Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
65/17.6GTALQ.L1-5
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PERDA DO DIREITO À VIDA
FILHO NASCITURO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois "visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada", não lhe sendo, porém, estranha a "ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente" e a quantia devida por estes danos não tem por fim «a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas principalmente compensar o autor, na medida do possível das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para que o acidente o arrastou, e deve a mesma ser calculada pondo em confronto a situação patrimonial do lesado (real) e a que teria se não tivessem existido danos.
- Pela perda do direito à vida, embora a dor não tenha preço, importa sobretudo que a correspondente indemnização, deva por si própria, significar algo que permita compensar a perda e minorar a dor sofrida, correspondendo em termos de equidade à gravidade do dano considerado, quer objectivamente, porque a vida é o bem maior da pessoa humana, quer relativamente, porque à data do acidente, o falecido era um homem de 33 anos, saudável e que constituía uma família feliz juntamente com a mulher e os dois filhos do casal, sendo a sua contribuição económica para a manutenção da vida familiar naturalmente relevante, entendendo que , a este título, deverá ser fixada a indemnização peticionada pela perda do direito à vida do TS em 150.000,00€, a repartir em partes iguais pela companheira e filhos, sendo, portanto, devidos 50.000,00€ a cada um dos demandantes.
- O nascituro tem um direito próprio a ser indemnizado pelo facto de não ter podido conhecer o pai, ou de ter ficado prematuramente privado da sua companhia ao longo da vida, já que isso representa uma grande privação, que se traduzirá numa constante mágoa, dor ou sofrimento.
- A título de danos não patrimoniais próprios dos familiares, entendemos adequada a fixação a cada um dos autores, a título de danos não patrimoniais sofridos em consequência da prematura morte do companheiro e pai, respectivamente, da quantia de €50.000,00 para a companheira da vítima e de €40.000,00 e de €30.000,00 respectivamente para os filhos.
- Reputa-se adequada a atribuição da quantia de 5.000,00€ para ressarcir a dor do sofrimento da vítima com a antevisão da morte que lhe sobreveio em consequência deste acidente.
- A título de danos patrimoniais futuros, quer para a viúva quer para os filhos, trazendo ao palco desta discussão o rendimento bruto de €650,00 que a vítima auferia, a medida da indemnização será determinada (tendencialmente) pelo cômputo da perda do montante global de alimentos que o interessado poderia receber do lesado.
Está igualmente dependente a atribuição da indemnização, da alegação e prova da possibilidade do obrigado/lesado em contribuir com alimentos para com o interessado, como também nos parece óbvio, mas não será necessário provar-se, para o exercício deste direito à indemnização, que o demandante esteja a receber da vítima qualquer prestação alimentar por carência deles, bastando que se demonstre a aptidão para proceder à exigência de alimentos, o que é mais impressivo por relação ao, então e à data do sinistro, nascituro.
Esta indemnização será determinada pelo cômputo da perda do montante global de alimentos que os demandantes poderiam receber do seu progenitor, tendo-se provado que o falecido era o único sustento fixo da casa, com o falecimento prematuro deste os filhos e a companheira deixaram de perceber tais alimentos, pelo que, por tal facto, podem pedir uma indemnização.
Esta indemnização deve ser determinada pelo cômputo da perda do montante global de alimentos que os ora demandantes poderiam receber, atendendo ainda a que as despesas dos demandantes tenderiam a aumentar, à medida que os menores fossem progredindo na idade e nos estudos, ampliando-se a necessidade de alimentos e como a fixação deve obedecer à equidade.
Decisão Texto Parcial:Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.
Por sentença proferida no processo 65/17.6GTALQ do Juízo Local Criminal de Alenquer, Comarca de Lisboa Norte, a arguida T. foi condenada, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. no art.º 137.º, n.º 1 do CP, na pessoa de TS , na pena  de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução  pelo período de 1 (um) ano, com condições que para aqui não relevam, nos termos dos artigos art.ºs 50º, n.ºs 1 e 51º e 52º, todos do CP.
Mais foi decidido na mesma sentença, na parte agora relevante:
5.4. Julgando parcialmente procedentes, por provados, nos termos expostos, os pedidos de indemnização e reembolso deduzidos, CONDENA a demandada COMPANHIA Seguradoras Unidas, S.A., a pagar:
- Aos demandantes a quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) relativa ao dano morte de T. S.;
- Aos demandantes a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, respeitantes ao sofrimento da vítima antes de falecer;
- À demandante ARC a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais;
- À demandante CS a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais;
- Ao demandante SC a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais;
- À demandante ARC a quantia de €212.171,37 (duzentos e doze mil, cento e setenta e um euros e trinta e sete cêntimos) a título de danos patrimonial futuro, por violação do direito a alimentos;
- À demandante CS a quantia de €45.809,57 (quarenta e cinco mil, oitocentos e nove euros e cinquenta e sete cêntimos) a título de danos patrimonial futuro, por violação do direito a alimentos;
- Ao demandante SC a quantia de €60.275,75 (sessenta mil, duzentos e setenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) a título de danos patrimonial futuro, por violação do direito a alimentos;
- Aos demandantes CS e SC a quantia de €4.400,00 (quatro mil e quatrocentos eros) a título de danos patrimoniais relativos ao equipamento danificado.
- Quantias acrescidas de juros legais à taxa legal desde a data da prolação da presente sentença até integral e efetivo pagamento.
- ao Centro Nacional de Pensões/Instituto de Segurança Social, I.P., a quantia de €6.999,25 relativo a pensões de sobrevivência e €1.263,96 relativo as despesas de funeral, acrescida de juros à taxa legal, desde a notificação do pedido de reembolso deduzido e até integral pagamento”.

Desta sentença veio recorrer a demandada civil Seguradoras Unidas, S.A, formulando as seguintes conclusões:
“1ª - A ora recorrente considera alguns dos montantes indemnizatórios fixados, manifestamente excessivos e violadores do princípio da igualdade entre lesados. Nomeadamente,
2ª - O montante fixado a título de direito à vida que sendo um direito universal, apesar de adaptado ao caso concreto nunca devera ser fixado em montante superior a 90.000.00€ de acordo com a maioria das decisões fixadas a esse mesmo título.
3ª - De igual modo considera-se excessivo o montante fixado a título de dano não patrimonial da Demandante viúva que pelos mesmos motivos e fundamentos deve ser reduzido para valor nunca superior a 30.000,00€ tratando-se igualmente de um direito universal, motivo pelo qual não devera ser indemnizado com quantitativo substancialmente superior.
4ª - Por último, discorda a ora recorrente do montante fixado a título de danos patrimoniais futuros, dado que não foram ponderadas circunstâncias essenciais, como o rendimento líquido, em vez do rendimento bruto, este último apenas de 650,00€;
5ª - A antecipação do capital que conduz a uma necessária redução do cálculo aritmético encontrado;
6ª - Ao facto da própria vítima consumir parte do rendimento, no mínimo 1 /4. Pelo que,
7ª - Considera a ora recorrente que os montantes a esse título deverão ser todos reduzidos;
8ª - Para a Demandante viúva devera ser fixado montante nunca superior a 120.000,00€;
9ª - Para a menor filha devera ser fixado um montante nunca superior a 25.000,00€ e
10ª - Para o menor filho um montante nunca superior a 40.000,00€.”
Termina no sentido da revogação parcial da sentença proferida nos termos apresentados no recurso.

A este recurso veio responder a assistente/demandante, por si e em representação dos seus filhos menores Demandantes e Assistentes, em que conclui:
“1. A decisão de que se recorre é a acertada em toda a linha, não merecendo qualquer censura ou reparo.
2. O Recurso apresentado limita a sua discordância com a Douta Sentença no que concerne aos montantes indemnizatórios devidos pelo dano morte, aos não patrimoniais atribuídos à Demandante ARC e aos danos patrimoniais futuros.
3. A Recorrente aceitou integralmente e sem reservas toda a matéria de facto dada como provada.
4. O recurso apresentado pela Demandada “Seguradoras Unidas, SA” deverá ser rejeitado, por falta de motivação, nos termos do nº 2 do artigo 414ºdo CPP.
5. A Recorrente não cumpriu o ónus de motivar o Recurso.
6. A Recorrente não apresentou fundamentalmente as razões da sua discordância com a Decisão proferida, optando, antes, alegar genericamente que alguns dos valores a que foi condenada a pagar se mostram excessivos.
7. Na motivação (e conclusões) apresentada, a Recorrente não faz qualquer referência a norma ou normas jurídicas que o Tribunal a quo haja violado.
8. A Recorrente adita, até, um tema nas conclusões desacompanhado da respectiva motivação: ponto6º ao enunciar uma consumpção de ¼ do rendimento por parte da vítima, sem que em sede de motivação tivesse feito essa concreta alusão.
9. O Recurso apresentado não cumpre sequer as imposições legais respeitantes à interposição de um recurso penal.
10. Deve o Recurso ser rejeitado por decisão sumária, atenta a (mais que) evidente falta de motivação, ex vi os artigos 412º, 414º e 417º nº 6, alínea b), do CPP.
11. Não haverá, assim, lugar ao convite ao aperfeiçoamento, uma vez que o mesmo
se circunscreve às conclusões e não aos fundamentos do Recurso.
-- Se assim não se entender
12. A Recorrente não identifica, nem aponta, um critério orientador para a quantificação dos danos (nas vertentes: direito à vida; não patrimonial e patrimonial), nem esclarece qual é a jurisprudência dominante e não identifica os vícios da decisão recorrida.
13. A Portaria dos Danos Corporais não vincula os Tribunais, sendo de aplicação extrajudicial.
14. A vida é o bem maior da pessoa humana.
15. Entendemos Demandantes que o quantum atribuído de €150.000,00 no capítulo “dano morte” é justo e adequado ao caso.
16. O estabelecimento de um quantitativo pelo Dano Morte inferior a €150.000,00, aos montantes fixados por danos não patrimoniais relativamente a “lesados vivos severamente afectados” representa uma inequívoca e intolerável contradição com a afirmação de que a “vida é o bem supremo”.
17. Também a Recorrente se insurgiu contra o valor atribuído à Demandante ARC, a título de danos não patrimoniais, sem demonstrar as razões de facto e direito que imporiam decisão diferente daquela proferida pelo Tribunal a quo.
18. Por outro lado, para a Recorrente os montantes fixados a título de danos patrimoniais futuros, por violação do direito a alimentos, são igualmente excessivos, pois, no seu entender, devia levar-se em linha o rendimento líquido e não o “bruto” e que não foi levada em consideração a circunstância da própria vítima consumir igualmente parte dos rendimentos, nem se ponderou a circunstância atinente à antecipação do capital indemnizatório.
19. A Recorrente não reparou no artigo 100º do pedido de indemnização civil, onde foi levado em linha de conta a redução de 1/3 na determinação do quantum devido pela violação do direito a alimentos, correspondente à quantia que o falecido eventualmente gastaria consigo mesmo.
20. Ao referido montante – dano patrimonial por violação do direito a alimentos - não devem ser retirados quaisquer outras quantias, já que não se levou em linha de conta os normais e futuros aumentos salariais, a correção monetária, sendo que os juros das aplicações bancárias estão muito reduzidos, não havendo por isso enriquecimento sem causa.
21. A remuneração a ter em conta é a ilíquida e não a líquida, mas o cálculo da indemnização não pode dispensar o recurso à equidade, devendo ponderar-se o seguinte que:
- À data do acidente a Demandante ARC vivia em comunhão de mesa, habitação eleito como falecido TS há mais de 9 anos;
- CS é filha de TS e de ARC, nasceu em 6.6.2011 e residia com ambos os progenitores;
- SC era à data do óbito nascituro e é também filho de TS;
- TS tinha 33 anos à data da morte e era um jovem saudável, responsável, trabalhador, praticante de desportos;
- Estava prevista a admissão do falecido TS nos quadros da “S.” no dia 1/8/2017, com a celebração de um contrato de trabalho sem termo, mediante o pagamento de uma remuneração de base ilíquida de € 650,00, acrescida de subsídio de alimentação diário de €7,232, beneficiando ainda de seguro de vida e de saúde;
- ARC e TS mantinham uma relação muito próxima, sentindo muito amor e carinho um pelo outro, sendo a relação pautada por grande cumplicidade e entreajuda;
- TS era o sustento do agregado familiar, porquanto, a ARC não tinha nem tem, enquanto cabeleireira, trabalho ou rendimento certo, sendo o vencimento do falecido que assegurava o pagamento das despesas familiares.
22. O TS não teve qualquer responsabilidade para o eclodir do acidente.
23. Verifica-se total ausência de motivação da Recorrente para discordar da Sentença proferida, isto no que toca ao período abrangido pela indemnização devida pela violação do direito a alimentos, e tampouco esclarece como calculou os valores indicados.”

Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto.

II.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
Da sentença recorrida consta o seguinte:
FACTOS PROVADOS:
Com interesse para a discussão da causa está provado que:
- DA ACUSAÇÃO:
1) No dia 18 de Julho de 2017, cerca das 18 horas e 45 minutos, a arguida conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula 91 ..., no Itinerário Complementar no 2, (IC2), no sentido Carregado-Ota.
2) Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, em sentido oposto ao da arguida, circulava o velocípede, conduzido por TS.
3) Naquele local, a via é uma reta antecedida de uma curva ligeira à esquerda no sentido Carregado-Ota, sem inclinação acentuada, com boa visibilidade em toda a sua largura e extensão, permitindo ter a perceção dos demais utentes e condutores que ali circulem.
4) A via tem pavimento betuminoso, com uma largura total de 12,90 metros, com dois sentidos de marcha, com 4 metros de largura, sem separador físico, mais as bermas de 2,3 e 2,6 metros de largura.
5) A via não tem iluminação artificial no local, e encontrava-se seca e limpa, sem anomalias, deformações ou obstáculos.
6) O tempo estava bom, seco e sem chuva.
7) No local, o pavimento da via encontrava-se devidamente assinalado com linhas longitudinais continuas (marca M1 do regulamento de sinalização de trânsito), com sinalização e marcas rodoviárias bem visíveis, bem como sinalização vertical de proibição de ultrapassagem (sinal C14a).
8) No local do acidente, a via tem como limite máximo de velocidade de circulação a de 90 Km/h, para veículos ligeiros circulando fora da localidade.
9) À data e hora do acidente, para além dos veículos acima mencionados, a circulação rodoviária era diminuta, efetuando-se com fluidez.
10) O veículo automóvel interveniente no acidente encontrava-se em bom estado de conservação e de funcionamento, com a inspeção periódica obrigatória dentro da validade, sem qualquer deficiência nos seus elementos mecânicos, seja nos travões, direção, suspensão ou pneus.
11) Sucede que, no percurso que efectuava na referida via, desde o Carregado em direcção à localidade da Ota, ao Km 35,380, a arguida invadiu a faixa de rodagem da esquerda, atento o seu sentido de marcha e destinada ao trânsito de sentido contrário ao seu, bem como a berma do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, indo embater com a parte lateral esquerda e rodas esquerdas do veículo nas guardas de segurança ali existentes.
12) Aí, o veículo conduzido pela arguida embateu violentamente com a parte lateral esquerda e rodas esquerdas no lado esquerdo da roda da frente do velocípede que transitava nessa faixa.
13) Com a colisão, a vítima TS embateu violentamente no capô e para-brisas do veículo ligeiro, embatendo com a cabeça na zona superior do para-brisas, sendo seguidamente o mesmo, bem como o velocípede, projectados para fora da faixa de rodagem, ficando o corpo de TS imobilizado longitudinalmente a 130,3 metros do local de embate, e o velocípede longitudinalmente a 120 metros do local de embate.
14) Em consequência, a vítima TS sofreu múltiplas lesões traumáticas crânio-encefálicas e torácico-abdominais que foram causa direta e necessária da sua morte.
15) A arguida após o embate, continuou a circular para a direita para a via de trânsito mais à direita ao sentido de marcha que levava, só imobilizando o seu veículo a 86 metros de distância do local de embate.
16) Não foram detectadas quaisquer marcas de travagem, bem como as guardas de segurança na berma do lado esquerdo, atento o sentido de marcha que levava a arguida -Carregado-Ota-, tinham marcas de raspagem, devido ao contacto de raspagem do veículo conduzido pela arguida nas guardas de segurança, numa extensão de 8,4 metros.
17) A morte de TS deveu-se exclusivamente à forma desatenta e imprudente com que a arguida conduziu, não adequando a condução às suas circunstâncias e às da via, sem que da mesma resultasse perigo para os outros utentes em geral.
18) Ao atuar da forma descrita, violando as mais elementares normas da prudência e de segurança rodoviárias, a arguida, não só podia e era capaz de ter previsto consequências como a ocorrida, quando lhe era exigível ter acautelado essa possibilidade, dever a que estava obrigada e de que, não só podia, como era capaz, desse modo provocando o acidente acima descrito e causando as lesões e a morte de TS  dos Santos, resultado que previu, mas não quis.
19) Ao atuar da forma descrita, a arguida sabia também que lhe estava interdita a condução na faixa contrária e que com tal conduta violava regras de segurança na condução automóvel, e ainda assim, ciente de tal facto, não se absteve de o fazer, o que quis.
20) A arguida agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

- Do pedido de indemnização civil deduzido por ARC:
21) À data do acidente, ARC vivia em comunhão de mesa, habitação e leito com TS há mais de 9 anos, como se marido e mulher fossem.
22) CS é filha de TS e de ARC, residindo com ambos os progenitores, tendo nascido em 06.06.2011.
23) SC à data do óbito era nascituro, tendo nascido dois meses após o falecimento do TS, em 19 de Setembro de 2017, e é filho de TS e de ARC.
24) TS tinha 33 anos de idade à data da morte e era um jovem saudável, responsável, trabalhador, praticante de desportos.
25) TS à data do óbito exercia a função de caixeiro-ajudante há cerca de 6 anos para a "M - Prestação de Serviços, Ld.a", prestando a sua actividade na empresa "S, S.A.", auferindo um vencimento base mensal ilíquido de € 557,00.
26) Estava prevista a admissão do TS nos quadros da "S. " no dia 1 de Agosto de 2017, com a celebração de um contrato de trabalho sem termo, mediante o pagamento de uma retribuição base ilíquida de €650,00, acrescida de subsídio de alimentação diário de € 7,23, beneficiando ainda de seguro de vida e de saúde.
27) Quando a equipa do INEM/VMER chegou ao local, TS ainda se encontrava vivo, mas em paragem cardiorrespiratória irreversível, e não obstante as manobras de reanimação, o óbito foi declarado alguns minutos depois.
28) TS no curto espaço de tempo que antecedeu a sua morte sofreu de angústias insuperáveis traduzidas nas dores físicas decorrentes das lesões que sofreu e supra descritas e no sofrimento natural perante a iminência da morte.
29) Na altura do falecimento de T. S., ARC encontrava-se grávida de 7 meses do SC, filho de ambos.
30) ARC e TS mantinham uma relação muito próxima, sentindo muito amor e carinho um pelo outro, sendo a relação pautada por grande cumplicidade e interajuda.
31) Aquando do recebimento da notícia do falecimento de TS através dos militares da GNR, ARC ficou em estado de choque, desesperada, incrédula, angustiada, revoltada e triste.
32) ARC era uma pessoa alegre, bem-disposta e feliz, mas após a morte de T. S., mergulhou em tristeza, estando constantemente a chorar, apesar de ter acompanhamento por psicólogo, tendo ficado com dois filos menores a seu cargo exclusivo.
33) CS tinha uma relação de especial proximidade e envolvência afectiva com o pai, T. S., tendo recebido a notícia do falecimento do pai com enorme tristeza e consternação, passando a ter crises de choro compulsivo, quer no dia do óbito, quer nos dias que se lhe seguiram.
34) CS teve acompanhamento por psicólogo desde Setembro de 2017 até Junho de 2018, e evita falar do assunto "pai", desviando sempre a conversa quando tal é convocado, tendo construído para si uma barreira psicológica para tentar ultrapassar a perda e conforma a sua vida à sua nova realidade.
35) SC não chegou a conhecer o pai e de com ele conviver.
36) TS era o sustento do agregado familiar, porquanto a demandante ARC, cabeleireira de profissão, não tinha, nem tem trabalho e/ou rendimento certo, oscilando entre €200,00 a €250,00 por mês, sendo o vencimento de TS que assegurava o pagamento das despesas familiares.
37) Na altura do acidente, o equipamento que TS utilizava ficaram danificados, designadamente o capacete, no valor de €115,00, os sapatos no valor de €135,00, o GPS Garmin no valor de €290,00, e a bicicleta no valor de €3.900,00.

- Do pedido de indemnização civil do CNP/ISS. IP:
38) O Centro Nacional de Pensões pagou pensões de sobrevivência e despesas de funeral aos familiares da vítima TS no montante total de €6.999,25 relativo a pensões de sobrevivência e €1.263,96 relativo a despesas de funeral.
- Da contestação da arguida:
3 8 9 À data do acidente, a arguida estava grávida de cerca de 16 semanas, padecendo de náuseas e vómitos, estando medicada com doxilamina e dicloverina (nauseffe), e em períodos de jejum prolongado poderia padecer de hipoglicémia e tonturas.
40) No dia dos factos, a arguida tinha tomado o nauseffe na noite anterior ao deitar, e comeu um iogurte pelas 16h30m, tendo saído do trabalho pelas 18h15m.
41) O trabalho da arguida na data dos factos era muito exigente, num ambiente de grande pressão e stress profissional.
42) A arguida após os factos referidos em 1) passou a ser acompanhada
quinzenalmente em consultas de psicologia clínica, desde o dia 29.07.2017.
Mais se apurou que:
43) A arguida exerce a função de responsável operacional clínica, aufere €1.000,00, vive com o marido, responsável de regulamentação, que aufere €1.500,00, tem um filho com 14 meses de idade, vive em casa própria, da qual paga €600,00 de prestação decorrente de empréstimo bancário., despendendo ainda com a economia doméstica cerca de €120,00.
44) Possui Mestrado em Química Tecnológica como habilitações literárias.
45) Não tem antecedentes criminais.
46) Não tem qualquer averbamento no seu registo individual de condutor.
47) A arguida apresenta um percurso de vida adaptado do ponto de vista social e um discurso revelador da interiorização do valor da vida humana com capacidade de descentração e empatia.
iiiii
B) Factos relevantes não provados.
- Do Pedido de indemnização civil deduzido Por ARC:
A) TS ficou prostrado até à chegada do INEM/VMER durante pelo menos 30 minutos.
- Da contestação da arguida:
B) Que a arguida na data do acidente tenha perdido o discernimento por breves segundos.

C) Convicção do Tribunal
(…)



No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, a questão suscitada resume-se a saber apenas se são exageradas as indemnizações arbitradas a favor das demandantes assistentes.

Apreciando.

Partindo de uma postura de aceitação da ressarcibilidade dos danos fixada na sentença, manifesta a recorrente demandada que alguns dos valores indemnizatórios fixados pecam manifestamente por excesso, quando comparados com os montantes fixados pela Jurisprudência dominante para danos equivalentes e de idêntica natureza.
Considera que, no que concerne ao direito à vida, o montante fixado de 150.000,00€ ultrapassa os montantes mais elevados fixados a este titulo, que para pessoas mais jovens do que a vitima no caso em apreço, regra geral se fixa nos 90.000,00€/100.000,00€, o que de acordo com critérios de equidade e tendo em conta que a vitima contava à data do acidente com 33 anos, tendo por um lado por referencia os valores indicativos da Portaria dos Danos Corporais e por outro as decisões maioritárias sobre esta matéria, entende que o montante respectivo deverá ser reduzido para um valor nunca superior a 90.000,00€ com vista à observância do direito constitucional da igualdade.
No tocante ao montante fixado a título de danos patrimoniais atribuídos no valor de 50.000,00€, manifesta que, em situações equivalentes, o montante fixado, em média, não ultrapassa os 30.000,00€.
Por último, os montantes fixados pelo douto Tribunal a título de danos patrimoniais futuros, quer para a viúva quer para os filhos, e face ao rendimento bruto auferido pela vitima, não tendo sido considerada a circunstância da própria vítima consumir igualmente uma parte dos rendimentos, nem ponderada a circunstância respeitante à antecipação do capital indemnizatória, aponta a que, atenta a idade da Demandante de acordo com as regras da experiência comum, poderá ainda vir a refazer a sua vida, sendo equilibrado pondera 15 a 20 anos de danos patrimoniais futuros, e para as os menores até serem autónomos o que regra geral se pondera atá à idade ou circunstancialismos ponderados para o dever de alimentos dos pais em relação aos filhos, considera que o montante arbitrado à Demandante viúva devera ser reduzido para montante nunca superior a 120.000,00€ e para a filha um valor nunca superior a 25.000,00€ e, para o menor mais novo, um valor nunca superior a 40.000,00€.

Uma primeira nota que se nos impõe fazer à motivação da recorrente dirige-se à falta de indicação concreta das razões em que funda a qualificação como “manifestamente excessivos” os montantes indemnizatórios fixados, sem identificar ou apontar um critério orientador para a quantificação indemnizatória de cada um desses danos, isto por diferente dos apontados na sentença recorrida.
Relevamos ainda neste aspecto que a recorrente, a propósito dos montantes fixados a título reparação dos danos patrimoniais futuros, traz à discussão, manifestando a respectiva não ponderação, “a circunstância da própria vítima consumir igualmente uma parte dos rendimentos”, facto/circunstância esta que não se mostra inserido na matéria de facto provada, a qual a recorrente não põe minimamente em crise no recurso.
Por outro lado, faz apelo a “Jurisprudência dominante para danos equivalentes e de idêntica natureza” sem, contudo, a indicar em concreto, identificando-a ou fazendo remissão para a respectiva possível localização.
Daqui resulta que a tarefa deste tribunal de recurso, apesar de não desconhecermos as tendências jurisprudenciais seguidas, se mostra impossibilitada na aferição da justeza e relevância das objecções manifestadas pela recorrente, o que conduziria à manifesta improcedência do recurso, aliás propugnada pelos demandantes/assistentes.

De qualquer modo, sempre diremos.
A sentença recorrida desenvolveu a seguinte argumentação quanto à fixação dos montantes indemnizatórios:
“PEDIDOS DE INDEMNIZACÃO CIVIL
A ofendida ARC , por si e em representação dos seus filhos menores CS e SC, deduziu pedido de indemnização civil, contra a Companhia Seguradoras Unidas, S.A., nos termos de fls. 244 e ss. para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente de viação a que respeitam os autos, pela morte de TS, no valor total de €602.656,69 (seiscentos e dois mil, seiscentos e cinquenta e seis euros e sessenta e nove cêntimos).
Dispõe o artigo 129.º do Código Penal que a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, pelo que, têm aqui integral aplicação os princípios vertidos nos artigos 483.º e ss. do Código Civil 34 reguladores da responsabilidade civil extracontratual.

4.1.1. Da responsabilidade civil.
Nos termos do disposto no art.º 483.º do CC "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Assim, são pressupostos da obrigação de indemnizar:
- o facto: voluntário e objectivamente controlável ou dominável pela vontade
humana;
- a ilicitude: violação de um direito ou interesse alheio;
- a culpa: imputação do facto ao lesante;
- o dano; e
- o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No caso dos autos, tendo ficado demonstrada a prática pela arguida, por actuação negligente e com culpa exclusiva do crime de homicídio negligente, fica demonstrada a existência dos três primeiros requisitos enunciados.
Mostrando-se ainda assentes factos correspondentes a perdas patrimoniais sofridas e a perdas não patrimoniais, em consequência dos factos ilícitos praticados pela arguida, conclui-se que se encontram preenchidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, cabendo ao Tribunal determinar o respectivo quantum, em face das alegações dos demandantes que lograram obter prova.
Por força do contrato de seguro obrigatório celebrado entre a arguida e a ora demandada seguradora e titulado pela apólice supra referida, a companhia de seguros é responsável pelos danos emergentes do acidente de viação, nos precisos termos em que o seu segurado o for e dentro dos limites do seguro – art.ºs 426º e 427º do CCom. e art.º 12.º do D.L. n.º 291/2007, DE 21l08.
Provado que à data do acidente, a arguida havia transferido validamente a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a circulação do veículo ligeiro de passageiros de matrícula 91 ... para a ora demandada Companhia de Seguradoras Unidas, S.A., pelo contrato de seguro titulado pela apólice, sendo o capital então garantido para o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel previsto na lei.

4.1.2. Do montante da indemnização
4.1.2.1. - Danos Patrimoniais
Nos termos dos art.ºs 562.º a 564.º do CC, o dever de indemnizar compreende os prejuízos causados pelo facto ilícito, sendo que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, restringindo-se a obrigação de indemnizar aos danos que o lesado provavelmente não sofreria se não fosse a lesão (danos emergentes), mas compreende-se também na reparação, não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixar de obter em consequência da lesão - (lucros cessantes) art.º 564º do CC..
Dispõe ainda o art.º 566.º, n.º 2, do CC, que a indemnização em dinheiro, como é o caso, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado - situação real - na data mais próxima que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos - situação hipotética actual. É a denominada teoria da diferença.

 4.1.2.2. Danos não patrimoniais
Nos termos do disposto no art.º 496º n.º 1 do CC na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais, que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo que, por força do n.º 3 do mesmo preceito legal, "o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; mas no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior." [cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 778.]
O que deve entender-se por danos não patrimoniais há muito se encontra sedimentado na mais autorizada doutrina que tem sido seguida pela jurisprudência.

Assim, "danos não patrimoniais são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização" [Cfr. Antunes Varela, ob. e loc. cit., pág. 571.]
Como serão então indemnizados estes danos?
A lei dá-nos a resposta, afirmando que o cálculo da indemnização devida será efectuado com base na equidade, sendo indemnizáveis apenas os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito - citados n.ºs 1 e 3 do art.º 496.º do CC.
Também para a formulação do referido juízo de equidade, que balizará a fixação da compensação pecuniária neste tipo de dano, podemos recolher o ensinamento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, que nos dizem que: "o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.
E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.".[ In "Código Civil Anotado", vol. I, pág. 501.]
Como podemos verificar um dos aspectos a ter em conta, a culpa do lesante, tem sido realçado pelos tratadistas que acentuam a importância da componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais.
Assim, Menezes Cordeiro ensina que "a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização".[In "Direito das Obrigações", vol. II, pág. 288.]
Por seu turno, Galvão Telles, sustenta que "a indemnização por danos não patrimoniais é uma "pena privada, estabelecida no interesse da vítima - na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado".[ In "Direito das Obrigações", pág. 387.]
Para Menezes Leitão a reparação por danos morais assume-se "como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante".[ In "Direito das Obrigações", vol. I, pág. 299]
Na esteira destes entendimentos, o Supremo Tribunal de Justiça desde há muito vem decidindo que «(...) no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois "visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada", não lhe sendo, porém, estranha a "ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente" [Ac. do STJ, de 30.10.96, 1n BMJ 460, pág. 444.]; e que a quantia devida por estes danos não tem por fim «a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas principalmente compensar o autor, na medida do possível das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para que o acidente o arrastou, e deve a mesma ser calculada pondo em confronto a situação patrimonial do lesado (real) e a que teria se não tivessem existido danos»[ Cfr. Ac. STJ de 26.01.94 1n CJSTJ, Tomo I, pág. 65 e de 16.12.93, 1n CJSTJ, Tomo III, pág.181], jurisprudência que se mantém actual conforme as inúmeras decisões que se podem consultar a propósito no caderno de jurisprudência temática disponível no sítio do STJ [Inter alia, Ac. STJ de 19-05-2009, Proc.º n.º 298l06.0TBSJM.S1.].

Postas estas considerações gerais quanto aos danos patrimoniais e não patrimoniais e sendo estes os padrões teóricos dentro dos quais o Tribunal tem que se mover, analisemos agora todos e cada um dos danos patrimoniais e não patrimoniais alegados e cujo ressarcimento os ofendidos reclamam.
A fim de permitir uma mais eficaz definição da responsabilidade relativamente a cada um dos ofendidos, procederemos à análise dos mesmos em separado.

- Indemnizações decorrentes da morte de T. S.:

4.2.3.1. - Danos não patrimoniais
4.2.3.1.1. - Perda do direito à vida
Reclamam os demandantes ARC e filhos, o pagamento da quantia de 150.000,00€ pela lesão do direito à vida do falecido TS, invocando a sua qualidade de herdeiros.
A demandada seguradora contestou.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o art.º 496º nº 2 do CC que "por morte da vítima o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes aos pais ou a outros ascendentes e por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem".
E no nº 3 do citado artigo consagrou-se que no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos supra referidos.
Assim, como escreveram Pires de Lima e Antunes Varela (CC. Anot., vol I, pág. 500) " dos números 2 e 3 deste artigo e da sua história resulta por um lado que, no caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização correspondente aos danos morais - quer sofridos pela vítima, quer por familiares - cabe não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio e autónomo (iure proprio), nos termos e segundo a ordem estabelecida no citado n.º 2".
Nestes moldes, não será difícil a compreensão de que tais danos não obedecem aos critérios correntes e usuais de avaliação, atenta a sua natureza e especificidade.
Aliás e em bom rigor, é manifesta a impossibilidade de reparação natural de tais danos em virtude da incompatibilidade de correspondência económica entre o dano e a sua expressão monetária, por se estar em planos valorativos diferentes - por um lado, o plano dos valores, o qual se revela na sua expressão máxima no direito à vida, e por outro, o plano material de expressão monetária, por natureza, quantificável.
Porém, podem e devem tais danos ser de alguma maneira compensados, o que se pretende que seja efectuado por via do estabelecimento de uma indemnização que, ainda que seja uma via simbólica e ficcionada, atribua um valor expresso em escudos, à vida perdida.
Com efeito, como desde há muito decide o STJ "a indemnização por estes danos não tem por fim a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas visa principalmente compensar o autor, na medida do possível, das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para a qual o acidente arrastou".[Acórdão de 26.01.94, in CJSTJ, t.1, pg. 65 e ss.]
Desta forma, com vista à determinação da indemnização devida, a lei aponta para um critério que se há-de ter por elástico, inspirado em razões objectivas e sobre o qual há-de assentar o juízo de equidade.
Assim, se a indemnização pelo dano moral visa simultaneamente compensar o lesado e sancionar o lesante, o recurso à equidade não pode significar o uso de arbitrariedade, mas tão-somente o uso de um critério para a compensação de um direito em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto, atendendo sobretudo aos danos causados, ao grau de culpa do agente, à sua situação económica, bem como à do lesado e às demais circunstâncias do caso - art.º 494º CC.
Por conseguinte, tal indemnização por danos não patrimoniais não pode ser de montante irrisório, mas ao contrário terá de demonstrar a intensidade de uma dor, de uma angústia, de um desgosto, de um sentimento moral, em suma, terá de se reportar a um somatório de sentimentos que hão-de ser por esta via compensados.
Embora a dor não tenha preço, importa sobretudo que a correspondente indemnização, deva por si própria, significar algo que permita compensar a perda e minorar a dor sofrida, correspondendo em termos de equidade à gravidade do dano considerado, quer objectivamente, porque a vida é o bem maior da pessoa humana, quer relativamente, porque à data do acidente, o falecido era um homem de 33 anos, saudável e que constituía uma família feliz juntamente com a mulher e os filhos do casal, sendo a sua contribuição económica para a manutenção da vida familiar naturalmente relevante.
Considerando que aquando da queda da ponte de Entre-os-Rios, em 2001, a indemnização pela perda do direito à vida foi fixada em 50.000,00€, independentemente da idade das vítimas e da sua condição sócio-económica, e que, desde então decorreram dezoito anos, porquanto tal indemnização deve ser computada à data da prolação da sentença - artigo 496º nº1 do CC -, pelo que, em nosso entender, mostra-se actualmente ajustado o montante peticionado por falecimento ocorrido em 2017, pela simples actualização daquele referido montante, e mostrando-se ainda adequado às indemnizações que vão sendo praticadas pelos tribunais superiores.[ Cfr. Acórdão do STJ de 10-07-2008, Revista n.º 1840/06 - 6.ª secção; de 16-10-2008, Revista n.º 2697/08 - 7.ª secção; de 18-11-2008, Revista n.º 3422/08 - 2.ª secção; de 05-02-2009, Revista n.º 4093/08 - 2.ª secção; de 14-05-2009, Revista n.º 1240/07.TBVCT.S1- 6.ª secção.]
Por isso, entendemos que, a este título, deverá ser fixada a indemnização peticionada pela perda do direito à vida do TS em 150.000,00€, a repartir em partes iguais pela companheira e filhos, sendo, portanto, devidos 50.000,00€ a cada um dos demandantes.

4.2.3.1.2. - Danos não patrimoniais próprios dos demandantes
No que concerne ao cômputo da indemnização a arbitrar a sua companheira e aos seus filhos, ora demandantes, a título de danos morais, os mesmos peticionaram, respectivamente, a quantia de 50.000,00€ para a viúva, 40.000,00€ para a filha CS e €30.000,00 para o filho SC.
A ré contestou.
Atendendo, sobretudo, como se exige, à gravidade do dano, a qual se aprecia com base no caso concreto, resultou provado que TS faleceu no dia 18.07.2017, aos 33 anos de idade no estado de unido de facto há 9 anos com a demandante ARC, e do qual haviam nascido uma filha, e a demandante se encontrava grávida de 7 meses, à espera de um filho, os ora demandantes CS e SC, com 6 anos de idade e nascituro, respectivamente.
Conforme propugna o douto Acórdão do STJ, de 03.04.2014, Processo n.º 436l07.6TBVRL.P1.S1, Relator Conselheiro Álvaro Rodrigues, in www.dgsi.pt:
"(....)
1. "O nascituro tem um direito próprio a ser indemnizado pelo facto de não ter podido conhecer o pai, ou de ter ficado prematuramente privado da sua companhia ao longo da vida, já que isso representa uma grande privação, que se traduzirá numa constante mágoa, dor ou sofrimento.
2. Quando a lei prevê casos específicos em que reconhece direitos aos nascituros, não está a afastar, por exclusão de partes, a possibilidade de aplicação aos nascituros dos direitos que na lei surgem como próprios dos filhos. Como se diz no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 2000.03.20, não há razão para criar distinções onde a lei não distingue. (Ubi lex non distinguit, necque nos distinguire licet).
3. Acresce que o art.º 26.º da Constituição, reconhecendo a todos o direito à identidade pessoal, não estaria a ser cumprido, se se interpretasse o artigo 496º do CC de uma forma discriminativa e limitativa, atribuindo o direito de indemnização por danos não patrimoniais aos filhos que já tenham nascido e não reconhecendo esse mesmo direito a quem esteja apenas concebido (nem que seja com um dia ou meras horas de diferença) ainda que comungando da mesma fonte de identidade ou genética da personalidade progenitora.
4. Violaria, por outro lado, também, o direito constitucional da igualdade em que seriam colocados os descendentes no mesmo grau, do mesmo progenitor, relativamente ao enunciado direito, sendo certo que tanto um como outro provêm das mesmas pessoas e que a identidade física do filho nascido é a mesma do filho nascituro enquanto encerrado no ventre materno, e que se desenvolve ininterruptamente desde a concepção. De trazer à colação os art.ºs 24º, 25º e 13º da Constituição."
Na verdade, conforme já entendeu o STJ, "o pedido pela viúva e filhos da vítima de uma indemnização por danos não patrimoniais derivados da morte deste pode ser atendido, ainda que aqueles não tenham alegado quaisquer factos respeitantes à dor que sofreram, uma vez que tal sofrimento é uma regra da experiência e a notoriedade cultural também vincula os tribunais. No caso de assim não acontecer, estamos perante matéria de excepção aprovar pela outra parte”. [Acórdão do STJ de 29-03-2007, Revista n.º 3261l06 - 2.ª Secção]

Obviamente que no caso em apreço (como em qualquer outro desta índole, em que haja perda da vida humana e nada se prove em contrário) deve considerar-se que todo o sofrimento pela perda do familiar é intenso e, em regra, perdura o desgosto da companheira e filhos pela vida fora com a perda do companheiro e pai, isto independentemente dos filhos serem maiores ou menores e também de viverem ou não com os pais, desde que existam laços estreitos entre todos.
Sendo, estes danos também indemnizáveis, como entenderam Pires de Lima e Antunes Varela (CC. Anot., vol. 1, pág. 501) na fixação da indemnização por danos morais, deve o Tribunal tomar em conta "todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida".
Assim, se a ordem jurídica tutela o modo como se poderá compensar esse sofrimento, entendemos, em conformidade com o disposto no art.º 496º nºs 1 e 3 do CC e de acordo com as considerações acima tecidas, ser efectivamente devida uma indemnização a todos os membros da família.
Desta sorte, entendemos adequada a fixação a cada um dos autores, a título de danos não patrimoniais sofridos em consequência da prematura morte do companheiro e pai, respectivamente, da quantia de:
- €50.000,00 para a demandante ARC;
- €40.000,00 para a demandante CS;
- €30.000,00 para o demandante SC.

- Danos patrimoniais
4.3.2.1. Danos emergentes
Peticionam os demandantes a quantia de €4.400,00 a título de danos patrimoniais relativos ao equipamento danificado, usados pelo falecido na altura do acidente.
Atenta a factualidade que resultou provada em 37), e atentos os fundamentos de direito supra expendidos a propósito dos pressupostos da obrigação de indemnizar, dúvidas não restam que os demandantes deverão ser ressarcidos destes montantes que suportou para repor a situação em que se encontrava antes do mesmo, verificando-se a existência de todos os pressupostos da obrigação de indemnizar.

4.3.1.2. Lucros cessantes
Pedem ainda os demandantes a título de "direito a alimentos e danos futuros", a quantia de:
- €212.171,37 à demandante ARC;
- €45.809,57 à demandante CS (calculado até perfazer 25 anos);
- €60.275,75 ao demandante SC (calculado até perfazer 25 anos).
Não existe dúvida que os demandantes, sendo companheira e filhos menores e nascitura à data do acidente, podem pedir uma indemnização neste âmbito, com base no disposto no art.º 495.º, n.º 3, do CC.
Efectivamente, estabelece esta disposição legal que "têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural".
Ora, nos termos do artigo 2003.º, n.º 1, do CC, por alimentos, deve entender-se como "tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário", sendo que os ascendentes estão vinculados à obrigação de prestarem alimentos, a favor dos descendentes, nos termos do art.º 2009.º, al. c), do CC. Claro está que existindo um dever jurídico de os ascendentes contribuírem com alimentos para os descendentes, a respectiva prestação não será devida a uma qualquer obrigação natural, mas sim a tal obrigação jurídica, não se curando aqui de apreciar o cumprimento daquela. [Conforme decorre do artigo 402.º do CC, por obrigação natural deve entender-se a obrigação que se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.]
Esta indemnização, como se vê pela enunciação do referido preceito legal, diz respeito a danos causados aos próprios terceiros que ficaram desprovidos da possibilidade de exigir alimentos à vítima do acidente, e não um direito da própria vítima.
De facto, este normativo constitui uma excepção ao princípio de que só o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação da disposição legal tem direito a indemnização, e não terceiros que apenas reflexa ou indirectamente sejam prejudicados com tal violação.
"Dada a sua índole, a indemnização neste contorno deve ser aferida em função da medida dos alimentos. A nosso ver, o n.º 3 do art.º 495º, não concede às pessoas, que podem exigir alimentos ao lesado, o direito de pedir uma indemnização por todos os danos patrimoniais que o evento lhes haja causado, mas apenas podem deduzir uma indemnização pelo dano da perda de alimentos que o lesado, não fosse a lesão, teria que lhes prestar. Isto é, a indemnização com este fundamento, está dependente (essencialmente) da alegação e prova da necessidade de alimentos, presente ou futura, por banda daquele que invoca esse direito. A indemnização neste âmbito visa, precisamente, ressarcir o interessado pela perda dos proventos que a fonte de rendimentos que cessou (pela lesão ou morte do obrigado) lhe proporcionaria. A medida da indemnização será determinada (tendencialmente) pelo cômputo da perda do montante global de alimentos que o interessado poderia receber do lesado. Está igualmente dependente a atribuição da indemnização, da alegação e prova da possibilidade do obrigado/lesado em contribuir com alimentos para com o interessado, como também nos parece óbvio. Mas note-se que não será necessário provar-se, para o exercício deste direito à indemnização, que o demandante esteja a receber da vítima qualquer prestação alimentar por carência deles. Basta demonstrar-se a aptidão para proceder à exigência de alimentos". [Vd. Ac. STJ de 17-12-2009, Processo n.º 77/06.59BAND.C1.S1 - 1.a secção.]
Ora, no caso dos autos, o falecido era o único sustento fixo da casa, com o falecimento prematuro deste os filhos e a companheira deixaram de perceber tais alimentos, pelo que, por tal facto, podem pedir uma indemnização.
Como se referiu supra, esta indemnização deve ser determinada pelo cômputo da perda do montante global de alimentos que os ora demandantes poderiam receber.
Atenta a factualidade consignada em 25), 26) e 36), procede na totalidade o valor peticionado a título de dano patrimonial futuro, por violação do direito a alimentos.

4.4. Sofrimento pré-morte de TS
Conforme decorre do pedido de indemnização cível deduzido, os demandantes peticionam a quantia de 10.000,00€ pelo sofrimento sentido por TS entre o momento do acidente e o momento da sua morte.
Atenta a factualidade provada em 27) e 28), será de compensar o sofrimento do falecido antes da morte?
Cremos que sim.
Na verdade, conforme vem sendo defendido, "ao lado do dano morte e dele diferente, há o dano sofrido pela própria vítima no período que mediou entre o momento do acidente e a sua morte; o dano vivido pela vítima antes da sua morte é passível de indemnização, estando englobado nos danos não patrimoniais sofridos pela vítima a que se refere o n.º 3 do mencionado art.º 496.º; estes danos nascem ainda na titularidade da vítima; mas, como expressivamente refere a lei, também o direito compensatório por estes danos cabe a certas pessoas ligadas por relações familiares ao falecido; há aqui uma transmissão de direitos daquela personalidade falecida, mas não um chamamento à titularidade dos bens patrimoniais que lhe pertenciam, segundo as regras da sucessão; quis-se chamar essas pessoas, por direito próprio, a receberem a indemnização pelos danos não patrimoniais causados à vítima de lesão mortal e que a ela seria devida se viva fosse".[Acórdão STJ de 24-05-2007, Revista n.º 1359/07 - 7.ª Secção. Cfr. em texto integral e neste mesmo sentido o recentíssimo Acórdão do STJ de 22-06-2010, Processo n.º 3013/05.2 TBFAF.G1.S1, in www.stj.pt.]
Efectivamente, concordamos com este entendimento que defende a necessidade de "distinguir entre o dano não patrimonial que antecede cronologicamente a morte - angústia perante a iminência do acidente e da morte - e o dano morte: uma coisa é o dano da perda da vida, outra, as angústias sofridas pela vítima ao ver desenrolar-se, ainda que por segundos ou minutos, o «filme» da tragédia iminente e ao tomar consciência, mesmo que fugaz, do esvair da própria vida.
Tratam-se ambos de danos não patrimoniais autónomos que justificam indemnização autónoma, porque suficientemente graves para justificar a tutela do direito". [Acórdão do STJ de 25-06-2009, Revista n.º 521/09 - 2.ª Secção.]
E mais, para além de serem danos não patrimoniais graves, é de considerar, como se fez neste acórdão, que o grande sofrimento de que padece uma pessoa que, por poucos segundos que sejam, luta contra a morte que vê iminente, constitui um facto notório.
Daí que, mostrando-se provado que o falecido ficou prostrado na berma, até aparecerem os bombeiros, é evidente que terá necessariamente pensado que poderia morrer em consequência do mesmo, sabido como é, que tantas vezes acontece a morte de alguém em consequência deste tipo de embates. E apesar de a sua morte ter sido decretada no local do acidente depois da respectiva ocorrência, não sabemos concretamente quanto tempo esteve o mesmo a sofrer até à sua morte (facto não provado em A)).
No entanto, não tendo sido imediata a morte do falecido, pensamos que não releva "em termos ontológicos saber se esteve muito ou pouco tempo a sofrer, sendo mais penoso psicologicamente o saber que se está muito próximo da morte". [ Assim, Acórdão do STJ de 18-11-2008, Revista n.º 3422/08-2.a Secção]
Desta sorte, sopesando todos os aspectos que importam à determinação do quantum indemnizatório devido a título de danos não patrimoniais, e tendo presente as demais decisões sobre a matéria [Acórdão do STJ de 25-06-2009, Revista n.º 521/09 - 2.ª Secção.], reputamos adequada a atribuição da quantia de 5.000,00€ para ressarcir a dor do sofrimento de TS com a antevisão da morte que lhe sobreveio em consequência deste acidente.

4.4. Actualização das indemnizações atribuídas
Sendo certo que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos (art.º 566.º, n.º 2, do CC), consigna-se expressamente que a data mais recente atendida pelo Tribunal para efeitos de atribuição da indemnização devida a título de danos não patrimoniais e patrimoniais, foi a da prolação desta sentença.
Assim, nos termos e para os efeitos do Assento n.º 4/2002 (publicado no DR, I.ª Série, de 27-06-2002 e agora com valor de acórdão uniformizador), não há que contar juros desde a citação, em aplicação do art.º 805.º, n.º 3, do CC, porquanto se se contassem, o titular do direito à indemnização beneficiaria de uma duplicação relativamente ao tempo que mediou entre a citação e a sentença: ou seja, acumularia juros e actualização monetária.”

Por relação ao montante indemnizatório fixado na sentença recorrida pela lesão do direito à vida do falecido T. S. , aquela sentença refere, como argumento essencial na respectiva fixação, para além da invocação do regime legal substantivo consubstanciado nos art.ºs 494º e 496º CC, e dos termos de equidade correspondente à gravidade do dano considerado, quer objectivamente, porque a vida é o bem maior da pessoa humana, quer relativamente, porque à data do acidente, o falecido era um homem de 33 anos, saudável e que constituía uma família feliz juntamente com a mulher e os filhos do casal, sendo a sua contribuição económica para a manutenção da vida familiar naturalmente relevante e, em termos de critério aferidor quantitativo, a situação da queda da ponte de Entre-os-Rios, em 2001, a indemnização pela perda do direito à vida foi fixada em 50.000,00€, o tempo decorrido desde esta, vindo a fixar esse montante em € 150.000.
Contrapondo-lhe a recorrente os valores indicativos da Portaria dos Danos Corporais e por outro as decisões maioritárias sobre esta matéria que não identifica, propugna um valor entre nunca superior a 90.000,00€ com vista à observância do direito constitucional da igualdade.
Quanto ao primeiro critério invocado - valores indicativos da Portaria dos Danos Corporais – temos a apontar que a respectiva utilização se esgota na fase pré- judicial, como de resto se extrai do preâmbulo da Portaria 377/2008 quando ali se afirma “o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis”.
Este entendimento tem sido o adoptado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores de que destacamos, sem preocupação de ser exaustivo, o decidido no Ac. STJ de 14.12.2016, disponível em www.gde.mj.pt/jstsj: “ …a Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho) vigora apenas no domínio da regularização extrajudicial dos sinistros por parte das seguradoras, não vinculando os tribunais…”.
Quanto às preocupações de respeito do princípio da igualdade para o que o recorrente apela a jurisprudência dominante para danos equivalentes e de idêntica natureza, sem a indicar em concreto, muito dificilmente conceberemos que exista uma situação igual ao caso de que nos ocupamos, isto em termos de coincidência nos vários elementos que o tribunal teve em atenção por relação à situação específica da vítima, seja da idade seja da actividade laboral e ambiência familiar bem como o apoio na jurisprudência que se mostra identificada na sentença.
Assim, somos de concluir que o montante indemnizatório atribuído no capítulo relativo à perda do direito à vida se mostra justo e adequado ao caso, atento o critério actualista do eleito pelo tribunal como base comparativa acima referido.

Outro dos aspectos que a recorrente aponta no seu recurso diz respeito ao montante fixado a título de danos patrimoniais atribuídos à demandante no valor de 50.000,00€, argumentando com “situações equivalentes” em que os mesmos foram substancialmente inferiores, mas que não consegue, mais uma vez, concretizar quais foram.
Por ausência de invocação de razões de facto e direito que imporiam uma decisão diferente da vertida na sentença recorrida quanto a este aspecto, também não podemos censurar a opção seguida na fixação do montante indemnizatório arbitrado por danos não patrimoniais à demandante, mostrando-se a mesma suportada em doutrina e jurisprudência pertinentes.

Insurge-se ainda a ora recorrente, qualificando-os de excessivos, quanto a todos os montantes fixados na sentença a título de danos patrimoniais futuros, quer para a viúva quer para os filhos, trazendo ao palco desta discussão o rendimento bruto de €650,00 que a vítima auferia, apontando à sentença que, nessa determinação, não foi ponderada a circunstância da própria vítima consumir igualmente uma parte dos rendimentos nem a circunstância respeitante à antecipação do capital indemnizatória, o que apontaria para a necessidade de uma lógica redução de parte de parte do montante aritmeticamente calculado sob pena de um enriquecimento sem causa.
A conclusão que a recorrente retira dessa alegação no sentido de que o montante arbitrado à Demandante viúva deveria ser reduzido para montante nunca superior a €120.000,00, para a filha um valor nunca superior a €25.000,00 e, para o menor mais novo, um valor nunca superior a €40.000,00 mostra-se assente em critérios não explicados.
Primeiramente e tal como aponta a recorrida na sua resposta, nos artigos 100º e 101º do pedido de indemnização civil formulado foi tida em linha de conta a redução de 1/3 na determinação do quantum devido pela violação do direito correspondente à quantia que o falecido eventualmente gastaria consigo mesmo e ao(s) referido(s) montante(s) não deve(m) retirados quaisquer outras quantias, mormente, por causa da antecipação do capital, já que não se levou em linha de conta os normais e futuros aumentos salariais acrescentando-se também a correcção monetária, os muito reduzidos juros das aplicações bancárias, citando-se a propósito os Ac.s do STJ de 20.11.2003 e 13.5.2004, disponíveis em www.dgsi.pt. Porém, a percentagem daquela dispêndio, ou outra, não se mostra reflectida na matéria de facto provada, embora seja do consenso comum que isso sucederia.  
Ora, a indemnização com este fundamento, está dependente (essencialmente) da alegação e prova da necessidade de alimentos, presente ou futura, por banda daquele que invoca esse direito. A indemnização neste âmbito visa, precisamente, ressarcir o interessado pela perda dos proventos que a fonte de rendimentos que cessou (pela lesão ou morte do obrigado) lhe proporcionaria.
A medida da indemnização será determinada (tendencialmente) pelo cômputo da perda do montante global de alimentos que o interessado poderia receber do lesado. Está igualmente dependente a atribuição da indemnização, da alegação e prova da possibilidade do obrigado/lesado em contribuir com alimentos para com o interessado, como também nos parece óbvio. Mas note-se que não será necessário provar-se, para o exercício deste direito à indemnização, que o demandante esteja a receber da vítima qualquer prestação alimentar por carência deles. Basta demonstrar-se a aptidão para proceder à exigência de alimentos, o que é mais impressivo por relação ao, então e à data do sinistro, nascituro.
No caso dos autos, sem dúvida apreciável, dada a idade dos demandantes à data do falecimento da vítima, dado o apurado nos factos provados 21, 22, 23, 25, 26, 29 e 36, pode-se afirmar que o falecido prestava já alimentos à companheira e à filha menor, sendo facilmente constatável a aptidão para o nascituro vir a proceder à exigência de alimentos
Esta indemnização será determinada pelo cômputo da perda do montante global de alimentos que os demandantes poderiam receber do seu progenitor.
Tal como consta da sentença, provou-se que o falecido era o único sustento fixo da casa, com o falecimento prematuro deste os filhos e a companheira deixaram de perceber tais alimentos, pelo que, por tal facto, podem pedir uma indemnização.
Como se referiu supra, esta indemnização deve ser determinada pelo cômputo da perda do montante global de alimentos que os ora demandantes poderiam receber.
Atendendo que as despesas dos demandantes tenderiam a aumentar, à medida que os menores fossem progredindo na idade e nos estudos, ampliando-se a necessidade de alimentos e como a fixação deve obedecer à equidade, atenta a factualidade consignada em 25), 26) e 36), o valor fixado a título de dano patrimonial futuro, por violação do direito a alimentos, mostra-se criteriosa a fixação dos montantes nos moldes consignados na sentença recorrida.
Nada a censurar, pois, à sentença recorrida.

III.
Por todo o exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal em negar provimento ao recurso interposto pela demandada Seguradoras Unidas, S.A confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Feito e revisto pelo 1º signatário.

Lisboa, 30 de Junho de 2020.
João Carrola
Luís Gominho
Decisão Texto Integral: