competência especializada.
Por outro lado, decorre do estatuído no art.º 129º da mesma lei que tal especialização é delimitada em função do objeto dos processos que devem ser tramitados nestes Tribunais.
Com efeito, dispõe esse preceito:

1- Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
2- Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal da propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas em processos de natureza criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível.
3- Para a execução das decisões proferidas pelo juízo central cível é competente o juízo de execução Incidente por Apenso que seria competente se a causa não fosse da competência daquele juízo em razão do valor.”
Como bem apontou o Tribunal a quo, considerando o teor destas disposições legais, os Juízes de Execução apenas poderão considerar-se competentes para a tramitação da presente ação se a mesma puder ser qualificada como incidente da execução.
A esta questão o Tribunal a quo deu resposta negativa e, por conseguinte, julgou verificada a exceção de incompetência do Tribunal em razão da matéria, a qual, por se tratar de incompetência absoluta, constituiu fundamento do indeferimento liminar da petição inicial, tudo nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs  96º, alínea a), 97º, n.ºs 1 e 2, 99º, n.º 1, 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, alínea a), todos do CPC.
Vejamos se assim é.
A ação sub-rogatória de aceitação de herança acha-se prevista e regulada no art.º 1041º do CPC.
Nos termos do disposto no nº 1 do mencionado preceito, “aceitação da herança por parte dos credores do repudiante faz-se na ação em que, pelos meios próprios, os aceitantes deduzam o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio.”
Pronunciando-se sobre a matéria da ação sub-rogatória sob o ponto de vista jurídico-processual, à luz do CPC1961art.º 1469º deste código, que tem redação correspondente à do art.º 1041º do CPC2013, LUÍS A. CARVALHO FERNANDES[4] sustentou que aquela ação poderia revestir as seguintes vestes:

a) se tratar de crédito beneficiário de direito real de garantia sobre bens já penhorados, o meio próprio para o exercer é a acção executiva movida por credores da herança repudiada ou dos herdeiros subsequentes […];
b) se tiver havido declaração de insolvência do repudiante, o meio próprio para invocar o crédito é o processo de insolvência (…);
c) se, entretanto, o repudiante tiver falecido e estiver em curso inventário relativo à sua herança, é este o meio próprio para os credores reclamarem os seus créditos […]
Não ocorrendo qualquer destes casos, ou outros com meios processuais específicos, a acção declarativa de condenação apresenta-se como meio próprio.”
Mais recentemente ISABEL ALEXANDRE[5] analisou este tema no contexto do CPC1013, seguintes termos:
“A acção sub-rogatória não é necessariamente exercida por via judicial, podendo o credor substituir-se ao devedor no exercício de direitos que a este competem fora de um processo judicial (por exemplo, interpelando o devedor do seu devedor para cumprir, nos termos do n.º 1 do artigo 805.º do CC) ou num processo judicial que por si não foi instaurado (por exemplo, invocando, nos termos do n.º 1 do artigo 305.º do CC, a prescrição da dívida cujo pagamento está, por um terceiro, a ser exigido ao seu devedor).
Mas, quando o seja – isto é quando o credor proponha uma acção judicial que tenha como objecto a sua substituição ao devedor – e, quando para ela a lei não preveja processo especial (exemplo deste processo especial é o previsto no artigo 1041.º do CPC para a aceitação da herança pelos credores em nome do repudiante, a ele sendo feita referência no ponto seguinte), a acção sub-rogatória pode traduzir-se numa acção declarativa de condenação com processo comum, na qual se peça ao terceiro (devedor do devedor do autor), não a satisfação do crédito do devedor do autor perante este, uma vez que a sub-rogação, aproveitando a todos os credores, implica a entrada do correspondente montante no património do devedor, mas a satisfação do crédito do devedor do autor perante o devedor.”
E, mais adiante, acrescenta:
“No ponto anterior foram considerados os casos em que para a acção sub-rogatória a lei processual civil não predispõe um processo especial.
Na verdade, apenas um processo especial se encontra um particular caso de acção sub-rogatória; trata-se da já várias vezes mencionada acção sub-rogatória de aceitação da herança pelos credores em nome do repudiante, prevista no artigo 2067.º do CC e sujeita a um regime substantivo especial de prazo e de efeitos. Esta acção segue também processo especial, que se encontra regulado no artigo 1041.º do CPC e está sistematicamente enquadrado nos processos de jurisdição voluntária.
Tal processo especial, porém, não corresponde a uma acção especialmente intentada pelo credor para a aceitação da herança: diz o nº 1 do artigo 1041.º do CPC, na verdade, que tal aceitação “faz-se na acção em que, pelos meios próprios, os aceitantes deduzam o pedido o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio”. Tal significa que a acção sub-rogatória prevista no artigo 2067.º do CC constitui incidente de uma acção proposta pelo credor, não possuindo autonomia em relação a esta e, justamente, por dela depender, sendo de exercício necessariamente judicial (diversamente do que sucede na generalidade das acções sub-rogatórias).
A acção a propor pelo credor, na qual será deduzido o aceitação da herança que a lei qualifica como processo especial acção de cumprimento ou uma acção executiva, no sentido dos artigos 817.º e segs. do CC, uma vez que o n.° 1 do artigo 1041.º do CPC alude a uma dedução de pedido de créditos; não parece poder ser uma acção constitutiva nem de simples apreciação [previstas nas alíneas a) e c) do nº 3 do artigo 10.º do CPC], conclusão que é reforçada pelo n.° 2 do artigo 1041.º do CPC, que alude a uma execução contra a herança [execução que, se assente em sentença, sempre pressuporá uma sentença condenatória, nos termos da alínea a) do n.° l do artigo 703.º do СРС].
Assim, o incidente de aceitação da herança não poderá ser deduzido em processo de inventário referente à herança repudiada pelo devedor (…)
Mas a acção na qual será deduzido o incidente de aceitação da herança contemplado no artigo 1041.º do CPC pode ser, nomeadamente, e segundo a jurisprudência:
- Uma acção declarativa emergente de contrato de o trabalhador formule o pedido de créditos laborais contra o empregador repudiante da herança;
- Uma acção declarativa com processo comum, na qual o mutuante formule o pedido de restituição da quantia mutuada contra o mutuário repudiante da herança, a qual será proposta também contra as pessoas para as quais os bens passaram em virtude do repúdio com a finalidade de estas pessoas serem condenadas no reconhecimento do crédito do autor sobre o seu devedor ou, numa formulação inteiramente coincidente e a nosso ver menos feliz (porque o pagamento não pode ser exigido dessas pessoas), no mesmo pagamento desse mesmo crédito.(…)
- Uma acção executiva instaurada contra o repudiante da herança, na qual se tenha penhorado o quinhão hereditário do executado, abrigo do n.° 1 do artigo 781.º do CPC, e tendo a pessoa a favor de quem os bens passaram em virtude do repúdio deduzido oposição à penhora.”
Por seu turno, dizem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, E LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[6]:
“1. Este preceito adjetiva o art.º 2067º do CC, segundo o qual os credores do repudiante podem aceitar a herança em nome do repudiante, nos termos dos arts. 606º e ss. do CC. Permite-se, assim, uma intromissão anómala dos credores no sucessório, prevendo-se uma sub-rogação do repudiante no direito de aceitação da herança até ao limite dos seus créditos. (…)
2. Apesar de o nº 1 deste art.º 1041º fazer uma remissão genérica para os termos próprios a que os credores do repudiante devem recorrer, а асеitação da herança deve ser feita em ação declarativa de condenação em processo comum (cf. Carvalho Fernandes, Da Aceitação da Herança pelos Credores do Repudiante, pp. 82-88.”
Uma análise preliminar do art.º 129º, nº 1 da LOSJ parece conduzir-nos à conclusão de que a competência específica atribuída aos Juízos de Execução não compreende a tramitação de ações declarativas sob a forma comum.
Com efeito, nos termos do disposto no art.º 117º, nº 1, al. a) “compete aos juízos centrais cíveis (…) a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50.000,00”.
Por seu turno, estabelece o art.º 130º, nº 1 da LOSJ que “Os juízos locais cíveis (…) possuem competência na respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada.”
Deste último preceito resulta, pois, que os juízos locais cíveis são os competentes para tramitar as ações declarativas de valor igual ou inferior a €50.000,00.
No caso vertente, a autora e ora apelante atribuiu à presente ação o valor da execução por apenso à qual a mesma foi intentada, sendo este de €32.195,82, pelo que a competência para apreciar e julgar uma ação declarativa com processo comum de tal valor caberia, em princípio,  aos juízos locais cíveis.
Nessa medida, entendeu o Tribunal a quo que seria incompetente, em razão da matéria, para tramitar a presente ação.
Sucede, porém, que como bem aponta ISABEL ALEXANDRE[7], quando intentada no âmbito de uma execução para pagamento de quantia certa (por apenso à mesma) a ação de sub-rogação prevista no art.º 1041º do CPC constitui um verdadeiro incidente da ação executiva.
Ora, dispõe o art.º 91º, nº 1 do CPC que “O tribunal competente para a ação é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa”.
Este preceito opera, assim, uma extensão da competência.
Do referido preceito decorre, pois, que quando intentada por apenso a ação executiva, nos termos atrás descritos por Isabel Alexandre, haverá que conclui que o juízo de execução é competente para apreciar e julgar a ação subrogatória, nos termos conjugados dos arts. 91º do CPC e 129º, nº 1 da LOSJ.
Em sentido aproximado, admitindo a propositura de ação declarativa de sub-rogação de herança por apenso a execução para pagamento de quantia certa, embora sem se pronunciarem expressamente sobre a questão da competência material, vd. acs. RE 06-10-2005 (Maria Alexandra Santos), p. 44/05-3; RG 13-02-2020 (Paulo Reis), p. 9/03.2TBAVVD-D.G1.
Cumpre, por isso, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que considere o juízo de execução competente para apreciar a presente causa.
1.2.2. Das custas
Nos termos do disposto no art.º 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
A interpretação desta disposição legal, no contexto dos recursos, deve atender ao elemento sistemático da interpretação.
Com efeito, o conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
No sentido amplo, as custas tal conceito inclui a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. arts. 529º, nº 1, do CPC e 3º, nº 1, do RCP).
Já em sentido restrito, as custas são sinónimo de taxa de justiça, sendo esta devida pelo impulso do processo, seja em que instância for (arts. 529º, nº 2 e 642º, do CPC e 1º, nº 1, e 6º, nºs 2, 5 e 6 do RCP).
O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (vd. arts. 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC). Por isso é devido quer na 1ª instância, quer na Relação, quer no STJ.
Assim sendo, a condenação em custas a que se reportam os arts. 527º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC, só respeita aos encargos, quando devidos (arts. 532º do CPC e 16º, 20º e 24º, nº 2, do RCP), e às custas de parte (arts. 533º do CPC e 25º e 26º do RCP).
Tecidas estas considerações, resta aplicar o preceito supracitado.
No caso vertente, face à procedência da presente apelação, mas considerando que nenhuma das rés deu causa à decisão apelada nem apresentou contra-alegações, as custas deverão ser suportadas pela parte vencida nos autos de execução.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o presente recurso procedente, e em consequência, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que tenha como pressuposto a competência do juízo de execução para tramitar a presente ação.
Custas pela parte vencida nos autos de execução.

Lisboa, 21 de maio de 2024
Diogo Ravara
Rute Sabino Lopes
Alexandra de Castro Rocha


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[1]  Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-116.
[2] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 116.
[3] Como despacho liminar que é, não deveria o Tribunal a quo ter determinado o seu registo, visto que, nos termos do disposto no art.º 153º, nº 4 do CPC, só as sentenças e os acórdãos são registados.
[4] “Da aceitação da herança pelos credores do repudiante”, Quid Juris, 2010, pp. 85-86.
[5] “Acção sub-rogatória (artigos 606.º a 609.º do Código Civil) in "Código Civil - Livro do cinquentenário", vol. I, Almedina, 2019, pp. 695-730.cial pp. 712-719.
[6] “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Almedina, 2020, p. 484.
[7] Vd. trecho supracitado.