Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VASCO FREITAS | ||
Descritores: | INDEMNIZAÇÃO OFICIOSA REQUERIMENTO DO MP PROCESSO SUMÁRIO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/26/2020 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | É de rejeitar em processo sumaríssimo o requerimento do MºPº a deduzir pedido de indemnização civil oficiosa, não por falta de legitimidade do MºPº para o fazer, mas sim por não estarem verificados os pressupostos legais nos termos do art.º 82º-A do CPP. Não sendo o requerimento do MºPº legalmente admissível, nos termos do art.º 395º nº 1 al. a) do CPP, faltando-lhe um pressuposto especial relativamente ao pedido de indemnização formulado, o despacho que o rejeitar é irrecorrível. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Decisão sumária ao abrigo do disposto nos art.ºs 417º nº 6 al. b) e 420º nº 1 a) do C.P.P. I - RELATÓRIO Nos presentes autos, e findo o inquérito o MºPº requereu a condenação da arguida SL em processo sumaríssimo, numa pena de 80 dias de multa à taxa diária de €6,00 e nos termos do art.º 393º nº 2 e 394º nº 2 al. b) do CPP no pagamento de uma indemnização ao ofendido MS no valor de €125,00 O Mmº Juiz veio a rejeitar tal requerimento, por entender que não estando reunidos os pressupostos da indemnização oficiosa a que se referem os art.ºs 82 - A e 394º nº 2 al. b) do CPP, tal pedido era inadmissível, e uma vez que o MºPº entendia que o lesado deve ser ressarcido dos prejuízos tidos com a conduta da arguida, deveria então o MºPº optar por deduzir acusação noutra forma de processo que não a sumaríssima. Inconformado o MºPº veio interpôs recurso desse despacho, concluindo nos seguintes termos: a) É o presente recurso interposto do despacho que não recebeu o requerimento do Ministério Público para condenação da arguida em pena de multa em sede de processo sumaríssimo e na respectiva reparação ao lesado, por entender que a pena e a reparação propostas não eram, no seu conjunto, adequadas ao caso concreto, b) O presente recurso cinge-se à rejeição da reparação proposta pelo Ministério Público ao lesado, por não ser, tal como consta do despacho agora recorrido, legalmente admissível em processo sumaríssimo, o que impediu os autos de prosseguirem sob a forma de processo sumaríssimo, violando, com tal rejeição, o disposto nos art.ºs 393º, n.º 2, 394º, n.º 2, al. b), e 395º, n.º 1, al. c), todos do Código de Processo Penal. c) O despacho judicial que rejeitar o requerimento do Ministério Público para condenação em processo especial sumaríssimo, determinando o reenvio dos autos para tramitação sob forma de processo diverso, não é, em princípio, susceptível de recurso, nos termos do art.º 395º, n.º 4, do Código de Processo Penal, mas tal irrecorribilidade é limitada às situações em que motivo da rejeição se cinge a um dos três enumerados no n.º 1 do mesmo dispositivo, o que não é o caso. d) O motivo da rejeição do requerimento do Ministério Público não foi a desadequada dosimetria da pena proposta face às finalidades da punição, situação em que o recurso de tal despacho seria inadmissível face ao quadro legal em vigor (art.º 395º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal). e) O que subjaz a tal despacho é a consideração de que o Ministério Público não tem legitimidade para efectuar pedido de reparação, não só porque o ofendido de per si não se enquadra na previsão do art.º 82º A, do Código de Processo Penal, como vítima particularmente vulnerável, como também porque o Ministério Público, lançando mão da previsão do art.º 82º A, do Código de Processo Penal, não justifica, de modo algum, a especial vulnerabilidade de tal lesado. f) A questão cerne é, a final, a falta de legitimidade do Ministério Público para efectuar pedido de reparação quando o lesado não pode ser enquadrado na previsão do art.º 82º A, do Código de Processo Penal, como merecedor de especial protecção. g) Porque a recusa do requerimento do Ministério Público não teve como fundamento a desadequação da pena proposta ante as finalidades da punição, prendendo-se antes a uma questão de admissibilidade do pedido de reparação de lesado não especialmente vulnerável, deve o presente recurso ser admitido, já que situação diversa comportaria uma inadmissível restrição da garantia de recurso, que é norma no ordenamento processual penal vigente. h) Ainda que assim não fosse, sendo permitido ao juiz recusar o requerimento do Ministério Público por falta de adequação da pena proposta atentas as finalidades da punição – o que gera a irrecorribilidade de tal despacho de rejeição atento o n.º 4, do art.º 395º do Código Penal, - não pode o juiz sindicar a adequação do valor da reparação indicada pelo Ministério Público, por extrapolar o âmbito da norma, uma vez que a expressão “sanção” utilizada não comporta a reparação ao lesado, que assume características civilistas, o que igualmente sustenta a nossa consideração de que o despacho é recorrível. i) São três as situações em que o lesado pode, através da intervenção do Ministério Público, obter a reparação em sede de processo sumaríssimo: 1) A solicitação do lesado, desde que este manifeste o desejo de ser ressarcido em sede de inquérito; 2) Por dever de ofício, quando o Ministério Público entenda que o lesado se enquadra, em termos de legitimidade, no disposto no art.º 82º A, do Código de Processo Penal; 3) Nos casos em que o Ministério Público representa entidades que desempenhem funções de interesse público sem poderes de representação própria em juízo. j) A decisão do Tribunal a quo não admite que o normativo contido no art.º 395º, n.º 2, do Código de Processo Penal, seja uma forma de reparação autónoma, quando o lesado não se enquadra na previsão do art.º 82º A, do Código de Processo Penal, como merecedor de especial tutela. k) Caso o Ministério Público entenda deduzir acusação em processo sumaríssimo, e sabedor de que há um lesado com a conduta criminosa que pretende obter uma reparação, deve formular o pedido de reparação, deduzindo-o nos termos do art.º 394º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ou seja, fazendo-o logo após a indicação da pena proposta e por referência a uma quantia exacta (que não exija liquidação posterior, atenta a especial natureza do processo sumaríssimo, que implica a adesão do arguido a uma proposta concreta de pena e reparação). l) A Directiva 1/2006, de 12/2, da PGR, que vincula apenas o Ministério Público na sua aplicação, cria o dever para o titular do inquérito de, antes da elaboração do requerimento para aplicação de pena e caso o lesado não tenha manifestado ainda a vontade de ser ressarcido, de notificar este para, em 10 dias, indicar se pretende reparação, caso em que o lesado deve apresentar os elementos necessários à sua quantificação pelo Ministério Público no requerimento que elaborará com os requisitos exigidos pelo art.º 394º do Código de Processo Penal. m) No presente caso, findo o inquérito, e uma vez que o ofendido no seu decurso manifestou desejo de ser ressarcido da quantia que foi ilegitimamente apropriada, indicando o concreto valor em dívida, o Ministério Público elaborou requerimento para aplicação de pena em processo sumaríssimo, descreveu a factualidade, fez a devida imputação jurídica, indicou o tipo de pena a aplicar e a sua medida concreta e, justificadamente, remetendo para o disposto no art.º 393º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que por seu turno remete para o art.º 394º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal, indicou o valor da reparação adequada ao ofendido. n) Porque estão reunidos os legais pressupostos elencados no art.º 394º,n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, deveria ter sido recebido o requerimento do Ministério Público, o que apenas não sucedeu porque foi feita, na decisão do Tribunal a quo, uma interpretação menos correcta dos art.ºs 393º, n.º 2, 394º, n.º 2, e 395º, n.º 1, al c), todos do Código de Processo Penal, por ser legalmente admissível e não ser admissível a sua rejeição. Nestes termos deverá ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra, nos termos sustentados na motivação apresentada, que importe o recebimento do requerimento do Ministério Público, in totum, e ordene a sua notificação à arguida, tudo nos termos do art.º 396º do Código de Processo Penal. * O recurso foi admitido, tendo o Sr. Juiz ordenado a subida dos autos, manifestando, no entanto, dúvidas quanto à sua admissibilidade * Nesta Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto formulou o seu parecer * Cumprido o art.º 417º nº 2 do C.P.P. Efectuado o exame preliminar, considera-se haver fundamento para decisão sumária nos termos art.º 417º nº 6 al. a) do C.P.P. * II - FUNDAMENTAÇÃO Atentas as conclusões do recurso, e face à inexistência de questões de conhecimento oficioso, é evidente que a única questão submetida à nossa apreciação consiste em apreciar do fundamento apresentado pela Mmª que levou a rejeitar o requerimento apresentado pelo MºPº para processo sumário. Antes do mais e conforme se apreende, quer do recurso quer do próprio despacho da Mmª Juiz que admitiu o recurso, torna-se necessário apreciar da admissibilidade ou não do mesmo. Para tal haverá que ter em conta o despacho recorrido que tem o seguinte teor: Nos presentes autos foi apresentado pelo Ministério Público requerimento para aplicação de pena em processo sumaríssimo à arguida, imputando- se à mesma a prática de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 217º nº1 do CP. Em tal requerimento é proposta pelo Ministério Público a aplicação de uma pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €6,00 e ainda a condenação da arguida no pagamento de 125,00 euros a título de reparação ao ofendido nos termos do art.º 82º A do CPP, aplicado por via do disposto no art.º 394º nº 2 al. b) do mesmo diploma. Ora, de acordo com o mencionado art.º 82º A do CPP, tal reparação da vítima só deve acontecer em casos especiais e nomeadamente quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham, sendo tal um requisito necessário nos termos do nº 1 de tal preceito legal. Com efeito, tal mecanismo de reparação legal não pode ser confundido com um mero pedido de indemnização civil, pedido este que não tem lugar em processo sumaríssimo, conforme expressamente determinado no art.º 393º do CPP, referindo o legislador que, caso o lesado manifeste a intenção de obter a reparação dos danos sofridos, poderá o MºPº solicitá-la ao abrigo do mencionado art.º 394º nº 2 al. b). No entanto, conforme já explicitado supra, o art.º 394º nº 2 al. b) do CPP refere expressamente que tal reparação só poderá ter lugar nos casos previstos do art.º 82º A do CPP e quando este deve ser aplicado. Ora, o art.º 82º A do CPP, por sua vez, explicita os casos em que pode ser aplicado, salientando que tal só pode acontecer em casos especiais e quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham, fazendo o legislador aqui questão de diferenciar tal reparação de um mero pedido de indemnização civil. Ora, compulsados os autos constata-se que, do requerimento formulado pelo MºPº não resultam quaisquer circunstâncias que denotem qualquer exigência especial de protecção do ofendido. Aliás, embora o Mº Pº requeira a aplicação do disposto no mencionado art.º 82º A, nem sequer justifica a razão pela qual solicita a condenação da arguida em tal reparação indemnizatória, não alegando sequer factos que permitem enquadrar o caso dos autos num caso subsumível ao referido dispositivo legal e apenas referindo que a quantia alegadamente devida não foi paga. Ora, tais factos não enquadram a previsão dos já referidos art.ºs 82º A e 394º nº 2 al. b), subsumindo-se, isso sim, a factos que justificam a dedução de um pedido de indemnização civil. Sendo o pedido de indemnização civil inadmissível em sede de processo sumaríssimo, e entendendo o MºPº que o lesado deve ser ressarcido dos prejuízos tidos com a conduta da arguida, deverá então o MºPº optar por deduzir acusação noutra forma de processo que não a sumaríssima, ao invés de escamotear tal ressarcimento numa reparação ao abrigo do art.º 82º A do CPP, a qual não se aplica, de todo, ao caso dos autos, conforme já explicitado supra. Assim, e por entender que a sanção proposta na sua totalidade não realiza de forma adequada as finalidades da punição, ordeno o reenvio do processo para outra forma processual, nos termos dos art.ºs 395º nº 1 al. c) e 398º do CPP. Nesta parte o MºPº vem alegar que o motivo de rejeição não se pode inserir, como fez o despacho recorrido, no âmbito do nº 1 al. c) do art.º 395º do CPP, já que o que está em causa, não é a pena/sanção, mas sim a reparação ao lesado, que assume características civilistas, e extravasa assim a noção de sanção. E invoca ainda que o que subjaz a tal despacho é a consideração de que o Ministério Público não tem legitimidade para efectuar pedido de reparação e que a “ questão cerne é, a final, a falta de legitimidade do Ministério Público para efectuar pedido de reparação quando o lesado não pode ser enquadrado na previsão do art.º 82º A, do Código de Processo Penal, como merecedor de especial protecção.” Apreciemos. Da análise do despacho recorrido ressalta com clareza que o motivo porque a Mmª Juiz rejeitou o requerimento do MºPº, não foi por falta de legitimidade do MºPº para o fazer, mas sim porque considerou que não estando verificados os pressupostos legais para deduzir um pedido de indemnização civil oficiosa nos termos do art.º 82º-A do CPP tal dedução só poderia verificar-se noutra forma processual que não o sumaríssimo. Assim o fundamento invocado no despacho recorrido, não é o da ilegitimidade do MºPº para dedução do pedido de indemnização civil, mas sim a inadmissibilidade deste por falta dos respectivos pressupostos. Por outro lado, há que ter em atenção o disposto no art.º 397º nº 3 do CPP quando refere que “É nulo o despacho que aplique pena diferente da proposta ou fixada nos termos do disposto no nº 2 do artigo 394º e no nº 2 do artigo 395º” Ressalta deste preceito que as disposições contidas no art.º 394º nº 2 e 395º nº 2 têm a natureza de uma pena, pelo que conforme aliás se referiu no despacho de admissibilidade do recurso, “sanção proposta pelo MºPº no caso concreto envolve a pena criminal e, no caso, a reparação do prejuízo ao lesado.” No entanto, teremos que dizer que no caso em apreço, a situação não se enquadra na al. c) do nº 1 do art.º 395º, uma vez que como dali ressalta a mesma pressupõe a existência de uma sanção cuja desaprovação, não é que a mesma não possa ser deduzida (como é o caso em concreto), mas sim o de se mostrar insusceptível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. No caso em apreço, o que ocorre é que os moldes em que o requerimento do MºPº quanto ao pedido de indemnização civil formulado, o mesmo não é admissível em processo sumaríssimo. Ou seja, no caso em apreço, o requerimento do MºPº não é legalmente admissível, nos termos do art.º 395º nº 1 al. a) do CPP, faltando-lhe um pressuposto especial relativamente ao pedido de indemnização formulado. Como tal, consideramos o despacho irrecorrível, mantendo-se a totalidade do despacho recorrido * III - DECISÃO Em face do exposto, vai rejeitado o recurso, por inadmissibilidade do mesmo Sem custas (processado por computador e revisto pelo signatário- art.º 64º nº 2 do Cod. Proc. Penal) Lisboa, 26 de Junho de 2020 Vasco Freitas |