Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
685/07-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: A interrupção da instância em processo de inventário cessa quando for requerida a prática de qualquer acto processual que vise a prossecução dos fins próprios deste processo.
O pedido de constituição de um prédio da herança em propriedade horizontal, não enquadrado numa perspectiva de efectivação da partilha, não faz cessar a interrupção da instância no processo de inventário.
Também não faz cessar a interrupção da instância no processo de inventário a instauração de uma acção de prestação de contas por dependência daquele processo.
(FA)
Decisão Texto Integral: 7

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Nos autos de processo de inventário iniciados por requerimento de 03-05-1989, para partilha da herança aberta por óbito de ……., e em que é cabeça-de-casal a requerente A, foi, por despacho proferido a 21-04-2006, julgada extinta a instância, por deserção, sendo concomitantemente indeferido o prosseguimento do processo, então requerido pela cabeça-de-casal.

Inconformada, a cabeça-de-casal agravou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:

1- Os autos contem todos os elementos que permitem o seu prosseguimento em vista da realização de conferência de interessados;

2- Inexiste deserção da instância, nos termos e pelos fundamentos que são invocados na decisão recorrida;

3- Ao invés, constata-se existir manifesto lapso quando se considera o despacho de 18-01-2000, sem considerar a admissão liminar do pedido de prestação de contas apresentado a fls, em Março de 2001.

4- Nos termos do disposto no artigo 326, ainda que a considerar aquele despacho ( 18-01-2000), sempre o prazo de contagem previsto no artigo 291 do C.P.Civil fora interrompido;

5- Conforme o disposto no artigo 1019 do C.P.Civil, o pedido de prestação de contas é dependente do processo em que foi feita a nomeação do cabeça-de-casal;

6- A circunstância da impossibilidade de exercício do mandato, a partir de 27.12.2001, não invalida o efeito interruptivo de contagem do prazo a que alude o artigo 291 do C.P.Civil;

7- Em tempo, e seguidamente à constatação daquela irregularidade que se veio verificar, foi requerida a prestação espontânea de contas pela recorrente.

8- Com data de 22/11/2004 foi trazido aos autos o conhecimento da impossibilidade de qualquer acordo com os demais interessados, aguardando a designação de data para realização de conferência de interessados.

9- Nesta conformidade, carece o despacho de ser rectificado quanto ao lapso manifesto que nele se contem, e cuja fundamentação o evidencia - cf. artigo 669, n.1 ,n.2, alíneas a) e b) e n.º 3 e artigo 667 do C.P.Civil.

10- 0 aludido despacho não se pronunciou sobre a concreta questão que foi colocada a fls...e nessa parte está ferido de nulidade prevista na alínea d) do C.P.Civil; a própria fundamentação que nele consta é manifestamente contraditória, tendo em conta os factos e o direito invocados, não atendendo ao facto de que existiu um pedido de contas, à data validamente efectuado, e que fez interromper a contagem que invoca nos termos do artigo 291 do C.P.Civil, face ao disposto no artigo 326 do C.P.Civi;

11- A não consideração deste facto deriva de um lapso manifesto do despacho recorrido, o que a não ser rectificado, conduz à nulidade prevista na alínea d) do artigo 668 do C.P.Civil – por falta de apreciação de questões de que devia tomar conhecimento, vindo por sua vez a concretizar-se numa oposição que a própria fundamentação contém, para o direito e os factos que invoca.

12- A decisão recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, todos os preceitos citados.

Não foram apresentadas contra-alegações e foi sustentada a decisão recorrida.

Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões, está em causa no presente agravo saber se não deve ser julgada deserta a instância no processo de inventário.
Mais concretamente, a agravante parece defender que o prazo de deserção da instância, supostamente iniciado com o despacho de 18-01-2000, que declarou a interrupção da instância, foi interrompido com o pedido de prestação de contas, processado por apenso ao inventário.

A agravante invoca ainda a omissão de pronúncia do tribunal sobre uma questão que foi colocada, referindo-se, se bem entendemos, ao pedido de prestação espontânea de contas, que teria sido deduzido em simultâneo com o pedido de declaração da deserção da instância na acção de prestação de contas, pedido que teria sido desconsiderado.
Ora, a ser este o fundamento da nulidade assim invocada, julga-se ser seguro que a mesma não se verifica. É que, o objecto da decisão recorrida estava limitado à apreciação do requerimento de prosseguimento do inventário, onde não vinha suscitada, nem faria sentido que viesse, qualquer questão respeitante ao processo de prestação de contas, o qual, apesar de correr por apenso ao inventário, constituía uma instância autónoma em relação a este processo.
O pedido de prestação espontânea de contas só poderia ter sido formulado e apreciado no processo respectivo, e era igualmente ali que, sendo caso disso, deveria ter sido suscitada a eventual nulidade decorrente da sua não apreciação.
Não cumpre, pois, conhecer aqui dessa questão, uma vez que o objecto do recurso está limitado às questões que foram, ou deveriam ter sido, apreciadas na decisão recorrida.

Também daqui decorre que não esta agora em causa a apreciação dos despachos anteriores, designadamente aquele que declarou interrompida a instância, há muito notificado à ora agravante, que com ele se conformou.
O objecto do presente recurso está, pois, limitado à apreciação da deserção da instância no processo de inventário, declarada na decisão recorrida.

Com interesse para a apreciação desta questão foram seleccionados na decisão recorrida os seguintes factos, não impugnados pela agravante:

1. Por requerimento datado de 95.03.17, a fls. 272 e ss., foi dado conhecimento do óbito do interessado …………, ocorrido em 95.09.19, e foram identificados os respectivos herdeiros legitimários, sendo requerida a designação de data para declarações complementares do cabeça-de-casal.
2. Por despacho de fls. 281 foi designada data para as declarações complementares de cabeça-de-casal, as quais tiveram lugar em 95.05.05, conforme acta de fls. 282.
3. Por despacho de fls. 285, datado de 95.10.11, foi ordenada a remessa dos autos à conta, nos termos do artigo 122° C.C.J..
4. Por requerimento de fls. 290, datado de 96.09.19, o mandatário da cabeça-de-casal requereu a passagem de uma certidão narrativa donde constasse que a sua constituinte era a cabeça-de-casal, não tendo sido impugnada a sua legitimidade, bem como identificação do inventariado, da requerente e seu mandatário, certidão essa que foi passada como requerido.
5. A fls. 292, por requerimento de 98.07.21, a cabeça-de-casal juntou procuração a mandatário forense.
6. Em 99.01.22, a cabeça-de-casal apresentou requerimento por si subscrito, sobre o qual recaiu o despacho de fls. 296, no sentido de o documento ser subscrito por mandatário, uma vez que se encontrava representada.
7. Em 99.12.30, a fls. 297 e ss., apresentou a cabeça-de-casal requerimento pedindo a constituição da propriedade horizontal relativamente a um prédio que integrava a herança, o qual foi indeferido por despacho de fls. 302, datado de 00.01.18.
8. Nesse mesmo despacho foi declarada interrompida a instância.
9. A fls. 304 e ss., em 02.06.20, apresentou a cabeça-de-casal requerimento pedindo a entrega de bens em poder de outros interessados, o qual foi indeferido por despacho de fls. 310, datado de 02.06.25.
10. Na sequência de não admissão do recurso interposto do despacho referido no artigo anterior, por despacho de fls. 316, datado de 02.10.21, foi apresentada reclamação, constante de fls. 323 e ss., tendo o recurso sido admitido por despacho de fls. 368, datado de 03.04.01, na sequência da decisão da reclamação pelo Sr. Presidente da Relação de Lisboa, a fls. 363 e ss..
11. O recurso foi julgado improcedente, por acórdão de fls. 408 e ss., datado de 04.07.01.
12. A fls. 426, por requerimento datado de 04.11.22, a inventariante e cabeça-de-casal requereu o prosseguimento do presente inventário, solicitando a notificação dos herdeiros de ………., interessado falecido na pendência do inventário, em 95.01.19.
12. A fls. 458 foi proferido despacho convidando a requerente a esclarecer a sua posição, uma vez que na prestação de contas apensa defendia que o inventário se encontrava deserto.
13. A cabeça-de-casal respondeu a fls. 466 e ss..

O Direito

Como já se referiu, está em causa saber se deve, ou não, ser julgada extinta, por deserção, a instância de inventário. Ora, vistos os elementos de facto acima enunciados, todos retirados do processo, julga-se ser seguro que não assiste razão à agravante, devendo antes ser confirmada a decisão recorrida, que julgou verificada a deserção.
Antes de mais, julga-se fundada a conclusão de que o processo de inventário aguardou, desde as últimas declarações da cabeça-de-casal, prestadas a 05-05-1995, o impulso processual dos interessados. A motivação objectiva dessa situação não transparece claramente dos autos, mas a realidade da mesma decorre incontornavelmente da evolução posterior do processo ou, mais exactamente, da falta dela.
Só isso poderia ter justificado, na perspectiva do tribunal, a remessa dos autos à conta nos termos do art.º 122.º do C.C.Judiciais, e, na perspectiva dos interessados, a aceitação dessa mesma conta e o pagamento das custas contadas e, sobretudo, a inexistência de qualquer requerimento posterior visando o prosseguimento do processo de inventário antes do que foi apresentado a 22-11-04, e que foi desatendido na decisão recorrida.
E essa falta de impulso processual é tanto mais significativa quanto decorre dos autos que foram, entretanto, apresentados diversos requerimentos, referidos nos pontos 4 a 7, 9 e 10 do elenco dos factos provados, sem que em qualquer deles tivesse sido requerido o prosseguimento do inventário, ou tivesse sido questionado o seu não prosseguimento.
Que assim é julga-se que também não suscita dúvidas. O conteúdo de tais requerimentos está sumariamente identificado nos referidos pontos de facto, parecendo-nos claro que nenhum deles, salvo o último, visava a prossecução dos fins próprios do processo de inventário, e que em nenhum deles era questionado o não prosseguimento desse processo de inventário. Aliás, e sintomaticamente, aquele em que foi pedida a constituição da propriedade horizontal em determinado prédio, e que poderia ser considerado o que mais se aproximava desse objectivo, foi indeferido exactamente por não estar enquadrado na perspectiva da efectivação da partilha, pois que o fim deste processo era a realização da partilha e não a constituição da propriedade horizontal em determinado prédio da herança.
E nesse mesmo despacho, datado de 18-01-00, foi anotado que o processo não estava em condições de prosseguir e foi declarada a interrupção da instância, o que, tudo, foi aceite pela ora agravante, não tendo sido esboçada qualquer reacção ao mesmo.
Deste modo, impõe-se a conclusão de que o processo não estava parado por omissão do tribunal, mas por omissão das partes, que, ao fazerem requerimentos que não visavam a realização dos actos próprios do processo de inventário, assumiam implicitamente o seu interesse no não prosseguimento da respectiva instância.
Assim sendo, aquele despacho de 18-01-00 era inteiramente fundado e, de resto, não foi oportunamente impugnado, não sendo agora questionável a consideração da data do mesmo como termo inicial do prazo de deserção da instância.
E, neste caso, o prazo aplicável era, efectivamente, o de dois anos, introduzido pela alteração feita ao art.º 291.º do CPC pelo DL 329-A/95 de 12-12, vista também a regra de direito transitório estabelecida no art.º 18.º do referido diploma.
Posto isto, nos termos do art.º 286.º do CPC, a interrupção da instância só cessaria pelo requerimento de qualquer acto de que dependesse o seu prosseguimento. E esse requerimento não surgiu em tempo.
Para este efeito, julga-se que em nada interessa a instauração da acção de prestação de contas, que constituía uma instância autónoma, ainda que processada na dependência do processo de inventário, prosseguindo fins próprios, sendo seguro que a tramitação do processo de inventário não depende dela minimamente.
O mesmo se diga do requerimento de entrega de bens feito no âmbito do inventário e de toda a discussão subsequente, a propósito do mesmo. Também aqui não estava, directa ou indirectamente em causa, a prossecução do objectivo prosseguido pelo processo de inventário, que é a realização da partilha.
Deste modo, quando apenas a 22-11-04 foi requerido o prosseguimento do inventário, aquele prazo de dois anos estava, havia muito, esgotado.
A idêntica conclusão se chegaria se se considerasse que os prazos de interrupção e de deserção da instância se deveriam contar a partir do último acto processual relevante praticado no processo, no caso, as últimas declarações da cabeça-de-casal prestadas a 05-05-1995. O prazo seria mais dilatado mas, continuando a não haver interrupção do mesmo, também se teria esgotado muito antes de ter sido requerido o prosseguimento do processo, tudo como se concluiu na decisão recorrida,.
Confirma-se, assim, que, quando a 22-11-2004 foi requerido o prosseguimento do processo de inventário, já a respectiva instância estava deserta, sendo fundada a decisão recorrida, que assim julgou.

Termos em que se nega provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela agravante

Lisboa, 15-03-2007


(Farinha Alves)
(Tibério Silva)
(Ezagüy Martins)