Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1036/11.1TJLSB.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: VEÍCULO
PRIVAÇÃO DE USO
VALOR PATRIMONIAL
RECONSTITUIÇÃO NATURAL
DIRECTIVA COMUNITÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/14/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Em face do disposto no artº 562º do CC a regra é a de que a indemnização deve obedecer à reconstituição natural
II - A reconstituição natural só é excessivamente onerosa se atentar gravemente contra os princípios da boa fé.
III - Tratando-se de veículo automóvel o valor a ter em conta é o valor patrimonial do mesmo e não o seu valor venal.
IV - O ónus da prova dos factos constitutivos da excessiva onerosidade compete ao devedor , aqui ré, apelada.
V - O DL 83/2006 de 03.05 que procede à transposição parcial para a ordem Juridica Nacional da Directiva nº 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 11.05, tem aplicação na solução extrajudicial do litígio entre seguradora e lesado ou segurado, já não quando o conflito passou à fase judicial em que as regras a ter em conta são as que constam do CCivil , artº 562 e seguintes.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

Da causa:

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário, em que é A. a… residente na Rua … Lisboa, e R. B…LDª…, com domicílio na Rua … Lisboa, pretende o A. que o Tribunal condene a R. a pagar-lhe:
a) € 5.532,55, a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros moratórios à taxa legal em vigor, desde a citação;
b) € 2.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros moratórios à taxa legal em vigor, desde a citação;
c) € 3.000,00, correspondente à privação do uso da viatura, acrescida de juros moratórios à taxa legal em vigor, desde a citação.
Fundamentou a demanda em prejuízos vários, resultantes de sinistro rodoviário cuja culpa é imputada a veiculo segurado da ré.
A R. contestou os montantes das indemnizações peticionadas pelo A.
A seu tempo, foi proferido julgamento com observância do legal formalismo tendo sido declarados assentes os seguintes factos:
1º) A R. celebrou com C…, um contrato de seguro titulado pela apólice nº 00, tendo por objecto o veículo Opel, modelo Corsa, cor branca, matrícula -IZ-, nos termos do qual, além do mais, foi transferida para a Seguradora R. a responsabilidade a responsabilidade por danos a terceiros provocados pelo identificado veículo – cfr. fls. 75. (artº 1º da p.i.)
2º) No dia 1 de Julho de 2010, pelas 13H45, na Avenida Infante D. Henrique, sentido Santa Apolónia – Parque das Nações, no cruzamento ou entroncamento com a Av. Infante D. Henrique e a Rua Bispo de Cochim e Joseph Kureethara, ocorreu um embate entre o veículo IZ, propriedade de R e o veículo XL-, propriedade do ora A. – cfr. fls. 22 a 30. (artºs 2º e 3º da p.i.)
3º) O local caracteriza-se por ser uma recta de boa visibilidade, com três hemi-faixas de rodagem em cada sentido. (artigo 4º da p.i.)
4º) Na data e momento do sinistro estava bom tempo, o piso estava seco e o asfalto encontrava-se em bom estado de conservação. (artigo 5º da p.i.)
5º) No local do embate, existe sinalização vertical a condicionar e a limitar o tráfego rodoviário. (artº 6º da p.i.)
6º) O A. circulava na hemi-faixa da via mais à esquerda que é delimitada, no seu lado direito, por um traço descontínuo (a separar as duas hemi-faixas destinadas ao trânsito em geral) e no seu lado esquerdo pela faixa destinada ao trânsito que pretende virar à esquerda – cfr. fls. 22 a 32. (artºs 7º e 8º da p.i.)
7º) O veículo XL, conduzido pelo A., circulava na Av. Infante D. Henrique, no sentido Santa Apolónia – Parque das Nações. (artº 9º, em parte da p.i.)
8º) O veículo IZ circulava na mesma faixa e imediatamente atrás do A. (artº 10º da p.i.)
9º) Sem que nada o fizesse prever, súbita e inopinadamente, o condutor do veículo IZ embateu na traseira do veículo do A. (artº 11º, em parte, da p.i.)
10º) Em resultado do embate, o veículo conduzido pelo A. é projectado para a frente indo imobilizar-se a cerca de 54,30 metros do local onde foram encontrados água e vidros pertencentes ao veículo IZ. (facto 12º da p.i.)
11º) Do embate entre as duas viaturas, sofreu o veículo XL- os seguintes danos materiais: q) Traseira e tejadilho; r) Mala traseira com vidro; s) Para-choques traseiro e balastros; t) Dois farolins traseiros; u) Escova traseira e respectivo motor; v) Tecto de abrir com o correspondente mecanismo; w) Porta esquerda; x) Guarda-lamas esquerdo; y) Eixo traseiro completo; z) Banco do condutor; aa) Pneu e jante sobresselente bb) Jogo de bancos traseiros; cc) Alcatifas; dd) Forros do tecto; ee) Borrachas, isolamentos; ff) Escape completo. (1º artº 13º da p.i.)
12º) Para reparar os danos enumerados, em 11º) o A. despendeu a quantia de € 5.632,55, IVA incluído. – cfr- fls. 45 e 50 ( 2º artº 13º da p.i.)
13º) A viatura do A. já foi integralmente reparada e encontra-se apta a circular na via pública. – cfr. fls. 58 (artº 14º da p.i.)
14º) Na sequência e em consequência do sinistro, o A. necessitou de assistência médica, tendo sido transportado para o Hospital de São José, em Lisboa. (artº 15º da p.i.)
15º) Provado apenas que a viatura do A. ficou imobilizada desde a data do acidente, em 01/07/2010, até 30 de Setembro, data em que ficou totalmente reparada. (artºs 22º e 23º, ambos em parte, da p.i.)
16º) O A. não possuía outra viatura. (artº 24º da p.i.)
17º) O A. apenas podia contar com este transporte no seu quotidiano. (artº 25º, parte inicial, da p.i.)
18º) Por carta datada de 09 de Julho de 2010, enviada pela R. ao A., a R. assumiu a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente e a sua obrigação de indemnizar o A. – cfr. fls. 64. (artº 32º, parte, da p.i.)
19º) À data do acidente o veículo do A. tinha 346.544 Km percorridos. (artº 13º da contestação)
20º) O valor venal do veículo do A., no mercado automóvel de viaturas usadas, era, à data do acidente, de € 2.000,00. (artº 14º, parte, da contestação)
21º) O valor do salvado, após o acidente, era de € 125,00. (artº 14º, parte, da contestação)
22º) A reparação do veículo foi estimada, pela oficina escolhida pelo A., em € 8.712,00. (artº 15º da contestação)
23º) O A. entendeu mandar reparar o veículo. (artº 20º da contestação).
24º) Um aluguer de um veículo do tipo da viatura do A., no mercado de rent-a-car, situa-se em € 66,16 por dia. (artº 29º da p.i.)
A final foi proferida sentença que julgou a acção apenas parcialmente procedente tendo condenado a ré no pagamento de
a) a quantia de € 1.875,00, a título de indemnização correspondente ao valor venal da viatura, deduzido do valor do salvado, acrescida de juros moratórios à taxa legal anual de 4%, desde 20/04/2011 até efectivo e integral pagamento;
b) a quantia de € 2.300,00, a título de indemnização pela privação do uso da viatura, acrescida de juros moratórios à taxa legal anual de 4%, desde 20/04/2011 até efectivo e integral pagamento;
c) a quantia de € 500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios à taxa legal anual de 4%, desde 20/04/2011 até efectivo e integral pagamento.
Foi, a ré, absolvida do restante do pedido.

Da sentença apelou o autor que lavrou as conclusões ao adiante:
a) A Ré celebrou com R um contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, tendo por objecto o veículo de matrícula IZ.
b) No dia 01/07/2010 o condutor do veículo de matrícula IZ embateu na traseira do veículo do Autor.
c) O veículo do Autor sofreu danos, tendo o Autor dispendido da quantia de €5.632,55 para reparar os mesmos.
d) A viatura foi integralmente reparada e encontra-se a circular na via pública.
e) O Autor só tem e tinha à data do sinistro este veículo, não tendo qualquer outro que lhe proporcionasse circular no período em que o seu veículo esteve a reparar [de 01/07/2010 a 30/09/2010].
f) A Ré assumiu a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente e a sua obrigação de indemnizar o Autor.
g) À data do acidente o veículo do Autor, do ano de 1991, tinha 346,544Km percorridos.
h) O valor venal do veículo do Autor, no mercado automóvel de viaturas usadas, era, à data do acidente, de €2.000,00.
i) O valor do salvado, após o acidente, era de €125,00.
j) O Autor requereu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €5.632,55 a título de danos patrimoniais, quantia esta por si suportada para restauração in natura da sua viatura.
k) O tribunal a quo aferiu o valor de indemnização a título de danos patrimoniais com base no disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 41º do Decreto Lei 291/2007, de 21/08, condenando a Ré ao pagamento da quantia de €1875,00 com base na seguinte fórmula (valor da reconstrução da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação) = (valor venal do veículo antes do sinistro) – (valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário).
l) O disposto na referida norma do mencionado diploma legal é inaplicável na fase judicial, na medida em que a norma em apreço constitui tão só um critério para o procedimento obrigatório de apresentação pela seguradora da “proposta razoável”, destinada a agilizar o acertamento extrajudicial da responsabilidade.
m) O critério de definição de perda total revela-se apenas aplicável no âmbito da regularização extrajudicial do conflito através do procedimento de apresentação da proposta razoável prevista nos art.ºs 38º e 39º do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21/08.
n) Este critério foi definido e concretizado de forma objectiva, com vista à agilização dum procedimento extrajudicial específico, integrando-se no capítulo referente a esse procedimento, não podendo, em sede de discussão judiciais, generalizar-se a sua aplicação de forma a sobrepor-se, ou, a revogar, os princípios decorrentes do confronto do art.º 562º com o n.º1 do art.º 566º, ambos do Cód.Civil, nomeadamente no que se refere ao ónus que impende sobre a seguradora, de provar a excessiva onerosidade, susceptível de afastar o princípio da reparação in natura, considerando dois factores: o preço da reparação e o valor, não o venal, mas o patrimonial.
o) O nosso sistema confere prioridade à reposição natural, que faculta ao lesado uma tutela mais perfeita do seu direito.
p) Esta prioridade impõe-se ao devedor que só pode contrariá-la invocando as circunstâncias previstas no art.º 566º, n.º1 do Cód.Civil [mostrando que a constituição natural não é possível ou que é excessivamente onerosa para ele]
q) Para se concluir pela excessiva onerosidade da reparação de um veículo, não basta atender ao valor venal do veículo, sendo assim necessário considerar o valor de uso do seu proprietário. Um veículo muito usado e com um valor muito diminuto pode, não obstante, satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor comercial, pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, não reconstituindo a situação que o lesado teria se não fosse o facto gerador do dano.
r) Sendo a restauração natural imposta, no interesse de ambas as partes, como modo normal de indemnização, se o credor reclama a restauração natural é ao devedor que pretenda contrapor-lhe a indemnização pecuniária que cabe alegar e provar que a restauração natural resulta excessivamente onerosa para si.
s) A Ré não logrou provar a excessiva onerosidade, tão só se limitou a demonstrar qual o valor venal da viatura à data do sinistro [€2.000,00], e bem assim, o valor do salvado após o acidente [€125,00].
t) Ainda que assim não resultasse, note-se a inaplicabilidade em fase judicial do disposto na alínea c) do n.º1 do art.º 41º do Decreto Lei 291/2007.
u) O Autor não possuía outra viatura que não aquela objecto de sinistro, com a qual fazia as suas deslocações diárias.
v) Apesar do veículo do Autor na sequência do sinistro ter ficado extremamente danificado, facto é que se trata de um veículo cuja reparação foi possível.
w) A reparação teve um custo para o Autor de €5.632,55.
x) O tribunal a quo aplicou o disposto na alínea c) do n.º1 do art.º 41º do DL 291/2007, diploma que é inaplicável na fase judicial.
y) Face a que a regra no cálculo das indemnizações a título de danos patrimoniais é a que se faz através da reposição natural, pelo que deverá revogar-se a decisão do Tribunal a quo, condenando-se a Ré a pagar ao Autor a quantia pelo mesmo dispendida pela reposição [€5.632,55], em face da inaplicabilidade na fase judicial da norma indicada.
z) Pelo que, a sentença ora posta em crise, fez errada interpretação do disposto no art.41º nº1 alínea c) do DL. Nº291/2007, de 21/08, ao fixar a sua aplicabilidade na fase judicial de resolução do litígio entre o Lesado e Seguradora, violando o princípio da reconstituição in natura estabelecido no art.562º do Cód.Civil e consequentemente deverá fixar-se a quantia de € 5.632,55 a título de indemnização inerente a danos patrimoniais, acrescido de juros desde a data da citação, revogando-se, nesta parte a douta sentença a quo.
Contra alegou a ré a sustentar o acerto da decisão apelada.
Nada obsta ao mérito
II Objecto do Recurso
São as conclusões que delimitam a matéria a conhecer por este Tribunal que é de recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que cumpra apreciar, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal e 684º nº 3 e 685-A do CPC.
O recurso, coloca, como questão a decidir, saber se, a indemnização a atribuir à lesada deverá corresponde ao valor da reparação e não ao valor venal do veículo.
III Conhecendo:
Fundamentação de facto:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação de facto descrita supra

Fundamentação de direito:
O critério legal a atender para a fixação da indemnização é o princípio da reconstituição natural, regra constante do artº 562º doCC.
O nº 1 do artigo 566º do mesmo Código, prescreve que, quando a reconstituição natural for impossível, ou não repare integralmente os danos, ou for excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro, tendo como medida, a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
A “excessiva onerosidade” é um conceito a que tem sido dado forma concreta pela jurisprudência, designadamente, a dos tribunais superiores, de modo praticamente uniforme e pelo qual se alinha.
Assim é que, no Acórdão desta Relação Pr: 5871/07.7TBSXL.L1-6 de 28-05-2009 in www dgsi TRL, foi decidido « A lei [ …] exige que esta seja excessivamente onerosa para o devedor, isto é, que a restauração natural não imponha ao devedor um encargo desmedido, desajustado, que ultrapasse manifestamente os limites impostos legalmente a uma legítima indemnização.
Importa ter em consideração factores subjectivos, como os respeitantes ao devedor e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, bem como as condições do lesado, e o seu justificado interesse específico na reparação do objecto danificado.
A limitação do montante da indemnização em dinheiro ao abrigo do disposto no artigo 566º n. 1, do Código Civil (excessiva onerosidade), quando o preço da reparação da coisa danificada seja superior ao seu valor venal, supõe que exista a possibilidade de, no mercado, adquirir uma coisa idêntica à danificada (isto é, com idênticas qualidades e valor)».
Neste mesmo sentido, o Ac desta Relação de 20-04-2010, in pr 7894/05.1TBSTB.L1-1 in www dgsi TRL, cujo sumário segue: «Há que se analisar da viabilidade ou não da reparação, perante o circunstancialismo apurado e as regras do ónus da prova, procurando-se reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, sem descurar que há que dar primazia ao lesado, quando o mesmo não deu azo à lesão. O valor a ter em conta, não é o valor venal do veículo, mas o valor que o mesmo representa dentro do património do lesado, ou seja, o chamado valor patrimonial do bem. A reparação sendo possível, não deverá ser feita por equivalente pecuniário, mas, por restauração natural».
Sobre esta mesma questão, pronunciou-se ainda , designadamente, o Ac do STJ de 07.07.99 in CJ STJ Ano VII T-III pg 17: «um veículo já com muito uso fica desvalorizado, tem valor comercial pouco significativo, mas, ainda assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor de mercado, pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades; o mesmo é dizer, pode não reconstituir a situação que o lesado teria se não tivesse ocorrido o dano».
O apelante encontra eco, pois, na jurisprudência citada, quando, sustenta que a restauração natural, é a regra , já a indemnização pecuniária é um mero sucedâneo a que se recorre apenas quando a reparação em forma específica se mostra materialmente impraticável, não cobre todos os danos ou é demasiado gravosa para o devedor.
Menezes Cordeiro in Direito das Obrigações , 2º vol pg 40, numa incursão aos princípios gerais , defende que " uma indemnização específica é excessivamente onerosa quando a sua exigência atente gravemente contra os princípios da boa fé".
Podemos pois dizer que, neste segmento, à lei não basta a simples onerosidade da reparação, exige mais, que esta, não acarrete para o devedor um encargo desmedido, desajustado, que ultrapasse manifestamente os limites impostos legalmente a “uma legítima indemnização”.
A sentença apelada, apoiou a sua decisão no facto de o valor pedido da reparação ultrapassar em mais de 120% o valor venal da viatura sinistrada.
Não se sufraga este entendimento que também vem invocado na contra alegação.
As regras e princípios a ter em conta, nesta fase são tão só as que constam do artº 562º e seg do CC .
Vde, o Ac desta Relação de 17.07.2008 in pr 8466/2007.7 com o sumário que segue: « O Dec. Lei n.º 83/2006, de 03-05, que procede à transposição parcial da para a ordem jurídica nacional da Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Concelho, de 11-05 (cfr. art.º 1º), visou reduzir a conflitualidade existente entre as seguradoras e seus segurados e terceiros e reforçar a protecção dos interesses dos económicos dos consumidores, através da introdução de procedimentos a adoptar pelas empresas de seguros e da fixação de prazos com vista à regularização rápida dos litígios e do estabelecimento de princípios base na gestão de sinistros.
2. É nessa linha que se insere o aditamento do art.ºs 20º-I e 20º-J ao Dec. Lei n.º 522/85, de 31-12, visando a resolução simplificada e rápida dos litígios entre as seguradoras e seus segurados e terceiros numa fase extrajudicial, visando uma solução amigável, e evitar que os conflitos prossigam e que haja de recorrer aos tribunais. Se não houver acordo, e se houver necessidade de recorrer aos tribunais, vigora, em matéria da obrigação de indemnização, o princípio regra da reconstituição natural, sendo a excepção a indemnização em dinheiro (art.º 566º, n.º 1 do Cód. Civil) e já não os do art.ºs 20º-I e 20º-J aditados ao Dec. Lei n.º 522/82, pelo Dec. Lei n.º 83/2006. O disposto nestes art.ºs não afastou a regra do art.º 566º do Cód. Civil. Por isso entre os art.ºs 20º-I e 20º-J do Dec. Lei n.º 522/85 e o art.ºs 483º e segs. e 566º do Cód. Civil não há qualquer conflito.
3. Uma coisa é o reclamante ter o veículo para o seu negócio que satisfaz plenamente os seus interesses, ainda que tenha pouco valor comercial, e outra é o valor venal do mesmo veículo. Naquela situação, a seguradora do lesante não pode impor àquele reclamante que ele venda aquele veículo sinistrado. O valor venal a ter em conta para aferir a excessiva onerosidade mede-se diferença entre o valor da reparação x e o valor patrimonial y que a viatura sinistrada tinha no património do lesado e não o seu valor venal como pretende a seguradora, partindo do pressuposto __ é isto que subjaz à sua argumentação __ de que o reclamante o terá de vender»
Finalmente, aqui, cabe invocar que em sede de ónus de prova e tal como se sustenta na apelação, é ao devedor que incumbe o ónus de prova da excessiva onerosidade da reparação. Neste sentido o Ac desta Relação in www dgsi TRL de 16.7.2009, pr 1781/06.3TBALQ. L1.8

Daqui para os autos.

Provou-se que:
O valor venal do veículo do A., no mercado automóvel de viaturas usadas, era, à data do acidente, de € 2.000,00. (artº 14º, parte, da contestação)
O valor do salvado, após o acidente, era de € 125,00. (artº 14º, parte, da contestação)
Que o Autor gastou a quantia de €5.632,55 na reparação do veículo.
Como ficou sublinhado supra não basta que a reparação tenha valor superior ao valor venal do veículo para que se considere excessivamente onerosa.
Será necessário que a opção pela restauração natural configure flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo daquela para o responsável, o que seria ónus de prova da ré, que nada demonstrou nesta matéria. A ausência de factos que sejam por si susceptíveis de preencher aquele conceito prejudica obviamente a pretensão da ré apelada, seja porque não é o valor venal, mas o valor patrimonial do veículo para o autor que aqui está em causa, seja, porque não são invocáveis as regras do dl 83/2006 de 3.05.
Pelas razões expostas procede a apelação.

Sumário:

Em face do disposto no artº 562º do CC a regra é a de que a indemnização deve obedecer à reconstituição natural
A reconstituição natural só é excessivamente onerosa se atentar gravemente contra os princípios da boa fé.
Tratando-se de veículo automóvel o valor a ter em conta é o valor patrimonial do mesmo e não o seu valor venal.
O ónus da prova dos factos constitutivos da excessiva onerosidade compete ao devedor , aqui ré, apelada.
O DL 83/2006 de 03.05 que procede à transposição parcial para a ordem Juridica Nacional da Directiva nº 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 11.05, tem aplicação na solução extrajudicial do litígio entre seguradora e lesado ou segurado, já não quando o conflito passou à fase judicial em que as regras a ter em conta são as que constam do CCivil , artº 562 e seguintes.


Segue deliberação
Procede a apelação revogando-se a sentença recorrida na parte apelada, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de €5.632,55 que aquele suportou com a reparação do mesmo, a qual acrescida dos juros legais, como reclamados.
Custas pela apelada.

Lisboa 14 de Junho de 2012

Isoleta Almeida Costa
Carla Mendes
Rui da Ponte Gomes