Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | RUI COELHO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/20/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Apesar de uma técnica excessivamente descritiva, pois a fundamentação não exige um resumo das declarações dos intervenientes, a argumentação da sentença mostra-se claramente estruturada e justificativa daquilo que foi ponderado. II - O Recorrente valora positivamente diversos aspectos da produção da prova em detrimento de outros, sendo a sua convicção divergente da do Tribunal. Porém, no domínio da impugnação ampla da matéria de facto, não basta indicar uma diferente leitura da prova, há que esgrimir argumentos que demonstrem que essa outra leitura é a correcta e importa que a plasmada na sentença não tem sustento. Ou que é tão consistente quanto a outra, pelo que necessariamente haverá lugar à discussão do argumento da dúvida e do seu peso a favor do Arguido. III - A suspensão da execução da pena não é uma faculdade, um arbítrio do julgador, uma decisão meramente opinativa. Impõe-se sempre que se verifiquem as condições definidas e acima elencadas pelo que o Tribunal tem que ponderar da viabilidade da suspensão. A decisão desta questão resultará da ponderação das circunstâncias da prática do crime e das condições pessoais do Arguido. E a formulação do prognóstico terá que ser feita no momento da decisão, olhando para o Arguido tal como se encontra então perspectivando a sua evolução para o futuro. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO No Juízo Local Criminal de Almada – J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Por todo o exposto, O Tribunal julga a acusação pública procedente e, em consequência, decide: i) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a), e nºs 4, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão. ii) Condenar o arguido AA, nos termos do artigo 152º, n.º 4 e 5, do Código Penal, na proibição de contactar por qualquer meio com a ofendida BB, pelo período de 5 (cinco) anos, em caso de licenças precárias, saída antecipada em liberdade condicional ou de liberdade, fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância, caso a ofendida dê autorização. iii) Condenar o arguido AA no pagamento à ofendida BB da quantia de € 1.000,00 (mil euros) a título de reparação pelos prejuízos sofridos pela mesma nos termos do disposto no artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal, artigo 16.º, da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, e artigo 21.º, n.ºs 1 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.» - do recurso - Inconformado, recorreu o Arguido formulando as seguintes conclusões: «i - por douta sentença de 28 de novembro de 2024, o recorrente AA, foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a), e n.º 4, do código penal, na pena de 3 anos de prisão efetiva; ii – verifica-se insuficiência para a decisão da matéria de facto provada que alude o artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do código de processo penal, pois o tribunal não investigou, nem apreciou todos os factos que podia e devia para poder decidir de forma justa. iii - é ostensivo que a sentença resulta de uma análise superficial da prova, resultado de um julgamento em que o tribunal não usou de todos os seus poderes/deveres de investigação e decidiu refugiar-se na qualificação – sem qualquer sustentação fáctica – de “espontâneo”, “credível”, “com naturalidade”, “assertividade”, “modo desprendido” o depoimento de um participante processual com interesse na causa. iv – ao tribunal ad quo incumbia investigar e validar as suas afirmações, nomeadamente inquirindo a senhoria e os demais inquilinos do imóvel, a mãe do arguido, a “amiga” da ofendida, o “amigo” do arguido que terá assistido ao episódio em … e solicitado informações à operadora de telemóvel para identificar o titular do mesmo. v - o tribunal ad quo não ponderou que: 1. a ofendida solicitou a sua inquirição por videoconferência por alegadamente ter receio do arguido; 2. a ofendida do seu telemóvel enviou – durante o julgamento mensagens à actual companheira do arguido uma mensagem com o seguinte teor: “olha ele n se safa ter colocado como testemunha pq 2021 nao o conhecias provas td tribunal vais tribunal mentir crime”, o que comprova a atitude persecutória que a ofendida tem para com o arguido – requerimento de 25.09.2024 (ref.ª 40512002); 3. o depoimento da ofendida foi prestado de telemóvel na mão, com consulta constante do mesmo e decorreu de uma forma pouco natural, sem espontaneidade e sem qualquer coerência, basta atentar na gravação das diligências 681-21.1palsb_202409-24_14-53-49 ao minuto 24:42 e 681-21.1palsb_2024-09-24_16-0952 – minutos 24:42 e 22:10 e 25:36. vi – verifica-se uma insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do código de processo penal, pois o tribunal ad quo não investigou, nem apreciou todos os factos que podia e devia para poder decidir de forma justa. vii – o tribunal ad quo não atendeu e não se pronunciou relativamente às mensagens que a ofendida enviava ao arguido e que estão plasmadas nos documentos juntos aos autos. viii – tendo o tribunal ficado convencido que as mensagens juntas aos autos foram trocadas entre ofendida e arguido, teria de dar como provado o teor das mesmas. ix – era relevante constar da factualidade dada como provada que no dia 24 de setembro de 2024 a ofendida, através do seu telemóvel ..., enviou à atual companheira do arguido uma mensagem com o seguinte teor: “olha ele n se safa ter colocado como testemunha pq 2021 não o conhecias provas td tribunal vais tribunal mentir crime”. x - a omissão de pronúncia significa ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias relativamente às quais a lei impõe que tome posição expressa, ou seja, sobre as questões que os sujeitos processuais lhe submetem e aquelas de que deve conhecer oficiosamente. xi - a questão da reciprocidade do crime de violência doméstica tem evidentes efeitos quer na sua configuração, quer ao nível da pena. xii - a valoração da prova não é mero arbítrio, ela exige do juiz uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência comum, da lógica e da ciência, e na percepção (no que respeita à prova por declarações) da personalidade dos declarantes e depoentes, tendo sempre como horizonte a dúvida inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo. xiii – a imediação não foi garantida neste julgamento, nomeadamente no que às declarações prestadas pela ofendida diz respeito, que foi inquirida através de videoconferência, durante a qual esteve, o tempo todo a manipular e visualizar o telemóvel - cfr. diligência 68121.1palsb_2024-09-24_14-53-49, minuto 24:42 e diligência 681-21.1palsb_2024-09-24_16-09-52 – minutos 24:42 e 22:10 e 25:36. xiv – o arguido negou ter-se deslocado a ... com a ofendida, afirmando que se encontrava em frança a trabalhar, o que é confirmado pela testemunha CC e pela prova documental junta aos autos, nomeadamente o recibo de vencimento emitido pela sua entidade empregadora. xv – existe uma impossibilidade física e fáctica de o arguido ter passado umas férias por essa altura com a ofendida em ..., uma vez que o mesmo se encontrava em ... a trabalhar. xvii - a douta sentença incorre em grave violação do princípio in dubio pro reo. xviii - terá de ser considerada a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto com base na apreciação da prova produzida em audiência e da qual resultam o vício de erro na apreciação da prova. xix - para cumprimento do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do código de processo penal, indicam-se como provas que impõem decisão diversa da recorrida as seguintes: - declarações do arguido, declarações da queixosa prestadas em julgamento, declarações da testemunha CC cujas gravações se encontram melhor identificadas na motivação do presente recurso, para a qual remetemos xx - analisada conjugada e criteriosamente a prova produzida e supra indicada, o tribunal ad quo não tinha condições para ter dado como provada a factualidade descrita nos pontos 1, 3 e 7. xxi - a globalidade das declarações referidas e nos trechos supra transcritos, produzidas em audiência de julgamento, demonstram claramente que o tribunal ad quo não tinha suporte probatório para dar como provada tal factualidade, acarretando o reexame da matéria de facto e, com ele, a subsequente absolvição do recorrente pela prática dos factos pelos quais foi condenado. xxii - a queixosa apresenta ao longo do processo versões e depoimentos contraditórios e incongruentes e uma atitude persecutória para com o arguido. xxiii - o depoimento da ofendida foi prestado de telemóvel, com consulta constante do mesmo e decorreu de uma forma pouco natural, sem espontaneidade e sem qualquer coerência, cfr. diligência 68121.1palsb_2024-09-24_14-53-49, minuto 24:42, e diligência 681-21.1palsb_2024-09-24_16-09-52, minutos 24:42 e 22:10 e 25:36. xxiv – o princípio in dubio pro reo foi desrespeitado porquanto o tribunal ad quo colocado numa situação de dúvida irremovível na apreciação das provas e decidiu contra o arguido. xxv – afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença (fundamentação da convicção sobre a matéria de facto), ter o tribunal, após análise crítica sobre a prova recolhida, não ter obtido convicção plena, ficando com uma dúvida razoável, sobre os factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação. xxvi - o princípio do in dubio pro reu emana do princípio da presunção de inocência, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. xxvii – se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca dos concretos contornos da atuação do acusado, essa dúvida tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de preterição do artigo 32.º, n.º 2, da constituição da república portuguesa. xxviii – outra fosse a interpretação estar-se-ia a violar as garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório, assegurados no artigo 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da constituição da república portuguesa. xxix – foi apurado, em sede do relatório social para determinação da sanção que “com hábitos de trabalho regulares, interrompido apenas durante o cumprimento da pena de prisão, AA mantém, há cerca de três anos um relacionamento em união de facto com a atual companheira… o casal perspetiva, contudo, um futuro comum e o arguido avalia como fundamental para a sua estabilidade pessoal o apoio da atual companheira… o arguido regista antecedentes criminais por idêntica tipologia criminal que lhe é imputada nos presentes autos, com vinculação ao cumprimento da pena em que foi condenado, que não contemplou uma intervenção especialmente dirigida à problemática criminal. assim, perante a eventual condenação nos presentes autos, entendemos que a intervenção a levar a cabo junto do mesmo deverá incidir na aquisição de estratégias de interação e competências comunicacionais adequadas nas relações, através da frequência do programa de agressores de violência doméstica da dgrsp” xxx- tendo em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas, entendemos que a pena aplicada é exagerada e injustificada, em caso algum deveria ter sido fixada que não no mínimo legal. xxxi– a personalidade revelada pelo arguido permite sustentar um juízo de prognose positivo, no comportamento futuro, sendo ainda de atentar que o arguido refez a sua vida com uma nova companheira a centenas de quilómetros da residência da vítima. xxxii - verifica-se a ausência de factualidade que demonstre intenção do arguido de retaliar ou vingar-se ou repetir qualquer facto – agressão verbal ou física - ou que demonstre que o arguido tenha demonstrado interesse em reconciliar-se com a vítima o que pudesse proporcionar uma aproximação à vítima, xxxiii - acresce que não foram apurados factos que demonstrem que o arguido tenha comportamentos obsessivos, persecutórios para com a vítima, resultando exactamente o contrário xxxiv - a personalidade revelada pelo arguido permite sustentar um juízo de prognose positivo, no comportamento futuro, sendo ainda de atentar que o arguido refez a sua vida com uma nova companheira a centenas de quilómetros da residência da vítima. xxxv - o tribunal ad quo tendo em consideração as considerações tecidas em âmbito de relatório social para determinação da sanção, poderia e deveria ter suspendido a execução da pena de prisão, por se encontrarem preenchidos os pressupostos de que depende essa suspensão – cfr. artigo 50.º do código penal xxxvi - tendo em conta a personalidade do arguido, ao modo inserido como se encontra na sociedade e ao modo de vida que posteriormente ao crime assumiu, nomeadamente no seio da sua nova relação amorosa e de vivência com a sua companheira, e considerando que basta a simples censura do facto e a ameaça da prisão para realizar as já citadas finalidades da punição. xxvii - a douta sentença ad quo violou o disposto nos artigos 374.º e 410.º do c. processo penal, artigos 40.º, 50.º, 51.º, 71.º n.º 1, 152.º do código penal e artigos 32.º n.º 1, 2 e 5, 205.º, 235.º, 237.º e 238.º da constituição da república portuguesa. espera-se assim, no provimento do recurso, a alteração da matéria de facto nos termos peticionados e a consequente absolvição do arguido, » - da resposta - Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos: «entende o Ministério Público que a sentença proferida não merece censura, mostrando-se plenamente justificada a opção tomada pelo Tribunal “a quo” em primeiro determinar a pena de prisão nos moldes em que o fez e bem assim em não suspender a execução da mesma, atendendo à fundamentada ausência de um juízo de prognose favorável à ressocialização do mesmo em liberdade. Assim, e por tudo quanto acima se deixou exposto, afigura-se não assistir assim qualquer razão ao recorrente AA nos vícios invocados em sede de recurso, porquanto para além de a prova ter sido apreciada correctamente pelo Tribunal “a quo”, a sentença encontra-se devidamente fundamentada, inexistindo qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto, nem qualquer erro notório na apreciação da prova, não padecendo a mesma de qualquer vicio, mostrando-se a pena justa e adequada. Termos em que deve o recurso apresentado pelo arguido/recorrente AA ser julgado totalmente improcedente por não provado, e em consequência ser a douta sentença proferida nos presentes autos, integralmente confirmada nos seus precisos termos». Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo. Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, aderindo à argumentação da resposta. Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta ao parecer. Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. Cumpre decidir. OBJECTO DO RECURSO Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995] Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir: - insuficiência da matéria de facto provada a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do código de processo penal; - erro notório na apreciação da prova - artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do código de processo penal; - violação do princípio in dubio pro reo; - pena concreta e suspensão da execução da pena de prisão. DA SENTENÇA RECORRIDA Da sentença recorrida consta a seguinte matéria de facto provada: «1. O arguido AA e a ofendida BB iniciaram um relacionamento amoroso em ... de 2020, e que se manteve pelo menos até ...de 2022. 2. Durante o referido período, o arguido e a ofendida residiam na ..., sendo que o arguido é emigrante em ..., país aonde, por vezes, se deslocava. 3. Quando consome em excesso bebidas alcoólicas, o arguido torna-se agressivo e implicativo para com a vítima. 4. Concretamente, em data não apurada, mas em ... de 2021, na zona de ..., terra natal do arguido, quando estavam a passar umas férias, já etilizado, o arguido apodou a ofendida de “puta” e “vaca”, e desferiu pelo menos uma bofetada na cara da ofendida e vários pontapés na zona lateral do corpo, ficando a ofendida com dores e hematoma do lado direito da face. 5. Em data não concretamente apurada de ... de 2021, após ter regressado de ..., no interior da habitação, já etilizado, no decurso de uma discussão, o arguido apertou o pescoço da ofendida, causando dores à ofendida. 6. Em ...de 2022, na via pública, mais concretamente na estrada da ..., o arguido já etilizado, após uma discussão, muniu-se de uma pedra da calçada, de médias dimensões e disse-lhe “vê-la se queres que te atire a pedra”, não prosseguindo os seus intentos porquanto uns transeuntes ali passaram. 7. Nessas situações, a ofendida ficava bastante triste, abatida e diminuída enquanto mulher. 8. Ao agir da forma descrita o arguido quis e conseguiu maltratar a ofendida, sobretudo a sua saúde física e psíquica, fazendo-a viver em permanente sobressalto por força das expressões de cariz injurioso e intimidatório que proferiu contra a mesma, impondo a sua vontade em detrimento da vitima, bem sabendo que a sua conduta é idónea a provocar medo e inquietação àquela como efetivamente provocou, não se coibindo de o fazer no recesso do lar. 9. Com o seu comportamento, conseguiu o arguido diminui-la no respeito que lhe era devido, mostrando-se indiferente pelo estado em que a deixava. 10. Agiu o arguido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que tal conduta era punida por lei. Mais se provou: 11. O arguido trabalha desde ...-...-2023 como … para a empresa designada “...”, uma empresa de ..., com a qual assinou contrato de trabalho e que o colocou a trabalhar numa … situada no concelho de .... 12. O arguido trabalha em ..., auferindo o montante de € 962,00 mensais. 13. Reside com a companheira, que trabalha numa empresa que presta serviço de ..., sendo remunerada com o salário mínimo nacional. 14. Despende com a renda da habitação onde reside o valor mensal de € 300,00. 15. Tem 3 filhos, com 27, 17 e 13 anos de idade. 16. Despende com pensão de alimentos da filha mais nova o valor mensal de € 60,00. 17. Tem o 9.º ano de escolaridade. 18. Do registo criminal do arguido constam as seguintes condenações: (i) Pela prática, em ...-...-2009, de um crime de violência doméstica, na pessoa da sua companheira DD, no âmbito do processo n.º 35/09.8GCTCS, que correu termos no Tribunal Judicial de Trancoso, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa por igual período, por decisão de 15-02-2011, transitada em julgado em 17-03-2011. A suspensão da pena de prisão foi revogada por decisão de 11-06-2015, transitada em julgado em 17-09-2015. (ii) Pela prática, em ...-...-2012, de um crime de violência doméstica, um crime de dano, e um crime de violência doméstica, na pessoa da sua companheira, EE, e do filho desta, FF, no âmbito do processo n.º 808/11.1PBSXL, que correu termos no 1.º Juízo Criminal do Seixal, na pena única de 4 anos e 10 meses de prisão, e na pena de 170 dias de multa à taxa diária de € 5,00, por decisão de 18-02-2014, transitada em julgado em 20-032014. Foi concedida ao condenado liberdade condicional a partir do dia 22-10-2018, até 2309-2021, por decisão de 22-10-2018. A pena foi declarada extinta a 23-09-2021.» FUNDAMENTAÇÃO Tendo em consideração as questões identificadas como objecto do processo, importa conhecer dos diversos vícios invocados pelo Recorrente. Em sede de recurso, pode o Tribunal da Relação de Lisboa reapreciar a matéria de facto por uma de duas vias. Por um lado, como consequência da apreciação dos vícios previstos no art.º 410.º/2 do Código de Processo Penal, ou seja, com um âmbito mais restrito. Neste domínio, o Tribunal deverá verificar a ocorrência de tais vícios a partir do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Constatada a ocorrência de um dos apontados vícios, cumpre ao Tribunal de recurso corrigir a decisão de facto em conformidade, ou remeter o processo à primeira instância para proceder a tal reparação caso não esteja ao seu alcance, desta forma alcançando o fim do recurso. Por outro lado, poderá o Tribunal da Relação de Lisboa ser chamado a pronunciar-se no âmbito de uma impugnação ampla da matéria de facto, feita nos termos do art.º 412.º/3, 4 e 6 do Código de Processo Penal, caso em que a apreciação versará a prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente. - da insuficiência da matéria de facto provada a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do código de processo penal; Segundo o Recorrente, verifica-se uma insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada porque o Tribunal de julgamento não investigou, nem apreciou todos os factos que podia e devia para poder decidir de forma justa. Ora, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada em apreço corresponde à situação na qual os factos apurados não são bastantes para sustentarem uma decisão de Direito de acordo com as soluções plausíveis da causa. Nestes casos, o resultado da apontada insuficiência traduz-se numa impossibilidade de ser alcançada uma decisão segura de Direito sobre a questão discutida no processo. Ou seja, falta conhecer determinados factos que permitam avaliar da possibilidade de uma outra decisão, adequada à causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis. Então, vejamos. Compulsada a argumentação do Recorrente, revela-se a mesma manifestamente conclusiva. Diz que «é manifesta a falta, por parte do Tribunal ad quo, de procura e construção das bases para fundamentar e sustentar a decisão proferida», porque discorda que a decisão assente num depoimento que qualifica como desconexo, descontextualizado, sem qualquer sustentação probatória. Ora, o sustento da arguição da Recorrente é a discordância quanto à valoração da prova o que se enquadra nos vícios da al. c) do art.º 410.º/2 do Código de Processo Penal, e não nesta abordagem do vício da al. a) do mesmo preceito. Em que medida o Tribunal não investigou, nem apreciou todos os factos que podia e devia para poder decidir de forma justa foi argumentação que o Recorrente não logrou demonstrar na sua motivação. Resta-nos, pois, a invocação da insuficiente fundamentação que, no seu entender, demonstra a forma como o Tribunal deixou por explorar factos relevantes. Ou seja, alega a insuficiência da fundamentação, qualificando-a de pobre e generalista. Coloca o Recorrente em causa a suficiência da prova para a fixação da matéria de facto operada na primeira instância. Atentemos aos princípios que regem tal actividade judiciária, e avaliemos a bondade da decisão recorrida. Merecedor de um Livro autónomo no do Código de Processo Penal (art.º 124.º a 190.º) aqui encontramos tais princípios e regras quanto à validade da prova bem como da sua recolha. Assim, desde logo importa ter presente que «Constituem objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis» (art.º 124.º/1). Ademais, a convicção sobre a matéria de facto dada como provada terá que resultar da prova produzida em audiência, na qual foi livremente apreciada de acordo com os critérios estabelecidos pelo art.º 127.º; ou seja, tal livre apreciação apenas é limitada nos casos em que a lei dispuser diferentemente. Este princípio basilar não pode ser confundido com a permissão para o livre arbítrio ou para uma valoração puramente subjectiva. Importa o mesmo a sujeição a critérios lógicos e objectivos que determinam uma convicção racional, concreta e transmissível. O decisor tem que explicar as razões da sua decisão, e estas têm que ser sindicáveis pelo destinatário e, nesta sede, pelo Tribunal de recurso. Não olvidemos, porém, o factor humano envolvido na função jurisdicional, que incute em cada decisão uma vertente subjectiva inerente ao decisor (singular ou colectivo) pois cada qual contribui com o seu saber e experiência para o resultado que produz. Por essa razão, alude o referido art.º 127.º à «livre convicção». Deste modo, a livre valoração da prova não é uma actividade exclusivamente subjectiva assente numa inexplicável certeza no julgador causada por sentimentos ou impressões sem consistência. Não pode ser insusceptível de explicação de acordo com critérios racionais, lógicos e críticos, decorrentes quer da experiência comum quer, do saber científico das ciências exactas e das ciências sociais, seja ainda da experiência profissional e pessoal do julgador. Impõe-se que seja demonstrável e explicável na respectiva fundamentação. Ora «O dever [de fundamentação das sentenças] resultante da Constituição e da lei (CPC) tem por objetivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma a que os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, poderem sindicá-la e reagir contra a mesma.» [ECLI:PT:STJ:2021:434.17.1T8PNF.P1.S1.39]. Ao Tribunal são apresentados diversos meios de prova que, pela sua natureza, serão apreciados de formas distintas. Poderemos estabelecer a divisão, desde logo, entre a prova pré-constituída, recolhida no processo em momento anterior ao julgamento, e aquela cuja produção ocorreu em sede de audiência. Na primeira encontramos a chamada prova científica, produzida a partir de vestígios recolhidos e que traduz, sobre os mesmos, uma resposta à luz dos critérios científicos vigentes. Temos também a prova documental, cuja valoração pode estar, ou não, condicionada de acordo com a natureza do documento, seja ele em suporte escrito, áudio, vídeo, físico ou virtual (digital). E ainda poderemos aqui enquadrar a prova decorrente dos objectos apreendidos e juntos ao processo, estejam eles examinados ou não. Na prova produzida em audiência encontramos a mais volúvel das provas pelo pendor de subjectividade que a sua ponderação acarreta: a prova testemunhal, à qual se junta a apreciação das declarações dos sujeitos processuais, Arguidos, Assistentes e Demandantes. Neste domínio, o primeiro e mais significativo vector da decisão é o da credibilidade a testemunha ou declarante. Aqui importa referir o papel essencial da imediação, pois a forma como se sucedem questões e respostas, os tempos e a forma destas, as reacções do depoente ou declarante, a sua consistência, as explicações que emergem para discrepâncias, omissões ou certezas, imprimem no decisor uma convicção que nem sempre é racionalmente explicável. Ultrapassado esse patamar, há que valorar o resultado da produção desse meio de prova, então, explicando qual a análise que sobre os depoimentos ou declarações foi efectuada através de deduções, inferências, aplicação das regras da lógica ou da experiência comum, de conhecimentos científicos, das ciências exactas ou sociais, e quais os resultados que essa análise produziu. Aqui chegados, ponderemos então o âmbito da apreciação que cabe ao Tribunal de recurso sobre a prova. Citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.07.2020, relatado pelo Juiz Conselheiro Raul Borges [ECLI:PT:STJ:2020:142.15.8PKSNT.L1.S1.B7], e a síntese do seu sumário, « XIII – A sindicância de matéria de facto consentida pelo artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tem um âmbito restrito, pois nesta forma de impugnação, as anomalias, os vícios da decisão elencados no n.º 2 do artigo 410.º têm de emergir, resultar do próprio texto, da peça escrita, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão, como peça autónoma. XIV – O erro-vício previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. XV – Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro vício se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação. XVI – Por outras palavras. Uma coisa é o vício de erro notório na apreciação da prova, outra é a valoração desta, o resultado da prova, que o recorrente pode considerar não correcta, dela divergir, afrontá-la, só que a manifestação desta divergência, este confronto não é passível de enquadramento em estratégia recursiva atendível (não cabe no plano da impugnação da matéria de facto possível nos quadros restritos consentidos pelo artigo 410.º, n.º 2, como extravasa os limites da mais ampla, mas nem por isso de contornos ilimitados, impugnação nos termos do artigo 412.º, n.º 3 e 4, do CPP). XVII – Enquanto a valoração da prova, que compete aos julgadores, e só a eles, obedece ao regime do artigo 127.º do CPP e é necessariamente prévia à fixação da matéria de facto, o vício da alínea c), bem como os demais constantes das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, só surge perante o texto da decisão proferida em matéria de facto, que resultou daquela valoração da prova. XVIII – Estamos perante duas realidades que correspondem a dois passos distintos, sequenciais, tendo uma origem na outra: o de aquisição processual em resultado do julgamento; um outro, posterior, de consignação do que se entendeu ter ficado provado e não provado, no exercício final de um juízo decisório que se debruçou sobre a amálgama probatória carreada para os autos e dissecada/ponderada/avaliada após o exame crítico das provas, no seu conjunto e interligação, no jogo dialéctico das conexões, proximidades, desvios, disfunções, antagonismos. XIX – A primeira relaciona-se com a actividade probatória que consiste na produção, exame e ponderação crítica dos elementos legalmente admissíveis - excluídas as provas proibidas - a habilitarem o julgador a formar a sua convicção sobre a existência ou não de concreta e determinada situação de facto. XX – O erro vício será algo detectável, necessariamente a juzante desse iter cognoscitivo/deliberativo, lançado no texto da decisão, cujo sentido e conformação resultou da convicção assumida, que tem a natureza intrínseca de um “produto” de uma reflexão sobre dados adquiridos em registo de oralidade e imediação e que a partir daí ganha alguma cristalização. XXI – Será, se assim quisermos apelidar, no processo cognoscitivo/decisório da matéria de facto, um “produto de terceira geração”, sendo o primeiro passo a aquisição processual com a produção das provas em julgamento; em segundo lugar, a avaliação crítica do acervo probatório adquirido; por último, a formulação do juízo integrativo ou não. XXII – Não se pode confundir o vício de erro notório na apreciação da prova com a valoração desta. Enquanto esta obedece ao regime do artigo 127.º do CPP e é prévia à fixação da matéria de facto, aquele – bem como os demais vícios constantes das alíneas do n.º 2 do art.º 410.º do CPP – só surgem perante o texto da decisão em matéria de facto que resultou daquela valoração da prova”.» Para prosseguirmos, há que estudar a fundamentação da sentença recorrida. Segundo a mesma: «A convicção do Tribunal baseou-se na ponderação crítica do conjunto da prova produzida em julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 127.º, do Código de Processo Penal. O arguido prestou declarações negando a prática dos factos, e justificando a imputação dos mesmos em virtude de a ofendida não aceitar o término da relação. Ademais, a própria relação foi negada pelo arguido, desvalorizando-a, dizendo que nem um ano durou, e que na casa de ... cada um morava em quartos distintos. Assumiu ter namorado com a ofendida, durante o ano de 2020 até .../... do mesmo ano, negando ter vivido com a mesma. Diz que trabalhava em ..., que vinha uns dias e estava com a ofendida, e depois regressava àquele país. Refere que o relacionamento entre ambos era bom, mas que cada um fazia a sua vida. Diz que por vezes tomavam refeições juntas, dividindo essa despesa, e tinham relações sexuais. Negou consumo de bebidas alcoólicas, dizendo que raramente bebe e apenas às refeições. Negou que alguma vez se tenham zangado, e diz que nunca agrediu a ofendida ou apodou de qualquer nome. Confirma ter sabido que a ofendida foi a ..., a sua terra natal, mas que não foi consigo. Quanto às suas deslocações, diz que usualmente vai para ... em ..., ali permanecendo até ..., deslocando-se a Portugal apenas no natal. Refere que a dado momento soube que a ofendida arrendou uma casa na ..., tendo ali estado nos primeiros três dias de ... de 2020. Disse que nada aconteceu nessa altura. Atribuiu o término da relação à atuação da ofendida, que no seu entender andava sempre a controlá-lo, mexia no seu telemóvel sem a sua autorização e ligava às pessoas, designadamente à sua família, a quem fazia queixas do arguido. Refere que apresentou a ofendida à sua irmã, mas que tal ocorreu num momento muito rápido na estação de .... Refere novamente que a ofendida continua a enviar mensagens para a sua família, a pedir que o arguido reate a relação, e que se o fizer nada acontece em Tribunal, negando a prática dos factos, acrescentando ainda que se os mesmos tivessem ocorrido a ofendida não mandaria mensagens à sua família para reatar a relação. Quanto às mensagens constantes dos autos, nega tê-las enviado. Diz que tinha um número francês, não tendo número português, já não sabendo indicar o número. Não reconhece o número dos autos. A ofendida descreveu a factualidade dada por provada, tendo prestado um depoimento espontâneo e credível, evidenciando-se revoltada para com o arguido, o que não beliscou a sua credibilidade, pelo contrário, fazendo com que tivesse relatado os factos com naturalidade e sem ocultar os sentimentos que tais vivências geraram em si. Diz que em ...de 2020, arrendou um quarto numa casa em ..., tendo nesse momento conhecido o arguido que já ali residia num outro quarto. Iniciaram o relacionamento em ... desse ano, fazendo refeições em conjunto, e mantendo relações sexuais. Refere que quando o arguido já havia regressado a ... (em meados de ... de 2021), lhe pediu para mudar as suas coisas para o quarto da ofendida, o que fez. Ofereceu pormenores quanto a tal mudança, como a circunstância de ter de renegociar o preço do quarto com a senhoria, o montante acordado e o seu pagamento. Diz que o arguido regressou de ... no dia ... de ... de 2021, tendo-o ido buscar a .... O arguido sugeriu que fossem a ..., a sua terra de origem, tendo ficado alojados na casa da mãe do arguido. Num dos três dias que lá estiveram, o arguido foi ter com um amigo (GG), tendo ligado à ofendida para que fosse ter com eles, o que fez. Refere que a mãe do arguido a terá aconselhado a não ir, “por conhecer o filho”, e já saber como é nessas situações, referindo-se ao consumo de álcool. Confirma que foi ter com o arguido ao café, encontrando-se o mesmo alcoolizado, e começou a tratá-la mal, chamando-lhe nomes. A dado momento o arguido desfere-lhe uma chapada na cara, que ficou marcada. Diz que depois o arguido começou aos pontapés, tendo ficado com hematomas do lado direito. O arguido cessou a sua conduta pela intervenção do amigo, tendo saído do local, ficando a ofendida sozinha. Diz que por não conhecer o local, ligou para o irmão do arguido, que se encontrava em ..., a pedir orientações para regressar à casa da mãe do arguido. Nas palavras da ofendida, quando o arguido estava alcoolizado, transformava-se, tendo-lhe já dito que devia fazer tratamento, o que nunca aconteceu. Descreve o aludido episódio como tendo sido, para si, o pior, inclusivamente afetando a sua prestação laboral. Refere que após o mesmo regressou a ..., e o arguido seguiu diretamente de ... para ..., acrescentando que quem levava as pessoas para trabalhar era o sogro do irmão do arguido. Diz que o arguido regressou de ... em ..., tendo permanecido em ... entre ..., ficando a residir ambos no mesmo quarto. Nesta altura, diz que o arguido, novamente alcoolizado, na sequência de uma discussão, lhe apertou o pescoço, tendo ficado com o mesmo marcado e com dores, negando ter ficado sem respirar. Diz que o arguido desapareceu em ..., apenas falando com o mesmo por telefone, mas que aquele não dizia onde estava. A ofendida esclarece que em ...de 2022 mudou-se para a ..., onde arrendou uma casa. Nessa altura, diz que o arguido esteve consigo na sua casa durante um mês. Referiu que o arguido estava alcoolizado e cuspiu-lhe para a cara. Questionada, diz que quando estavam perto do parque de campismo, o arguido se muniu de uma pedra e disse à ofendida que a ia atirar, o que apenas não fez por ter passado uma terceira pessoa. Quanto às mensagens constantes dos autos, confirmou-as, tendo ainda contextualizado o que ali era escrito com eventos concretos, como sucede com a mensagens de fls. 40, que disse ter sido subsequente ao episódio de ..., e com a mensagem de fls. 43 que tinha a ver com o cartão multibanco do arguido e com pagamentos do dia a dia, incluindo da renda do quarto que partilhavam em .... Neste conspecto, refere que o arguido trocava frequentemente de número. Confrontada com as imagens juntas aos autos, confirmou-as, esclarecendo que as de fls. 22 dizem respeito à situação do pescoço, e a de fls. 46 à de ..., tendo a marca no olho derivado à chapada que ao arguido lhe desferiu. Quanto a esta última situação, exibiu ainda uma fotografia no seu telemóvel, em que aparece a ofendida e uma senhora de mais idade, que disse tratar-se da mãe do arguido, o que o próprio visualizou em audiência e confirmou. Por fim, quanto à relação existente entre ambos explicou-a de forma cristalina: iniciaram o relacionamento em ..., altura em que ainda em quartos separados tinham relações sexuais e partilhavam refeições. Nessa altura, esclarece um episódio em que o arguido lhe havia pedido para preparar a refeição de natal, não tendo depois passado o natal com a ofendida. Em ... diz que o arguido regressou a ..., momento em que lhe pediu para mudar as coisas para o seu quarto, o que a ofendida aceitou. Ofereceu pormenores quanto a esta situação, designadamente a necessidade de renegociar o preço do quarto com a senhoria. Aqui relacionou ainda as mensagens de fls. 43 com a circunstância de o arguido ter de pagar a parte dele deste quarto conjunto. Neste momento, diz que já conhecia o irmão e a cunhada do arguido por videochamada. Conheceu a irmã posteriormente. Diz que o arguido regressa a Portugal em ...-...-2021, momento em que vão para ... e conhece a mãe do arguido, não se recordando se foi apresentada à mesma como namorada ou como mulher. Diz que o arguido regressa a ... a ...-...-2021 ou ...-...-2021. O arguido regressa novamente a Portugal em ... de 2021, ficando a residir consigo entre ... no quarto de .... Diz que o arguido voltou a desaparecer em ... de 2021. Refere que volta a estar com o arguido em ...de 2022, já na sua casa da ..., que ali ficou consigo durante todo o mês de janeiro. Após tais factos, refere que voltou a estar com o arguido um dia em ... de 2022 (em que este terá ido buscar as suas coisas), e por último durante 15 dias em ... de 2023. Nos interregnos, disse que iam mantendo contacto através de mensagens e telefonemas. A testemunha HH, irmã do arguido, refere que conheceu a ofendida através do Facebook, e que apenas este presencialmente com esta uma vez. Nesta sede, dizendo primeiramente que apenas viu a ofendida uma vez em ..., acabou por assumir tê-la visto ainda em ... na companhia do arguido. Diz que a ofendida afirmava que o arguido desaparecia, e que se ele não voltasse lhe fazia a vida negra, e que ligava constantemente a perguntar pelo mesmo. Refere que a usa mãe lhe transmitiu que a ofendida apareceu em ... sozinha e que o arguido estava em ..., justificando que a ofendida teria lá ido para procurar o arguido. Disse que a mãe recebeu a ofendida, apesar de não a conhecer, por ter dito que era a companheira do arguido, e que aquela soube onde a sua mãe morava através do irmão II. Questionada sobre a relação existente entre o arguido e a ofendida, disse que se conheceram num quarto em ..., mostrando-se renitente e hesitante nas respostas, evitando referir-se à ofendida como namorada ou companheira. Hesitou igualmente quando questionada se o arguido bebe, não oferecendo uma resposta lógica, acabando por referir que vai falando com o arguido por telefone, mencionando ainda que a relação terá terminado há uns meses, Ora, perante tais elementos probatórios, designadamente o depoimento espontâneo da ofendida, ficaram claras as circunstâncias em que ocorreram os factos atenta a descrição por esta fornecida. Efetivamente, do seu depoimento decorre não só os concretos episódios ocorridos, o que os motivaram e concretizando o que em cada um aconteceu e as respetivas consequências, como ainda ficou clara a relação existente entre arguido e ofendida. Não belisca minimamente a credibilidade da ofendida a assertividade com que respondeu às perguntas, decorrente exclusivamente da sua personalidade, pelo contrário, até porque quem tenta transmitir algo que sabe não corresponder à realidade não o faz do modo desprendido como a ofendida o fez, conferindo-lhe particular genuinidade. Ademais, a versão da ofendida é a única que se afigura lógica e coerente, e se encontra suportada nos demais meios de prova constantes dos autos. Tanto quanto ao episódio de ..., como ao de ..., estão juntas aos autos fotografias que evidenciam as lesões de decorreram da atuação do arguido, e que são compatíveis com a dinâmica descrita pela testemunha, sendo visível a marca no olho (fls. 46), e bem assim a marca vermelha no pescoço da ofendida (fls. 22). Encontra ainda sustento a versão da ofendida nas mensagens juntas aos autos, e das quais ressalta que as mesmas pertencem ao arguido, não só pelo teor das mesmas, como se verá, mas ainda por dali derivarem elementos compatíveis com a vida do arguido (v.g. a existência de uma conta francesa – fls. 43), e por nelas ser mencionada um elemento íntimo da vida do arguido, e que apenas este poderia referir, e que diz respeito às circunstâncias do falecimento do seu pai (fls. 42), o que foi confirmado pela sua própria irmã em sede de audiência de julgamento (como a idade que tinham quando tal aconteceu e por ter derivado de acidente). E posto que tal mensagem advém do arguido, com o número dali decorrente, basta ainda atentar nas mensagens de fls. 40, enviadas a ...-...-2021, em que o arguido pede desculpa à ofendida e pede para esta ir ao médico. Tal circunstância apenas se mostra compatível com a versão da ofendida, em concreto com o relato que fez do episódio ocorrido em ... em ...de 2021, ficando totalmente desprovida de sentido a versão do arguido, de que não esteve com a ofendida em ... e que estava em ..., sendo certo que se assim fosse, certamente não teria motivo para pedir desculpas à ofendida como se reflete na aludida mensagem e em momento temporal coincidente com o descrito por aquela. Ademais, apesar de o arguido prontamente o negar, tais mensagens (fls. 39-45) são ainda reflexo do relacionamento que ambos mantinham nessas datas, bem para além daquele assumido pelo arguido, que segundo o mesmo teria terminado no final de 2020. Não só de tais mensagens se conclui que o relacionamento se manteve além de tal data, como se vislumbra que partilhavam as questões do dia a dia, como os pagamentos, o acesso ao cartão multibanco, entre outros. Posto isto, dúvidas inexistem quanto à relação de namoro existente entre o arguido e a ofendida, que foi duradoura, isto é, entre ... de 2020 até ... de 2022, não obstante as ausências derivadas das deslocações de trabalho do arguido. Entre o mais, mantinham relações sexuais, pernoitavam juntos, chegando temporariamente a partilhar o mesmo quarto, o que aconteceu a pedido do próprio arguido. Não só a ofendida chegou a conhecer e comunicar com a família do arguido, como se deslocaram à terra natal deste, ali passando uns dias, partilhando ainda as questões do dia a dia. Ademais, não só a ofendida o disse, como o próprio arguido assumiu a existência de um relacionamento amoroso. E ainda nesse relacionamento evidenciam tais mensagens o modo como o arguido tratava a ofendida, o que igualmente apenas vai de encontro ao que foi o depoimento desta, e que vai ainda de encontro às declarações do próprio arguido, que demonstrou profundo desagrado com a circunstância de falar com os seus familiares e com o “controlo” da ofendida, desagrado igualmente plasmado em tais mensagens (v.g. fls. 45), tudo revelador de que entre aqueles existiu um relacionamento amoroso. Algo que aliás nunca foi escondido pela própria ofendida, que sempre foi muito clara naquilo que foi a sua própria atuação, assumindo contactos para saber do arguido, o que é compatível com a dinâmica que foi descrevendo da atuação do arguido no relacionamento. As declarações do arguido não mereceram credibilidade, não sendo tão pouco corroboradas pelo depoimento da sua irmã, que como aquele se focou na personalidade da ofendida, que a desagrada, evidenciando parco conhecimento do relacionamento. Prestou, aliás, um depoimento notoriamente comprometido, e do qual resultou não ter qualquer conhecimento direto dos factos, também fazendo um esforço em desvalorizar a relação existente entre arguido e ofendida, nessa sede até contrariando as próprias declarações do arguido, apenas reconhecendo ter conhecido a ofendida em ... quando confrontada com a circunstância de ter sido o próprio a dizer que tal aconteceu. O arguido enredou-se nas suas próprias declarações, numa evidente postura de culpabilização da ofendida, e de negação da própria relação. Ademais, por diversas vezes careceram as suas declarações de lógica, tentando fazer crer que a ofendida teria ido a ... sozinha, como igualmente tentou transmitir a sua irmã (que na realidade nada presenciou). Certo é que nem um, nem outro, conseguiram explicar de forma lógica como é que a ofendida ter-se-ia deslocado sozinha a ..., e aparecido na casa da mãe do arguido, onde nunca tinha ido, nem sabia da sua localização, e que prontamente acolheu durante dias alguém que não conhecia. Tal explicação carece em absoluto de lógica, e contraria frontalmente as basilares regras da experiência comum, não se afigurando minimamente credível. Mas certo é que é que tal conclusão encontra ainda sustento no recibo de vencimento junto aos autos, referente ao mês de ... de 2021, e que segundo o arguido teria estado o mês todo a trabalhar em .... Ora, pelo contrário, de tal documento resulta cristalino que o arguido nesse mês de maio apenas trabalhou 19 dias (cfr. canto inferior esquerdo do recibo), donde lhe restaram 12 dias livres nesse mês, o que não só contraria a versão do arguido, como é perfeitamente compatível com as datas referidas pela ofendida em que este se encontrou em Portugal (...-...-2021 a 15 ou .../.../2021, isto é, no máximo 8 dias). Tudo o que, concluindo, sustenta a factualidade provada. As consequências são visíveis, não só as físicas (espelhadas nos autos, de fls. 22 e 46, nada acrescentado a de Ref.ª 40648483, mas que não contraria as demais, nem belisca as conclusões extraídas nos moldes supra expostos), mas ainda as psicológicas. O arguido não ignorava que a ofendida era sua namorada, e que com as mencionadas condutas a maltratava física e psicologicamente, causando-lhe sofrimento e atentando contra a sua dignidade, e ainda assim atuou, sabendo tal conduta ser proibida e punida por lei penal. Sobre o demais, e que se deu como não provado, não se fez prova bastante, sendo a própria ofendida quem, ou por não se recordar, ou por esclarecer os eventos, acabou por impor tal conclusão. Os factos que se deram como provados quanto à situação económica e pessoal do arguido, resultaram do relatório social junto aos autos e das suas declarações, e quanto aos seus antecedentes criminais do respetivo Certificado de Registo Criminal e das certidões dos processos n.ºs 35/09.8GCTCS, 808/11.1PBSXL e 1072/14.6TXLSB-A (Ref.ª 41102852/41102863, 40786459 e 439406577). » Perante isto, o que pretende o Recorrente? Pretende uma diferente valoração da prova. Apesar de se socorrer de uma técnica que temos por excessivamente descritiva, uma vez que o Tribunal não tem que apresentar na sua fundamentação um resumo das declarações dos intervenientes, a argumentação da sentença mostra-se claramente estruturada e justificativa daquilo que foi ponderado para retirar da prova produzida o acervo factual dado como provado. Não se constata qualquer contradição ou insuficiência que vicie a decisão, sendo claramente perceptível o critério do Tribunal, válido à luz das regras da experiência. Falece, pois, esta pretensão recursiva. De igual forma não há qualquer omissão de pronúncia porquanto o Tribunal a quo debruçou-se sobre os factos que constituem o objecto do processo tal como definido pelos termos da acusação e bem assim como a factualidade trazida com a defesa. No mais, apenas se demonstrado que outras questões tinham surgido durante a discussão da causa e que o Tribunal sobre elas se poderia pronunciar sem problemas de alteração substancial dos factos, se imporia pronúncia sobre as mesmas. - erro notório na apreciação da prova - artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do código de processo penal; Apesar de invocar o vício de erro notório na apreciação da prova, o que o Recorrente ainda pretende é que o Tribunal da Relação de Lisboa declare que a sua valoração da prova é a acertada em detrimento daquela fixada pelo Tribunal a quo, como vimos, de forma clara e sem vícios. Como acima referimos, não se vislumbra nenhuma insuficiência dos factos nem da fundamentação da decisão, nos termos do art.º 410.º/2 al. a) do Código de Processo Penal. De igual forma não há motivo para, do texto da fundamentação e dos factos provados e não provados sustentar um erro notório na apreciação da prova. Na sua motivação o Recorrente valora positivamente diversos aspectos da produção da prova em detrimento de outros. A sua convicção diverge da do Tribunal. Estamos, pois, no domínio de uma impugnação ampla da matéria de facto, feita nos termos do art.º 412.º/3, 4 e 6 do Código de Processo Penal, caso em que a apreciação versará a prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente. - da valoração da prova - artigo 412.º do código de processo penal; Entramos, então, no domínio da impugnação ampla da matéria de facto. Desde já se aponta que todos os exemplos da prova testemunhal produzida pela Ofendida que o Recorrente indica como demonstrativos do erro de valoração do Tribunal são apenas exemplos de declarações às quais o Recorrente não atribuiu qualquer credibilidade. O processo de avaliação da credibilidade do Recorrente não é isento, porque assenta na discrepância entre as declarações da Ofendida e as suas. Naturalmente, o Tribunal rege-se por outros critérios, e não está demonstrado o desacerto dessa valoração. Neste tipo de crimes, praticado sem testemunhas directas dos factos, fica amiúde o Tribunal confrontado com um quadro de declarações contraditórias entre o Arguido e o Ofendido. Tem o Tribunal que decidir se alguma das versões é a correcta, socorrendo-se de outros meios de prova, nomeadamente objectivos, que os sustentem. Ou, se convencido disso, terá o Tribunal que explicar porque razão toma uma das versões por credível em detrimento da outra. Foi o que aconteceu nos autos e os trechos de prova reproduzidos pelo Recorrente não põem em causa tal decisão. Assim, no domínio da impugnação ampla da matéria de facto, não basta indicar uma diferente leitura da prova, há que esgrimir argumentos que demonstrem que essa outra leitura é a correcta e importa que a plasmada na sentença não tem sustento. Caso seja mais uma leitura, entramos no domínio da livre apreciação da prova e apenas se a sua consistência o impor, haverá lugar à discussão do argumento da dúvida e do seu peso a favor do Arguido. Quanto ao relevo apontado ao Relatório Social, olvida o Recorrente que tal relatório assenta em fontes declaradas, nomeadamente aquilo que disse quando foi ouvido pela Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais. Ora, não podendo ser um mero repositório de declarações do Arguido, cabe ao Tribunal aproveitar do dito relatório as informações objectivas que tenha como válidas, e apenas para o domínio da determinação da medida concreta da pena a aplicar. Por tudo o exposto, a substituição da convicção do Tribunal por aquela do Recorrente não é uma decisão que o Tribunal de recurso possa tomar, pois esta última não se sobrepõe à primeira. - violação do princípio in dubio pro reo; Entende o Recorrente que o Tribunal a quo teria que ter sido confrontado com dúvidas. O que imporia diferente decisão sobre os factos. Como já vimos acima, não é reconhecido à decisão recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova. Ora, o que o Recorrente defende é que teve dúvidas quanto aos factos, atenta a prova produzida. Logo, se o Tribunal não teve as mesmas dúvidas, violou o princípio do in dubio pro reo. Naturalmente, esta é uma visão equivocada da questão, já que o Tribunal, com a amplitude permitida pela livre apreciação da prova, superou as dúvidas que poderia ter e produziu uma decisão fundamentada na qual expressou como chegou aos factos provados. Não se vislumbra qualquer vício argumentativo que questione tal grau de certeza e, do conjunto da prova produzida, não se alcança a existência de uma dúvida tão evidente que o Tribunal a quo não pudesse ignorar. «O princípio in dubio pro reo resume-se a uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida insanável sobre a verificação ou não de determinado facto, deve o julgador decidir sempre a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.» [ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 14/01/2014, Desembargadora Alda Tomé Casimiro, ECLI:PT:TRL:2014:76.10.2GTEVR.L1.5.8C] Conforme referido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/11/2010, Desembargador Artur Oliveira, [ECLI:PT:TRP:2010:997.08.2GCSTS.P1.3F] «O princípio in dubio pro reo pressupõe que, após a produção e apreciação exaustiva de todos os meios de prova, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos; não de uma dúvida hipotética e abstracta, sugerida pela apreciação da prova feita pelo recorrente, mas antes de uma dúvida assumida pelo próprio julgador. Só há violação do princípio in dubio pro reo quando for manifesto que o julgador, perante uma dúvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo a versão que o desfavorece». Com efeito, «A diversidade das versões não faz, necessariamente, operar o princípio in dubio pro reo. Este pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório.» [ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 30/09/2009, Desembargador Gomes de Sousa, ECLI:PT:TRC:2009:195.07.2GBCNT.C.71]. Apesar de limitado na amplitude do seu conhecimento sobre a matéria, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/11/2022, Conselheiro Orlando Gonçalves, [ECLI:PT:STJ:2022:76.20.4T9VLS.L1.S1.75], segundo o qual «Se na fundamentação da sentença/acórdão oferecida pelo tribunal, este não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo. No caso em apreciação, não é nesta perspetiva que o recorrente coloca a questão, mas antes no entendimento, seu, de que a prova produzida em julgamento impunha uma diversa decisão da que foi tomada, como se verifica quando defende, designadamente, que face à ausência de provas impunha-se ao tribunal de 1.ª instância e ao da Relação ter dúvidas sobre os factos dados como provados, o que traduz diferente questão, apreciada no âmbito do erro de julgamento no acórdão recorrido.» Podendo a Relação ir mais além: «Sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, compreende-se o entendimento, repetidamente afirmado na jurisprudência do Supremo, de que não resultando da decisão que o tribunal ficou num estado de dúvida sobre os factos e que «ultrapassou» essa dúvida, dando-os por provados, contra o arguido, ao S.T.J. fica vedada a possibilidade de decidir sobre a violação do princípio «in dubio pro reo» dado o quadro dos respectivos poderes de cognição, restritos a matéria de direito. Por isso se diz que no S.T.J. só pode conhecer-se da violação desse princípio quando da decisão recorrida resultar que, tendo o tribunal a quo chegado a um estado de dúvida sobre a realidade dos factos, decidiu em desfavor do arguido; ou então quando, não tendo o tribunal a quo reconhecido esse estado de dúvida, ele resultar evidente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, nos termos do vício do erro notório na apreciação da prova. Não se compreende que se siga o mesmo raciocínio na Relação. O princípio in dubio pro reo deve ser entendido objectivamente, e nessa perspectiva, no caso de o tribunal dar como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que não tenha manifestado ou sentido a dúvida, mesmo que não a reconheça, há violação do princípio se, do confronto com a prova produzida, se conclui que se impunha um estado de dúvida.» [ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 07/05/2019, Desembargador Jorge Gonçalves, ECLI:PT:TRL:2019:485.15.0GABRR.L2.5.86] – certo é que, na decisão que nos ocupa, não se vislumbra existirem razões que imponham a invocada dúvida, quando confrontados com a decisão de facto recorrida e a fundamentação que a acompanha, atentas as provas produzidas em audiência. «O princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal.» [ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 02/11/2021, Desembargador Luis Gominho, ECLI:PT:TRL:2021:50.19.3JELSB.L1.5.F1] Mais uma vez, o que o Recorrente pretende é que o Tribunal não reconheça crédito à Ofendida e que duvide do seu contributo probatório. Logo, no caso concreto, não se mostra violado o princípio do in dubio pro reo, como pretendido. - pena concreta e suspensão da execução da pena de prisão; O crime de violência doméstica do art.º 152.º/1, al. b) e 2, al. a), do Código Penal pelo qual vai o Arguido, ora Recorrente, condenado é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos Na determinação da medida da pena há que atender ao critério estabelecido no art.º 71.º do Código Penal, segundo o qual «1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.» Porém, previamente, e como o impõe o teor do art.º 70.º do mesmo Código, há que dar preferência à punição com recurso a pena não privativa da liberdade caso a norma incriminadora preveja esta punição alternativa. Não é esse o caso dos autos, pois a pena abstracta é apenas de prisão. Para proceder à determinação do quantum concreto dessa punição, em primeiro lugar, há que atender à culpa. Sendo o juízo de culpa uma ponderação valorativa do processo de formação da vontade do arguido, tendo como critério aquilo que uma pessoa (enquanto homem médio com características pessoais similares à condição do agente) colocada na posição daquele faria perante a mesma situação, não poderemos deixar de a considerar elevada no caso que nos ocupa. No fundo, o juízo de culpa releva, necessariamente, da intuição do julgador, sendo este assessorado pelas regras da experiência que lhe permitem proceder à valoração nos termos descritos. E no caso vertente, o arguido deliberadamente violou normas que punem actos de conhecida gravidade, socialmente perniciosos e merecedores de particular censura na sociedade actual. Encontrado o vector que limita o máximo concreto da pena aplicável, será ainda de ponderar: o grau de ilicitude dos factos, elevado, e suas repercussões, medianas; a intensidade do dolo, directo; as condições pessoais do arguido, suas habilitações literárias e situação económica; a sua conduta anterior e posterior ao facto – cfr. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2006, Relator Juiz Conselheiro Santos Carvalho [ECLI:PT:STJ:2006:06P2681.A0] - «I - Numa concepção moderna, a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto… alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada…” (Anabela Miranda Rodrigues, A determinação da medida da pena privativa de liberdade, Coimbra Editora, p. 570). II - “É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica” (mesma obra, pág. seguinte). III - A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes. IV - “Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassáve1 de todas e quaisquer considerações preventivas…” (ainda a mesma obra, p. 575). “Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado” (p. 558).». Entramos aqui nas chamadas razões de prevenção especial, aquelas dirigidas ao infractor, e as razões de prevenção geral, dirigidas à comunidade. As primeiras traduzem-se em duas vertentes, caracterizadas como positiva e negativa. A positiva respeitando às expectativas de ressocialização do condenado, e a negativa resultando da necessidade de prevenção da reincidência. As segundas traduzem a necessidade de apaziguamento da comunidade em geral, eliminando sentimentos de impunidade, e reforçando a mensagem de que existem consequências para a prática de condutas que são criminosas e, desta forma, assegurando ao cidadão comum que o Estado e as suas leis estão activamente a promover a segurança e a paz social. Seguindo estas indicações, argumentou o Tribunal a quo: «Quanto ao crime de violência doméstica, são elevadas as exigências de prevenção geral atenta a frequência com que ocorrem situações semelhantes à dos autos, sendo necessário sancionar veementemente tais condutas. Acresce ainda a crescente consciencialização da sociedade para a violência de género e a conotação negativa de tais comportamentos, para além de se tratar de uma conduta causadora de alarme público, e de um crime que é usualmente escondido pelas vítimas, seja pela vergonha que sentem, seja pelo medo de represálias, optando por sofrer em silêncio. De igual modo, as necessidades de prevenção especial são elevadíssimas. O arguido foi condenado por duas vezes, por crimes de violência doméstica, no âmbito dos processos n.ºs 35/09.8GCTCS e 808/11.1PBSXL, praticados na pessoa das suas companheiras e no filho de uma destas, por factos praticados entre 2009 e 2011, e pelos quais foi condenado em penas de prisão, a primeira suspensa e a segunda efetiva. Praticou os factos do processo n.º 808/11.1PBSXL, no decurso da suspensão da pena de prisão em que foi condenado no processo n.º 35/09.8GCTCS e que levou à revogação dessa mesma suspensão. Foi condenado e cumpriu penas de prisão significativas (de 2 anos e 2 meses de prisão no processo n.º 35/09.8GCTCS, após revogação da respetiva suspensão, e de 4 anos e 10 meses de prisão, no processo n.º 808/11.1PBSXL). Foi-lhe concedida liberdade condicional, a partir de 22-10-2018, até 23-09-2021, momento em que pena foi declara extinta. Praticou parte dos presentes factos no decurso da liberdade condicional que lhe foi concedida no processo n.º 1072/14.6TXLSB-A, frustrando novamente as expetativas em si depositavas. Tais condenações e prática de factos no decurso da suspensão e da liberdade condicional demonstram uma personalidade particularmente avessa ao dever ser jurídico como um todo. O arguido não demonstrou contrição ou arrependimento, pelo contrário, imputando responsabilidade à ofendida, e nada nos permite concluir que tenha interiorizado o desvalor da sua conduta, pelo que é forte o receio da repetição da sua conduta. (…) A culpa do arguido é elevada, ante os factos praticados e denotando-se uma personalidade desconforme ao direito. Ademais, e nos termos do sobredito preceito, há que considerar: - o grau de ilicitude, que entendemos elevado, atendendo às concretas circunstâncias em que os factos ocorreram, a circunstância de parte dos mesmos terem ocorrido no interior da residência e na via pública, e bem assim as lesões provocadas; - a intensidade do dolo, tendo o arguido atuado com dolo direto; - as condições pessoais do agente e a sua situação económica, sendo que encontra-se atualmente a trabalhar e a residir com a atual companheira. - a conduta anterior e posterior do arguido, salientando-se a existência de antecedentes criminais, com condenações pela prática de crimes de violência doméstica, na pessoa das suas companheiras e no filho da última, incluindo em penas de prisão efetiva, e na persistência de ilícitos, incluindo com a prática de factos em períodos de suspensão de execução de pena e tendo parte dos presentes sido praticados no período de liberdade condicional.» Como tal, concluiu o Tribunal recorrido que «considerando o grau de ilicitude e de culpa, e que é elevado, bem como as exigências de prevenção e as demais circunstâncias atrás referidas, entende-se como justo e adequado aplicar ao arguido a pena de 3 (três) anos de prisão.» Estando tal pena no primeiro terço do intervalo apurado não merece reparo, pelo que se decide manter a mesma inalterada Determinada que foi a medida concreta da pena, impõe-se aferir da bondade da decisão de suspender a execução de tal pena. De acordo com o art.º 50.º do Código Penal, o Tribunal deverá suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Para tanto deverá ponderar a personalidade do agente, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, daí retirando a necessidade da execução do encarceramento ou julgar que a ameaça de um período concreto de prisão bastará para alcançar a satisfação das necessidades de prevenção geral e de prevenção especial. O período de suspensão terá duração a fixar entre 1 e 5 anos. A pedra de toque desta decisão será a avaliação e conclusão, pelo Tribunal, de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, no que toca às necessidades de prevenção especial. Para chegar a tal conclusão, ponderará ainda o decisor as diversas formas que a suspensão da execução poderá assumir. Assim, para assegurar que será alcançado tal desiderato, poderá a suspensão ser subordinada ao cumprimento de deveres, à observância de regras de conduta, ou ainda acompanhada de regime de prova. Tais deveres impostos ao condenado deverão ser vocacionados à reparação do mal do crime, nomeadamente, “pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado” - (art.º 51.º /1 al. a) do Código Penal). Já quanto ao regime de prova, deverá ser determinado se o mesmo se afigurar conveniente e adequado para promover a reintegração do condenado na sociedade, assentando num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social. Necessariamente, nos casos em que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade o regime de prova é ordenado (art.º 53.º do Código Penal). Vejamos a fundamentação da sentença recorrida sobre esta questão: «(…) cumpre afirmar que não se apurou nenhuma circunstância atenuante que permitisse alicerçar, de forma séria, um qualquer juízo de prognose favorável, no sentido da permeabilidade do arguido à ameaça de cumprimento de pena de prisão. Ora, o arguido tem 49 anos de idade e tem antecedentes criminais registados, tendo já sofrido duas condenações criminais pela prática de três crimes de violência doméstica, na pessoa das suas companheiras e no filho da última destas, e de um crime de dano, tendo sido condenado em pena de multa, e em penas de prisão suspensas na sua execução e em penas de prisão efetivas. Praticou factos no decurso da suspensão da pena de prisão aplicada no âmbito do processo n.º 35/09.8GCTCS, que levou à sua revogação, e praticou parte dos presentes no período de liberdade condicional. De todo o percurso criminal do arguido resulta manifesto que as condenações anteriormente sofridas e as penas aplicadas não foram suficientes para fazer o arguido adotar uma postura conforme o direito. Por outro lado, o tribunal também não tem elementos que permita concluir que o arguido se consciencializou do desvalor da sua conduta e pretende inverter a sua conduta, uma vez que não demonstrou em julgamento qualquer arrependimento ou autocensura pela sua conduta, pelo contrário imputado a responsabilidade à ofendida, o que agrava as exigências de prevenção especial. Assim, as necessidades de prevenção especial, o grau de culpa verificado, a gravidade intrínseca da ilicitude dos factos, a falta de contrição, obstam à suspensão da execução da pena.» A decisão desta questão resultará da ponderação das circunstâncias da prática do crime e das condições pessoais do Arguido. A suspensão da execução da pena não é uma faculdade, um arbítrio do julgador, uma decisão meramente opinativa. Impõe-se sempre que se verifiquem as condições definidas e acima elencadas pelo que o Tribunal tem que ponderar da viabilidade da suspensão. A sentença recorrida fez esse juízo e concluiu pela não aplicação do regime da suspensão da execução da pena de prisão pelo que a fixou como pena efectiva. A formulação do prognóstico terá que ser feita no momento da decisão, olhando para o Arguido tal como se encontra então, e perspectivar a sua evolução para o futuro. Ao olhar para os factos provados, percebe-se ser apropriada a avaliação da sentença quanto à situação do Arguido. Já não se afigura adequado propiciar-lhe tal incentivo, exigindo-se uma censura efectiva, que o faça compreender, de uma vez por todas, que os comportamentos por si assumidos não são tolerados na sociedade em que se insere. Por isso, mantém-se inalterada a decisão de afastar a aplicação do mecanismo de suspensão da pena. DECISÃO Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar improcedente o recurso, mantendo inalterada a sentença. Custas pelo Recorrente, fixando-se em 3 UC a respectiva taxa de justiça. Lisboa, 20.Maio.2025 Rui Coelho Sandra Oliveira Pinto Alda Tomé Casimiro |