Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | EZAGÜY MARTINS | ||
| Descritores: | DANOS NÃO PATRIMONIAIS DANO BIOLÓGICO INDEMNIZAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 09/18/2014 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário, da responsabilidade do relator: I – Em matéria de indemnização por danos não patrimoniais deverá atender-se, em homenagem ao princípio constitucional da igualdade, aos padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência. II - Os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas, devendo a compensação ser significativa que não meramente simbólica. III – Mostra-se adequada a indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 30.000,00, relativamente a vítima de atropelamento que, em consequência do mesmo, e tendo à data 50 anos de idade, encontrando-se em perfeitas condições de saúde, sofreu lesões implicando um quantum doloris de 5/7, e uma afetação permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3/5 pontos, para além de um dano estético permanente fixável em 3/7, e repercussão na atividade sexual fixável em 3/7, sendo as sequelas apresentadas impeditivas do exercício da sua atividade profissional, podendo no entanto exercer outras profissões na área da sua preparação técnico profissional. Vendo-se na dependência, para o resto dos seus dias, de terceiras pessoas. Tendo-se tornado incontinente. Para além de o período de internamento e a consciência da gravidade do seu estado clínico, lhe terem causado igualmente mudanças ao nível da sua personalidade, sentindo-se a A. frustrada e deprimida, com o decorrente impedimento de realização de projetos pessoais e profissionais para o futuro, e estando muito fragilizada e suscetível. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam neste Tribunal da Relação I – A intentou ação declarativa, emergente de acidente de viação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra B, pedindo a condenação da Ré a pagar à A.: a) A quantia de € 245.368,61, acrescida de juros à tB legal de 4%, a partir da sua citação e até integral pagamento. b) Juros capitalizados por períodos de um ano, caso o referido pagamento seja efetuado mais de um ano após a citação, nos termos do art. 5600 do Código Civil, devendo considerar-se a citação como notificação judicial também para os efeitos previstos do seu n.º 1. Alegando, para tanto e em suma, que: No dia 26 de Setembro de 2000, pelas 14 horas, a A. pretendeu atravessar a pé, no sentido Norte-Sul, a Rua Elias Garcia, na Amadora. Dando início ao atravessamento da referida via através da passagem de peões aí existente, perto do número de polícia 370. Antes de o fazer, certificou-se que não existia qualquer impedimento de tráfego. Atravessando a referida passagem, na faixa de rodagem no sentido Poente-Nascente, quando foi embatida pelo veículo pesado de passageiros, ... que circulava na R. Elias Garcia, no sentido Nascente-Poente. Em consequência direta do atropelamento sofreu a A. danos patrimoniais diretos, danos morais e danos patrimoniais futuros, cuja indemnização computa no montante global de € 245.368,61, que discrimina. O acidente deveu-se única e exclusivamente ao condutor do veículo ..., que conduzia – por ordem, sob a direção, por conta e no interesse da sua entidade patronal, a C” – de forma imprudente e desatenta, com total desconsideração pelos outros utentes da via pública, e acusando uma tB de alcoolémia de 1,02g/l, 0,87g/l e 0,80g/l, nos sucessivos testes a que foi submetido. Sendo que à data do sinistro, “a responsabilidade civil pela utilização do automóvel ... (sic) encontrava-se transferida para a R. B por Contrato de Seguro titulado pela Apólice n.º ....”. Citada, contestou a Ré seguradora, assumindo a culpa, presumida ou efetiva do condutor do veículo ..., mas relegando “para a junta médica a realizar o apuramento de todas as lesões, a sua específica natureza, grau, extensão e respetivo nexo de causalidade com o acidente dos autos. Bem como a elucidação do atual estado clínico da Autora.”. Impugnando ainda a extensão e medida de ressarcibilidade dos danos patrimoniais e não patrimoniais, alegados pela A. E, bem assim, sustentando não serem devidos juros. Requerendo ainda a intervenção acessória provocada do condutor do veículo seguro na Ré, com fundamento no direito de regresso contra aquele, que se arroga na circunstância de conduzindo o mesmo sob o efeito do álcool, ter produzido o acidente. Igualmente citado, deduziu o ISSS pedido de condenação da Ré seguradora no pagamento àquele Instituto de € 8.942,59, acrescida de juros legais desde a data da notificação do requerimento, até integral pagamento. Alegando ter pago à A., sua beneficiária, e na sequência do acidente dos autos, prestações pecuniárias a título de subsídio de doença, naquele montante de capital. Remetendo, no tocante às circunstâncias em que se deu o acidente, para a descrição feita na petição inicial apresentada pela A. Vindo subsequentemente informar ter a demandada pago já ao ISSS a quantia aqui reclamada por aquele, requerendo assim fosse julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide. Por despacho de folhas foi julgada extinta a instância “quanto a esse pedido, por inutilidade superveniente da lide”. E admitida a intervenção acessória provocada de Alfredo ..., ordenando-se a sua citação, “nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 332º, n.º 1, do C.P.C.”. Contestou o chamado, por impugnação, oferecendo uma diversa versão das circunstâncias em que ocorreu o acidente, que atribui a culpa exclusiva da A., que, caminhando no passeio, de costas para o sentido de marcha do veículo ..., virou rápida e bruscamente à sua esquerda, ingressando na estrada, sem se assegurar previamente de que podia atravessar a via com segurança. Caminhando aquela distraída e em passo rápido, surgindo inopinadamente na faixa de rodagem. Inexistindo qualquer nexo de causalidade entre a tB de alcoolémia apresentada pelo chamado e o acidente ocorrido. Remata com a improcedência da ação, por não provada, e a improcedência, por não provado do direito de regresso da Ré B, e do pedido deduzido pelo ISSS… Houve réplica da A., considerando defender-se o chamado por exceção, quando atribui a culpa na produção do sinistro à A. E concluindo co a improcedência da “exceção deduzida”. Dispensada que foi a realização da audiência preliminar, prosseguiu o processo seus termos, com tabelar saneamento, e condensação. Vindo, depois de efetuados os competentes exames médicos, e realizada a audiência final, a ser proferida sentença que julgou a “ação parcialmente procedente, por parcialmente provada”, condenando “a R. a pagar à A. a quantia de €65.023 (…) quantia indemnizatória atualizada, à qual acrescem juros a partir da presente decisão, absolvendo o interveniente Alfredo … do pedido”. A folhas 753-754, requereu a A. o suprimento da omissão, na sentença, de pronúncia quanto aos pedidos de indemnização de €1.000 pelo vestuário danificado, de €12.933,6 pelo pagamento de uma empregada, de €169,81 de pagamentos de atos médicos que teve de suportar, e de €1.333,45 pelas deslocações que o seu marido e filho efetuaram durante o período de baixa clínica da A., todos estes danos patrimoniais no valor que a A. computou em €15.496,94. Sobre tal requerimento recaindo o despacho reproduzido a folhas 756-758, decidindo que “Por todo o exposto, aos valores antes alcançados cumpre somar os agora encontrados em sede de indemnização por danos patrimoniais: 0.333,45 (deslocações) + €6.496,65 (empregada), no total de €7830,1.”, acrescendo “Este valor (…) à condenação já proferida de ser paga a quantia de €65.023, totalizando assim a condenação da R. no pagamento da quantia de €72.853,1, mantendo-se o mais decidido.”. Inconformadas, recorreram a A. e a Ré seguradora. Vindo o recurso interposto pela Ré B, S.A., a ser julgado deserto por falta de alegações, por despacho do relator, a folhas 805. E formulando a A., as suas alegações, as seguintes conclusões: “a) No que a diz respeito aos danos patrimoniais peticionados na presente acção, a A. suscitou no mesmo dia em que foi notificada da Sentença (e com invocação do disposto no artigo 667.º, n.º 1, do CPC) a correcção da mesma, porquanto do respectivo relatório constava que a A. (para além de danos não patrimoniais, e danos patrimoniais futuros) peticionara uma indemnização no valor de €1.000 pelo vestuário danificado, e bem assim a quantia de €12.933,60 pelo pagamento de uma empregada, pois sentiu necessidade de continuar a beneficiar de organização doméstica que tinha antes do acidente, pelo que pagou mensalmente a quantia de €433,12 durante 30 meses, incluindo os subsídios de férias e natal; e ainda pediu a condenação da R. no pagamento da quantia de €169,81 derivado de pagamentos de atos médicos que teve de suportar, e de €1.333,45 pelas deslocações que o seu marido e filho efetuaram durante o período de baixa clinica da A., todos estes danos patrimoniais no valor que a A. computou em €15.496,94. b) Porém, a douta Sentença era omissa quanto a tais pedidos, por lapso manifesto. c) Em resposta a tal requerimento, veio a ser proferido douto Despacho, do qual consta: « (...) provou-se que a A. suportou o pagamento da quantia mensal de Esc. 72.000$00 de remuneração mensal, acrescida de Esc. 14.832$00 mensais relativos a descontos para a segurança social, e subsídios de férias e de Natal, desde a data do acidente 26 de setembro de 2000 até novembro de 2002. Isto significa que mensalmente a A. despendeu a quantia de €433,11, totalizando assim os 15 meses (13 meses mais dois de subsídios) a quantia de €6.496,65 (...) aos valores antes alcançados cumpre somar os agora encontrados em sede de indemnização por danos patrimoniais: € 1.333,45 (deslocações) + € 6.496,65 (empregada), no total de €7830,1. Este valor acresce à condenação já proferida de ser paga a quantia de €65.023, totalizando assim a condenação da R. no pagamento da quantia de €72.853,1, mantendo-se o mais decidido.» d) Pelo que a Sentença recorrida foi corrigida em conformidade. e) Inconformada, desde logo no que respeita ao valor da indemnização por dano não patrimonial, crê a recorrente que o mesmo é manifestamente insuficiente. f) A este respeito, remete-se na íntegra para os factos dados como assentes, e constantes das seguintes alíneas da Sentença recorrida): j), n), o), p), q), r), s), t) e u). g) Tais factos evidenciam, por um lado, a gravidade dos ferimentos sofridos pela A., decorrendo da experiência comum as dores intensas inerentes aos mesmos - sendo o quantum doloris de 5 em 7, ou seja muito próximo do máximo da escala (a que acrescem dano estético e prejuízo sexual nos termos constantes dos autos). h) Até à data do acidente, a A. encontrava-se em perfeitas condições de saúde, tornando-se desde então incontinente, dependente de terceiras pessoas, frustrada, deprimida, fragilizada e susceptível, e não mais podendo desempenhar a profissão que tinha. i) Neste particular, a Sentença recorrida violou, pois, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 70.º e seguintes, e 496.º, n.º 1 e n.º 3, do Código Civil, ao condenar a R. a pagar à A. uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 20.000,00. j) Deveria ter interpretado e aplicado correctamente tais preceitos, condenando a R. a pagar à A, uma indemnização por danos não patrimoniais em valor nunca inferior a € 38.000,00. k) Quanto ao cálculo do valor suportado pela A. com empregada doméstica, estamos perante um erro material de cálculo. l) Com efeito, foi dado como assente que a A. suportou o pagamento da quantia mensal de Esc. 72.000$00 de remuneração mensal, acrescida de Esc. 14.832$00 mensais relativos a descontos para a segurança social, e subsídios de férias e de Natal, desde a data do acidente 26 de setembro de 2000 até novembro de 2002. m) Ora, tal dispêndio mensal de € 433,11 teve lugar não durante quinze meses, como consta do despacho que corrigiu a Sentença proferida nessa matéria, mas sim durante dois anos e dois meses, ou seja (12+2+12+2+1) vinte e nove meses. n) Assim, o valor suportado a título de empregada doméstica perfaz € 12.560,19 (doze mil quinhentos e sessenta euros e dezanove cêntimos), e não € 6.496,65. o) Por outro lado, a tal valor devem acrescer juros de mora contados desde a data da citação (a qual teve lugar em Outubro de 2003) e até efectivo e integral pagamento, os quais perfazem nesta data € 5.024,08. p) Termos em que deverá ser corrigida a omissão constante da douta Sentença proferida, sendo a condenação neste particular de € (12.560,19 + 5.024,08) = €17.584,27 e não de € 6.496,65, com os legais efeitos. q) Pelo que, decidindo nos presentes termos e nos mais que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá a Sentença recorrida ser substituída por outra que, mantendo no demais a condenação no valor de € 65.000,00 a título de dano patrimonial futuro, amplie a condenação a título de dano não patrimonial para o valor de € 38.000,00 e a condenação a título de ressarcimento das despesas com a empregada doméstica e respectivos juros para € 17.584,27. r) (…)”. Não houve contra-alegações. II – Corridos que foram os vistos legais, cumpre decidir. Face às conclusões de recurso, que, como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, aqui imperante, e certo tratar-se de ação proposta em 19-09-2003, tendo a sentença recorrida sido proferida em 04-06-2013 – são questões propostas à resolução deste Tribunal: - se a sentença recorrida – integrada pelo despacho de folhas 756-758 – enferma de erro de cálculo no tocante ao valor suportado pela A. com empregada doméstica; - o termo a quo da contagem de juros de mora sobre o montante relativo a despesas com empregada doméstica, - se peca por defeito, e nos termos colocados pela Recorrente, a indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais sofridos pela A. * Considerou-se assente, na 1ª instância, sem impugnação a propósito e nada impondo diversamente, a factualidade seguinte: “a) No dia 26 de Setembro de 2000, pelas 14 horas, na Rua Elias Garcia, na Amadora, a autora foi atropelada pelo veículo pesado de passageiros matrícula ..., propriedade da empresa C, e conduzido por Alfredo …; b) Alfredo ... conduzia o veículo por ordem, sob a direcção, por conta e no interesse da sua entidade patronal, a proprietária C; c) O veículo … transitava na Rua Elias Garcia, no sentido Nascente-Poente, a velocidade reduzida; d) O condutor do veículo … foi submetido a teste alcoolémico como forma de despistagem, tendo acusado uma tB de 1,02 g/l, depois a teste alcoolémico quantitativo, tendo acusado uma tB de 0,87 g/l, e finalmente a novo teste quantitativo, tendo acusado uma tB de 0,80 g/l. e) À data do acidente a responsabilidade civil pela utilização do automóvel ... encontrava-se transferida para a R. B por Contrato de Seguro titulado pela Apólice nº ...; f) A A. nasceu no dia 19/6/1950; g) A A. pretendeu atravessar a pé, no sentido Norte-Sul, a Rua Elias Garcia, na Amadora e deu início ao atravessamento da referida via através da passagem de peões aí existente, perto do número de polícia 370; h) A A. já tinha iniciado a travessia na passadeira quando o veículo ... arrancou da paragem de passageiros e foi embater nela já na passadeira; i) A A. iniciou então o atravessamento da mencionada passagem de peões, na faixa de rodagem destinada à circulação rodoviária no sentido Poente-Nascente, quando foi embatida pelo veículo …, o qual circulava em sentido inverso; j) Em consequência direta do atropelamento, resultaram ferimentos graves na A. que determinaram o seu transporte urgente para o Hospital de S. José, onde permaneceu internada até ao dia 21 de Outubro de 2000, no serviço de cirurgia 3, tendo nessa data sido transferida para o Hospital Fernando Fonseca onde continuou internada até ao dia 7 de Novembro de 2000, quando teve alta hospitalar; k) Entre a data do acidente e o mês de Novembro de 2002 a A. teve necessidade de contratar uma empregada, a fim de permitir à sua família e a si própria continuarem a usufruir da organização doméstica que lhes era antes do acidente proporcionada pela A. com o que despendeu a quantia de Esc. 72.000$00 de remuneração mensal, acrescida de Esc. 14.832$00 mensais relativos a descontos para a segurança social, e subsídios de férias e de Natal; l) A A. suportou despesas decorrentes de consultas no valor de €23,23; m) Desde o acidente e até 22 de Setembro de 2003, data em que foi concedida a alta clínica à A., o marido e o filho da A. deslocaram-se aos Hospitais em que esta última esteve internado, em viatura própria tendo percorrido um total de 4.041 quilómetros; n) Em consequência do acidente, a A. sofreu: Traumatismo craneo encefálico com perda de conhecimento, contusão cortical frontal esquerda, hemosinus (seio esfenoidal e células etmoidais posteriores), fractura occipital esquerda, derrame interhemisférico posterior occipital, e hematoma das partes epicraneanas occipitoparietais esquerdas; Traumatismo facial com escoriações; Traumatismo torácico com fractura do terceiro e nono arcos costais esquerdos, contusão pulmonar esquerda e hemotórax esquerdo; Traumatismo da omoplata esquerda com fractura complexa do corpo; Traumatismo abdominal fechado com contusão hepática (lobo direito), contusão esplénica e hemoperitoneo perihepático e esplénico; Traumatismo da bacia com fractura do ramo horizontal ílio púbico esquerdo e diástase da sínfise púbica; o) A A. teve um défice funcional temporário geral total de 49 dias, um défice funcional temporário geral parcial de 239 dias, repercussão temporária nas atividades profissionais total de 288 dias, um quantum doloris de 5/7, uma afetação permanente da integridade físico-psíquica fixável em 35 pontos. Em termos de repercussão na atividade de proprietária de empresa familiar de distribuição de eletrodomésticos, as sequelas descritas são impeditivas do exercício da atividade profissional, sendo no entanto compatível com outras profissões na área da sua preparação técnico profissional. Dano estético permanente fixável em 3/7, repercussão na atividade sexual fixável em 3/7; p) A A. encontrava-se em perfeitas condições de saúde naquela tarde do dia 26 de Setembro, e quando volta a si, encontra-se não só debilitada fisicamente, mas com um futuro irremediavelmente perdido; q) A A. sofreu e sofre imensas dores em consequência do acidente e por causa do mesmo tem profundo desgosto com as consequências funestas que desse evento resultaram, designadamente, a A. dependerá para o resto dos seus dias de terceiras pessoas, o que já por si lhe causa grande tristeza; r) A A. tomou-se incontinente, facto que lhe provoca grande sofrimento e angústia; s) O longo período de internamento da A., e a consciência da gravidade do seu estado clínico, causaram-lhe igualmente mudanças ao nível da sua personalidade; t) Com o impedimento de realização de projectos pessoais e profissionais para o futuro, a A. sente-se frustrada e deprimida; u) A A. está muito fragilizada e suscetível; v) À data do acidente a A. auferia a título de rendimento anual pelo seu trabalho a quantia de €5.027,88; w) A faixa de rodagem total da Rua tem a largura de € 7.30 metros.”. 1. Tratam-se, aqueles, de “prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética), que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação (…) do que uma indemnização”.[2]
Nos termos do art.º 496º, n.º 1 do Código Civil, na fixação da indemnização correspondente a tais danos deve atender-se aos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. Sendo o montante daquela – e quer ocorra dolo ou mera culpa do lesante – a fixar equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção nos termos do art.º 494º, ex vi do art.º 496º, n.º 4, ambos do Código Civil, o grau de culpabilidade do agente a situação económica deste e do lesado, a natureza e intensidade do dano e as demais circunstâncias do caso. Parte-se assim de um padrão objetivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso, segundo regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.[3] Não dependendo o funcionamento do critério de fixação equitativa da indemnização correspondente, de haver ou não motivo para atenuação especial da responsabilidade, nos termos do art.º 494º. Este preceito e o do art.º 496º, n.º 3, têm campos de atuação diversos.[4] Importando assinalar, por um lado, que a ponderação, nesta sede, da situação económica do lesado é de afastar, por violação do princípio constitucional da igualdade,[5] cfr. art.º 13º, da Constituição da República Portuguesa. Como também a do agente, na circunstância de nos movermos na área do seguro obrigatório de responsabilidade civil. E, por outro, que como igualmente refere Antunes Varela,[6] deverá ainda atender-se, na matéria, “aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência”. Ela própria incorporando esse critério, como ver-se pode, v.g., em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-2007: “II- Na quantificação da indemnização por danos não patrimoniais, com recurso à equidade, devem ponderar-se, nomeadamente, os valores fixados noutras decisões jurisprudenciais.”.[7] E, desse modo, em ordem a acautelar o sobredito princípio da igualdade. Sendo ainda que, na esteira da jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, é de entender que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas, devendo a compensação ser significativa que não meramente simbólica. Sem que, como igualmente se frisa no Acórdão daquele Tribunal de 10/10/2012,[8] “indemnização significativa” queira “dizer indemnização arbitrária. O juiz deve procurar um justo grau de “compensação””. Finalmente, e no que concerne às balizas normativas da medida da indemnização, cumpre ainda recordar que, como se dá nota em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31-05-2012,[9] “o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações por danos não patrimoniais é fixado pelo Código Civil. Os que são definidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele”. 2. Ora é incontornável o elevado grau de sofrimento que as lesões ocasionadas à A., e as suas sequelas, provocaram, provocam e provocarão naquela. Recorde-se: À data do acidente a A. tinha 50 anos de idade, e encontrava-se em perfeitas condições de saúde. Em consequência direta do atropelamento, sofreu ferimentos que determinaram o seu transporte urgente para o Hospital de S. José, onde permaneceu internada até ao dia 21 de Outubro de 2000, no serviço de cirurgia 3, tendo nessa data sido transferida para o Hospital Fernando Fonseca onde continuou internada até ao dia 7 de Novembro de 2000, data em que teve alta hospitalar. Tendo as lesões sofridas implicado um quantum doloris de 5/7, e uma afetação permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3/5 pontos. Para além de um dano estético permanente fixável em 3/7, e repercussão na atividade sexual fixável em 3/7. Em termos de repercussão na atividade de proprietária de empresa familiar de distribuição de eletrodomésticos, as sequelas descritas são impeditivas do exercício da atividade profissional, sendo no entanto compatível com outras profissões na área da sua preparação técnico profissional. A A. sofreu e sofre imensas dores em consequência do acidente tendo profundo desgosto com as consequências que desse evento resultaram, designadamente, a sua dependência, para o resto dos seus dias, de terceiras pessoas. Tendo-se tornado incontinente, facto que lhe provoca grande sofrimento e angústia. Para além de o período de internamento da A., e a consciência da gravidade do seu estado clínico, lhe terem causado igualmente mudanças ao nível da sua personalidade. Sentindo-se a A. frustrada e deprimida, com o decorrente impedimento de realização de projetos pessoais e profissionais para o futuro. E estando muito fragilizada e suscetível. Ajudando ao entendimento da dimensão do sofrimento da A., a consideração do tipo de lesões sofrida por aquela em consequência direta do seu atropelamento. Assim, para além de traumatismo crânio encefálico com perda de conhecimento, sofreu aquela fraturas em quatro diferentes partes do seu esqueleto: fratura occipital esquerda… fratura do terceiro e nono arcos costais esquerdos… omoplata esquerda com fratura complexa do corpo…e fratura do ramo horizontal ílio púbico esquerdo. Tendo ainda sofrido contusão cortical, derrame inter-hemisférico… hemosinus, hematoma das partes epicranianas occipitoparietais esquerdas… traumatismo facial com escoriações, traumatismo torácico, traumatismo da omoplata esquerda, traumatismo abdominal fechado com contusão hepática (lobo direito), traumatismo da bacia, contusão pulmonar esquerda e hemotórax esquerdo, contusão esplénica e hemoperitoneu perihepático e esplénico; e diástase da sínfise púbica. 3. Vindo inicialmente peticionada, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 60.000,00, ficou provada a generalidade dos factos alegados pela A. em fundamento de tal pretensão. Tendo a sentença recorrida – onde se concluiu, e bem, pela culpa exclusiva do condutor do veículo ... – considerado ajustado o montante de € 20.000,00. Reclamando agora a A./recorrente, em sede de alegações, e por aquele título, um “valor nunca inferior a € 38.000,00.”. Retornando à consideração da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nesta matéria, dá-se conta: No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-02-2012,[10] considerando que o lesado - à data do acidente com 26 anos de idade, e que ficou afetado de uma IPP de 32,36% – “foi operado pelas especialidades de ortopedia e de cirurgia plástica, que esteve em ventilação mecânica entre os dias 24-10 e 03-11-2004, que foi submetido a nova intervenção cirúrgica e a duas correcções cirúrgicas programadas, que teve períodos de irritabilidade, de lapsos mnésicos e de cefaleias, que sente dificuldades de concentração e na aprendizagem de novas tarefas, que denota baixa capacidade de iniciativa e/ou planeamento, que tende a isolar-se de familiares e amigos, que se sente deprimido e que sofreu dores durante a sua recuperação”, julgou-se que “o montante fixado de € 30 000 não se mostra excessivo a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos.”. No Acórdão de 05-07-2012,[11] e relativamente a um acidente de pirotecnia, numa festa, e em hipótese de mera presunção de culpa, julgou-se que tendo o autor, com 22 anos de idade – e que após o sinistro pode continuar a sua atividade laboral, com os mesmos proventos, apesar de ter ficado afetado de uma IPP de 39% – perdido no acidente, “total e irreversivelmente, a visão de um dos olhos, que ficou com deformação estética de 6 numa escala de 1 a 7, que sofreu, durante meses, dores, de intensidade 6 numa escala igual, que sofreu outras lesões, como fratura do malar direito e da órbita direito, que foi intervencionado cirurgicamente, tudo com consequente quadro psíquico muito negativo, é adequado o montante de € 60.000 reportado à indemnização por danos não patrimoniais.”. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-09-2010,[12] e relativamente a acidente de viação, em consequência do qual a A., então com 17 anos (quase 18) de idade, “ficou com as seguintes sequelas: sintomas compatíveis com síndrome pós-traumático (cefaleias frequentes, insónias, crises de ansiedade, irritabilidade e deficit de memória), cicatriz sobreposta a mancha melânica de 8 cm na região nadegueira superior esquerda, cicatriz oblíqua de 12 x 1 cm no terço proximal lateral do antebraço direito, cicatriz de 5 cm na face posterior do cotovelo direito, manchas melânicas dispersas nos dois antebraços e múltiplas cicatrizes de 05,x1,5 cm na palma das duas mãos, cicatriz de 10 cm na face anterior do joelho direito e cicatriz de 3 cm na face interna, limitação da flexão do mesmo joelho (impedindo-a de praticar desporto), com gonialgia e edema, e manchas melânicas da região metatarsianas de ambos os pés.” sequelas que “determinam, para a Autora, uma incapacidade parcial permanente geral de 20%, compatível com o exercício da actividade habitual mas implicando esforços suplementares.”, e “um dano estético de grau 3, na escala de 1 a 7, um quantum doloris de grau 4, na escala de 1 a 7 e um prejuízo de afirmação pessoal de grau 2, na escala de 1 a 5.”, sendo que “antes do embate, a Autora era saudável e fisicamente bem constituída, com um feitio sociável, expansivo e alegre.”, e “ Após o embate, a Autora, que tinha feito parte da equipa nacional de cadetes, deixou de praticar basquetebol, o que lhe causa tristeza, desgosto e frustração.” – fixou-se a indemnização em € 25.000,00. E no Acórdão de 28-02-2008,[13] relativamente a sinistrada com 27 anos, à data do acidente, ficando a padecer de 80% de incapacidade: “1. Nada impede que, em face do caso concreto, se arbitre indemnização por danos não patrimoniais, a uma vítima sobrevivente de um acidente de viação, superior ao montante médio atribuído pela jurisprudência ao dano morte. 2. Não é exagerada a fixação da indemnização de 125.000€, a esse título, à vítima que esteve em coma profundo durante vários dias, sem ter a consciência do que lhe acontecera e das lesões profundas que apresentava, permanecendo durante semanas com perda de consciência, sem reconhecer pessoas, familiares; esteve internado em diferentes instituições hospitalares e foi submetido a diversas e delicadas intervenções cirúrgicas e sessões de tratamento e recuperação; quer durante o internamento quer posteriormente, sofreu muitas dores, intensas privações, aborrecimento e desconforto; continuará a sentir tais dores, privações e aborrecimento, bem como a ter necessidade de tratamentos, nomeadamente fisioterapia, por toda a vida; ficou com limitações físicas graves, com elevado índice de incapacidade, que é total em relação à actividade profissional que exercia; que sente, em consequência das dores, aborrecimentos e privações, depressões, infelicidade, sentimento de inferioridade e de diminuição das suas capacidades, bem como profundo desgosto pela sua total dependência de terceiros, quer para se mover quer para tratar de outros assuntos; ficou com cicatrizes extensas e notórias; está condicionado na mobilidade do seu próprio corpo.”. Tudoisto visto, e considerando ainda que se trata de indemnização atualizada à data da decisão, afigura-se-nos que o montante arbitrado na 1ª instância, a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, peca por defeito. Sendo de aumentar o valor de tal parcela indemnizatória para € 30.000,00 (trinta mil euros). Procedendo pois aqui, parcialmente, as conclusões da Recorrente. III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente, e, revogando correspondentemente a sentença recorrida, condenam a Ré a pagar à A. a quantia global de setenta e oito mil, novecentos e dezasseis euros e sessenta e quatro cêntimos (€78.916,64),----- acrescida de juros de mora, à tB supletiva legal, sobre doze mil quinhentos e sessenta euros e dezanove cêntimos (€ 12.560,19), desde a data da citação da Ré – em 21-10-2003 – até 03 de Junho de 2013,--------------------------------------- e sobre aquele montante global de setenta e oito mil, novecentos e dezasseis euros e sessenta e quatro cêntimos (€78.916,64), desde a data da sentença proferida em 1ª instância – 04-06-2013 – até efetivo e integral pagamento, subsistindo, no mais, a sentença recorrida. Custas por A./recorrente e Ré seguradora/recorrida, nesta instância, na proporção de 23% para a primeira e 77% para a última. * Lisboa, 2014-09-18 (Ezagüy Martins) (Maria José Mouro) (Maria Teresa Albuquerque) [1] Como se poderá constatar em http://www.verbojuridico.com/ficheiros/info/inflacao.pdf. |