Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | DEFERIMENTO DO DESPEJO OPOSIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário: Se o pedido de deferimento do despejo é feito numa oposição ao requerimento de despejo que não tem (a oposição) qualquer fundamento válido (tal como não o tem o recurso subsequente) e se já decorreu, no momento da decisão do pedido de deferimento, mais de 4 meses do prazo legal máximo de 5 meses para o período de deferimento (e quase 2,5 anos desde que as rendas deixaram de ser pagas), o pedido devia ter sido indeferido, como o foi, ao abrigo da consideração das exigências da boa-fé (artigos 15-M do NRAU e 864, 865 e 670 do CPC). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados: A 03/05/2024, AA, na qualidade de cabeça-de-casal da herança de BB, requereu um procedimento especial de despejo contra CC e marido DD, de um imóvel que foi arrendado à primeira em 2013 para habitação, com base na falta de pagamento das rendas desde Out2022 e comunicações resolutivas (a última de 19/02/2024); faz também o pedido de pagamento de rendas em dívida (com o valor, à data do termo do contrato, de 394,18€/mês) com juros de mora, vencidos e vincendos até pagamento, também com comunicação. A 23/07/2024, já com apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça, o requerido pede o diferimento da desocupação do imóvel, que é a casa de morada da família constituída pelos requeridos e 3 filhos menores, pelo prazo máximo legalmente permitido, e diz que o motivo para o não pagamento das rendas foi um acidente de trabalho que sofreu em Set2022 e um outro em Julho de 2023 e diz que desde Fev2024 já estão a pagar de novo as rendas, com um acréscimo para compensar as rendas em atraso. A 27/11/2024, já com apoio judiciário, na mesma modalidade do requerido, a requerida deduziu oposição, onde alegou, como motivo para a falta de pagamento da renda, a perda de rendimentos laborais motivada por acidente incapacitante ocorrido a 22/10/2022; diz que de qualquer modo foi fazendo alguns pagamentos por conta das rendas; também pede o diferimento da desocupação do imóvel, por 6 meses. Os autos, dada a oposição da requerida, foram remetidos para distribuição no tribunal a 28/11/2024. A 27/01/2025, a requerente foi notificada para se pronunciar sobre os pedidos de deferimento da desocupação, vindo opor-se a eles a 24/02/2025, acrescentando que, ao contrário do que referem os requeridos, não é realizado qualquer pagamento relativo a rendas desde o passado dia 04/03/2024, tendo o último pagamento sido alocado à renda mais antiga que se encontrava em dívida, neste caso a renda de Novembro de 2022, pelo que, actualmente, encontram-se em dívida 28 rendas e que os requeridos não apresentam provas de que se encontram a procurar uma nova habitação. A seguir, a 08/04/2025, foi proferida sentença julgando improcedente a oposição e condenando os requeridos a proceder à entrega do imóvel no prazo de 30 dias – art. 15.º-I, n.º 11, do NRAU (sem prejuízo da dilatação deste prazo, se assim for decidido infra, quanto ao pedido de diferimento de desocupação do imóvel). Quanto ao pedido de diferimento da desocupação do imóvel o mesmo foi indeferido, “neste momento”. Nada foi dito quanto ao pedido de pagamento das rendas. A requerida interpôs recurso desta sentença terminando as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem na parte minimamente útil: […] 2\ O tribunal a quo não cuidou de notificar ambas as partes nos termos do artigo 567, n.º 2 do CPC. 3\4\ O tribunal a quo, deveria ter notificado a requerida para alegar de facto e de direito, nos termos do artigo 567/2 do CPC, respeitando-se assim o princípio do contraditório; isto antes de proferir decisão de mérito, pelo que, na ausência de tal notificação, verifica-se a existência de decisão surpresa […]. 5\ Desta forma, verifica-se a existência de nulidade que implicará a anulação da sentença bem como dos demais termos subsequentes do processo, atento o disposto no art. 195/2 do CPC. Pelo que, deverá ser revogada a decisão […]. 6\ A sentença recorrida sofre ainda do erro na determinação das normas aplicadas, tendo violado o artigo 65 da CRP, que consagra o direito à habitação. 7\ Com efeito, o direito de propriedade do recorrido não prevalece ao direito à habitação. 8\ A requerida residem [sic - TRL] no imóvel há nove anos, tendo a seu cargo três filhos menores. 9\ Está desempregada, tendo como únicos rendimentos o subsídio de desemprego e o abono de família dos menores, motivo pelo qual não tem possibilidade de recorrer ao mercado de arrendamento comercial. 10\ Sendo obrigada a entregar o imóvel, ficaria numa situação de desumanidade, sem um lar para dar aos seus filhos. 11\ Assim, a sentença recorrida não teve em consideração o que a propósito se refere no artigo 864/2 do CPC, ou seja, “as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas.” 12\ Se a sentença recorrida vier a ser confirmada, a requerida e os seus quatro filhos menores ficarão numa situação de desalojados e sem rendimentos que lhes permitam encontrar um locado com as condições mínimas de dignidade e habitabilidade. 13\ Justificar-se-á, em pleno, que a requerida possa permanecer no imóvel, devendo ser revogada a decisão que negou o diferimento de desocupação do locado. […] 15\ Assim, deve a sentença recorrida ser substituída por outra, que altere a decisão proferida, nos termos do artigo 662/1 do CPC, devendo as partes ser notificadas para dar cumprimento ao disposto no artigo 567/2 do CPC, bem como ser deferido o pedido de diferimento de desocupação do locado. A requerente contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, sintetizando assim as suas alegações [transcreve-se na parte minimamente útil]: […] B\ Nenhuma das partes foi notificada para apresentar alegações, nem tal se impunha, não sendo aplicável no caso o art. 567/2 do CPC, nem se verificando a existência de qualquer decisão surpresa. C\ Com efeito, a requerida foi notificada para deduzir oposição ao procedimento de despejo e aos factos nele alegados, o que efectivamente realizou, tendo assim exercido o seu direito ao contraditório. No entanto, não impugnou o fundamento do despejo, nomeadamente, o não pagamento de rendas por mais de três meses, facto este que a sentença se limitou a reconhecer e a declarar. […] F\ Face ao exposto e de acordo com o disposto no art. 15 e seguintes do NRAU, nomeadamente de acordo com o art. 15-H/4, o Sr. juiz proferiu a competente decisão. G\ Ademais, a existir alguma nulidade, a mesma deveria ser invocada perante o tribunal a quo […]. […] K\ Não é à requerente - que há mais de um ano não recebe qualquer montante a título de rendas pela ocupação do seu imóvel sem qualquer título que o justifique – que cabe garantir o direito à habitação da requerida; o direito de propriedade da requerente não lhe pode ser coarctado por motivo do direito à habitação da requerida. L\ Note-se ainda que, o comportamento da requerida mantém-se o mesmo desde o começo deste processo, ou seja, não líquida qualquer renda […], nem demonstra qualquer intenção de fazer qualquer pagamento seja ele parcial ou integral. M\ Não pode a requerida olvidar que é ao Estado e não aos privados que incumbe garantir o direito à habitação, conforme o ac. do TRP, proc. 280/24.6YLPRT-A.P1. […] O\ Deve ser julgado igualmente improcedente, o pedido de diferimento de desocupação do locado, na medida em que já decorreu há muito o período de tempo pedido pela requerida para este efeito, logo, a realidade é que a mesma já beneficiou do prazo que requereu com esta finalidade. […] * Questões que importa decidir: se se verifica alguma nulidade processual que deva ser apreciada; se o pedido de deferimento do despejo devia ter sido deferido. * A sentença, encimada pela referência ao artigo 15.º-H, n.º 4, do NRAU, tem a seguinte fundamentação, na parte relativa à oposição: A requerida não põe em causa que a resolução do contrato de arrendamento tenha tido por fundamento a falta de pagamento de rendas desde Outubro de 2022 – arts. 1083.º, n.ºs 2 e 3, do CC, e que tenha operado através das cartas de 07/11/2023 e de 15/12/2023 – art. 1084.º, n.º 2, do CC, 9.º, n.º 7, e 10.º, n.ºs. 1, 3 e 4, do NRAU. A requerida antes invoca a incapacidade laboral parcial e a diminuição de rendimentos como causa justificativa da falta de pagamento das rendas, o que cumpre apreciar. A verificação de uma situação de incumprimento enquadrável no n.º 3 do artigo 1083.º do CC basta para tornar inexigível ao locador a manutenção do arrendamento – ac. do TRP de 18/04/2024, proc. 2332/22.8T8GDM.P1 - independentemente do juízo de culpa, que convoca as respectivas causas, sobre o incumprimento da obrigação de pagamento de renda. O fundamento resolutivo em questão tem natureza exclusivamente objectiva. Ainda que assim não se entendesse, a diminuição dos rendimentos laborais, independentemente da razão causadora, constitui um risco de que o locador [quis-se escrever locatário - TRL] deve estar ciente ao assumir, com a celebração do contrato, a obrigação de pagamento da renda, e não uma causa justificativa da culpa. Pelo que, sem outras considerações, julgo a oposição improcedente. * Apreciação: É manifesta a inexistência de qualquer nulidade por violação da proibição de decisões surpresa, pois que não se verifica nenhuma situação que tenha a ver com a revelia ou com a aplicação do art. 567 do CPC e o artigo 15-H/4 do PED prevê expressamente uma decisão a ser proferida logo, sem necessidade de qualquer audiência prévia, sendo certo que a requerida deduziu oposição ao PED, exercendo pois o contraditório. E sendo manifesta a falta de fundamento para a oposição (pois que em lado algum a lei prevê que as dificuldades económicas sejam um fundamento que exclua a ilicitude de um incumprimento contratual ou um fundamento de oposição à resolução de um contrato, ou de extinção de uma obrigação pecuniária, nem a requerida as invocava como tal – nos termos de José Brandão Proença: “[…] a falta de liquidez do devedor ou a sua situação económica difícil ou muito difícil não são razões impossibilitantes capazes de conduzir, por via deste preceito, ou sequer pela do art. 790, à extinção obrigacional” […] – em anotação ao art. 791 do CC, Comentário ao CC, Das obrigações em geral, UCP/FD/UCE, 2018, pág. 1086), como demonstrado de forma mais que suficiente pela sentença recorrida, nada mais se impunha ao juiz fazer do que decidir logo do mérito da causa. Aliás, até se podia ir mais longe, condenando a requerida como litigante de má fé (arts. 542/2-a e 670/1, ambos do CPC), o que o tribunal recorrido só não terá feito, tal como este TRL não o fará, dadas as condições de vida do agregado familiar dos requeridos e o facto de a condenação não ter sido pedida. * Quanto ao pedido de diferimento da desocupação do imóvel, a decisão teve o seguinte fundamento: O diferimento da desocupação do imóvel deduzido pelos requeridos alicerça-se nos mesmos fundamentos de facto, a saber, o imóvel constituir a casa de morada de família, o agregado familiar integrar três menores e não dispor de outra habitação, e a falta de pagamento de rendas ter por causa a incapacidade laboral simultânea dos requeridos, o que são circunstâncias relevantes para ponderar diferir a desocupação do imóvel – arts. 15.º-M, n.º 1, do NRAU e 864.º, n.º 3, do CPC. Mitiga, porém, a pretensão do diferimento pelo prazo de 6 meses (requerida) ou pelo prazo máximo (requerente [quis-se escrever requerido - TRL]), que é de 5 meses – art. 865.º, n.º 4, do CPC, as circunstâncias de, primeiro, desde a apresentação de tais pedidos ter decorrido tempo superior a seis meses, ou seja, tanto o prazo de diferimento requerido como o prazo suficiente à procura de habitação alternativa pelos requeridos, e, segundo, de as rendas em atraso serem em número de 28, o que acarreta prejuízo considerável ao requerente, cuja tutela do direito à entrega do imóvel não deve ser mais adiada. Pelo exposto, indefiro, neste momento, ao diferimento da desocupação do imóvel. * Apreciação: Antes de mais tenham-se em conta as seguintes normas: Artigo 15.º-D/1 do NRAU – aqui como de seguida na redacção dada pela Lei 56/2023, de 06/10, já aplicável ao caso dos autos que são posteriores à data da entrada em vigor daquela Lei (24/02/2024): “O BAS expede imediatamente [depois de receber um requerimento de despejo] notificação para o requerido, por carta registada com aviso de recepção, para, em 15 dias, este: a) Desocupar o locado e, sendo caso disso, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa por ele liquidada; b) Deduzir oposição à pretensão e ou requerer o diferimento da desocupação do locado, nos termos do disposto no artigo 15.º-M. Art. 15.º-M do NRAU: “À suspensão e diferimento da desocupação do locado aplicam-se, com as devidas adaptações, o regime previsto nos artigos 863 a 865 do CPC.” Art. 864/2 do CPC: “O diferimento de desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos: a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção; b) Que o arrendatário é portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %.” Art. 865 do CPC - termos do diferimento da desocupação: “1 - A petição de diferimento da desocupação assume carácter de urgência […] 2 - Se a petição for recebida, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 10 dias, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três. 3 - O juiz deve decidir do pedido de diferimento da desocupação por razões sociais no prazo máximo de 20 dias a contar da sua apresentação […] 4 - O diferimento não pode exceder o prazo de cinco meses a contar da data do trânsito em julgado da decisão que o conceder.” Tendo em conta estas normas, vê-se que o incidente do pedido de deferimento de desocupação assume carácter urgente – isto no âmbito de um procedimento que já por si é um processo urgente (art.15.º-S do NRAU: 10 - O procedimento especial de despejo tem natureza urgente) -, e que implica, em regra, a decisão no prazo de 20 dias da sua dedução (já contando com a contestação do requerente do PED). Por outro lado, o deferimento não pode ultrapassar 5 meses. Por fim, um dos elementos a ter em conta para a decisão do deferimento do pedido são as exigências da boa-fé. Ora se o juiz, no momento de decidir, se dá conta que o incidente está deduzido no âmbito de uma oposição em que é manifesta a falta de fundamento para a mesma e que já se passaram mais de 4 meses depois da apresentação do pedido de deferimento (e quase 2 anos e meio desde que as rendas deixaram de ser pagas), o que deve fazer é, realmente, indeferi-lo, por ser evidente que o locatário já viu a sua pretensão ser quase toda satisfeita, e que se ela for deferida para o futuro, então a oposição e o pedido de diferimento foram só um meio para protelar a desocupação do imóvel arrendado para além do prazo legal máximo para o deferimento, o que afronta as exigências da boa-fé. Aliás isto tem correspondência material com o mecanismo previsto no artigo 670 do CPC, relativo à defesa contra as demoras abusivas, também aplicável na 1.ª instância (por força do art. 618 do CPC), o qual tem o seguinte teor: 1 - Se ao relator [ao juiz] parecer manifesto que a parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente, leva o requerimento à conferência, podendo esta ordenar, sem prejuízo do disposto no artigo 542.º, que o respectivo incidente se processe em separado. 2 - O disposto no número anterior é também aplicável aos casos em que a parte procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes, a ela posteriores, manifestamente infundados. 3 - A decisão da conferência que qualifique como manifestamente infundado o incidente suscitado determina a imediata extracção de traslado, prosseguindo os autos os seus termos no tribunal recorrido. 4 - No caso previsto no número anterior, apenas é proferida a decisão no traslado depois de, contadas as custas a final, o requerente as ter pago, bem como todas as multas e indemnizações que hajam sido fixadas pelo tribunal. 5 - A decisão impugnada através de incidente manifestamente infundado considera-se, para todos os efeitos, transitada em julgado. […] Como é evidente estas razões são ainda mais fortes na aplicação ao recurso contra a decisão de indeferimento, também ele sem qualquer fundamento válido, sendo pois manifesta a sua improcedência, pois que com o recurso a requerida já se aproveitou, por via de facto, da prorrogação do prazo legal máximo de 5 meses – já se passaram mais de 9 meses desde que ela fez o pedido de diferimento – e se não tivesse deduzido a oposição, para a qual não tinha fundamentos, o pedido já podia estar decidido e o prazo de 5 meses que viesse a ser concedido já estaria ultrapassado – e se o recurso fosse julgado procedente tudo isto se agravaria, sendo que já se passaram quase 3 anos desde que as rendas deixaram de ser pagas. * Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente. Custas do recurso pela requerida. Lisboa, 11/09/2025 Pedro Martins Fernando Alberto Caetano Besteiro Paulo Fernandes da Silva |