Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA REIS SILVA | ||
Descritores: | REJEIÇÃO DO RECURSO ALEGAÇÕES FALTA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1 – Equivale a falta absoluta de alegações a apresentação de alegações respeitantes, não à decisão recorrida mas a uma outra decisão, recorrível e da qual foi interposto recurso, sem que sejam formuladas quaisquer alegações respeitantes à decisão recorrida. 2 – Consubstancia falta absoluta de alegações a apresentação de conclusão versando matéria não abordada nas alegações. 3 – Na ausência de alegações ou de conclusões, ou de ambas, o recurso que tenha sido admitido não pode ser conhecido pelo tribunal de recurso, nos termos do disposto nos arts. 641º, nº2, al. b) e 652º nº1, als. b) e h) do CPC. (Da responsabilidade da relatora – art. 663º nº7 do CPC.) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência as Juízas da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório Sociedade Agrícola Terra da Eira, SAG, Lda, apresentou-se a processo especial de revitalização, o qual correu os seus termos e no qual, por sentença de 19/04/2024, foi recusada a homologação do plano de recuperação apresentado pela devedora. A devedora, notificada, requereu o suprimento de omissão formal, nos termos do nº2 do art. 146º do CPC e, em consequência, a retificação da qualificação de um crédito e a homologação do plano apresentado. Por despacho de 23/05/2024, após audição dos credores, foi indeferido o requerimento apresentado pela devedora. O Sr. Administrador Judicial Provisório juntou aos autos o parecer previsto no art. 17º-G nº3 do CIRE, concluindo estar a devedora em situação de insolvência. Foi cumprido o disposto no art. 17º-G nº5 do CIRE. A devedora não se pronunciou. Por despacho de 16/09/2024, foi declarado o encerramento do processo, nos termos do disposto no art. 17º-J, nº1, al. b) do CIRE. Foi extraída certidão e autuada como processo especial de insolvência. No processo especial de insolvência foi proferida sentença, no dia 07/11/2024, declarando a insolvência da devedora. Por requerimento de 18/11/2024 a devedora interpôs recurso, referindo “notificado do teor da sentença de fls. (Ref.ª 162787774), que decretou a insolvência da Devedora, vem da mesma interpor RECURSO.” Juntou alegações, identificando como objeto do recurso: “Vem o presente recurso interposto da sentença que recusou a homologação do Plano de Recuperação apresentado pela Devedora (Ref.ª 160663851), proferida nos autos de Processo Especial de Revitalização que, sob o n.º 3610/24.7T8VFX-A, foi apenso aos presentes autos, deles fazendo parte integrante.” Pediu, a final, “deve a sentença que recusou a homologação do Plano de recuperação ser revogada e substituída por outra, que determine a homologação do daquele e, em consequência, deve ser igualmente revogada a sentença de insolvência proferida nos presentes autos.” E formulou as seguintes conclusões: I. O artigo 644° do CPCivil, aplicável ex vi do disposto no artigo 17.º do CIRE, distingue entre as decisões objeto de apelação imediata ou autónoma, especificamente previstas nos nºs 1 e 2, e as decisões que só ulteriormente podem ser impugnadas com o recurso que das primeiras venha a ser interposto, nos termos previstos pelo nº 3; II. Já a recorribilidade imediata das decisões interlocutórias abrangidas pelo n° 2 obedece a distintos critérios: ou a evidente potencial influência no resultado e celeridade da lide [alíneas a) a d)], ou a independência da matéria delas objeto ou dos seus efeitos em relação ao objeto e resultado final da ação [alíneas e) a g)], ou a inutilidade que resultaria da sua impugnação diferida [al. h)]; III. O critério da inutilidade da impugnação diferida corresponde à inutilidade do próprio resultado do recurso, ainda que provido, decorrente da irreversibilidade do resultado entretanto produzido pela ausência da sua imediata apreciação. Ora, IV. A irrecorribilidade autónoma do despacho que recusa a homologação do Plano de recuperação não é suscetível de produzir a situação irreversível que a lei preconiza, dado que a não aprovação (ou não homologação) do Plano não conduz inevitavelmente à declaração de insolvência do devedor. Com efeito, V. Ainda que o administrador judicial provisório emita parecer no sentido da insolvência, é certo que, por um lado, o devedor tem a faculdade de se opor e obstar à declaração de insolvência e, por outro lado, o juiz está obrigado a aferir da real situação do devedor, quanto à impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas; VI. À luz da lei processual civil em vigor, se não se trata de uma decisão final nem de uma decisão “listada” no n.º 2 do artigo 644.º, a sua impugnação faz-se com a impugnação da decisão final que ponha termo à causa; VII. Essa decisão, em sede de PER, é o despacho que determina o encerramento do processo em cumprimento do disposto no artigo 17.º-J, n.º 1, alínea b). Ou seja, VIII. Só com a prolação do despacho de encerramento do PER é que a decisão que recusa a homologação do Plano é suscetível de produzir efeito/influência no resultado do procedimento, pelo que só nesta fase faz sentido a impugnação desta decisão, a deduzir com o recurso do despacho que põe termo ao procedimento. Pelo exposto, IX. É de concluir pela tempestividade do recurso da sentença de não homologação do Plano de recuperação; X. O credor BANCO SANTANDER TOTTA está garantido com hipoteca sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial …, inscrito na matriz como art.º … da freguesia do …, inscrito a favor de RS e mulher, MC, sócios e avalistas da Devedora, pela Ap. 8, de 1997-12-04, conforme certidão oportunamente junta aos autos; XI. No que diz respeito ao credor CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, o Administrador Judicial Provisório (AJP) teve oportunidade de esclarecer, através do seu requerimento de 09-05-2024 (Ref.ª processual 48853016), que o crédito daquele credor foi classificado como crédito comum porque a garantia que possui não é da Devedora, antes de terceiro, XII. O que poderá ser considerado, aqui sim, lapso do dito AJP, uma vez que a garantia real existe, não exigindo a lei que incida sobre bens da massa insolvente para que o crédito possa ser classificado como garantido; XIII. Com aquele requerimento, o AJP juntou cópia da certidão permanente do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o n.º …, cuja propriedade se encontra registada a favor de RS e mulher, MC, sócios da Devedora, pela Ap. 2, de 2001/05/09, e a hipoteca a favor do referido Credor pela Ap. 2124, de 2010/12/15, bem como cópia de Contrato de Abertura de Crédito, Constituição de Hipoteca e Pacto de Preenchimento de Livrança de 15-12-2010, sobre o qual a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS sustenta os créditos que reclamou. Aliás, XIV. Ambos os documentos já tinham sido juntos aos autos anteriormente, pela própria CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, em impugnação da lista de credores de 05-09-2023, que instruiu com cópia da reclamação de créditos apresentada, na qual estes documentos constavam. Pelo exposto, XV. É de concluir que está suficientemente demonstrado nos autos que os créditos dos credores BANCO SANTANDER TOTTA e CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS são créditos garantidos, e como tal foram tratados em sede de plano de pagamentos, e que a classificação como créditos comuns, constituindo um lapso de natureza formal, não poderá contender com a aplicabilidade do respetivo regime legal substantivo, sob pena de violação do disposto no artigo 47.º, n.º 4 e 194.º, n.º 1 do CIRE. Por conseguinte, XVI. É também de alterar o n.º 5 da matéria de facto provada, nos termos acima descritos; XVII. Quanto ao outro fundamento de recusa de homologação, baseado num alegado tratamento mais favorável dos credores garantidos face aos credores comuns, a sentença recorrida assentou numa errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 194.º do CIRE, que prevê o princípio da igualdade no âmbito do plano de insolvência, e, bem assim do disposto no artigo 215.º do CIRE, que regula a possibilidade de não homologação oficiosa do plano de insolvência. De facto, XVIII. No âmbito do Plano de recuperação/insolvência, a lei consagra uma igualdade mitigada, ou seja, a lei não tem a amplitude que subjaz à interpretação que lhe foi dada pela sentença recorrida. Efetivamente, XIX. O princípio da igualdade plasmado no artigo 194.º do CIRE não impõe que não possa haver tratamento diferenciado de credores no plano de insolvência, mas apenas que tal tratamento diferenciado não pode ser arbitrário e deverá mostrar-se objetivamente justificado, designadamente atenta a especificidade de tais créditos ou classe de credores, como foi precisamente o caso do Plano de recuperação apresentado pela Devedora; XX. A tal não obsta o carácter universal do processo de insolvência que, implicando a participação de todos os credores no processo, implica o tratamento igualitário dos mesmos, mas segundo a qualidade dos seus créditos; XXI. A regra «par conditio creditorum» - ou princípio da igualdade dos credores – que caracteriza o regime da insolvência enquanto execução universal não pode deixar de admitir exceções, que advêm justamente, da maior ou menor categoria em que se insira o credor; Deste modo, XXII. Ao efetuar distinção basilar entre créditos garantidos e comuns, com regimes diferenciados, a fundamentação da discriminação assenta na existência ou não de bem garantido que responde prioritariamente pela dívida. Dito de outro modo, XXIII. O princípio da não discriminação entre credores admite desigualdades entre créditos de natureza diversa, nomeadamente em relação aos que estando garantidos por determinado bem ou direito seriam sempre pagos em cenário de liquidação; XXIV. No caso concreto, o crédito garantido do BANCO BIC PORTUGUÊS correspondente a 53,47% dos créditos reconhecidos com direito de voto, o crédito garantido do BANCO SANTANDER TOTTA, correspondente a 6,46% dos créditos reconhecidos com direito de voto, e o crédito garantido da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, correspondente a 3,96% dos créditos reconhecidos com direito de voto, seriam sempre pagos prioritariamente pelo produto da alienação dos bens sobre os quais incide a garantia. Nestes termos, XXV. A sentença que determinou a não homologação do acordo alcançado nos presentes autos fez uma errada interpretação e aplicação das disposições legais dos artigos 47.º, n.º 4, 195.º, n.º 1 e 215.º, todos do CIRE; XXVI. Não é possível afirmar que tenha ocorrido violação injustificada ou desproporcionada do princípio da não discriminação entre credores. Por outro lado, XXVII. Não foram alegados e provados factos que possam permitir concluir que, num cenário de liquidação em insolvência, os credores comuns estariam em situação mais vantajosa que com o Plano de recuperação apresentado pela Devedora, por lograrem satisfação de percentagem superior a 10% do seu capital, após pagamento prioritário dos créditos garantidos, de percentagem elevada. Dito de outra forma, XXVIII. Não é possível afirmar que em cenário de insolvência ou liquidação, os direitos dos credores comuns seriam mais eficazmente assegurados do que nos termos do Plano ora aprovado por maioria de credores. Além do mais, XXIX. E tal como o Tribunal a quo fez consignar na sentença em que negou a homologação, os credores comuns representam «menos de um terço da totalidade dos créditos»… Pelo exposto, XXX. É de concluir, à luz do entendimento jurisprudencial e doutrinal elencados na presente alegação, que existe fundamento objetivo para o tratamento diferenciado, em sede de Plano de recuperação, dos créditos das instituições financeiras, e de outros credores, titulares de créditos garantidos por hipoteca, quando confrontados com os créditos de que são titulares os credores comuns. Neste conspecto, XXXI. Repete-se, a sentença que recusou a homologação do acordo alcançado nos presentes autos fez uma errada interpretação e aplicação das disposições legais dos artigos 47.º, n.º 4, 195.º, n.º 1 e 215.º, todos do CIRE, que assim quedam violados; XXXII. Foi a errada interpretação e aplicação das indicadas disposições legais que deu azo à prolação de despacho pelo Administrador Judicial Provisório, ao abrigo do disposto no artigo 17.º-G, n.º3 do CIRE e, em última análise, à prolação da sentença de insolvência. Notificado veio Novo Banco, SA, credor reclamante, pedir seja desentranhado o requerimento de 18/11/2024, por infundado e destituído de fundamento legal, expondo que em momento algum das alegações de recurso apresentadas é impugnada a sentença de declaração de insolvência, quer quanto aos seus fundamentos, quer quanto à decisão, sendo a quase fiel reprodução das alegações já efetuadas com o recurso do despacho de homologação, sendo omissa quanto aos fundamentos que imporiam decisão diversa da proferida, de declaração de insolvência. O recurso foi admitido por despacho de 16/12/2024 (refª 163277248). * No processo especial de revitalização apenso a devedora apresentou, em 07/11/2024, requerimento de interposição de recurso, identificando como despachos recorridos: - a sentença que recusou a homologação do Plano de Recuperação apresentado pela Devedora (Ref.ª 160663851); e, - o despacho de encerramento dos autos ao abrigo do disposto no artigo 17.º-J, n.º 1, alínea b) do CIRE; Pedindo “deve a sentença que recusou a homologação do Plano de recuperação ser revogada e substituída por outra, que determine a homologação do daquele. Em consequência, deve ser igualmente revogada a decisão de encerramento do processo. Formulando as seguintes conclusões: “Relativamente à sentença de não homologação do acordo entre Devedora e Credores I. O artigo 644° do CPCivil, aplicável ex vi do disposto no artigo 17.º do CIRE, distingue entre as decisões objeto de apelação imediata ou autónoma, especificamente previstas nos nºs 1 e 2, e as decisões que só ulteriormente podem ser impugnadas com o recurso que das primeiras venha a ser interposto, nos termos previstos pelo nº 3; II. Já a recorribilidade imediata das decisões interlocutórias abrangidas pelo n° 2 obedece a distintos critérios: ou a evidente potencial influência no resultado e celeridade da lide [alíneas a) a d)], ou a independência da matéria delas objeto ou dos seus efeitos em relação ao objeto e resultado final da ação [alíneas e) a g)], ou a inutilidade que resultaria da sua impugnação diferida [al. h)]; III. O critério da inutilidade da impugnação diferida corresponde à inutilidade do próprio resultado do recurso, ainda que provido, decorrente da irreversibilidade do resultado entretanto produzido pela ausência da sua imediata apreciação. Ora, IV. A irrecorribilidade autónoma do despacho que recusa a homologação do Plano de recuperação não é suscetível de produzir a situação irreversível que a lei preconiza, dado que a não aprovação (ou não homologação) do Plano não conduz inevitavelmente à declaração de insolvência do devedor. Com efeito, V. Ainda que o administrador judicial provisório emita parecer no sentido da insolvência, é certo que, por um lado, o devedor tem a faculdade de se opor e obstar à declaração de insolvência e, por outro lado, o juiz está obrigado a aferir da real situação do devedor, quanto à impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas; VI. À luz da lei processual civil em vigor, se não se trata de uma decisão final nem de uma decisão “listada” no n.º 2 do artigo 644.º, a sua impugnação faz-se com a impugnação da decisão final que ponha termo à causa; VII. Essa decisão, em sede de PER, é o despacho que determina o encerramento do processo em cumprimento do disposto no artigo 17.º-J, n.º 1, alínea b). Ou seja, VIII. Só com a prolação do despacho de encerramento do PER é que a decisão que recusa a homologação do Plano é suscetível de produzir efeito/influência no resultado do procedimento, pelo que só nesta fase faz sentido a impugnação desta decisão, a deduzir com o recurso do despacho que põe termo ao procedimento. Pelo exposto, IX. É de concluir pela tempestividade do recurso da sentença de não homologação do Plano de recuperação; X. O credor BANCO SANTANDER TOTTA está garantido com hipoteca sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o n.º …., inscrito na matriz como art.º …., inscrito a favor de RS e mulher, MC, sócios e avalistas da Devedora, pela Ap. 8, de 1997-12-04, conforme certidão oportunamente junta aos autos; XI. No que diz respeito ao credor CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, o Administrador Judicial Provisório (AJP) teve oportunidade de esclarecer, através do seu requerimento de 09-05-2024 (Ref.ª processual 48853016), que o crédito daquele credor foi classificado como crédito comum porque a garantia que possui não é da Devedora, antes de terceiro, XII. O que poderá ser considerado, aqui sim, lapso do dito AJP, uma vez que a garantia real existe, não exigindo a lei que incida sobre bens da massa insolvente para que o crédito possa ser classificado como garantido; XIII. Com aquele requerimento, o AJP juntou cópia da certidão permanente do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o n.º …, cuja propriedade se encontra registada a favor de RS e mulher, MC, sócios da Devedora, pela Ap. 2, de 2001/05/09, e a hipoteca a favor do referido Credor pela Ap. 2124, de 2010/12/15, bem como cópia de Contrato de Abertura de Crédito, Constituição de Hipoteca e Pacto de Preenchimento de Livrança de 15-12-2010, sobre o qual a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS sustenta os créditos que reclamou. Aliás, XIV. Ambos os documentos já tinham sido juntos aos autos anteriormente, pela própria CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, em impugnação da lista de credores de 05-09-2023, que instruiu com cópia da reclamação de créditos apresentada, na qual estes documentos constavam. Pelo exposto, XV. É de concluir que está suficientemente demonstrado nos autos que os créditos dos credores BANCO SANTANDER TOTTA e CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS são créditos garantidos, e como tal foram tratados em sede de plano de pagamentos, e que a classificação como créditos comuns, constituindo um lapso de natureza formal, não poderá contender com a aplicabilidade do respetivo regime legal substantivo, sob pena de violação do disposto no artigo 47.º, n.º 4 e 194.º, n.º 1 do CIRE. Por conseguinte, XVI. É também de alterar o n.º 5 da matéria de facto provada, nos termos acima descritos; XVII. Quanto ao outro fundamento de recusa de homologação, baseado num alegado tratamento mais favorável dos credores garantidos face aos credores comuns, a sentença recorrida assentou numa errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 194.º do CIRE, que prevê o princípio da igualdade no âmbito do plano de insolvência, e, bem assim do disposto no artigo 215.º do CIRE, que regula a possibilidade de não homologação oficiosa do plano de insolvência. De facto, XVIII. No âmbito do Plano de recuperação/insolvência, a lei consagra uma igualdade mitigada, ou seja, a lei não tem a amplitude que subjaz à interpretação que lhe foi dada pela sentença recorrida. Efetivamente, XIX. O princípio da igualdade plasmado no artigo 194.º do CIRE não impõe que não possa haver tratamento diferenciado de credores no plano de insolvência, mas apenas que tal tratamento diferenciado não pode ser arbitrário e deverá mostrar-se objetivamente justificado, designadamente atenta a especificidade de tais créditos ou classe de credores, como foi precisamente o caso do Plano de recuperação apresentado pela Devedora; XX. A tal não obsta o carácter universal do processo de insolvência que, implicando a participação de todos os credores no processo, implica o tratamento igualitário dos mesmos, mas segundo a qualidade dos seus créditos; XXI. A regra «par conditio creditorum» - ou princípio da igualdade dos credores – que caracteriza o regime da insolvência enquanto execução universal não pode deixar de admitir exceções, que advêm justamente, da maior ou menor categoria em que se insira o credor; Deste modo, XXII. Ao efetuar distinção basilar entre créditos garantidos e comuns, com regimes diferenciados, a fundamentação da discriminação assenta na existência ou não de bem garantido que responde prioritariamente pela dívida. Dito de outro modo, XXIII. O princípio da não discriminação entre credores admite desigualdades entre créditos de natureza diversa, nomeadamente em relação aos que estando garantidos por determinado bem ou direito seriam sempre pagos em cenário de liquidação; XXIV. No caso concreto, o crédito garantido do BANCO BIC PORTUGUÊS correspondente a 53,47% dos créditos reconhecidos com direito de voto, o crédito garantido do BANCO SANTANDER TOTTA, correspondente a 6,46% dos créditos reconhecidos com direito de voto, e o crédito garantido da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, correspondente a 3,96% dos créditos reconhecidos com direito de voto, seriam sempre pagos prioritariamente pelo produto da alienação dos bens sobre os quais incide a garantia. Nestes termos, XXV. A sentença que determinou a não homologação do acordo alcançado nos presentes autos fez uma errada interpretação e aplicação das disposições legais dos artigos 47.º, n.º 4, 195.º, n.º 1 e 215.º, todos do CIRE, pelo que é de concluir que não ocorreu violação injustificada nem desproporcionada do princípio da não discriminação entre credores. Por outro lado, XXVI. Não foram alegados e provados factos que possam permitir concluir que, num cenário de liquidação em insolvência, os credores comuns estariam em situação mais vantajosa que com o Plano de recuperação apresentado pela Devedora, por lograrem satisfação de percentagem superior a 10% do seu capital, após pagamento prioritário dos créditos garantidos, de percentagem elevada. Dito de outra forma, XXVII. Não é possível afirmar que em cenário de insolvência ou liquidação, os direitos dos credores comuns seriam mais eficazmente assegurados do que nos termos do Plano ora aprovado por maioria de credores. XXVIII. E tal como o Tribunal a quo fez consignar na sentença em que negou a homologação, os credores comuns representam «menos de um terço da totalidade dos créditos»… Pelo exposto, XXIX. É de concluir, à luz do entendimento jurisprudencial e doutrinal elencados na presente alegação, que existe fundamento objetivo para o tratamento diferenciado, em sede de Plano de recuperação, dos créditos das instituições financeiras, e de outros credores, titulares de créditos garantidos por hipoteca, quando confrontados com os créditos de que são titulares os credores comuns. Neste conspecto, XXX. Repete-se, a sentença que recusou a homologação do acordo alcançado nos presentes autos fez uma errada interpretação e aplicação das disposições legais dos artigos 47.º, n.º 4, 195.º, n.º 1 e 215.º, todos do CIRE. Relativamente ao despacho de encerramento do processo XXXI. A decisão de encerramento do processo, portanto, está impregnada do mesmo vício da sentença que decidiu pela não homologação do acordo encontrado nos presentes autos, em razão de errada interpretação e aplicação das disposições legais dos artigos 47.º, n.º 4, 195.º, n.º 1 e 215.º, todos do CIRE. Contra-alegou Novo Banco, SA, alegando a extemporaneidade do recurso da decisão de recusa de homologação e a irrecorribilidade do despacho de encerramento. Tal recurso foi admitido por despacho de 09/01/2025, ainda não cumprido, à data da subida dos presentes autos a este Tribunal da Relação. * Por despacho da Relatora de 15/01/2025 foi concedido à recorrente o prazo de 10 dias querendo, se pronunciar quanto à questão da admissibilidade do recurso por si interposto, tendo em conta as alegações e conclusões que juntou ao mesmo e o disposto no art. 641º nº2, al. b) do CPC. A devedora respondeu alegando que o único fundamento para a declaração de insolvência foi a recusa de homologação, pelo que os fundamentos alegados levariam sempre à revogação desta sentença, não existindo qualquer outro fundamento para impugnar a sentença que não a decisão de não homologação. Entende não resultar claro do despacho qual o defeito de que as conclusões padecem, nem ser claro porque não foi usado o disposto no art. 639º nº3 do CPC, determinando o aperfeiçoamento, sendo logo apontada a rejeição que deve ser usada com parcimónia. * Em 03/02/2025, foi proferida decisão singular, nos termos dos arts. 652º nº1, alínea h) do CPC, que concluiu nos seguintes termos: “Pelos fundamentos expostos, declaro a inadmissibilidade do presente recurso e, em consequência, declaro-o findo. Custas pela apelante, de cujo pagamento fica isenta, sem prejuízo do disposto no art. 4º nº4 do RCP.” Não se conformando, a apelante reclamou para a conferência, pedindo seja revogada a decisão singular proferida e admitido o recurso interposto. formulando as seguintes conclusões: “i. O Plano de Recuperação foi aprovado, em sede de PER, por votos favoráveis que ascenderam a 68,45% dos créditos admitidos; ii. O Plano de Recuperação sufragado pela referida maioria de credores compreendia os seguintes votos favoráveis da Autoridade Tributária e Aduaneira, do Banco BIC Português, S.A. e do Instituto da Segurança Social, I.P.; iii. Ou seja, os credores públicos, cujos créditos sempre são pagos na totalidade, assim como o principal credor, foram determinantes para a aprovação do Plano de Recuperação, com votos favoráveis que representam €2.619.867,45 dos créditos reconhecidos; iv. O Plano de Recuperação compreendia prazos de pagamento suficientemente dilatados no tempo para permitir que, não só os créditos referidos na conclusão anterior fossem honrados, mas também os dos demais credores; v. Todos os credores reconhecidos beneficiariam dessa folga temporal, que simultaneamente garantiria à reclamante condições de funcionamento e desenvolvimento da sua atividade comercial, indispensável ao pagamento das dívidas reconhecidas; vi. A filosofia subjacente ao CIRE é a recuperação do devedor e só subsidiariamente a liquidação do seu património, e existem elementos que apontam para a viabilidade. vii. Por outro lado, os fundamentos alegados para a revogação da sentença de não homologação levariam sempre, em consequência, à revogação da sentença de insolvência; viii. Pelo exposto, conclui que não há como não considerar que a não homologação do Plano de Recuperação foi a única causa determinante da insolvência da ora reclamante; ix. Acresce que, o n.º 1 do artigo 42.º do CIRE dispõe que as pessoas que tiverem legitimidade podem sempre interpor recurso da sentença de declaração de insolvência «(…) quando entendam que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido proferida».” Não foi apresentada resposta. Foram colhidos os vistos e designada a conferência nos termos do disposto no art. 652º nº3 do CPC. * 2. Fundamentação A devedora veio reclamar para a conferência da decisão que julgou inadmissível o recurso por si interposto da sentença que declarou a insolvência com fundamento na ausência de alegações e conclusões, dado que, em síntese, a apelante se limitou a alegar e concluir quanto a decisão que não corresponde à decisão recorrida, formulando uma única conclusão quanto à sentença recorrida sem qualquer correspondência nas alegações. Alega a reclamante, em síntese, que apresentou as mesmas conclusões em recursos de dois despachos diferentes, a decisão de não homologação em PER e a sentença que decretou a insolvência, porque a não homologação do plano foi o único fundamento que conduziu à insolvência da recorrente. Se a recorrente houvesse, como consta da decisão reclamada, deduzido oposição ao parecer de insolvência e os autos houvesse sido encerrados, cessariam todos os efeitos, nomeadamente os previstos no art. 17º-E nº1 do CIRE, o que condenaria a apelante à insolvência e impediria que discutisse a decisão de não homologação do plano de recuperação em via de recurso, por inutilidade superveniente da lide. A decisão reclamada não admitiu o recurso com os seguintes fundamentos: “A instância de recurso supõe, além dos pressupostos processuais gerais, dois processuais específicos positivos: um objetivo - a recorribilidade da decisão, outro subjetivo - a legitimidade do recorrente. Implica ainda o cumprimento de determinados ónus, a cargo do recorrente. Qualquer daqueles pressupostos é de conhecimento oficioso e estão claramente verificados no caso concreto: a sentença que declara a insolvência é recorrível e a devedora declarada insolvente tem legitimidade para dela recorrer. Há, ainda assim, que verificar se foram devidamente cumpridos os ónus a cargo do recorrente. A verificação dos pressupostos específicos do recurso e das demais condições de admissibilidade está sujeita ao controlo oficioso sucessivo do tribunal a quo e do tribunal ad quem. O tribunal a quo deve indeferir in limine o requerimento de interposição do recurso sempre que, designadamente, a decisão não seja recorrível, o recurso seja intempestivo ou o recorrente não reúna as condições necessárias para recorrer (artº 641 nºs 1 e 2, al. a), do CPC). A decisão do tribunal a quo que, julgando verificado qualquer pressuposto processual específico do recurso ou demais condições de admissibilidade é inimpugnável, mas não vincula o tribunal ad quem (artº 641 nº 5 do CPC). O tribunal superior deve controlar a verificação dos pressupostos específicos do recurso e demais condições de admissão, e, caso conclua pela sua ausência, deve, naturalmente, abster-se de conhecer do seu objeto (artºs 652 nº 1, als. b) e h), e 655º nºs 1 e 2 do CPC). O recurso importa o ónus de alegação e conclusão, a cargo do recorrente, consequência do princípio do dispositivo e de concentração dos atos processuais que rege a interposição de recursos no nosso direito processual civil atual.[1] Assim, o requerimento exprime a vontade de interposição do recurso e as alegações e conclusões a respetiva fundamentação e pedido. Para o efeito o recorrente terá que cumprir os ónus a seu cargo: “os ónus estruturais de alegação e de formulação de conclusões – i.e. o ónus de enunciar os fundamentos específicos do pedido de recurso – conforme exigido pelos arts. 637º nº2 e 639º.”[2] A matéria dos recursos surge regulada em processo de insolvência por uma única norma de carater geral (art. 14º do CIRE) e algumas normas específicas (como os arts. 17º-F nº9, 40º nº3, 42º, 73º nº5, 78º nº2, 158º nº4, 188º nº5, 207º nº2, todos do CIRE, entre outros). É, assim, no Código de Processo Civil, com as devidas adaptações quando se mostrem necessárias, que encontramos as regras relativas à admissibilidade e regime dos recursos em processo de insolvência e seus apensos, sempre que não contrariem o disposto no CIRE, nos termos do nº1 do art. 17º do CIRE. O recurso foi interposto numa ação especial de insolvência, sendo assim aplicáveis as regras gerais dos arts. 627º e ss. do CPC, sempre com as devidas adaptações. A sentença recorrida é, expressamente, a sentença que declarou a insolvência da devedora. No entanto a recorrente identifica como objeto do recurso a “sentença que recusou a homologação do Plano de Recuperação apresentado pela Devedora”, proferida no processo especial de revitalização apenso em 19/04/2024[3]. Ora a sentença de recusa de homologação do plano é autonomamente recorrível nos termos gerais (art. 644º nº1, al. a) do CPC)[4], como aliás resulta do disposto no art. 17º-F, nº10 do CIRE, onde se prescreve como efeito do recurso da decisão de não homologação o efeito suspensivo da liquidação e partilha do ativo[5]. E no caso, como se verifica do apenso A, a referida sentença foi objeto de recurso, a ser apreciado[6]. Sendo provido, todo o processado posterior fica prejudicado, incluindo a autuação e processado do processo de insolvência e respetiva sentença. Tal aliás como alegado pela recorrente, mas sem aplicação a este recurso. A recorrente, na presente apelação, limitou-se a alegar, como fundamentos do recurso, questões relativas à classificação dos créditos do Banco Santander Totta e Caixa Geral de Depósitos (pgs. 3 a 7 das alegações), questões que não foram apreciadas na sentença recorrida, mas apenas na sentença de recusa de homologação do plano e questões relativas a alegada violação do princípio da igualdade (pgs. 7 a 13 das alegações), que não foram conhecidas na sentença recorrida, mas sim na sentença de recusa de homologação, rematando as alegações com a imputação de violação à “sentença que determinou a não homologação do acordo” de “errada interpretação e aplicação das disposições legais dos artigos 47.º, n.º 4, 195.º, n.º 1 e 215.º, todos do CIRE,”. O que significa que não alegou qualquer fundamento para o pedido que aqui formulou – o recurso da sentença que decretou a sua insolvência. Diferentemente do alegado pela recorrente, a decisão de recusa de homologação do plano não foi o fundamento para a sentença que decretou a insolvência da devedora. Foi antes o facto de, após a recusa de homologação, ter sido verificado, sem oposição da devedora, que esta se encontrava em estado de insolvência[7]. Se a devedora, notificada tivesse deduzido oposição ao parecer de insolvência, por aplicação do disposto no art. 17º-G nº6 do CIRE, o processo especial de revitalização terá sido encerrado sem qualquer efeito, designadamente sem que viesse a ser autuado e prosseguido com sentença, a declaração de insolvência da devedora. Sendo tudo o alegado respeitante a outro despacho recorrível, no presente recurso tal corresponde a uma total falta de alegações, dado que as que foram apresentadas e juntas não respeitam à decisão recorrida e, consequentemente, ao recurso interposto. As conclusões formuladas em I a XXXI são correspondentes àquelas alegações e respeitam, exclusivamente, à sentença que recusou a homologação A única referência efetuada à sentença efetivamente recorrida é a constante da conclusão XXXII: “Foi a errada interpretação e aplicação das indicadas disposições legais que deu azo à prolação de despacho pelo Administrador Judicial Provisório, ao abrigo do disposto no artigo 17.º-G, n.º3 do CIRE e, em última análise, à prolação da sentença de insolvência.” A referida conclusão não traduz qualquer argumento suscetível de levar à revogação da sentença recorrida – de novo, a sentença que decretou a insolvência – apenas que se entende serem os motivos pelos quais a sentença que recusou a homologação deve ser revogada, o que, evidentemente, é de apreciar no recurso interposto dessa sentença, se admissível, que levam a que não deveria ter sido proferida sentença a decretar a insolvência. Acresce que a cls. XXXII corresponde a uma conclusão sem fundamentos, não tendo a matéria nela contida sido sequer abordada na motivação. Dando a palavra a Rui Pinto[8] “a falta absoluta das alegações consiste na ausência efetiva de afirmações com uma funcionalidade demonstrativa; enquanto que uma falta de conclusões consiste na ausência de afirmações consequentes daquelas mesmas.” Na maior parte dos casos estaremos ante uma ausência efetiva de alegações ou conclusões. É o caso dos autos, em que fisicamente foram apresentadas alegações e conclusões que não respeitam à decisão recorrida, mas a outra sentença, também recorrida (e recorrível), a conhecer noutra apelação, o que implica uma total ausência de alegações e conclusões quanto ao concreto recurso interposto. Há também um vício de falta absoluta quando são apresentadas conclusões sem fundamentos – como sucede com a conclusão XXXII apresentada pelo recorrente. Como se explicou de forma límpida no Ac. TRC de 08/06/2018 (Ramalho Pinto – 1840/16): “Como se entendeu, entre outros, nos acórdãos desta Relação de 12/03/2015, proc. 554/13.1TTLRA.C1 e de 27/05/2015, proc. 1556/14.6T8LRA.C1 (relator Jorge Loureiro, e subscritos pelo aqui relator), resulta do artº 639º, nº 1, do CPC a imposição ao recorrente de dois ónus, a saber: 1º) o de alegar; 2º) o de formular conclusões. Assim, com vista à satisfação daquele primeiro ónus, o recorrente deve apresentar a alegação onde: a) expõe os motivos e argumentos da sua impugnação, explicitando as razões pelas quais considera que a decisão está errada ou é injusta, seja do ponto de vista da apreciação da prova produzida e do julgamento da matéria de facto levada a efeito com base nela, seja do ponto de vista da interpretação e da aplicação do direito aos factos que devem considerar-se provados; b) enuncia o objectivo que visa alcançar com o recurso. Por seu turno, para satisfação do segundo dos enunciados ónus, o recorrente deve terminar a sua minuta com a formulação de conclusões, por via das quais deve indicar resumidamente, através de proposições sintéticas, os fundamentos, de facto e/ou de direito, com base nos quais pede a alteração ou anulação da decisão – as conclusões são, assim, proposições onde se sumaria a exposição analítica do corpo das alegações Cfr. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pp. 172/173; Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, p. 359.. Quer isto dizer que as conclusões da alegação do recurso deverão apenas conter a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses desenvolvidas nas alegações. Daí que as conclusões do recurso que versem matéria não tratada nas alegações sejam totalmente irrelevantes.” No mesmo sentido se pronunciou Rui Pinto[9], referindo que se trata de um vício de falta absoluta se as conclusões versarem matéria não tratada nas alegações pelo que, nesse caso, “o requerimento não contém conclusões”. A falta de alegações ou de conclusões – ou de ambas, como sucede no caso concreto – impõe a rejeição imediata do recurso, sem que seja admissível despacho de aperfeiçoamento, atento o disposto no art. 641º nº2, al. b) do CPC, ou o seu não conhecimento pelo tribunal de recurso, nos termos do disposto no art. 652º nº1, al. b) do mesmo diploma[10]. No caso de falta de alegações, como o presente, não tem lugar o aperfeiçoamento, dado que nada há a aperfeiçoar. O nº3 do art. 639º do CPC apenas se aplica quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas, não havendo lugar ao aperfeiçoamento de conclusões inexistentes, ou em falta absoluta. No caso concreto verifica-se uma falta absoluta de alegações, dado que não foi alegado qualquer fundamento dirigido à sentença recorrida e foi apresentada uma única conclusão referindo a sentença recorrida que não corresponde a qualquer alegação. Em consequência, nos termos da al b) do nº2 do art. 642º do CPC, o presente recurso não é admissível, pelo que há que julgar findo o mesmo por não haver que conhecer do seu objeto, nos termos do disposto no art. 652º nº 1, al. h), 2ª parte, do CPC).” A reclamante alega que o único fundamento da insolvência decretada pela sentença recorrida é a não homologação do plano de recuperação, voltando a repetir, de forma sintética, as razões pelas quais entende que o plano deveria ter sido homologado. Tal como se referiu na decisão reclamada, a causa da autuação do presente processo de insolvência e o decretamento imediato da insolvência da recorrente foi o funcionamento do disposto no art. 17º-G nº7 do CIRE, e não a decisão de não homologação. A decisão de não homologação, como explicitado, é uma decisão autonomamente recorrível e da qual a recorrente, discordando deveria recorrer[11]. O que não pode pretender é interpor dois recursos diferentes invocando os mesmos argumentos em relação à mesma decisão. O argumento de que, se tivesse deduzido oposição ao parecer de insolvência tal acarretaria o imediato encerramento e arquivamento dos autos de PER e extinção de todos os seus efeitos, nomeadamente a suspensão das medidas de execução, o que levaria à insolvência da reclamante e à impossibilidade de discussão da decisão de não homologação é, para o presente efeito, inócua e incorreta por dois motivos. Inócua porque quem se apresenta a PER conhece as regras aplicáveis ao mesmo e sabe que, não sendo homologado o plano que apresentar, pode vir a ser declarado insolvente. Opor-se ou não se opor a um parecer de insolvência proferido nos termos e circunstâncias constantes do art. 17º-G nº5 do CIRE é uma decisão da devedora e só dela, cujas consequências estão rigorosamente previstas nos nºs 6 e 7 do mesmo artigo: se se opuser o processo é encerrado; se não se opuser é declarada insolvente. Errada porque o efeito previsto no art. 17º-E nº1 do CIRE tem um prazo próprio de quatro meses prorrogável por um mês, findo o qual a suspensão das medidas de execução cessa automaticamente. Trata-se de um dos efeitos da interposição do PER que só cessará nos termos do art. 17º-G nº6 do CIRE se a não homologação do plano apresentado (ou não aprovação) e emissão de parecer por parte do administrador judicial ocorrerem antes de findo o prazo de quatro meses ou, se prorrogado, de cinco meses, previstos nos nºs 1 e 2 do art. 17º-E do CIRE. No caso concreto[12] a decisão de nomeação do administrador judicial provisório foi proferida em 13/07/2023, pelo que, não tendo sido requerida a sua prorrogação[13], a suspensão de medidas de execução contra a devedora cessou em 13/11/2023, muito antes do proferimento da decisão de não homologação, que se deu em 19/04/2024. E incorreta ainda porque o encerramento dos autos não impediria nem tornaria inútil o conhecimento de recurso que houvesse sido interposto, nos termos e prazo previstos na lei, daquela decisão de não homologação, sendo que a respetiva revogação acarretaria também a revogação de todo o processado posterior dele dependente (como seria, claramente o caso de uma decisão de encerramento). Na última conclusão avança ainda a reclamante[14] que nos termos do art. 42º nº1 do CIRE os legitimados podem interpor recurso da sentença de declaração de insolvência “quando entendam que face aos elementos apurados, ela não deveria ter sido proferida.” A regra do nº1 do art. 42º do CIRE delimita o âmbito do recurso e dos embargos à insolvência, estando o recurso reservado às questões não factuais, ou seja, quando dos próprios elementos apurados na sentença resulte que a solução de direito deveria ter sido outra. O que a regra não confere é direito a recurso ilimitado ou sem aplicação das demais regras relativas a prazo e formalidades. O recurso da sentença deve impugnar a própria sentença e não um despacho anterior proferido em apenso, nos termos já suficientemente explanados. Nestes termos, e inexistindo argumentos novos avançados pela reclamante, entende o coletivo que não existem razões jurídicas válidas que determinem a alteração do decidido, pelo que se reitera o decidido na Decisão Singular proferido pela Relatora que corrobora e mantem integralmente. Quanto a custas, mantém-se a decisão proferida na Decisão Sumária, mas, além disso, é a Apelante/Reclamante responsável pelo pagamento das custas da reclamação (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC, e art. 7.º, n.º 4, e Tabela II, penúltima linha, do Regulamentos das Custas Processuais). * 3. Decisão Nos termos e pelas razões expostas, acordam, em conferência, em manter a Decisão Singular proferida pela Relatora nos seus precisos termos. Custas da presente reclamação pela apelante/reclamante, fixando-se a taxa de justiça em uma UC. Notifique. * Lisboa, 25 de março de 2025 Fátima Reis Silva Manuela Espadaneira Lopes Amélia Sofia Rebelo _______________________________________________________ [1] Rui Pinto em Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2020, g. 292. [2] Rui Pinto, local citado, pg. 293. [3] Sentença notificada em 07/05/2024. [4] Neste exato sentido Labareda e Carvalho Fernandes em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, 2015, pg. 171, nota 15. [5] Soveral Martins em Um Curso de Direito da Insolvência, Volume II, 3ª edição, Almedina, 2022, pgs. 289 e 290. [6] Cujas alegações incluem ipsis verbis as alegações aqui produzidas. [7] Como, aliás, consta expressamente do Relatório da sentença recorrida. [8] Em Manual…, pgs. 294 e 295. [9] Manual…, pg. 295. [10] Neste exato sentido Abrantes Geraldes em Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, 2022, pgs. 216 e 293 e Rui Pinto, em Manual…., pg. 293. [11] Como o fez – cfr. apenso A. [12] Por consulta ao apenso A. [13] Foi apenas acordada, nos termos do nº7 do art. 17º-D, a prorrogação do prazo das negociações, que hoje em dia, e desde a alteração introduzida pela Lei nº 9/22 de 11 de janeiro, em nada releva em relação ao efeito suspensivo do art. 17º-E, que foi totalmente divorciado da duração do prazo de negociações. [14] Em argumentação da qual se conhece dado que no regime das reclamações para a conferência, sendo a formulação de conclusões de grande utilidade, não prevê a sua formulação obrigatória, não se associando, assim, qualquer consequência negativa à formulação de uma conclusão sem qualquer correspondência no corpo das alegações – neste sentido Rui Pinto em Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º do CPC), Julgar online, maio de 2020, pg. 4, nota 8, disponível em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/05/20200525-JULGAR-Os-meios-reclamatórios-comuns-da-decisão-civil-Rui-Pinto-v2.pdf. |