Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13537/23.4T8LSB.L1-4
Relator: PAULA PENHA
Descritores: ARECT
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
ELISÃO DA PRESUNÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A impugnação de decisão sobre matéria de facto pressupõe sempre que o recorrente cumpra os ónus fixados no art. 640º, nº 1, als. a) a c), e nº 2, al. a), do CPC;
II – Quando sejam cumpridos tais ónus, impõe-se ao Tribunal de 2ª instância um especial grau de exigência perante a prova que já foi sujeita ao primeiro crivo na 1ª instância e com as inerentes imediação e oralidade;
III – Não tendo o Tribunal de 1ª instância usado o mecanismo previsto no art. 72º, nº1, do CPT, nem tão pouco o demandante tendo suscitado tal necessidade até ao encerramento da discussão em 1ª instância, só o vindo a fazer em sede recursiva, está vedada a este Tribunal de 2ª instância tal possibilidade;
IV – A subordinação jurídica do trabalhador em relação à autoridade e à direcção do empregador ao qual deve obediência, sob pena de eventual exercício do poder disciplinar deste sobre si, e que advém da própria natureza do objecto desse contrato, constitui o traço mais característico de uma relação jus-laboral. E, por conseguinte, é o factor diferenciador de outras formas de trabalho humano livre, em relações jurídico-privadas que escapam à tutela do Direito do Trabalho, como é o caso da prestação de serviços;
V – A presunção de laboralidade contida no art. 12º, nº 1, do CT visa facilitar a tarefa de qualificação jurídica de um contrato em caso de dúvida. Mas, para o efeito, não dispensa a tarefa probatória do demandante sobre a verificação concreta de, pelo menos, dois desses indícios. E, uma vez demonstrados, o demandante beneficia de tal presunção legal (relativa) de contrato de trabalho. Mas, a qual pode ser ilidida pela demandada, através da demonstração de factos, concretos e incontroversos, que desmintam a existência de (crucial) subordinação jurídica.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
O Ministério Público junto do Juízo do Trabalho de Lisboa – J6 intentou, sob a forma de processo especial com o nº 13537/23.4T8LSB, a presente acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, contra a Fundação ZZ(doravante demandada), relativamente à trabalhadora AA, pedindo que seja declarada a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre esta trabalhadora e aquela como sua empregadora, com início reportado a 1/5/2021.
A demandada contestou, refutando a imputada existência de um contrato de trabalho e pedindo a sua absolvição do pedido.
Efectuada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com a seguinte decisão (transcrição):
« (…)IV- Decisão:
Nestes termos, julga-se improcedente, por não provada, a presente acção de reconhecimento de contrato de trabalho, absolvendo-se a Ré do pedido. (…) ».
Insurgido com esta decisão, o Ministério Público (doravante demandante) interpôs recurso contendo as seguintes conclusões e respectivo pedido (transcrição):
« 1. Com a instauração da ação que está na origem dos presentes autos pretende-se a declaração da existência de contrato de trabalho entre AA e a ré Fundação ZZ.
2. Submetido o presente pleito a julgamento, veio o tribunal a quo, por douta sentença ora recorrida, julgar improcedente a acção, absolvendo a ré do peticionado, fundando, para tanto, a sua convicção na prova que considerou ter sido produzida – provada e não provada – e, de acordo com a motivação apresentada, perfilhando o entendimento de que, não obstante se verificarem in casu “elementos de factos susceptíveis de integrar os elementos indiciários constantes das alíneas a), b) e d), do n.º 1 do Código do Trabalho – não são de molde a demonstrat a existência de uma relação de subordinação jurídica, tendo a Ré cumprido com o seu ónus de elisão de tais indícios.”.
3. Ou seja, decidiu o tribunal a quo julgar improcedente a presente acção por, em razão da prova que considerou ter sido produzida, ter considerado ter sido demonstrada a inexistência de subordinação jurídica de AA à ré, elemento típico do contrato de trabalho, sem o qual não poderia classificar a relação jurídica submetida a pleito como de uma relação laboral.
4. Para tanto, colocando o assento tónico na inexistência de poder disciplinar e na questão relativa à determinação do tempo de trabalho.
5. É dessa decisão absolutória fundada quer nas premissas – assentes na factualidade que considerou provada e não provada, desde logo em colisão com as máximas da experiência comum, quer das conclusões subjacentes ao raciocínio que subjaz à referida decisão sobre matéria de facto e, necessariamente à análise crítica que recaiu sobre a prova produzida – que o Ministério Público discorda, recorrendo da douta decisão prolatada pelo tribunal a quo.
6. É a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo acerca das declarações e dos depoimentos prestados nos autos, por AA, BB, CC, DD e EE, alicerçada na matéria de facto dada como provada e não provada, ora posta em crise, conjugada com a documentação junta aos autos, em inobservância às regras da experiência comum, a questão fulcral do presente recurso.
7. Visando-se a reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo extraída da prova produzida relativamente à decisão sobre a matéria de facto que se considera incorrectamente julgada, com recurso, para tal, a nova avaliação e valoração da matéria de facto através dos concretos meios probatórios e à prova ora invocada e expressamente indicada, impondo-se decisão diversa da ora recorrida.
8. Salvo o devido respeito, a prova produzida não consente que se dê como provada a factualidade constante dos pontos L., O., T. a AA., CC. a LL., QQ. e SS. e não provada aquela constante dos pontos 1. e 2.
9. Factos esses relacionados com a farda utilizada por AA, (pontos L. e O.) concretamente no que aos sinais distintivos da mesma se refere e ao facto de as peças que a compunham serem vendidas ao público na loja do XX.
10. E que não foram criteriosamente julgados de acordo com a prova produzida, nomeadamente das declarações de AA (gravadas no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 19.09.2023 das 10:14 às 12:04 – aos minutos 01:25:45 a 01:28:27) e do depoimento de CC (gravadas no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 19.09.2023 das 16:15 às 17h24 – aos minutos 24:17 a 25:03 e, bem assim, do depoimento de DD (gravadas no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 25.09.2023 das 09:53 às 11:41 – aos minutos 24:53 a 26:30.).
11. Já que dessa prova testemunhal o que resultou é que “O casaco e a t-shirt mencionados em J. têm a inscrição “Ask Me” ou “Can I help you?” – ponto L e “A Sweatshirt e o saco, indicados em J. encontram-se à venda ao público na loja do XX, podendo ser adquiridos por qualquer visitante.” – ponto O.
12. Factos também referentes ao período de trabalho, concretamente à sua execução e determinação (pontos T. a AA. e pontos 1. e 2.), estes de fulcral importância na análise dos autos, dos quais resulta que a actividade de assistência de sala é executada às segundas-feiras, de quartas a domingos e em alguns sábados e para o qual os assistentes de sala comunicam à ré os períodos em que pretendem prestar a assistência, por razões do seu interesse exclusivo;
13. Comunicando, para o efeito, AA à ré os períodos em que pretende prestar serviço, de acordo com as suas conveniências pessoais e profissionais, sem obrigação de indicação de um número mínimo de dias ou horas;
14. Mais se extrai dos factos impugnados, concretamente do pronto W., que AA dá a conhecer à ré os períodos para os quais não se encontra disponível, sem que isso determine qualquer sanção, represália ou tratamento de desfavor;
15. E que a ré recolhe e sistematiza a indicação dos períodos em que AA, e os demais assistentes de sala, pretende prestar assistência de sala, organizando escalas de distribuição dos períodos de prestação do serviço, de acordo com a informação que recebe;
16. Mais que, após indicação inicial, AA alterou os períodos indicados, dando a conhecer a sua indisponibilidade, indicando, por vezes, o seu substituto, que selecciona por iniciativa própria, não dependente da autorização da ré.
17. Factos estes que, com o devido respeito, não foram correctamente julgados pelo tribunal a quo por não corresponderem ao que resulta da análise conjunta da prova testemunhal produzida com as regras da experiência comum e do exame crítico das mesmas cotejado com os documentos juntos aos autos.
18. Nesta matéria, tendo o tribunal recorrido descurado a concreta natureza assinalagmática da relação laboral e uma ponderação conforme aos princípios e normas que regem o combate aos “falsos recibos verdes” e à precariedade nas relações de trabalho.
19. Concretamente, quanto ao ponto T. o mesmo não se encontra correcto, na parte em que se refere à prestação de actividade pelos assistentes de sala “em alguns sábados”, já que ficou demonstrado nos autos que essas funções são desempenhadas durante todo o horário de funcionamento dos museus, o que inclui os sábados completos, como, de forma unânime, a prova testemunhal produzida, em concreto o depoimento de DD (gravado no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 25.09.2023 entre as 09:53 às 11:41, concretamente aos minutos 11:32 a 13:43.
20. Assim, o tribunal recorrido deveria ter fixado na matéria de facto dada como provada o período de funcionamento da ré, unanimemente indicado por toda a prova testemunhal, como correspondente a todos os dias da semana, com excepção das terças-feiras, dia de encerramento dos museus ao público, das 10h00 às 19h00 (vide depoimentos abaixo referidos).
21. Quanto as factos dados como provados, sob os pontos U. a AA., os mesmo não se encontram condizentes com a realidade dos factos, revelada pela prova coligida criticamente analisada, como decorre da prova testemunhal produzida, cujas concretas passagens foram mencionadas na Motivação que antecede, para a qual se remete para todos os efeitos legais, mas que aqui se faz referência em específico às declarações prestadas por AA (gravadas no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 19.09.2023 das 10:14 às 12:04 – aos minutos 03:38 a 05:35, 06:18 a 06:48, 08:52 a 10:30, 12:52 a 13:32, 18:20 a 19:58, 21:10 a 22:38e 47:58 a 51:06), do depoimento prestado pela testemunha BB (gravado no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 19.09.2023 das 12:05 às 12:45 e das 14:38 às 16:03 – concretamente aos minutos 05:01 a 06:40, 10:48 a 12:47, 13:45 a 15:10, 15:24 a 18:41, 20:08 a 21:10, 23:35 a 24:58), do depoimento prestado pela testemunha CC (gravado no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 19.09.2023 das 16:15 às 17:24 – aos minutos 04:27 a 09:02, 10:49 a 21:48, 29:47 a 30:13) e de DD (gravado no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 25.09.2023 das 09:53 às 11:41 – aos minutos 12:00 a 13:40, 16:45 a 23:09, 27:31 a 29:19, 35:45 a 37:45) e EE (gravado no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 25.09.2023 das 11:42 às 12:25 – aos minutos 05:08 a 12:32), tudo devidamente conjugados com os documentos de fls. 12 a 15 e 21, de fls. 73 e de fls. 139.
22. Ao invés dos factos assim dados como provados, a matéria de facto constante dos pontos T. a AA. e, bem assim, dos pontos 1. e 2. deveria passar a ter a seguinte redação:
«O período de funcionamento dos museus da ré corresponde a todos os dias da semana, com excepção das terças-feiras, dia de encerramento dos museus ao público, das 10h00 às 19h00.
Os assistentes de sala prestam a sua actividade em todos os dias e durante todo o horário de funcionamento dos museus da ré.
Para tanto, o Gabinete do Serviço ao Visitante, chefiado por DD, na qual os assistentes de sala se encontram inseridos, organizou dois turnos diários de trabalho, um com início às 10h00 e fim às 14h30, designado como turno da manhã, outro com início as 14h30 e fim às 19h00, designado como turno da tarde, cada um deles com direito a um período de pausa, de 15m, a gozar no horário, diariamente, definido pela mesma equipa.
Mensalmente DD, após reunir as necessidades dos respectivos museus, aferidas de acordo com as concretas exposições em exibição, comunica a toda a equipa de assistentes de sala, através de mensagem de correio electrónico, qual o número de assistentes de sala necessário para aquele mês, convidando-os a indicarem as suas preferências.
O que os assistentes de sala, incluso AA, fazem respondendo à mensagem de correio electrónico remetida por DD, pela qual manifestam as suas preferências horárias, sem que, para o efeito, tenham de obedecer à indicação de um limite mínimo de dias ou de horas.
Após a ré, através de DD, recolhe e sistematiza a informação remetida pelos assistentes de sala e aloca os turnos aos assistentes de sala.
Para tanto, socorrendo-se de critérios relacionados com a pontualidade, postura, apresentação e disponibilidade apresentados pelos respectivos assistente de sala.
O Gabinete do Serviço ao Visitante não fica vinculado às preferências indicadas pelos assistentes de sala, podendo não atribuir a totalidade dos horários indicados por aqueles ou atribuir-lhes outros que não os indicados como preferenciais.
A partir de Janeiro de 2023, o Gabinete do Serviço ao Visitante estabeleceu o limite máximo de prestação de actividade diário, proibindo os assistentes de sala de prestarem a sua actividade em mais do que um turno por dia.
Diariamente, o Gabinete do Serviço ao Visitante comunica através de mensagem de correio electrónico a planificação diária dos turnos, nos termos da qual define a concreta posição dos assistentes de sala, nos vários postos de trabalho existentes, os respectivos horários e fixa o horário das pausas.
Sempre que, por razões pessoais, os assistentes de sala não possam assegurar os horários para os quais estão escalados comunicam a sua impossibilidade a um dos elementos do Gabinete do Serviço ao Visitante.
Nessas situações, os assistentes de sala tentam assegurar a realização do turno mediante troca com outro colega (assistente de sala), o que comunicam ao Gabinete do Serviço ao Visitante.
Não são permitidas trocas de turnos entre assistentes de sala e guias (estagiários).
No início da prestação de actividade, a ré dá a conhecer aos assistentes de sala o “Manual do Assistente de Sala” do XX, no qual são descritas as funções que lhes cumpre executar.
Os assistentes de sala recebem ordens e orientações para execução da sua actividade, bem como chamadas de atenção, em caso de falhas ou erros, dos elementos que integram o Gabinete Apoio ao Visitante.»
23. No ponto CC., dos factos dados como provados, o tribunal recorrido deu como provado que a folha, existente na portaria de segurança das instalações do museu, visa questões de segurança. Não obstante, a prova coligida nos autos, demonstra que essa mesma folha (a que se reporta o ponto BB. dos factos assentes – não impugnado), constitui os registos dos horários dos assistentes de sala e visa controlar a sua assiduidade e pontualidade, servindo de base ao cálculo das quantias mensalmente devidas a cada um dos assistentes de sala, conforme depoimento de DD (gravado no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 25.09.2023 das 09:53 às 11:41, ao minuto 24:13 a 24:53 e 33:42 a 34:02), de EE (gravado no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 25.09.2023 das 11:42 às 12:25, ao minuto 20:03 a 20:20).
24. O que o próprio tribunal a quo reconheceu, aliás, em contradição com a matéria de facto que deu como provada sob os pontos DD. a KK., pelos quais o tribunal fixou matéria no sentido de que AA se atrasou nos dias ali discriminados, sem que para o efeito tenha sido sancionada.
25. Estes concretos pontos (DD. a KK) da matéria de facto vão também impugnados, porquanto os mesmos se encontram em contradição com as regras da experiência comum, porquanto para os dar como provados o tribunal a quo socorreu-se apenas das folhas referidas em BB. e CC., juntas com a contestação a fls. 78 a 85, sem, no entanto, dar como provados os concretos horários que AA estava adstrita, não podendo assim, por contrário às regras da apreciação da prova dar-se como provado um atraso, sem que seja conhecido o horário a cumprir.
26. No que ao ponto SS. se refere, o tribunal recorrido errou de forma manifesta na sua apreciação, por o ter dado como provado com base no documento a fls. 72, o qual não diz respeito, nem foi remetido, pela trabalhadora em apreço nos autos, cujo endereço de correio electrónico é mail..., como referido pela testemunha EE (gravado no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 25.09.2023 das 11:42 às 12:25 – aos minutos 26:25 a 28:15).
27. Por outro lado, a prova produzida demonstrou que AA se encontrava na dependência económica da ré, conforme se extrai das suas declarações prestadas aos minutos 18:20 a 19:58 e a 47:58 a 51:06 (declarações gravadas no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 19.09.2023 das 10:14 às 12:04), o que determina a alteração do facto dado como provado sob aquele ponto SS.
28. A par dos factos expressamente mencionados, a prova coligida nos autos, demonstrou ainda que AA presta a actividade de assistente de sala para a ré desde Maio de 2021, conforme decorre das declarações prestadas pela própria (gravadas no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 19.09.2023, entre as 10:14 e as 12:04), especificamente ao minuto 01:18 a 01:55 e confirmado pela testemunha DD (gravado no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 25.09.2023, entre as 09:53 e as 11:41, aos minutos 07:40 a 08:30, conjugados com o teor do documento junto a fls. 27 a 29.
29. O que o Tribunal recorrido deveria ter dado como provado, uma vez que se mostra facto essencial para a boa apreciação da causa, concretamente considerando o seu âmago, propondo-se a seguinte redacção:
«AA presta a actividade de assistente de sala para a ré desde Maio de 2021.»
30. Assim, como deveria ter dado como provado, por resultar da prova produzida, não se encontrar contrariado por qualquer outro elemento carreado e ser relevante para a apreciação da causa, constituíndo factos instrumentais, pelos quais se permitira concluir pela integração de AA na organização da ré, que:
((Os assistentes de sala encontram-se inseridos numa equipa de Assistentes de Sala e de Guias que está integrada numa estrutura hierárquica, gerida pelo Gabinete de Apoio ao Visitante, chefiado por DD, da qual fazem parte FF, GG, EE e “HH”.»
((As comunicações entre os assistentes de sala e os elementos que integram o Gabinete de Apoio ao Visitante fazem-se quer pessoalmente, quer através de correio electrónico, quer através de mensagens trocadas via Whatsapp.»
31. Factos estes decorrentes quer das alegações apresentadas pela ré, quer do Manual dos assistentes de sala junto a fls. 12 a 15, dos documento juntos a fls. 24, 25 a 26, dos documentos juntos com a contestação de fls. 73 a 77, conjugados com as declarações prestadas por AA já acima indicadas e bem assim, dos depoimentos prestados pelas testemunhas DD (gravado no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 25.09.2023 das 09:53 às 11:41 – aos minutos 02:49 a 03:49; 23:14 a 23:55) e EE (gravado no sistema de gravação em uso no tribunal no dia 25.09.2023 das 11:42 às 12:25 – aos minutos 26:25 a 28:15).
32. O tribunal recorrido ao não dar como provada a factualidade nos termos acima assinalados, incorreu, assim, em erro de julgamento na apreciação e valoração da matéria de facto, em face da prova produzida e, consequentemente, com o que acima se referiu, da factualidade que deveria ter sido considerada provada, com recurso à análise crítica da prova e às máximas da experiência, violando, o preceituado conjugado previsto no artigo 5.º, n.º 2, als. a) e b) e do n.º 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil, e bem assim do disposto conjugado nos artigos 53.º e 58.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, artigo 1152.º do Código Civil e artigos 11.º e 12.º, n.º 1, als. a), b), c), e d), do artigo 12.º, ambos do Código do Trabalho.
33. Numa palavra, os meios probatórios constituídos pelas declarações de AA, conjugadamente com a demais prova testemunhal e documental atrás indicados e produzidas em audiência de julgamento, conduzindo à consideração da factualidade demonstrada acima enunciada, salvo o devido respeito, impõe a necessidade de prolação de decisão diversa da recorrida, que reconheça a prestação da actividade daquela no seio da organização da ré, sob as suas ordens e instruções, consubstanciada nos factos acima descritos, em conjugação com os demais não impugnados;
34. E, consequentemente, considerando o concreto circunstancialismo acima descrito por provado, concluir pela existência de contrato de trabalho entre AA e a Fundação ZZ, desde Maio de 2021, cujo reconhecimento ora se pede – em decisão a proferir – em consonância com toda a prova que se considera ter sido efetivamente produzida em juízo e, como seu corolário lógico, por via da referida prova.
35. Ainda que assim não se entenda, proferindo-se decisão que repute juridicamente correcta a ponderação feita pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada e não aprovada, sempre se deverá concluir com base na factualidade dada como provada na sentença recorrida, pela verificação dos indícios previstos no artigo 12.º, n.º 1, als. a), b) e d), do Código do Trabalho e concluir-se pela existência de uma relação jurídica laboral entre AA e a Fundação ZZ.
Pelo exposto, reapreciando-se as concretas provas gravadas conjugadamente com a prova documental junta, deverá a douta sentença recorrida ser reformada de acordo com o que antecede, revogando-se a mesma e ordenando-se a sua substituição por outra que declare a existência de um contrato de trabalho entre AA e a ré, Fundação ZZ, desde Maio de 2021,
Assim se fazendo inteira e costumada JUSTIÇA!. »
A recorrida/demandada contra-alegou, pugnando pelo não provimento do recurso com confirmação da sentença recorrida e, para o efeito, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
« 1.ª O depoimento da assistente de sala cuja natureza do vínculo com a Recorrida se aprecia nos autos, AA, e o testemunho de DD confirmam o facto declarado pelo Tribunal a quo na alínea O., o qual se deve manter.
2.ª O Apelante não especifica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que justificam a pretendida supressão de cada dos factos declarados pelo Tribunal a quo nas alíneas T. a AA., limitando-se a indicação conjunta ou amalgamada de excertos da prova testemunhal quanto a todos eles.
3.ª O Apelante igualmente não especifica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que justificam a consignação de cada facto que o Tribunal a quo não reconheceu, não estabelecendo nenhuma relação de substituição entre cada um dos dez pontos (oito factos assentes e dois factos não provados) que impugnou e os 15 cuja declaração pede ao Tribunal ad quem.
4.ª A inobservância daquele ónus de alegação determina a rejeição do recurso na parte em que defende não se encontrarem provados os factos constantes das alíneas T. a AA., pretendendo, ao invés, ver consignados, em alternativa, 15 outras ocorrências.
5.ª O Apelante não alegou no seu articulado inicial nenhum dos factos cuja consignação pede ao Tribunal ad quem em substituição dos declarados pelo Tribunal recorrido nas alíneas
6.ª O que determina a improcedência, nesta parte, da apelação, a qual não se destina a apreciar questões novas, nem a suprir deficiências ou incompletudes na alegação de factos que integram a causa de pedir.
7.ª A invocação indistinta ou agrupada de certos depoimentos para fundar a revisão de número alargado de factos, sem indicação concreta de quais os elementos probatórios que justificam cada facto cuja declaração se pretende ou se recusa, a pretensão de ver consignados pelo Tribunal ad quem factos não inscritos na petição inicial, a censura da decisão do Tribunal a quo mesmo quando este consignou factos inicialmente alegados pelo Recorrente, o pedido de alteração daquela decisão para, afinal, inscrever factos que dela constam, revelam ser pretensão do Apelante a realização de segundo julgamento da matéria de facto, com vista a nova declaração dos que se encontram assentes e não provados, ao contrário da reapreciação de decisão judicial já proferida, a que se destina o instituto do recurso.
8.ª O depoimento da assistente de sala AA e os testemunhos de DD, BB e EE confirmam o facto declarado pelo Tribunal a quo nas alíneas T. e U.
9.ª Os depoimentos das testemunhas DD e EE confirmam o facto declarado pelo Tribunal a quo na alínea V.
10.ª O testemunho de EE confirma o facto declarado pelo Tribunal a quo na alínea W.
11.ª O depoimento de DD confirma o facto declarado pelo Tribunal a quo na alínea X.
12.ª Os documentos n.ºs 2 a 6 juntos com a contestação, de fls. 73 a 77 dos autos, que titulam mensagens de correio electrónico dirigidas por AA ao Serviço de Apoio ao Visitante da Recorrida, bem como depoimento de DD prestado nos autos confirmam o facto declarado pelo Tribunal a quo na alínea Y.
13.ª Os mesmos documentos n.ºs 2 a 6 juntos com a contestação, em conjugação com o depoimento da assistente de sala AA e o testemunho de DD, confirmam o facto declarado pelo Tribunal a quo nas alíneas Z. e AA.
14.ª Inexiste contradição entre o facto declarado na alínea CC. e os assentes nas alíneas DD.a KK., pois o primeiro explica a razão por que a folha na qual são registadas as entradas e saídas das instalações do museu se encontra na portaria de segurança das instalações do museu e à guarda do serviço de segurança.
15.ª Os documentos de fls. 75 a 85, o depoimento de AA e os testemunhos de BB e DD, confirmam os atrasos no início da prestação do serviço de assistente de sala que o Tribunal a quo consignou nas alíneas DD. a KK.
16.ª O Apelante alude à impugnação do facto declarado na alínea QQ., mas não só reconhece a veracidade deste, a p. 24 da sua motivação do recurso, como não fundamenta, minimamente, aquela pretensão.
17.ª Nos autos foi feita prova de que a Recorrida não exigia de AA a prestação em exclusivo do serviço de assistente de sala, pelo que o facto declarado na alínea SS. Deve manter-se.
18.ª Não devendo ser substituído pela declaração de que “AA se encontrava na dependência económica da ré”, como preconiza o Apelante, a qual nem é contrária ao facto inscrito na referida alínea SS., nem encontra sustento na prova produzida.
19.ª AA autodetermina a prestação à Apelada do serviço de assistência de sala, designadamente gerindo o tempo da execução daquele, por via da indicação dos momentos em que se encontra disponível e indisponível para o efeito, alterando essa indicação por razões exclusivas de interesse pessoal e substituindo e fazendo-se substituir por outros assistentes de sala na prestação contratada, sem necessidade de autorização da Apelada.
20.ª AA não está sujeita a regime de férias nem a controlo de assiduidade, não estando obrigada a justificar faltas, não está sujeita a poder disciplinar da Apelada, não é avaliada por esta, ao contrário do que sucede com os trabalhadores ao serviço da mesma, não dispõe de espaço próprio e equipamentos afectos nas instalações da Recorrida, não se encontra abrangida por seguro de acidentes de trabalho contratado por aquela, nem esta a inscreveu no regime de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem.
21.ª O serviço de assistência de sala é necessariamente executado em espaço museológico, pelo que o local da prestação não tem aptidão qualificativa do vínculo.
22.ª O vestuário, saco e crachá utilizado pela assistente de sala não constituem indícios da laboralidade do vínculo, por terem o propósito de identificar e dar a conhecer o assistente ao utilizador das instalações e ao visitante das exposições e não o de criar imagem comum ou uniformizada para aqueles que prestam a actividade por conta da Apelada, razão por que os trabalhadores ao serviço desta não os utilizam.
23.ª Em situações de facto semelhantes às dos autos, Tribunais nacionais reconheceram a natureza autónoma do serviço de assistência de sala, prestado em espaço museológico em benefício de entidades com a natureza da Recorrida. »
Recebidos os autos nesta Relação, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
Questões a decidir
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente [conforme preveem os artigos 635.º, n.º 4, 637º, nº 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante com a abreviatura CPC), aplicáveis “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (doravante com a abreviatura CPT)] – sem prejuízo do conhecimento oficioso de outras [conforme prevê o art. 608º, n.º 2, parte final, aplicável “ex vi” do art. 663º, n.º 2, parte final, do CPC aplicáveis “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do CPT] – as questões a decidir são as seguintes:
1ª – Há erro na apreciação de matéria de facto ?
2ª – Há erro na apreciação de matéria de direito ?
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Para o efeito importa começar por atentar ao teor da sentença do Tribunal de 1ª instância no tocante à decisão factual e respectiva motivação (transcrição):
« II.1. – Factos Provados:
Discutida e instruída a causa, com relevo para a sua decisão, resultaram provados os seguintes factos:
A. A Ré “ Fundação ZZ” é uma instituição privada com estatuto de utilidade pública, sem fins lucrativos, criada pela “ZZ, S.A.”, em Dezembro de 2004, e tem, por fins gerais, a promoção, o desenvolvimento e o apoio a iniciativas de natureza social, científica, tecnológica, educativa, ambiental, desportiva e de defesa do património e, por fins especiais, promover o estudo, a conservação e a divulgação do património cultural, científico e tecnológico relacionado com a energia, com o CAE 94995;
B. A Ré desenvolve iniciativas de índole cultural, primacialmente no “XX” e na YY;
C. As actividades realizadas caracterizam-se pela variabilidade anual, por efeito do número, duração e condições de montagem e desmontagem das exposições angariadas e organizadas, que dependem, também, do grau de interesse que as mesmas despertam no público;
D. As exposições que a Ré desenvolve decorrem em parceria, com interesse e financiamento de outras entidades;
E. A Ré detém e gere o “XX” e a YY;
F. As actividades realizadas nos edifícios referidos em E. decorrem em espaços museológicos, em instalações concebidas e organizadas para a apresentação ao público de obras de arte, expostas em condições de exibição e conservação específicas (como o acesso público, visibilidade, exposição solar, iluminação, temperatura, segurança), servindo-se algumas delas de equipamentos integrados no próprio edifício;
G. No dia 10 de Maio de 2023, no interior do edifício do “XX”, no Posto 3 da Galeria 1, abrangido pela exposição ‘Plástico’, AA, com o número de identificação fiscal ..., titular do cartão de cidadão com o n.º... e residente na ..., encontrava-se a exercer funções de assistente de sala;
H. As funções do assistente de sala consistem em acolher e prestar assistência aos visitantes do museu, compreendendo a protecção e vigilância das peças de arte expostas e a prestação de esclarecimentos aos visitantes;
I. A assistência de sala é prestada no espaço museológico onde têm lugar as exposições e outras iniciativas assistidas;
J. Para o efeito referido em H. e I., AA usava uma t-shirt, sweatshirt, casaco, saco, material de propaganda, crachá pessoal identificativo, com o logotipo oficial;
K. A Ré entregou a AA o referido em J.;
L. O casaco mencionado em J. tem a inscrição “Ask Me”;
M. A entrega, pela Ré, a AA e a utilização por esta das peças mencionadas em J., destinam-se a permitir a identificação daquela pelos frequentadores das instalações e visitantes das exposições organizadas pela Ré, tornando-a reconhecível e não confundível com os visitantes ou frequentadores dos espaços assistidos;
N. As pessoas que a Ré reconhece como sendo trabalhadores ao seu serviço não utilizam nenhum fardamento no exercício da sua actividade profissional;
O. As peças mencionadas em J. encontram-se à venda ao público na loja do XX, podendo ser adquiridos por qualquer visitante;
P. Os assistentes de sala não devolvem à Ré as peças referidas em J., quando cessa o serviço;
Q. A Ré não entregou a AA nem disponibilizou a utilização por esta de computador, monitor, impressora, fotocopiadora e aparelho de telecomunicações, fixo ou móvel;
R. AA não dispõe de lugar ou espaço físico para uso próprio nas instalações da Ré, incluindo no XX e na YY;
S. AA não utiliza, nas instalações da Ré, incluindo no XX e na YY, secretária, mesa ou cadeira que lhe tenham sido atribuídas;
T. A assistência de sala decorre às segundas-feiras, de quartas-feiras a domingos e em alguns sábados, para o que os assistentes de sala indicam à Ré os períodos em que pretendem prestar a assistência, por razões do seu interesse exclusivo;
U. AA comunica à Ré os períodos – do dia, da semana, do mês – em que pretende prestar serviço, dando a conhecer, de acordo com as suas conveniências pessoais e profissionais, os momentos em que pretende prestar serviço;
V. A indicação referida em U. não tem número mínimo de dias ou de horas;
W. AA dá a conhecer à Ré os períodos em que não se encontra disponível para efectuar assistência de sala, o que não determina a aplicação de nenhuma sanção, represália ou tratamento de desfavor;
X. A Ré recolhe e sistematiza a indicação dos períodos – do dia, da semana, do mês – em que AA e os demais assistentes de sala pretendem prestar a assistência de sala, organizando escalas de distribuição dos períodos de prestação do serviço de acordo com a informação recebida;
Y. Após a sua indicação inicial, AA alterou os períodos – do dia, da semana, do mês – em que pretendia prestar assistência de sala e deu a conhecer a sua indisponibilidade para realizar a assistência em períodos previamente indicados;
Z. Quando comunica à Ré a alteração da disponibilidade para a realização do serviço, AA identifica, por vezes, o respectivo substituto, que selecciona por iniciativa própria, e, noutras vezes, a comunicação é feita sem nomeação de substituto;
AA. A substituição na realização do serviço acontece por indicação de AA, sem sujeição a autorização da Ré;
BB. Na portaria de segurança das instalações do museu existe uma folha, à guarda do serviço de segurança, na qual são registadas as entradas e saídas das instalações do museu e onde os assistentes de sala, incluindo AA, inscrevem os momentos de entrada e saída das instalações da ré;
CC. O referido em BB. ocorre por razões de segurança no acesso às instalações da ré e de identificação de quem aí se encontra, a cada momento;
DD. No dia 24 de Janeiro de 2022, AA registou a entrada nas instalações da Ré às 11h18m;
EE. No dia 30 de Março de 2022, AA registou entrada nas instalações da Ré às 11h11m;
FF. No dia 28 de Abril de 2022, AA registou a entrada nas instalações da Ré às 11h10m;
GG. No dia 29 de Junho de 2022, AA registou a entrada nas instalações da Ré às 10h13m;
HH. No dia 28 de Julho de 2022, AA registou a entrada nas instalações da Ré às 10h13m;
II. No dia 19 de Agosto de 2022, AA registou a entrada nas instalações da Ré às 10h10m;
JJ. No dia 8 de Dezembro de 2022, AA registou a entrada nas instalações da Ré às 10h24m;
KK. No dia 10 de Fevereiro de 2023, AA registou a entrada nas instalações da Ré às 10h16m;
LL. Pelo referido em CC. a JJ. AA não foi sancionada nem impedida de continuar a realizar assistência de sala em períodos subsequentes;
MM. AA recebe por cada hora de trabalho prestado a quantia de € 5,00;
NN. AA recebeu da Ré:
i. Em Maio de 2021, a quantia de € 275,00;
ii. Em Junho de 2021, a quantia de € 532,50;
iii. Em Julho de 2021, a quantia de € 340,00;
iv. Em Agosto de 2021, a quantia de € 300,00;
v. Em Setembro de 2021, a quantia de € 630,00;
vi. Em Outubro de 2021, a quantia de €480,00;
vii. Em Novembro de 2021, a quantia de € 380,00;
viii. Em Dezembro de 2021, a quantia de € 440,00;
ix. Em Janeiro de 2022, a quantia de € 400,00;
x. Em Fevereiro de 2022, a quantia d e€ 400,00;
xi. Em Março de 2022, a quantia de € 240,00;
xii. Em Abril de 2022, a quantia de € 740,00;
xiii. Em Maio de 2022, a quantia de € 620,00;
xiv. Em Junho de 2022, a quantia de € 697,50;
xv. Em Julho de 2022, a quantia de € 540,00;
xvi. Em Agosto de 2022, a quantia de € 742,50;
xvii. Em Setembro de 2022, a quantia de € 112,50;
xviii. Em Outubro de 2022, a quantia de € 657,50;
xix. Em Novembro de 2022, a quantia de € 675,00;
xx. Em Dezembro de 2022, a quantia de € 405,00;
xxi. Em Janeiro de 2023, a quantia de € 495,00;
xxii. Em Fevereiro de 2023, a quantia de € 292,50;
OO. AA encontra-se inscrita nas Finanças e na Segurança Social como trabalhadora independente;
PP. AA emite recibos do modelo aprovado pela Autoridade Tributária para o rendimento da categoria B do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, que inclui o auferido em contrapartida da assistência de sala prestada à Ré;
QQ. A Ré emite orientações quanto às iniciativas culturais que promove, ao acesso e circulação dos visitantes, às medidas de segurança a observar, circunscritas aos serviços e resultados pretendidos pela Ré quanto às exposições e respectiva frequência pelos visitantes, que deu a conhecer aos assistentes de sala, incluindo AA;
RR. A Ré não avaliou o desempenho de AA, ao contrário do que sucede com as pessoas que reconhece como sendo trabalhadores ao seu serviço;
SS. AA não se encontra obrigada a exercer a sua actividade apenas por conta e em benefício da Ré;
TT. A Ré não atribuiu a AA endereço de correio electrónico, nem aquela detém endereço com o domínio “edp” ou “fundação edp”, ao contrário do que sucede com os trabalhadores ao serviço da primeira;
UU. AA não consta dos mapas de férias elaborados pela Ré;
VV. A Ré não autoriza períodos de ausência de AA para gozo de férias, não impede este gozo nem fixa os momentos em que o mesmo deva ter lugar;
WW. AA não se encontra abrangida pelo seguro de acidentes de trabalho contratado pela Ré;
XX. AA não está enquadrada no regime de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem.
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II.2 – Factos Não Provados:
Com relevo para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, nomeadamente não resultou provado que:
1. AA necessitava de comunicar a sua indisponibilidade ou alterações de horário à Ré;
2. AA depende funcionalmente, recebe ordens, orientações e instruções que tem de cumprir da parte de DD;
3. AA observa um horário de trabalho rotativo, pré-determinado pela entidade empregadora, de 2.ª a 6.ª feira, incluindo também, por vezes, os Sábados;
4. AA, caso falte ou se atrase, incorre em descontos proporcionais ao atrasos e/ou ausências verificadas.
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Não se elenca como provada ou não provada qualquer outra alegação efectuada pelas partes, por a mesma consubstanciar mera impugnação, extractação de documentos, explanação de matéria de direito e/ou matéria conclusiva, se referir a conceitos vagos, genéricos e/ou jurídicos e não se debruçar sobre factos essenciais à boa decisão da causa.
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Convicção do Tribunal:
No que diz respeito à matéria de facto provada e não provada, a convicção do tribunal formou-se com base nas alegações efectuadas pelas partes, nos documentos juntos aos autos, nas declarações prestadas e nos depoimentos apresentados pelas testemunhas em sede de audiência final, tudo cotejado entre si e analisado de acordo com as regras da ciência e do raciocínio e com as máximas da experiência, em obediência ao previsto pelo artigo 607º, n.º5, do Código de Processo Civil ( aplicável in casu ex vi do disposto pelo artigo 1~, n.º2, alínea a9, do Código de Processo do Trabalho).
Ponderou o Tribunal, para formar a sua convicção quanto ao elencado em A., B., E., G., MM., OO. e PP, nas alegações das partes que, nestes segmentos se encontravam de acordo, aceitando o ali relatado como correspondendo à realidade dos factos.
No que especificamente respeita ao elencado em OO. e PP. teve, igualmente, o Tribunal em consideração, na formação da sua convicção o teor de fls. 30-33, de cujo teor expresso se extrai a existência da inscrição ali mencionada e, bem assim, a emissão dos referidos recibos em conformidade com o mencionado em PP..
Os factos referidos em NN. resultaram provados com base na análise dos elementos constantes de fls. 28, 32, 33, 30 e 31 que, de forma clara, corroboram a existência do pagamento das quantias ali mencionadas pela aqui Ré a AA.
Quanto ao exarado em DD. a KK. atentou o Tribunal no teor dos elementos documentais constantes de fls. 78 a 85 (cujo teor não foi impugnado) e que, analisados e ponderados ao abrigo do expressamente preceituado pelos artigos 371º a 376º, do Código Civil (não tendo o valor probatório sido, de forma alguma, beliscado pelo teor da prova testemunhal produzida em julgamento nem por qualquer outro meio de prova, entretanto, produzido e carreado aos autos), se mostram elemento de prova sustentado e cabal do ali mencionado.
Ponderou, igualmente, o Tribunal, na formação da sua convicção quanto ao valor probatório de tais elementos, as próprias declarações de AA que, de forma espontânea, assumiu assinar folhas de presença como as ali constantes e, bem assim, a existência de atrasos em conformidade com o ali mencionado.
Cotejados estes elementos de prova, entendeu o Tribunal ter-se produzido prova sustentada do mencionado em NN..
No que respeita ao elencado em C., D., F. atentou o Tribunal no depoimento de DD e EE (que trabalham no XX) que, de forma clara e espontânea e, por fundada no conhecimento directo do que relatavam, nos mereceu credibilidade, corroboraram o ali mencionado, tendo ficado claro que as exposições vão mudando, se desenvolvem nos espaços ali mencionados e, bem assim, que dependem não apenas da iniciativa da Ré mas também dos artistas que, para além da vontade de expor têm, ainda, o poder de estabelecer a forma como a exposição se desenrola, que equipamentos serão usados e que disposição concreta cada sala deve assumir, tudo se repercutindo na utilização das salas, na sua configuração, no tempo da exposição e, ainda, na forma como esta será organizada no que diz respeito à assistência em sala.
O assim relatado foi, ademais, de alguma forma corroborada pelo depoimento de AA e de CC (que declarou efectuar assistência em sala no XX) que, sustentadas no seu conhecimento pessoal enquanto assistentes de sala, relataram a existência de tempos em que o museu não possui exposições (estando em fase de desmontagem ou montagem) e, bem assim, deram conta das diferenças existentes entre exposições, em função do que se expõe e do que pelo artista é expressamente dito e exigido para efectuar a exposição.
Quanto ao exarado em H., I. e J., estribou o Tribunal a sua convicção nas declarações de AA e no depoimento de CC que corroboraram o ali mencionado no que respeita ao que é suposto por si ser feito quando prestam assistência em sala e, bem assim, no que usam para o efeito, dando conta de que o uso das peças mencionadas em J. vai alternando entre a T-shirt, a sweatshirt e o casaco, em função do tempo mais quente ou mais frio.
O assim relatado quanto ao uso das peças referidas em J. foi, igualmente corroborado por BB (inspectora da ACT) que, nesta parte, por sustentado no por si visualizado aquando da acção inspectiva e sustentado por outros elementos de prova nos mereceu credibilidade, e corroborou o ali exarado.
No que especificamente respeita ao elencado em K, L., M., O. e P. atentou o tribunal na análise cotejada das declarações de AA e depoimentos de CC e de DD.
DD foi clara no seu depoimento, dando conta de que a entrega das peças referidas em J. tem por objectivo tornar visíveis e identificáveis os assistentes de sala e, bem assim, que os elementos usados não são diferentes do que se vendem na loja de lembranças do museu ( com a única diferença da menção consignada em L.) e, bem assim, que nenhum dos assistentes de sala devolve o equipamento ( seja por cessar a assistência de sala, seja porque os estragou e foram substituídos).
O assim relatado foi corroborado por AA e CC que, ainda que inicialmente se tenham mostrado renitentes nas suas declarações quanto a este aspecto, acabaram por assumir que o que usavam não era diferente do que se vendia na loja do museu e servia para que identificassem os assistentes de sala e que, em caso de necessidade, lhes eram dadas peças novas, sem qualquer exigência ou pedido de explicação.
Também a testemunha BB, directamente questionada sobre este aspecto, acabou por anuir que as peças referidas em J. serviam para que os assistentes de sala fossem identificados e, bem assim, que não existia uma farda completa, na medida em que não eram fornecidas calças nem calçado.
Quanto ao mencionado em N. teve o Tribunal em consideração os depoimentos de BB, DD e EE que confirmaram o ali mencionado ( a primeira, com base no conhecimento por si adquirido aquando da visita inspectiva às instalações da Ré e os dois últimos, em função do conhecimento directo que possuem enquanto pessoas que desenvolvem funções na Ré, e que, de forma clara, referiram que nenhum dos seus colegas e nenhuma das pessoas que a Ré encara como sendo seus trabalhadores, usa farda).
No que respeita ao elencado em Q. a S. (inclusive), RR., TT., UU., VV., WW., XX. formou o Tribunal a sua convicção com base no depoimento de DD e EE que, de forma clara e sustentada no conhecimento directo dos factos que relatavam (portanto, de forma credível), os referiram como correspondendo à realidade.
Ademais, o assim relatado pelas referidas testemunhas foi confirmado pela própria AA, em sede de declarações e, bem assim, pelo depoimento de CC e de BB que, de forma clara, relataram a ausência dos elementos ali mencionados.
O exarado em T. a X. (inclusive), QQ. e 3. resultou comprovado pela análise cotejada dos depoimentos de CC, BB, DD e EE.
Do relato apresentado pelos supra identificados depoentes, cotejado entre si, resultou claro, por um lado, que o Museu funciona todos os dias, com excepção das terças-feiras (em que está encerrado), que inexiste um horário pré-definido para os assistentes de sala (não podemos deixar de relembrar que, quando perguntados sobre a forma de organização da assistência de sala, as testemunhas usaram a expressão a Fundação lança as disponibilidades, as necessidades e os assistentes indicam as suas disponibilidades) e, bem assim, que inexistiam indicações específicas da Ré que extravasassem o indicado em QQ..
Relembra-se o depoimento de CC que, de forma espontânea (e, portanto, credível) declarou que a Ré comunica as necessidades que tem para cada exposição, que depois preenche de acordo com as disponibilidades que os assistentes de sala lhe comunicam e, bem assim, o depoimento de AA que assumiu que dava as suas disponibilidades de horário e que as necessidades da Ré mudavam em função das exposições existentes.
Por fim, também BB assumiu que a Ré comunicava as necessidades de assistência em sala e que os assistentes escolhiam, em função das suas disponibilidades pessoais, os momentos em que iriam prestar assistência em sala.
Do cotejo destes depoimentos resultou, igualmente, que a forma como os assistentes de sala organizavam as suas pausas era alheio à Ré e ao departamento de assistência ao visitante.
Confrontados estes elementos, concluiu o Tribunal ter resultado clara a existência de prova que, de forma frontal, contraria o referido em 3., sendo que nenhuma prova cabal, sustentada e credível, capaz de pôr em causa o que assim se apurou e suficientemente credível para comprovar o referido em 3., foi carreada aos autos pelo Requerente. Concluiu, assim, o Tribunal pela ausência de prova cabal do mencionado em 3. e pela efectiva existência de prova credível do exarado em T. a X. (inclusive) e QQ.
Formou o Tribunal a sua convicção relativamente ao mencionado em Y. a AA., em LL. e em 1. na análise cotejada dos elementos constantes de fls. 73 a 77 (que configuram comunicações electrónicas enviadas por AA, que não nega serem de sua autoria nem tê-las enviado) de cujo conteúdo resulta evidente a mera comunicação de impossibilidade de comparecer em momentos para os quais anteriormente AA havia demonstrado disponibilidade, limitando-se a comunicar que iria faltar e, em alguma das situações, a comunicar quem havia sido por si escolhido para a substituir.
AA, inquirida directamente sobre este ponto, assumiu a ocorrência de tais substituições e impossibilidade de comparecer, tendo resultado evidente – do cotejo deste depoimento com o de CC ( e com o próprio teor da correspondência electrónica, interpretada em conformidade com o previsto pelo artigo 236º, do Código Civil) e com o de DD – que nenhuma autorização era pedida ou esperada relativamente às ausências ou às substituições, assim se concluindo pela ausência de prova do mencionado em 1..
Do cotejo de todos estes elementos supra mencionados e de todos os depoimento supra analisados e ponderados, igualmente concluiu o Tribunal pela ausência de prova do mencionado em 2., na medida em que se apurou que AA escolhia o seu horário, se organizava entre colegas para determinar a sua hora de pausa, não era avaliada pelas suas funções, se limitava a comunicar a sua impossibilidade de comparecer, sem que esperasse qualquer autorização de DD para o efeito, donde se conclui pela ausência dos elementos mencionados em 2.
Recorde-se, ademais, que a própria AA, nisso secundada por CC, declarou que as orientações recebidas eram relacionadas com a forma de estar em exposição ( se podia estar sentada ou só em pé, se devia abordar os visitantes e o que lhes havia de dizer) e, na grande maioria das vezes, em função do que pelos próprios artistas era exigido para expor.
Quanto ao elencado em BB. e CC. ponderou o Tribunal os depoimentos de DD e de EE, cotejados entre si e com o teor de fls. 78-85, tendo resultado claro o ali referido.
Também do depoimento de BB resultou claro que a assinatura em causa se relacionava com o mencionado em CC., já que a testemunha assumiu que as pessoas com quem falou e que trabalhavam na parte administrativa da Ré e por esta eram consideradas como seus trabalhadores, não tinham qualquer obrigação de assinar tal folha e que, das declarações de AA resultou que, para além dos assistentes de sala, também os guias e eventuais equipas de limpeza ou de reparações se mostravam obrigados a assinar tais folhas (assim corroborando as razões mencionadas em CC.).
No que respeita ao referido em LL. e em SS. ponderou o Tribunal o teor de fls. 28, 30-33 (que comprovam a manutenção de assistência em sala, mesmo após os atrasos mencionados em CC. a JJ.) e o teor de fls. 72 (comunicação electrónica enviada por AA, de cujo teor expresso se retira a ausência da ali mencionada exclusividade), cotejados com as declarações de AA.
Quanto ao mencionado em 4. atentou o Tribunal na ausência de prova que o sustentasse, na medida em que se apurou que AA recebia em função das horas que desempenhasse a assistência em sala, numa quantia variável (por depender das efectivas horas para as quais dava a sua disponibilidade).
Acresce que a própria AA acabou por admitir que faltar ou chegar atrasada não tinha consequências, não justificando a sua ausência.
Concluiu-se, assim, pela ausência de um valor fixo a que se pudesse descontar-se uma percentagem, em função de eventuais atrasos ou faltas (isto porque descontar pressupunha que houvesse uma quantia já definida e fixa que se iria, à cabeça, receber e que podia ser afectada o que, em face do que se apurou, não corresponde à realidade dos factos em causa).
Tudo ponderado, concluiu o Tribunal terem ficado provados e não provados os factos em conformidade com o supra elencado.»
Apreciação das questões recursivas
1ª questão – Há erro na apreciação de matéria de facto ?
O recorrente/demandante vem invocar erro do Tribunal de 1ª instância, em suma, quer a propósito da factualidade dada como provada sob os itens L, O, T a AA, CC a LL, QQ e SS, quer a propósito da factualidade dada como não provada sob os itens 1 e 2.
A recorrida/demandada não se opõe à alteração/aditamento no tocante ao item L dos factos provados. Quanto ao item O refuta ter respaldo na prova produzida. E quanto aos demais itens reputa a rejeição da impugnação por falta de cumprimento do respectivo ónus legal.
Cumpre apreciar e decidir.
Como é sabido, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe a um recorrente. No respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, impondo-se que um recorrente proceda à delimitação, com toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver dum recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação.
Neste sentido e sob a epígrafe «Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto», dispõe o art. 640º do CPC que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; …
Quando um recorrente cumpra estes ónus, o Tribunal de 2ª instância atenta à fundamentação convocada pelo Tribunal recorrido e à impugnação deduzida pelo recorrente e faz uma reanálise/reapreciação quer desses meios probatórios convocados pelo recorrente quer das demais provas constantes do processo, com vista a formar a sua própria e autónoma convicção – a qual pode ser ou não coincidente com a convicção evidenciada pelo tribunal recorrido (na respectiva fundamentação) e, respectivamente, não impor ou impor (total ou parcialmente) uma decisão de facto diversa da proferida pelo Tribunal recorrido, nos concretos pontos de facto postos em crise pelo recorrente.
Com efeito, funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação, este tem autonomia apreciatória e decisória. Por isso, ao Tribunal de 2ª instância compete-lhe apreciar/ponderar/analisar, de forma crítica, as provas em que assentou a parte impugnada da decisão factual, sem prejuízo de, oficiosamente, poder atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, sujeitando-se às mesmas regras legais de direito probatório a que se encontrava sujeito o Tribunal recorrido.
Desta forma, o legislador pretendeu, por um lado, atenuar a inevitável quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador e, por outro, evitar julgamentos descontextualizados ou parciais, apenas submetidos à leitura dos meios probatórios convocados pelo recorrente.
Assim, pretendendo uma visão global, integrada e contextualizada de todos os meios probatórios produzidos, como garantia de uma decisão de facto o mais próxima possível da realidade, sem que tal implique a procura de uma verdade ou de uma certeza naturalística ou absoluta, que é, por princípio, insuscetível de ser alcançada.
Não sendo de olvidar, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes (não confessórias) e/ou por testemunhas e/ou da prova por inspecção e/ou da prova pericial, que no nosso ordenamento jurídico vigora, para além das normas de direito probatório material contidas, respectivamente, nos arts. 361º, 389º, 391º e 396º do Código Civil (doravante com a abreviatura CC), o princípio da livre apreciação da prova, expressamente, consagrado art. 607º, n.º 5, do CPC (e aplicável à 2ª instância “ex vi” do art. 663º, nº 2, do mesmo diploma).
O nº 5 desse art. 607º consigna o seguinte:
« O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes ».
Quer isto dizer que, em regra [salvo nestas 4 situações ditadas/ressalvadas na 2ª parte deste preceito legal], a conclusão probatória não está pré-fixada legalmente, detendo o julgador a liberdade de apreciar toda a prova produzida, ponderar e formar a sua convicção sobre os factos, segundo as regras da experiência humana, da lógica, da prudência e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso.
No caso da solicitada reapreciação da decisão de facto por parte do Tribunal da Relação, este Tribunal “ad quem” (enquanto Tribunal que garante um 2º grau de jurisdição) pode e deve analisar, criticamente, e sujeito às mesmas regras da experiência, da lógica e da ciência, toda a prova produzida sobre a factualidade impugnada, formando ele próprio, uma nova e autónoma convicção.
E se caso se constatar - com a necessária segurança - que ela não é coincidente com a convicção formada pelo Tribunal “a quo”/recorrido, isto é, se vier a constatar - com a necessária segurança - a existência de erro de julgamento sobre a respectiva matéria de facto impugnada, então, o Tribunal de recurso deverá efetuar as correções/modificações na matéria de facto que esta (nova e autónoma) sua convicção lhe imponha, seja no sentido oposto seja num plano intermédio.
Desta forma (e conforme salienta o Exmº Juiz Conselheiro António Geraldes em “Recursos em Processo Civil”, 7ª edição, págs. 181-211), o legislador quis salientar que, neste modelo de reponderação (não de repetição da instância ou novo julgamento no Tribunal de recurso), a propósito da modificação da matéria de facto impugnada, há um especial grau de exigência perante a prova – que já foi sujeita ao primeiro crivo na 1ª instância e com as inerentes imediação e oralidade –, só devendo ser revista/corrigida/alterada se houver um flagrante erro de julgamento da matéria de facto, isto é, uma clara distorção da realidade factual/uma óbvia desarmonia entre a prova disponível e a decisão tomada pelo Tribunal de 1ª instância.
Feitas estas considerações, estamos em melhores condições de apreciar o caso concreto.
Assiste razão ao recorrente no tocante ao requerido aditamento no item L dos factos provados. Pois, conforme admite a recorrida, o teor da indicada (pelo recorrente) parte respectiva das declarações de AA e do depoimento das testemunhas de CC e DD demonstram que havia a inscrição dos dizeres “Can I help you ?” ou “Ask Me“ na t-shirt e no casaco aludidos no item J.
Por conseguinte e deferindo o requerido, ao abrigo do disposto no art. 662º, nº1, do CPC, adita-se à redacção do item L dos factos assentes tal matéria, passando este a ter a seguinte redacção:
« L. O casaco e a t-shirt mencionados em J têm a inscrição “Can I help you ?” ou “Ask Me” ».
Assiste parcial razão ao recorrente no tocante à redacção do item O dos factos provados. Pois, a conjugação do teor das indicadas (pelo recorrente e pela recorrida) partes respectivas das declarações de AA e do depoimento das testemunhas CC e DD demonstra que algumas das peças mencionadas em J encontravam-se nos termos descritos em O, mas sendo a t-shirt sem a inscrição aludida em L, o saco em cor distinta e o crachá sem a identificação pessoal.
Por conseguinte e deferindo parte do requerido, ao abrigo do disposto no art. 662º, nº1, do CPC, a redacção do item O dos factos assentes passa a ser a seguinte:
« O. Das peças mencionadas em J. encontram-se à venda ao público na loja do XX, podendo ser adquiridas por qualquer visitante, a t-shirt sem a inscrição aludida em L., o saco em cor distinta e o crachá sem a identificação pessoal; »
Quanto aos demais itens impugnados pelo recorrente - T, U a AA, CC a LL, QQ e SS dos factos provados e 1 e 2 dos factos não provados - constata-se que (aproveitando da faculdade concedida pela lei, o recorrente não procedeu a qualquer transcrição de qualquer excerto da gravação da audiência de julgamento), não obstante isso e conforme salienta a recorrida, o recorrente nem sempre cumpriu a totalidade dos sobreditos ónus legais (constantes do supra transcrito art. 640º), mais concretamente, não indicou com exactidão todas as respectivas passagens da gravação em que se funda o seu respectivo recurso, limitando-se a fazer uma indicação respectiva que o recorrente denominou como exemplificativa do alegado teor unânime testemunhal.
Nesta conformidade, este Tribunal da Relação, apenas, atentará à respectiva parte da gravação indicada, com exactidão, pelo recorrente para aferir se, essa, impunha decisão factual diferente –comparativamente a todos os meios probatórios enunciados na motivação decisória e sua apreciação conjugada e crítica, também, enunciada na motivação decisória.
Concretizemos.
Quanto à redacção do item T dos factos provados: após a audição do depoimento da indicada testemunha DD, confirma-se que, à excepção da 3ª feira (dia de encerramento do museu)podiam haver assistentes de sala em todos os demais dias da semana. Aliás, conforme consta da respectiva motivação decisória (supra-transcrita e aqui dada por reproduzida).
Por isso, deferimos o requerido, ao abrigo do disposto no art. 662º, nº1, do CPC, eliminando do item T dos factos assentes os seguintes dizeres: “e em alguns sábados”.
Pelo que, doravante, tem o seguinte teor completo:
«T. A assistência de sala decorre às segundas-feiras e de quartas-feiras a domingo, para que os assistentes de sala indicam à Ré os períodos em que pretendem prestar a assistência, por razões do seu interesse exclusivo;»
Quanto aos itens U a AA e LL dos factos provados e aos itens 1 e 2 dos factos não provados: feita a audição da respectiva parte da gravação das declarações da AA e do depoimento de BB, CC, DD e EE, não se descortina que se impusesse qualquer alteração. A motivação decisória a este respeito (supra transcrita e aqui dada por reproduzida) é clara e completa para a cabal fundamentação respectiva, nomeadamente, quanto aos itens T a X atenta a análise (conjugada e crítica) do teor integral daquelas declarações e daqueles depoimentos e quanto aos itens Y a AA e LL atenta a análise (conjugada e crítica) do teor integral das declarações de AA, do depoimento de CC e DD e dos documentos de fls. 28,30-33, 72, 73 a 77 dos autos.
Salientando-se, para além das transcrições feitas pela recorrida (aqui dadas por reproduzidas) nomeadamente, não ter ficado desmentida a liberdade de efectuar, ou não, a prestação de cada serviço como assistente de sala mesmo depois de feita a grelha para cada trimestre ou, ultimamente, para cada mês, em função da disponibilidade manifestada, previamente, para algum período do dia ou dias de alguma semana ou semanas de cada período respectivo e em função das respectivas necessidades da ré para cada período respectivo, consoante as exposições existentes em cada momento e das várias disponibilidades manifestadas, previamente, pelos vários assistentes de sala; também não tendo ficado desmentida a liberdade de poderem indicar, ou não, substituto entre os assistentes de sala e por iniciativa própria, e sem prévia autorização da ré.
Considerando toda a sobredita prova e, aliás, em conjugação com o item NN dos factos assentes, e com o aditamento requerido pela recorrente na parte final da impugnação da decisão factual que se defere em parte, ao abrigo do disposto no art. 662º, nº1, do CPC, determinamos que sejam acrescentados no item U dos factos assentes os seguintes dizeres (no início e no meio, respectivamente) : “Desde Maio de 2021 … de assistente de sala…”.
Pelo que, doravante este item tem o seguinte teor completo:
«U. Desde Maio de 2021, AA comunica à Ré os períodos – do dia, da semana, do mês – em que pretende prestar serviço de assistente de sala, dando a conhecer, de acordo com as suas conveniências pessoais e profissionais, os momentos em que pretende prestar serviço;»
Quanto aos itens CC a KK dos factos provados: não se vislumbra que o teor dos respectivos documentos constantes de fls. 78 a 85 dos autos tenha sido beliscado pelo teor, completo e conjugado, da respectiva prova testemunhal. Conforme explicita de forma clara e completa, com cabal fundamentação, a respectiva motivação decisória(supra transcrita e aqui dada por reproduzida) e, também, é salientado pela recorrida quer com partes indicadas com precisão e até com algumas transcrições (aqui dadas por reproduzidas).
Tão somente e em consonância com toda a sobredita prova e com o teor do item MM dos factos provados, ao abrigo do disposto no art. 662º, nº1, do CPC, defere-se um acréscimo na parte final do item CC com o seguinte teor: “e para atestar o respectivo período de permanência com base no qual a ré apurava a quantia a pagar ao respectivo assistente de sala”.
Pelo que, doravante este item passa a ter o seguinte teor completo:
«CC. O referido em BB ocorre por razões de segurança no acesso às instalações da ré e de identificação de quem aí se encontrava, a cada momento, e para atestar o respectivo período de permanência com base no qual a ré apurava a quantia a pagar ao respectivo assistente de sala”.
Quanto ao item QQ dos factos provados: não se vislumbra que haja qualquer alteração a efectuar, após a audição integral das declarações de AA e de todos os depoimentos testemunhais e que não foram beliscados pelo teor integral dos documentos constantes dos autos, conforme consta explicitado de forma clara, completa e cabal na respectiva motivação decisória (supra transcrita e aqui dada por reproduzida). Salientando-se, nomeadamente que o manual do assistente de sala e respectivas orientações coadunam-se com as regras necessárias para a execução da prestação desses serviços ao público/visitantes das respectivas exposições que a ré tivesse (nos termos constantes dos itens C a M e BB dos factos provados). Aliás, nem sequer havendo avaliação de desempenho (nos termos constantes do item RR dos factos assentes) nem sequer havendo sancionamento (nos termos constantes do item LL dos factos assentes). Não sendo as singelas indicações, da respectiva gravação, feitas pela recorrente de molde a comprovar, com a necessária certeza, que esta assistente de sala integrasse o organigrama funcional e organizativo da ré com inerente subordinação jurídica a esta (em conformidade com o item 2 dos factos não provados).
Quanto ao item SS dos factos provados: não se vislumbra que haja qualquer alteração a efectuar, após a audição integral das declarações de AA e dos depoimentos das testemunhas DD, EE, CC e BB em conjugação com o teor dos documentos 28, 30-33 e 72 dos autos, conforme consta da respectiva motivação decisória (supra transcrita e aqui dada por reproduzida). Aliás, a contrapartida económica motivadora da prestação de serviços remunerados não pressupõe qualquer obrigação de exclusividade destes. E a mera demonstração de que, em determinado hiato temporal, apenas tenham sido declarados certos rendimentos de certa proveniência, não significa, por si só, que não tivesse tido ou não pudesse ter tido outros rendimentos de outra proveniência.
Resta uma nota final a propósito de algum acervo factual que, apesar de não constar da petição inicial (do demandante/aqui recorrente) nem da contestação (da demandada/aqui recorrida), o recorrente pretende ver incluído na decisão factual, sob o argumento de que houvera menção aos mesmos aquando da discussão da lide, nos termos da invocada previsão geral contida no art. 5º, nº2, do CPC e que tal acervo factual proposto (com 17 pontos) deveria substituir os sobreditos itens T a AA provados, bem como os 1 e 2 não provados.
Mas, olvidando-se o recorrente que essa norma geral de processo civil tem limitações, isto é, reporta-se a factos instrumentais (não alegados) que resultem da instrução da causa e/ou a factos complementares ou concretizadores (de alegados) que resultem da instrução da causa e que sobre estes as partes tenham tido possibilidade de se pronunciar e que, relativamente a qualquer um deles, o julgador do Tribunal de 1ª instância tenha reputado como necessários/indispensáveis para a decisão da lide - o que não foi o caso, face ao objecto desta concreta lide e face ao teor da respectiva factualidade constante da decisão da 1ª instância, quer provada quer não provada, no caso concreto e com observância do disposto no art. 607º, nºs 4 e 5, do CPC, sem prejuízo das alterações supra decididas por este Tribunal “ad quem”.
Também se olvidando o recorrente que o Tribunal de 1ª instância, perante a discussão da lide, não fez uso do mecanismo previsto no art. 72º, nº1, do CPT, nem tão pouco o demandante/recorrente suscitou tal necessidade até ao encerramento da discussão em 1ª instância, só o vindo a fazer agora em sede recursiva - estando vedada a este Tribunal de 2ª instância tal possibilidade, conforme tem sido entendido, maioritariamente, pela jurisprudência (salientando-se o acórdão do STJ de 18/4/2018 relatado pelo Conselheiro Ferreira Pinto, o acórdão do TRL de 27/5/2020 relatado pelo Desembargador Leopoldo Soares, o acórdão do TRP de 3/10/2022 relatado pela Desembargadora Rita Romeira e o acórdão do TRG de 5/3/2020 relatado pela Desembargadora Vera Sottomayor, todos em dgsi.pt). Aliás, em consonância com a já referida natureza reapreciatória dos recursos, isto é, apenas destinados a reapreciar questões já decididas e não para apreciar questões novas com criação de decisões novas.
Mas, mesmo que tal matéria factual tivesse sido alegada pelas partes, tão pouco o recorrente cumprira a totalidade dos sobreditos ónus legais impugnatórios (contidos no supra-transcrito art. 640º, nºs 1 e 2, do CPC), limitando-se a uma referência em bloco e sem especificar, a propósito de cada um, os concretos meios probatórios que, individual e concretamente, impusessem uma tal decisão factual, em prejuízo da sobredita e já apreciada decisão respectiva do Tribunal de 1ª instância.
2ª questão – Há erro na apreciação de matéria de direito ?
O recorrente/demandante (Ministério Público) vem invocar erro do Tribunal de 1ª instância ao considerar como não provada a existência de contrato de trabalho, entre a demandada (Fundação ZZ) e AA, cujo reconhecimento visa esta acção. Para o efeito considera que - mesmo que se mantenha inalterada a factualidade dada como provada na sentença recorrida - estão verificados os indícios previstos no art. 12º, nº 1, als. a), b) e d), do CT.
A recorrida/demandada refutou tal, reiterando o acerto da decisão recorrida.
Cumpre apreciar e decidir.
Para o efeito importa começar por salientar que a acção em apreço denominada como “Acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho” (doravante com a abreviatura AREC) foi criada no nosso sistema jurídico (desde Setembro de 2013, através da Lei n.º 63/2013, de 27-8), estando prevista nos arts. 26º, nº 1, al. i), e nº 6 e 186º-K a 186º-R do CPT (com tais alterações) como um processo cuja instância se inicia com o recebimento da participação da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT que levou a cabo o respectivo procedimento administrativo previsto no art. 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14-9 de setembro, com vista a combater alegado falso trabalho autónomo/”falsos recibos verdes”). Após esta recepção, o Ministério Público formula a respectiva petição inicial (enquanto parte demandante nesta acção, em representação do sobredito interesse público – não representando nem patrocinando qualquer trabalhador -) contra a parte demandada (a outra parte principal nesta acção como empregadora) e através dessa petição inicial expõe os respectivos factos/causa de pedir e o respectivo pedido/pretensão de reconhecimento judicial da existência de um contrato de trabalho relativamente a um pretenso trabalhador.
Por isso, esta é uma acção declarativa de simples apreciação positiva (nos termos do disposto no art. 10º, nºs 1, 2 e 3, al. a), do CPC) porque destinada a obter, unicamente, a declaração da existência de um facto/contrato de trabalho e data do respectivo início, com o inerente provimento da acção caso tal suceda.
Ora, na acção em apreço, o Ministério Público/demandante havia peticionado o reconhecimento da existência, desde Maio de 2021 em diante, de uma relação jurídica laboral entre AA e a demandada/Fundação ZZ.
Por isso, importa atentar ao regime jurídico então vigente, pois como sabemos, para efeitos de qualificação de uma relação jurídica releva o regime vigente aquando da sua constituição, salvo se, entretanto, essa sofrer alterações significativas - o que não foi alegado ter ocorrido no caso em apreço.
Assim se respeitando o princípio basilar da não retroactividade das leis (nomeadamente previsto no art.12º, nº 1, do Código Civil), não pondo em causa a tutela da igualdade, da confiança e do respeito pela vontade das partes (como sucederia se um contrato já em vigor como não laboral passasse a laboral ou vice-versa, em função das flutuações dadas, ao longo do tempo, pelo legislador ordinário). E neste mesmo sentido se tem pronunciado quer a doutrina (nomeadamente, Rosário da Palma Ramalho em “Tratado de Direito do Trabalho”, 9ª edição revista e actualizada, pág. 57 e Menezes Cordeiro em “Direito do Trabalho”, vol. II, pág. 164) quer a jurisprudência (nomeadamente os acórdãos relatado pelo Conselheiro Pinto Hespanhol em 18/12/2008, 14/1/2009 e 5/2/2009, o acórdão relatado pelo Conselheiro Sampaio Gomes em 22/9/2011, o acórdão relatado pelo Conselheiro Gonçalves Rocha em 30/1/2013, o acórdão relatado pela Conselheira Ana Luísa Geraldes em 9/3/2017, o acórdão relatado pelo Desembargador Ramalho Pinto nesta Relação em 4/5/2011 e o acórdão relatado pela Desembargadora Albertina Pereira nesta Relação em 12/1/2011, todos acessíveis em dgsi.pt) e, por isso, se impondo seguir a directriz contida no art. 8º, nº 3, do Código Civil.
Em Maio de 2021 estava em vigor o Código do Trabalho com a redacção dada pela Lei nº 7/2009, de 12-2 e nessa mesma versão (doravante sob a abreviatura CT) que vigorou desde 17/2/2009 em diante (até 3/6/2023 após a qual entrara em vigor a Lei nº 13/2023 de 3-4 que veio alterar a redacção de alguns preceitos, mas sem relevo para o caso em apreço porque inaplicável).
O art. 11º do CT (intitulado “Noção de contrato de trabalho”) consigna:
«Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas
O nosso legislador fez questão em salientar que só estão sujeitas à tutela do Direito do Trabalho as relações jurídico-privadas de trabalho livre, remunerado e subordinado – ficando de fora desta tutela legal todas as demais formas de trabalho humano livre e que se regerão pelas regras gerais do direito civil contidas no Código Civil ou pelas regras especiais de Direito Administrativo no caso dos trabalhadores da função pública.
O contrato de trabalho tem por objecto a disponibilidade da força de trabalho humano (intelectual e/ou manual que abrange aptidões pessoais físicas, psíquicas e técnicas) de um trabalhador que tem sempre e necessariamente de ser uma pessoa singular e humana - enquanto que a pessoa do empregador tanto pode ser uma pessoa singular como uma pessoa colectiva ou várias.
A prestação desse trabalho ou, pelo menos, a disponibilidade para tal, por parte do trabalhador, é sempre remunerada pelo empregador que dela tirou ou podia ter tirado proveito, através de uma contrapartida económica – remuneração esta que, em regra, é essencial para a assegurar a sobrevivência do trabalhador e, por isso, em regra, condiciona o carácter livre da prestação de trabalho com dependência económica/subordinação económica.
A prestação desse trabalho é heterodeterminada, subordinada, dependente ou não autónoma juridicamente, quer isto dizer que a conduta do trabalhador, na execução do contrato de trabalho, está sempre sujeita às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, em maior ou menor grau consoante seja menor ou maior a autonomia técnica do trabalhador e às quais o trabalhador deve obediência, face ao inerente poder de autoridade e direcção do empregador (definindo como, quando, onde e com meios deve ser executada a prestação laboral) e ao inerente poder disciplinar do empregador relativamente ao trabalhador – cfr. a este propósito os ensinamentos doutrinais contidos em “Direito do Trabalho” de António Monteiro Fernandes, 22ª edição, págs. 19-24 e 127-158; em “Contrato de Trabalho” de João Leal Amado, edição 2016, págs. 11-13 e 41-45; e em “Tratado de Direito do Trabalho” de Maria do Rosário Palma Ramalho, 9ª edição revista e actualizada, págs. 19-58.
Ora, este aspecto da subordinação jurídica do trabalhador em relação à autoridade e à direcção do empregador ao qual deve obediência, sob pena de eventual exercício do poder disciplinar deste sobre si, e que advém da própria natureza do objecto desse contrato, constitui o traço mais característico de uma relação jus-laboral.
E, por conseguinte, é o factor diferenciador de outras forma de trabalho humano livre, em relações jurídico-privadas que escapam à tutela do Direito do Trabalho, como é o caso da prestação de serviços.
O art. 1154º do Código Civil consiga:
«Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição
O prestador de serviço actua autonomamente, isto é, não está sujeito a ordens ou instruções do credor da respectiva obrigação (a quem essa actividade aproveita com os respectivos fins esperados). Cabendo ao prestador/devedor de serviço alcançar um determinado resultado, através da actividade que este desenvolve como melhor entende e por si próprio orientada – cfr. os ensinamentos doutrinais a este propósito em “Código Civil Anotado”, 2ª edição revista, actualizada e coordenada por Ana Prata, pág. 1482 e a citação aí constante de Galvão de Telles em “Contratos Civis”.
Mas, como nem sempre é nítida a subsunção dos factos concretos à noção de trabalho subordinado ou de mera prestação de serviços, então, a nossa doutrina e a nossa jurisprudência foram recorrendo a métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios, tais como: a vinculação a um horário de trabalho; a pré-definição de um local de trabalho; a modalidade da retribuição, regra geral, auferida em função do tempo; o pagamento de diuturnidades; a não propriedade dos instrumentos de trabalho; a existência de controlo externo do modo de prestação da actividade; a obediência a ordens; a sujeição à disciplina da empresa, nomeadamente, à necessidade de justificar faltas e à punição com sanções disciplinares; a sujeição a regime de marcação de férias; o pagamento de subsídios de férias e Natal; a exclusividade da actividade laborativa em benefício de uma só entidade; e a observância dos regimes fiscal e de segurança social – cfr. entre outros Fernando Ribeiro Lopes em “Revista de Direito e de Estudos Sociais”, Ano XXIX, nº 1, Janeiro-Março de 87, págs. 57-80, Pedro Romano Martinez em “Direito do Trabalho”, 6ª edição, págs. 287-289, 293-304, o acórdão relatado pelo Conselheiro Sousa Grandão em 14/1/2009, o acórdão relatado pela Conselheira Ana Luísa Geraldes em 9/9/2015, todos acessíveis em dgsi.pt .
Tendo esta sedimentação doutrinal e jurisprudencial feito com que o legislador desde o Código de Trabalho de 2003 e, depois, alterado com o sobredito Código de Trabalho de 2009 (CT aplicável aos autos em apreço), tivesse consignado uma norma que prevê a presunção de laboralidade, mais concretamente no seu art. 12º intitulado “Presunção de contrato de trabalho”:
« 1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa
Mas, conforme salienta Pedro Romano Martinez em anotação a este preceito legal (na 13ª edição do “Código do Trabalho Anotado”, págs. 83-84), não se trata de uma verdadeira presunção, em sentido técnico-jurídico. Apenas visa facilitar a tarefa de qualificação jurídica de um contrato em caso de dúvida, mas, para o efeito, não dispensa a tarefa probatória da verificação concreta de, pelo menos, dois desses indícios.
Retornando ao caso concreto, o demandante logrou demonstrar a verificação cumulativa da previsão contida nas supra-transcritas alíneas a) e b) do nº1 do art. 12º do CT.
Pois, é incontroverso que a apurada actividade de AA como assistente de sala era prestada em locais pertencentes à demandada (mais concretamente, no XX e na YY, detidas e geridas pela demandada). E, também, é incontroverso que esta assistente de sala, aquando dessa actividade, usava t-shirt ou sweatshirt ou casaco, crachá e saco, todos pertencentes à demandada.
Assim, o demandante beneficiava de tal presunção legal (relativa) de contrato de trabalho (nos termos dos arts. 344º, nº1, e 350º,nº1, do Código Civil).
Mas, a demandada logrou ilidir essa presunção de laboralidade(nos termos dos arts. 341º, 342º, nº2, e 350º, nº2, do CC), através da demonstração de factos, concretos e incontroversos, que desmentem a existência de subordinação desta assistente de sala relativamente a esta demandada.
Pois, no caso em apreço apurou-se (nomeadamente):
que as demais pessoas que a demandada reconhece como seus trabalhadores não usam esse tipo artigos (tais como t-shirts ou sacos) nem nenhum fardamento no exercício da actividade profissional;
que esta assistente de sala não dispunha de qualquer lugar ou espaço físico nas instalações da demandada para uso próprio, nem tão pouco lhe estavam disponibilizados mesa, computador, monitor, impressora e/ou aparelho de telecomunicações e/ou endereço de correio electrónico atribuído pela demandada;
que esta assistente de sala não estava sujeita a um horário de trabalho pré-fixado pela demandada, para vigorar por tempo indeterminado, para certos dias fixos da semana e a certas horas fixas. Havendo total liberdade desta assistente de sala em escolher e manifestar a sua disponibilidade temporal. E, mesmo depois de feita a respectiva escala, esta assistente de sala tinha total liberdade para efectuar trocas ou fazer-se substituir por outro assistente de sala que tivesse disponibilidade ou pura simplesmente dar a conhecer a sua indisponibilidade para algum período que havia previamente indicado, sem sujeição a autorização da demandada e sem qualquer sancionamento por esta;
que esta assistente de sala não recebia da demandada quantias pecuniárias certas e com periodicidade certa. Tendo recebido quantias variáveis, em função de tempo de trabalho que não foi certo, nem igual, nem imposto pela demandada. Apenas sendo certo o valor de € 5/hora pago pela demandada por cada hora de trabalho prestado pela mesma. E tais quantias não incluíam o pagamento de diuturnidades, de férias, subsídio de férias e/ou subsídio de Natal. Apenas sendo emitidos pela mesma recibos verdes, desconhecendo-se em que moldes concretos tal pagamento tinha lugar, qual o concreto hiato temporal de vencimento ao dia, à semana, à quinzena e/ou mês e o respectivo tempo de cumprimento;
que esta assistente de sala não estava sujeita à justificação de ausência pela demandada, nem à autorização e/ou fixação de mapa de férias pela demandada;
que esta assistente de sala não estava sujeita à disciplina interna da demandada, a avaliação de desempenho, a exclusividade de funções apenas por conta da demandada, nem ao respectivo poder punitivo desta.
Ora, a existência de uma relação de trabalho subordinado pressupõe sempre (efectiva ou potencialmente)a existência de vários poderes do empregador relativamente ao trabalhador e dos inerentes deveres deste para com aquele e das inerentes consequências em caso de incumprimento dos mesmos. Salientando-se, nomeadamente: o poder de direcção (previsto no art. 97º do CT); o poder de determinação da actividade (previsto no art. 115º); o poder de determinação do horário de trabalho (previsto nos arts. 212º, 197 e 198º do CT); o poder de justificação, ou não, das faltas (previsto nos arts. 248º e segs. do CT); e o poder disciplinar (previsto nos arts. 98º e 328º do CT).
Não se vislumbrando que tal existisse no caso em apreço, faltando a subordinação jurídica que é crucial, conforme já referimos e que é pacífico na nossa jurisprudência – salientando-se os acórdãos do STJ de 9/12/2010 relatado pelo Conselheiro Vasques Dinis e de 2/7/2015 relatado pelo Conselheiro António Leones Dantas (em www.dgsi.pt).
Ora, subsumindo ao sobredito regime jurídico aplicável, a globalidade daquele acervo factual apurado, não se pode concluir que seja susceptível de configurar uma verdadeira relação jus-laboral/de trabalho subordinado (disfarçada sob a veste de mera prestação de serviços remunerada).
Aliás, o próprio contrato de prestação de serviço (regulado nos arts. 1154º e seguintes do CC) no seu art. 1167º, alínea a), aplicável “ex vi” do art. 1156º do mesmo diploma, prevê que o beneficiário da actividade está obrigado a fornecer ao prestador de serviços os meios necessários à execução da actividade, se outra coisa não for convencionada – cabendo aqui o fornecimento dos aludidos artigos destinados à fácil identificação dos assistentes de sala por parte dos visitantes desses espaços e sendo aqueles dizeres inscritos até incentivadores à solicitação de informações e de esclarecimentos por parte dos visitantes juntos dos respectivos assistentes de sala.
Aliás, também no contrato de prestação de serviços pode haver indicações e instruções dirigidas ao objecto do resultado, conforme prevê no seu art. 1161º, alíneas a) e b), aplicáveis “ex vi” do art. 1156º do mesmo Código – cabendo aqui as orientações emitidas pela demandada quanto às respectivas iniciativas ou exposições levadas a cabo, ao respectivo acesso, permanência e circulação dos visitantes, às respectivas medidas de vigilâncias das respectivas peças expostas e/ou aos respectivos esclarecimentos a serem prestados aos visitantes, segundo um figurino ou modelo (quer geral para qualquer evento cultural que aí tenha lugar, quer especial em função de um respectivo evento).
Aliás, também, atenta a natureza da actividade levada a cabo pela demandada no XX e na YY e atenta a natureza da acordada actividade com esta assistente de sala, em função das concretas disponibilidades desta e das concretas necessidades daquela, nesses espaços e em cada momento, é natural que tal prestação tivesse lugar nesses mesmos espaços/locais determinados. Também sendo natural que houvesse controlo de acesso e de identificação por razões de segurança das mesmas instalações dotadas de serviço de segurança com registos de entrada e de saída. E, também, sendo natural que o número de iniciativas assistidas e a duração temporal de cada iniciativa levada a cabo nesses espaços possa variar, nomeadamente, em função das parcerias, financiamentos de outras entidades e, até, do grau de interesse despertado no público (sem contar com a duração e condições de montagem e desmontagem de cada concreta exposição angariada e organizada pela demandada).
Em suma e aqui chegados, não tendo ficado demonstrada a existência do alegado vínculo jus-laboral, neste Tribunal “ad quem”, à semelhança do que fizera o Tribunal “a quo”, conclui-se pela improcedência da acção em apreço - improcedendo esta questão recursiva.
Decisão
Em conformidade com o exposto, os juízes da Secção Social deste Tribunal da Relação decidem julgar a apelação nos seguintes termos:
I – Deferido o aditamento à redacção do item L dos factos assentes que passa a ter a seguinte redacção:« L. O casaco e a t-shirt mencionados em J têm a inscrição “Can I help you ?” ou “Ask Me “ »;
II – Deferida a alteração à redacção do item O dos factos assentes que passa a ter a seguinte redacção: « O. Das peças mencionadas em J. encontram-se à venda ao público na loja do XX, podendo ser adquiridas por qualquer visitante, a t-shirt sem a inscrição aludida em L., o saco em cor distinta e o crachá sem a identificação pessoal; » ;
III – Deferida a alteração da redacção do item T dos factos assentes, eliminando-se os dizeres “e em alguns sábados”, passando a ter a seguinte redacção: «T. A assistência de sala decorre às segundas-feiras e de quartas-feiras a domingo, para que os assistentes de sala indicam à Ré os períodos em que pretendem prestar a assistência, por razões do seu interesse exclusivo;»;
IV – Deferido um aditamento à redacção da alínea U dos factos assentes que passa o seguinte teor:
«U. Desde Maio de 2021, AA comunica à Ré os períodos – do dia, da semana, do mês – em que pretende prestar serviço de assistente de sala, dando a conhecer, de acordo com as suas conveniências pessoais e profissionais, os momentos em que pretende prestar serviço;»
V – Deferido um aditamento à redacção da alínea CC dos factos assentes que passa a ter o seguinte teor: «CC. O referido em BB ocorre por razões de segurança no acesso às instalações da ré e de identificação de quem aí se encontrava, a cada momento, e para atestar o respectivo período de permanência com base no qual a ré apurava a quantia a pagar ao respectivo assistente de sala”;
VI – Quanto ao mais, indefere-se a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
*
Sem tributação (atenta a isenção do recorrente e cujo desenlace final do recurso lhe é desfavorável, não obstante as sobreditas alterações/aditamentos à matéria factual – cfr. art. 4º, nº1, al.a), do RCP e art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC “x vi” do art. 1º, nº1, al.a), do CPT).
Notifique.

(Texto elaborado pela relatora, revisto por todos e com assinatura manuscrita de todos)
Lisboa, 22 de Maio de 2024
Paula de Sousa Novais Penha
Maria Luzia Carvalho
Leopoldo Soares