Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES | ||
| Descritores: | LIBERDADE DE EXPRESSÃO OFENSAS À HONRA OFENSA AO BOM NOME RESERVA DA VIDA PRIVADA FIGURA PÚBLICA DIREITO AO APAGAMENTO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/24/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I. Ainda que a recorrida não constitua um órgão de comunicação social, tal não impede a mesma, nem lhe retira qualquer legitimidade, para indexar conteúdos que contribuam para o exercício da liberdade de expressão e de informação por parte dos cidadãos. II. O direito ao apagamento, tal como se encontra previso no artº 17º do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), não é aplicável caso existam interesses legítimos que prevaleçam, designadamente o exercício da liberdade de expressão e de informação, podendo estar em causa tanto os interesses do responsável, como de terceiros. III. Para efetuar a ponderação entre o direito ao respeito pela vida privada e o direito à liberdade de expressão e de informação, deve ser tomado em consideração um determinado número de critérios pertinentes, como a contribuição para um debate de interesse geral, o grau de notoriedade da pessoa afetada, o objeto da reportagem, o comportamento anterior da pessoa em causa, o conteúdo, a forma e as consequências da publicação, o modo e as circunstâncias em que as informações foram obtidas, bem como a veracidade das mesmas. IV. Porém, quanto à veracidade ou não há que distinguir entre afirmações de facto e juízos de valor, pois embora a materialidade das primeiras se possa provar, os segundos não se prestam a uma demonstração da sua exatidão. V. Quando a pessoa visada desempenhe um papel na vida pública, essa pessoa deve demonstrar um grau de tolerância acrescido, dado que está inevitavelmente e com pleno conhecimento de causa exposta ao escrutínio público. VI. No caso, as expressões usadas pelo autor do blog não podem sequer considerar-se, objectivamente, ofensivas da honra e bom nome do Recorrente, pois que, de acordo com o sentimento da generalidade da comunidade, não é razoável considerar-se que estas, no contexto em que foram proferidas, mereçam qualquer juízo de censura, antes consistindo meras opiniões. (Sumário elaborado pela relatora) | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: J…, instaurou acção de tutela da personalidade, sob a forma de processo especial contra GOOGLE, INC., com o NIPC …, com sede … Estados Unidos da América, representada pela Google Portugal, com a denominação social de GGLE Portugal, Lda., NIPC …, com sede …, Lisboa, peticionado que, na procedência da acção, seja a Ré condenada a: A) Por quaisquer meios à sua disposição, de forma permanente, remova e/ou mantenha ocultos, os seguintes conteúdos e resultados de pesquisa: https:// ….blogspot.com…; B) Abster-se de indexar ou, por qualquer outra forma, visível ou acessível, ocultado e/ou apagado das listas de resultados, através de quaisquer meios à sua disposição, ocultando-os permanentemente, quaisquer resultados de pesquisa que associem o nome do Autor às palavras-chave ou termos: “…” e “…”; C) Praticar tais actos em prazo não inferior a 05 dias úteis; D) Requerendo-se a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, de valor não inferior a € 500,00 (quinhentos euros), por cada dia de atraso no cumprimento cabal do que vier a ser determinado em sentença. Alega, para tanto e em suma, que em Junho de 2022, o Autor tomou conhecimento de uma publicação no blogue com o endereço electrónico www….blogspot.com, datada de 19 de Setembro de 2021, com o título “…”, sendo que o teor da publicação, que transcreve, tem como objectivo imputar ao Autor actividades fraudulentas e assim prejudicar terceiros, fazendo passar a ideia de que um mesmo é um empresário fora da lei e sem ética comercial, bem como menosprezá-lo, assim difamando o seu bom nome, a honra, a dignidade, a credibilidade e a consideração social do Autor perante os credores e terceiros. Mais alega que a publicação teve como intenção transmitir que o Autor não é pessoa de bem, com ofensa do seu bom nome, para em prejuízo de credores, ficar sem dívidas, fazendo supor que o fez de forma ilícita, sendo que tais considerações e juízos de valor são gratuitas e depreciativas. Com a publicação do artigo no blog este pode ser visualizado online, a todo o tempo, podendo ser visto por um número incalculável de pessoas. Afirma que o motor de pesquisa do grupo Google, “Google Search”, funciona como um fornecedor de conteúdos, localizando a informação publicada ou inserida na Rede por terceiros, indexando-a automaticamente, armazenando-a e colocando à disposição dos internautas. Em face de tal, refere que o Autor requereu junto da Google Inc. e da GGLE Portugal, Lda. que o retirado o artigo, tendo esta último negado qualquer possibilidade de intervenção nesse sentido. Designada data para julgamento, foi igualmente determinada a citação da Requerida (referência 419191867), tendo a Google LLC, nessa sequência, vindo apresentar requerimento em 14.10.2022 (referência 33858920) no qual informa que tendo tomado conhecimento da acção vem recusar a citação, bem como arguir a nulidade da mesma. Afirma que teve conhecimento da acção através da GGLE Portugal, Lda., mas que a morada da citação não corresponde nem à morada da sede da Google LLC, nem da Google Inc., sendo que a primeira tem a sua sede nos Estados Unidos da América, e a segunda tinha a sua sede na mesma morada mas foi extinta em 2018; a morada para a qual foi remetida a citação corresponde à sede da GGLE Portugal, Lda., que, afirma, não detém quaisquer poderes de representação da Google Inc., ou da Google LLC., fazendo apenas parte do mesmo grupo mundial de sociedades da Google. Mais afirma que a citação foi efectuada em língua portuguesa em incumprimento do enunciado nos artigos 219º, nº 3, 239º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil e nos artigos 3º a 7º Convenção de Haia de 1965, relativa à Citação e Notificação no Estrangeiro dos Atos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial. Na conjugação dos aludidos argumentos afirma a recusa da citação. O Requerente, notificado para o efeito, veio pronunciar-se (referência 33938300) no sentido de ser indeferida a pretensão formulada, na medida em que entre a Google Inc. e a Google LLC ocorreu uma conversão, sem qualquer extinção da sociedade primitiva, mantendo aquela a ser representada pela GGLE Portugal, o que igualmente torna desnecessária qualquer tradução. Instruídos os autos com vista à prolação de decisão quanto à questão suscitada, por despacho de 27.02.2023 (referência 422343520) foi proferida decisão que entendeu como admissível a correcção da identificação da Requerida, que passou a constar como GOOGLE LLC, com domicílio nos Estados Unidos da América, …, e aceita notificações e citações na morada de …, USA. Entretanto, e após diligências tendentes à citação da Requerida, e tendo sido apresentada procuração com poderes especiais para o efeito, foi designada data para julgamento. A Requerida apresentou contestação (referência 36713129, de 04.08.2023), apresentando, desde logo, defesa por excepção, alegando existir: - erro na forma do processo, pois o que está em causa é uma situação de colisão de direitos, nos termos do artigo 355º, nº 1 do Código Civil, o que apenas pode ser feito em sede de processo declarativo comum não se coadunando com o regime e garantias processuais do presente procedimento; o processo especial escolhido pelo Requerente apenas se adequa às situações em que haja apenas a violação de um direito de personalidade sem haver necessidade de ponderar entre vários direitos fundamentais qual o direito que no caso concreto, que deverá prevalecer, o que se verifica no caso vertente. - ineptidão da petição inicial, pois o segundo pedido formulado não respeita as exigências do artigo 186º do Código de Processo Civil, já que a desindexação eventualmente possível ao abrigo do direito ao esquecimento, e desde que preenchidos determinados pressupostos, passa por desassociar o nome de alguém a um concreto resultado, a uma concreta página identificada por um URL9 específico, isto para que, quando alguém procure no motor de busca esse concreto nome, o resultado devolvido em resposta a essa busca, não seja aquele concreto conteúdo. Todavia, alega que não se retira do pedido do Requerente, quais são os concretos conteúdos que este pretende ver removidos, uma vez que este se limita a requerer, de forma genérica, que sejam removidos quaisquer resultados de pesquisa que associem o seu nome aos termos “…” e “…”, não cabendo à Requerida pesquisar, saber ou até mesmo aventar, quais os resultados de pesquisa que associam o nome do Requerente aos termos “...”e “…”, sendo o pedido formulado ininteligível e manifestamente genérico, pois não especifica endereços, conteúdos ou links concretos, limitando-se a requerer que o seu nome quando associado às palavras-chave ou termos “...”e “...”sejam “ocultados” da internet. E, - impossibilidade legal de remoção de conteúdos ou resultados, na medida em que a Ré não pode remover os referidos conteúdos, pois estes não foram por si elaborados ou editados, salvo se existir uma prévia ordem judicial para esse efeito com os fundamentos legais que justifiquem a remoção. Alega que o serviço Search mais não é do que um índice dos vários conteúdos disponibilizados na Internet, pelos vários utilizadores da mesma, ou seja, os conteúdos não deixam de estar disponíveis on-line, até porque não são da autoria, nem alojados pelo operador de motor de busca, simplesmente não são devolvidos enquanto resultados de uma pesquisa feita com base no nome do titular dos dados, mas tal é distinto do pedido formulado na presente acção, pois que é pedida a remoção permanentemente do motor de busca, bem como os respectivos conteúdos. Por outro lado, apresenta defesa por impugnação, referindo que o artigo em causa não contém qualquer facto ou conteúdo que seja passível de ser considerado ofensivo ou ilícito, sendo que, está em causa um artigo de opinião divulgado por terceiros estranhos à presente lide. Mais refere que a investigação jornalística da notícia que o artigo em causa teve como base, aparenta ter um mínimo de fundamento sendo indiscutível o seu interesse público, no âmbito do direito a informar daquela revista. Conclui, em face de tal, pela improcedência da acção. O Requerente apresentou resposta à matéria de excepção, alegando inexistir erro na forma de processo, na medida em que a acção intentada é uma acção repristinatória, sendo o pressuposto a ofensa ilícita e directa à personalidade já cometida, sendo a causa de pedir a titularidade do mesmo direito e a ilicitude da ofensa já cometida, inexistindo qualquer colisão de direitos com a liberdade de informação, porquanto o conteúdo publicado não tem como objectivo informar, nem sequer existe interesse público na publicação daquele conteúdo, não estando, assim, em causa qualquer violação do direito à liberdade de expressão e ao direito à informação, devendo, assim, prevalecer o direito à tutela da personalidade moral do Requerente. Igualmente refere inexistir qualquer ineptidão da petição, sendo que pela contestação apresentada pela Requerida é bastante evidente que compreenderam a pretensão do Requerente e as consequências jurídicas que dela se pretende retirar. De igual modo, quanto à excepção de impossibilidade legal dos pedidos, conclui no sentido da sua improcedência face, desde logo, à existência de decisões nesse sentido. Realizou-se a audiência de julgamento, tendo na sentença sido apreciadas as excepções deduzidas e julgou-se a acção improcedente, absolvendo a ré dos pedidos formulados. Inconformado veio o Autor recorrer formulando as seguintes conclusões: «I - O Tribunal a quo entendeu que o direito ao esquecimento não se aplica se o tratamento se mostra necessário ao exercício da liberdade de expressão e de informação e concluiu que, no caso em concreto, o conteúdo do blogue não primou pela cortesia, mas não ultrapassou o âmbito da critica, sendo que a critica é legítima por se tratar de uma pessoa com notoriedade pública. II - Em primeiro, o conteúdo do blogue não tem qualquer interesse informativo nem se consegue retirar qualquer interesse público legítimo que justifique tal conteúdo. III - É manifesto que o conteúdo do blogue prima pela violação dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. IV - Acresce ainda que se tratam de considerações acerca de publicações ocorridas há mais de 30 anos, não se enquadrando propriamente no conceito de “dever social de informar”, pela falta de actualidade, atendendo ao período de tempo já decorrido. V - O art.º 17.º, n.º 3 do RGDP, regula o direito ao apagamento em sentido lato, o qual está pensado, em primeira linha, como um meio de tutela contra os perigos do tratamento de dados na internet. VI - O direito ao apagamento não é aplicável apenas e caso existam interesses legítimos que prevaleçam, designadamente o exercício da liberdade de expressão e de informação (cfr. al. a), do n.º 3, do referido art.º 17.º). VII - A excepção não é de aplicação automática, exigindo-se uma ponderação entre os direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais e o direito à liberdade de informação e expressão. VIII - Com relevância para essa ponderação, dir-se-á que o Requerente não exerce quaisquer funções com exposição mediática ou que tenha algum papel decisório de carácter administrativo, político ou público. IX - Não está em causa uma actuação em local público, o que implicaria, eventualmente, a sujeição a maior exposição. X - A divulgação daquele conteúdo na internet não reveste qualquer interesse público actual e causa lesão grave aos direitos de personalidade do Requerente, como o seu bom nome, imagem e reputação pessoal e profissional, pelo que, em termos de juízo de proporcionalidade, tal divulgação afigura-se absolutamente desnecessária ao exercício da liberdade de informação. XI - O direito à informação constitucionalmente consagrado não é um direito absoluto, comportando limitações que devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, com respeito pelos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade, vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 394/93, publicado em DR, I Série, de 29.9.93. XII - No seu Acórdão n.º 67/99, de 3.2.99, o Tribunal Constitucional reiterou que « (…) a liberdade de expressão e a liberdade de informação – que, como a liberdade de imprensa, se encontram numa “relação intrinsecamente conflitual” com certos bens jurídicos pessoais (…) não podem deixar de conhecer restrições para tutela da inviolabilidade pessoal, e, em particular, de bens pessoais como a honra e intimidade da vida privada.» XIII - Impõe-se, assim, a combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros, ate porque, viola o principio da igualdade admitir que para certas pessoas, que por poderem ter mais notoriedade, sejam desprotegidas na sua esfera pessoal e considerar-se que há o direito a expô-las mais de forma pública. XIV - Tendo sido este o entendimento do Tribunal a quo. XV - Ao aceitar-se este entendimento está a admitir-se uma violação do princípio da igualdade, em que certas pessoas, pela sua notoriedade, ficam mais expostas e desprotegidas, porquanto se admite e se aceita que possam ser feitas publicações com teor mais permissivo e alargado, susceptível de violação dos seus direitos de personalidade. XVI - O Tribunal a quo entendeu estar apenas em causa uma critica social. XVII - Com o devido respeito quando é feita uma comparação entre o Requerente e J…, existe o objectivo de imputar ao Requerente actividades fraudulentas, com o intuito de prejudicar terceiros, querendo passar a ideia de ser o Requerente um empresário fora da lei e sem ética comercial. XVIII - A publicação do artigo teve como intenção descrever o Requerente como não sendo uma pessoa de bem, com ofensa do seu bom nome, fazendo passar a mensagem de praticou actos, de forma ilícita, com o intuito de ficar sem dívidas, com prejuízo para credores. XIX - Aliás, no processo de inquérito que está a correr os seus termos em que o Requerente é Arguido, nem sequer ainda foi proferida a acusação, nem sendo ainda previsível que venha a ocorrer. XX - No artigo publicado no blogue constam considerações e juízos de valor gratuitos, sem qualquer relevância no que respeita ao direito a informar, nem tampouco, com utilidade pública. XXI - O autor do blogue publicou o referido artigo na internet. XXII - Necessariamente tinha conhecimento que este artigo iria continuar a poder ser visualizado online, a todo o tempo e, poder, assim, ser visto por um número incalculável de pessoas. XXIII - O conteúdo do artigo publicado permanece disponível na internet, à mercê de ser reproduzido, comentado, reenviado e publicado em outras redes sociais, factos estes considerados como factos provados na sentença proferida pelo Tribunal a quo. XXIV - Deve prevalecer, assim, o direito ao esquecimento do Requerente, mediante a eliminação do conteúdo, e por estar em causa a defesa do direito à tutela da personalidade do Requerente, uma vez que fica afastada a violação do direito à liberdade de expressão e ao direito à informação, XXV - O direito que aqui se visa proteger é a honra, bem abrangido pela tutela geral da personalidade proclamada no art.º 70.º n.º 1 do Código Civil que preceitua: “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”. XXVI - O Tribunal a quo violou o art.º 17.º, n.º 3, do RGDP, ao entender que o Requerente não tem direito ao esquecimento por estar em causa o direito à liberdade de expressão e de informação, sendo que deveria ter aplicado esta norma no sentido de não se encontrar preenchida a excepção prevista na al. a) do n.º 3 deste artigo e o conteúdo do blogue ter ofendido os direitos de personalidade do Requerente. XXVII - O Tribunal a quo também violou os art.ºs 25.º e 26.º da CRP e 70.º do CC ao entender que o conteúdo do blogue não ofendeu a personalidade moral do Requerente, sendo que deveria ter aplicado estes artigos e decidido haver ofensa aos direitos de personalidade do Requerente.» A recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação e concluindo da seguinte forma: «A. O Recorrente, vem interpor recurso de Apelação, da sentença que julgou a presente acção totalmente improcedente, e em consequência absolveu a Recorrida do pedido formulado pelo Recorrente, condenando este último no pagamento integral das custas do processo. B. No entendimento do Recorrente o conteúdo do blogue não tem qualquer interesse informativo nem se retira qualquer interesse público legítimo, acrescentando que o mesmo lesa gravemente os seus direitos de personalidade, como o seu bom nome, imagem e reputação pessoal e profissional e, nestes termos, entende que o Tribunal a quo violou os artigos 25.º e 26.º da CRP e 70.º do C.C. C. Salvo o devido respeito, o entendimento do Recorrente não deverá merecer acolhimento, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida. D. A pretensão do Recorrente constitui uma restrição ilegítima, infundada e desproporcional à liberdade de expressão e à liberdade de informação. Mas mesmo que a sua pretensão fosse legítima – que não é – e estivesse, de facto, a ser postos em causa os seus direitos de personalidade, sempre haveria que ponderar a defesa do seu direito ou interesse com os direitos e interesses em causa do lado oposto: o direito de informar e ser informado, e o direito à liberdade de expressão de terceiros, ou seja, daqueles que escrevem publicações, artigos e emitem opiniões sobre determinadas matérias. E. É facto público e notório que o Recorrente é uma figura pública, empresário português, Presidente do Conselho de Administração da sociedade …, S.A., empresa do Grupo …. Tendo sido, recentemente, objecto de diversas notícias na sequência da sua detenção. F. A jurisprudência do TEDH tem vindo a referir que os limites da crítica são menos apertados no que se refere a sujeitos públicos ou a actuar no espaço público, como sucede in casu com o Recorrente. Este tem sido o entendimento do TEDH (a título de exemplo o caso Novaya Gazeta e Milashina c. Rússia e Morice v. França de 23/04/2015). G. Ora, o artigo de opinião em causa faz referência à atividade profissional do Recorrente e o mesmo tem como base uma notícia publicada na Revista “Sábado”, com o título “…”, a qual em suma, fazia referência a uma investigação sobre a fortuna e os negócios do Recorrente. Resulta da própria notícia que um dos ex-trabalhadores da … (empresa presidida pelo Recorrente) apresentou uma queixa-crime contra vários acionistas e administradores da …, entre os quais o Recorrente, por alegada burla qualificada, abuso de confiança, insolvência dolosa, favorecimento de credores, associação criminosa e administração danosa. H. Tal processo decorre actualmente no DIAP de Sintra e no âmbito do mesmo, o Recorrente depositou uma caução de 500 mil euros, estando actualmente proibido de assumir os cargos de administrador que detém nas 13 empresas do Grupo … bem como impedido por ordem judicial de sair do país e de contactar com os outros Arguidos. I. A 23.03.2023 o Recorrente foi constituído arguido por estar indiciado de ter alegadamente desviado cerca de 70 milhões de euros e, no momento em que foi detido, existir perigo de fuga para o Brasil, tendo sido emitido um comunicado por parte do Tribunal de Instrução Criminal de …. A publicitação do referido comunicado só releva que a investigação jornalística da notícia que o artigo em causa teve como base, aparenta ter um mínimo de fundamento sendo indiscutível o seu interesse público, no âmbito do direito a informar daquela revista. J. Os concretos contornos dos processos em que o Recorrente está envolvido justificam que se dê prevalência ao interesse na informação, bem como ao direito fundamental da liberdade de opinião e de expressão. K. A liberdade de expressão traduz-se num conceito amplo em que se incluem não apenas os juízos favoráveis, mas também negativos, designadamente as críticas. Conforme se afirma na decisão do TEDH, no caso … v. Portugal, em que refere que “aplica-se não só às «informações» ou «ideias» que sejam recebidas favoravelmente ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também às que ofendem, chocam ou perturbam”. L. Uma das manifestações da liberdade de expressão é precisamente o direito que cada pessoa tem de divulgar a opinião e de exercer o direito de crítica. M. A temática do conflito entre a liberdade de expressão e de opinião e o direito à honra e reputação tem sido frequentemente objeto de decisões por parte do TEDH, em que tem sido dado sistematicamente prevalência à primeira, frisando que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e vale não somente para as “informações” ou “ideias” favoráveis, inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ofendem, chocam ou inquietam (cfr. acórdão Urbino Rodrigues v. Portugal e ainda no caso “Sunday Times vs UK”). N. A linha inultrapassável na análise do conteúdo de um artigo versus os direitos de personalidade do visado radica no interesse público dos factos divulgados, já que este direito é amplamente acolhido nos arestos internacionais e na jurisprudência interna a par dos diversos instrumentos jurídicos existentes, que os defende mesmo em conflito com outros direitos fundamentais. O. No entendimento da Recorrida não existem quaisquer fundamentos sérios para que, no caso concreto, os direitos de personalidade do Recorrente, devam prevalecer sobre o direito de qualquer pessoa exprimir a sua opinião. As expressões utilizadas no blog em apreço, tratam-se de comentários com um teor crítico ao Recorrente enquanto profissional – administrador de empresas “…” – num espaço público, não se tratam de declarações de facto objectivas, mas precisamente de juízos de valor, subjetivos, que não contêm carácter ofensivo, pelo que não se podem caracterizar como verdadeiros ou falsos, variando consoante a opinião da pessoa que as emite. P. Efectuada a ponderação necessária e descrita, considera-se, atentos os motivos expostos que prevalece, no presente caso e nos seus circunstancialismos específicos a liberdade de expressão e de informação, face aos direitos invocados pelo Recorrente, pelo que, não se considerando os comentários realizados uma conduta ilícita. Q. Assim, deverá improceder o recurso do Recorrente, devendo manter-se a sentença recorrida. R. Alega ainda o Recorrente que o Tribunal a quo violou o artigo 17.º, n.º 3, do RGPD, “ao entender que o Requerente não tem direito ao esquecimento por estar em causa o direito à liberdade de expressão e de informação, sendo que deveria ter aplicado esta norma no sentido de não se encontrar preenchida a exceção prevista na al. a) do n.º 3 deste artigo e o conteúdo do blogue ter ofendido os direitos de personalidade do Requerente.” S. O direito ao esquecimento, previsto no artigo 17.º do RGPD não é de aplicação automática, podendo existir não só direitos conflituantes em relação aos quais poderá aquele ter de ceder, como também excepções legalmente previstas à aplicação deste direito. T. É notório o interesse público e a relevância da publicação nos autos em causa, estando, dentro das excepções do direito ao esquecimento, isto é, no exercício do direito à liberdade de expressão e de informação e por isso não se encontram reunidos os necessários pressupostos para cumprimento da eliminação de dados. U. O artigo em causa diz respeito à actividade profissional do Recorrente e sobre as suspeitas que incidiram de práticas menos lícitas, sendo certo que o Recorrente é alguém com qualificações e responsabilidades acrescidas de um meio de comunicação social, equiparado a uma figura pública. Não é um mero cidadão comum. V. Neste sentido veja-se o Acórdão Tietosuojavaltuutettu/Satakunnan Markkinapörssi Oy e Satamedia Oy, que se pronunciou no sentido de que “se, pelo contrário, se constata que o titular dos dados é uma figura pública, ou que a natureza da informação justifica a concessão ao grande público do acesso a essa informação, a ingerência nos direitos fundamentais à proteção de dados e à vida privada é justificada.” W. Acresce ainda que o TJUE, no Acórdão Costeja, declarou que os artigos 12.º, alínea b) e 14.º, alínea a) da Diretiva 95/46/CE (transpostos para os artigos 11.º, alínea d) e 12.º, alínea a) da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, Lei da proteção de dados pessoais) “devem ser interpretados no sentido de que, no âmbito da apreciação das condições de aplicação destas disposições, importa designadamente examinar se a pessoa em causa tem o direito de que a informação em questão sobre a sua pessoa deixe de ser associado ao seu nome através de uma lista de resultados exibida na sequência de uma pesquisa efectuada a partir do seu nome (...)”. X. É verdade que a Google não é um órgão de comunicação social, mas esse facto não a impede nem lhe retira qualquer legitimidade para indexar conteúdos que contribuam para o exercício da liberdade de expressão e de informação por parte dos cidadãos. Até porque tal liberdade não é um direito exclusivo dos órgãos de comunicação social, mas antes de todos os cidadãos, conferindo o poder de informar e de ser informado, independentemente da fonte dessa informação, bem como de publicar as suas opiniões nos seus meios de comunicação (v.g. redes sociais – onde se inclui o blog). Y. Conforme decidido pelo TJUE no processo Google Spain SL e Google Inc. v. Agencia Española de Protección de Datos (AEPD) e Mario Costeja González”»: “(…) esta actividade dos motores de busca constitui um papel decisivo para a difusão global dos referidos dados, na medida em que facilita que qualquer internauta aceda aos conteúdos, por via de uma busca feita pelo nome, incluindo os internautas que, se assim não fosse, não encontrariam a informação em causa”. Z. De facto, para o TJUE, motores de busca como o Google Search permitem realizar uma pesquisa por um nome de uma pessoa e obter informação, de forma mais ou menos completa e organizada, ferramenta esta que contribui para uma maior difusão da informação do que aquela que estaria na possibilidade dos editores. Para além disso, será de relembrar que o artigo e conteúdo disponibilizado diz respeito a factos relacionados com a actividade profissional ou vida pública do Recorrente. AA. Importa novamente mencionar que são vários os processos judiciais em que a sociedade da qual o Recorrente exerce funções de Presidente do Conselho de Administração se encontra envolvida, nomeadamente quanto ao Processo Especial de Revitalização e Processo de Insolvência da mesma. Ora, assim sendo, é manifesta e notória a necessidade da disponibilização do conteúdo aqui em causa que, desde já se diga, faz referência a factos da vida profissional do Recorrente, enquanto empresário e participante na vida pública e não constituem aspectos da sua vida privada ou que devam merecer particular recato - factos esses que permitem aos seus interessados, nomeadamente presentes e futuros parceiros comerciais, saberem a situação atual da sociedade e de quem a administra. BB. Pelo que, é notório o interesse público e a relevância da publicação nos autos em causa, estando, portanto, dentro das excepções do direito ao esquecimento, isto é, no exercício do direito à liberdade de expressão e de informação. CC. Com efeito, segundo o TEDH o “interesse público refere-se normalmente a questões que afetam o público de tal forma que este pode legitimamente interessar-se por elas, que atraem a sua atenção ou que lhe dizem respeito de forma significativa, especialmente na medida em que afetam o bem-estar dos cidadãos ou a vida da comunidade. É também o caso das questões suscetíveis de suscitar uma controvérsia considerável, que digam respeito a uma questão social importante ou que envolvam um problema que o público teria interesse em ser informado (Satakunnan Markkinapörssi Oy e Satamedia Oy c. Finlândia [GC], parágrafo 171)”. DD. Sendo que o TEDH reconhece esse interesse quando “a publicação diz respeito a informação sobre (…) processos penais em geral (Dupuis e outros v.. França, parágrafo 42; July e SARL Libération v. França, parágrafo 66; Mediengruppe Österreich GmbH v. Áustria, parágrafo 48), crimes cometidos (White v. Suécia, parágrafo 29; Egeland e Hanseid v. Noruega, parágrafo 58; Leempoel & S.A. ED. Ciné Revue v. Bélgica, parágrafo 72; Eerikäinen e outros v. Finlândia, parágrafo 59) (…)” (destaques nossos). EE. Tendo considerado, ainda, no Acórdão Verlagsgruppe News GmbH v. Áustria (n.º 2), parágrafo 36, que um homem de negócios era uma figura pública. FF. Pelo que, tendo em consideração o primado do direito da União Europeia e as decisões proferidas pelas suas instâncias, dúvidas não podem restar do lícito e justificado tratamento dos dados aqui em causa, no exercício do direito à liberdade de expressão e de informação, configurando tal direito uma exceção ao direito ao esquecimento do Recorrente, nos termos do Artigo 17.º, n.º 3, alínea a) do RGPD. GG. Nestes termos, o direito ao esquecimento não é aplicável aos presentes autos, porque não só são os dados actuais e têm manifesto interesse público, como estão também a ser tratados ao abrigo do exercício da liberdade de expressão e informação, que é uma das excepções previstas no artigo 17.º, n.º 3, alínea a) do RGPD para a não aplicação do direito ao esquecimento. HH. Por tudo o supra exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente.». Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir. * Questões a decidir: O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Importa assim, saber se, no caso concreto: - Ocorre a violação do art.º 17.º, n.º 3, do RGDP, por se entender que o Requerente não tem direito ao esquecimento por estar em causa o direito à liberdade de expressão e de informação, sendo que deveria ter sido aplicado esta norma no sentido de não se encontrar preenchida a excepção prevista na al. a) do n.º 3 deste artigo e o conteúdo do blogue ter ofendido os direitos de personalidade do Requerente; - Se a decisão violou os art.ºs 25.º e 26.º da CRP e 70.º do CC, desconsiderando os direitos de personalidade do Autor. * II. Fundamentação: No Tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes Factos: 1) Em Junho de 2022, o Autor tomou conhecimento de uma publicação no blogue com o endereço electrónico www….blogspot.com, datada de 19 de Setembro de 2021, com o título “…”, acessível no link https://....blogspot.com/..., conforme Doc. 1 junto com o requerimento inicial e que se dá aqui por integralmente reproduzido. 2) A publicação referida em 1), tem o seguinte teor: … 3) As fotografias identificadas em 2) permitiam, clicando nas mesmas, visualizar os artigos / capas respectivas e a sua leitura. 4) O autor do blogue referido publicou o referido artigo, na internet, 5) O qual continua a poder ser visualizado online, a todo o tempo, 6) E, pode, assim, ser visto por um número incalculável de pessoas, podendo ser reproduzido, comentado, reenviado e publicado em outras redes sociais. 7) O motor de pesquisa do grupo Google, “Google Search”, funciona como um fornecedor de conteúdos, localizando a informação publicada ou inserida na Rede por terceiros, 8) Indexando-a automaticamente, armazenando-a e colocando à disposição dos internautas. 9) A 04 de Julho de 2022, foi solicitado junto da Google Inc. que o conteúdo fosse removido, nos termos constantes do Doc. 2 junto com o requerimento inicial que se dá por integralmente reproduzido. 10) A 26 de Julho de 2022, foi enviada carta à GGLE Portugal, Lda., a solicitar que fosse retirado o artigo publicado no identificado blogue, nos termos constantes do Doc. 3 junto com o requerimento inicial que se dá por integralmente reproduzido. 11) Por carta datada de 01 de Agosto de 2022, a R. GGLE Portugal Lda. respondeu, afirmando que não é parte, nem intervém na prestação dos serviços fornecidos pela Google, pelo que não tem a possibilidade de alterar a forma como os mesmos são disponibilizados, nem a possibilidade de retirar ou bloquear conteúdos acessíveis através dos mesmos, nos termos constantes do Doc. 4 junto com o requerimento inicial que se dá por integralmente reproduzido. 12) Com o conteúdo da publicação referida em 2), o Requerente ficou amargurado e revoltado. 13) A Revista “…” publicou, em …, o artigo com o título “…”, a que se faz referência em 2), o qual tem o seguinte teor: (…) 14) A .., o Tribunal de Instrução Criminal de Sintra, proferiu o seguinte comunicado, através do site do Conselho Superior da Magistratura: Tendo em consideração o interesse mediático do caso em particular e ponderando sempre a publicidade já amplamente divulgada da identidade dos arguidos presentes a este Tribunal de Instrução Criminal, não obstante a sempre devida reserva da intimidade dos envolvidos, entendo dever tornar públicas as medidas de coação aplicadas findo o interrogatório dos arguidos presentes a este JIC no âmbito do processo que ficou conhecido como “…”: Por considerar não se verificarem os pressupostos a que alude o disposto no art.º 204º, do CPP, relativamente ao arguido JG…, não foram aplicadas medidas de coação adicionais ao termo de identidade e residência já prestado por este arguido. Quanto aos demais: 1) Porque verificados os perigos de fuga, perigo para a aquisição e conservação da prova e perigo de continuação da actividade criminosa, o arguido J…, passará a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito obrigação de prestar uma caução no valor de €500.000 (quinhentos mil euros), por depósito à ordem dos presentes autos, cumulada com: – Proibição de se ausentar para o estrangeiro e obrigação de entregar o respectivo passaporte que ficará à guarda dos presentes autos, comunicando-se aos serviços competentes a interdição de emissão de novo passaporte assim como ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras o teor da presente decisão; – Suspensão do exercício de qualquer função ou atividade no Grupo …; – Proibição de contactar, por qualquer meio ou por interposta pessoa, os demais co-arguidos (com exceção da comunicação entre este arguido J… e M…, JG…, C… e A… uma vez que a relação familiar próxima tornaria de difícil execução ou efectivo controlo de uma tal proibição); – Proibição de contactarem, por qualquer meio ou por interposta pessoa, as técnicas de contabilidade da N… e as testemunhas indicadas na prova identificada no despacho de apresentação. Tudo nos termos dos artigos 192.º, n.º2, 193.º, n.º1, 196.º, 197.º, 199º, nº 1, al. a), 200.º, n.º1, al. b) e n.º 3, 200.º, n.º1, al. d) e 204.º, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal. 2. O arguido N…, continuará a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a proibição de contactar, por qualquer meio ou por interposta pessoa, os demais co-arguidos; proibição de contactar, por qualquer meio ou por interposta pessoa, as técnicas de contabilidade da N…, as testemunhas indicadas na prova; suspensão do exercício de qualquer função ou atividade no Grupo …. Tudo nos termos dos artigos 192.º, n.º 2, 193.º, n.º1, 196.º, 199.º, n.º1, al. a), 200.º, n.º1, al. b) e n.º 3, 200.º, n.º1, al. d) e 204.º, alíneas a b) e c), todos do Código de Processo Penal. 3. O arguido J… passará a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a proibição de contactar, por qualquer meio ou por interposta pessoa, os demais co-arguidos já constituídos; Proibição de contactar, por qualquer meio ou por interposta pessoa, as técnicas de contabilidade da N…, as testemunhas indicadas no despacho de apresentação e ali melhor identificadas; – Suspensão do exercício de qualquer atividade relacionada com o Grupo …; Tudo nos termos dos artigos 192.º, n.º2, 193.º, n.º1, 196.º, 199.º, n.º1, al. a), 200.º, n.º1, al. b) n.º 3, 200.º, n.º1, al. d) e 204.º, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal. * III. O Direito: O presente recurso e a inconformidade do recorrente quanto à sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na acção de tutela da personalidade, tem como fundamento essencialmente duas questões. A primeira, a consideração que, ao contrário do contido na decisão proferida pelo Juiz a quo, o recorrente tem direito ao esqueciemnto, não sendo aplicável a excepção prevista no artº 17º nº 3 do RGPD. A segunda, que a divulgação ou o conteúdo do blog, quanto ao recorrente, viola manifestamente os direitos de personalidade do memso, direitos esses protegidos constitucionalmente, pelo que passíveis de protecção com base nas normas adjectivas convocadas nesta acção especial prevista nos artº 878º e ss do Código de Processo Civil, agasalhadas pelas normas que protegem os direitos de personalidade do Autor. A sentença sob recurso principia por analisar os requisitos e âmbito da acção da tutela da personalidade, expondo que: «Rui Pinto e Saulo Chanoca, ob. cit, página 53, referem que o processo especial de tutela da personalidade é, antes de mais, uma acção declarativa, nos termos do artigo 10º, n.os 2 e 3, na medida em que o autor deduz um pedido de decretamento de uma providência por meio de sentença (cf. artigo 879.º, n.º 3 in fine), por regra, carente de execução. Trata-se, aparentemente, de uma acção declarativa de pedido atípico porquanto a lei, no artigo 878.º, não limita o pedido a condenação, simples apreciação ou constitutivo, mas antes o abre a quaisquer “providências concretamente adequadas” a “evitar a consumação de qualquer ameaça ilícita e direta à personalidade física ou moral de ser humano", ou a “atenuar, ou a fazer cessar, os efeitos de ofensa já cometida”. No plano da função, as primeiras cumprem uma função preventiva, de cariz inibitório da realização da ofensa; as segundas, uma função repressiva de cariz repristinatório do estado anterior à ofensa. Em termos simples: a ação de tutela da personalidade é, consoante o pedido, uma acção inibitória e uma acção repristinatória, prosseguindo com a afirmação que, em comum exige-se a ilicitude da atuação do réu, ameaçada ou consumada. Há a considerar com preponderância no caso vertente que o pedido repristinatório tem por causa de pedir um facto de aquisição da titularidade de um direito de personalidade, física ou moral; uma ofensa, consumada ou em execução, àquele direito de personalidade. Prosseguem os mesmos autores afirmando (página 56) que, em comparação com o anterior artigo 1474.°, consagra-se agora uma tutela genérica e ampla dos direitos de personalidade, física ou moral. Concretizando, a ação para tutela da personalidade tem um âmbito específico de aplicação em razão da matéria: os direitos que tenham por bem jurídico a «personalidade física ou moral de ser humano» (artigo 878.°). Estamos, pois, perante o correlato processual do artigo 70.º do Código Civil, seja no seu objeto, seja nas providências. Este garante que a «lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral» podendo «a pessoa ameaçada ou ofendida [...] requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida». (…) Os casos que mais frequentemente se debatiam nos tribunais, no contexto da pretérita ação para a tutela da personalidade, do nome e da correspondência confidencial e que hoje se debatem em sede da atual ação especial para a tutela da personalidade, reportam-se a situações de conflito de direitos entre as partes. Com efeito, as novas tecnologias da informação e da comunicação permitiram unir o mundo e pensar os problemas à escala global. As distâncias entre os continentes esbateram-se e qualquer notícia, qualquer imagem sensacionalista corre o mundo em poucos minutos. Ao mesmo tempo, os novos meios de comunicação vêm potenciar inúmeros ataques à personalidade humana, em diferentes frentes e, agora, com o impacto de estarmos perante violações com repercussões planetárias. Um artigo difamatório já não é publicado no jornal local ou regional mas num blog ou numa página de uma rede social lida nas quatro partidas do mundo. No mundo ocidental, em que uma boa parte da população transporta consigo, na palma da mão e num mesmo dispositivo, não só uma câmara de fotografar e de filmar mas também um computador pessoal, um telefone e um transmissor de dados e imagens conectado, em tempo real, com todos os demais aparelhos similares, é fácil de perceber os novos desafios que o direito enfrenta ao nível da tutela da vida privada, da imagem, da honra, da integridade moral (A tutela geral e especial da personalidade humana, 2017, Coleção Formação Contínua, do Centro de Estudos Judiciais, acessível no site, pág. 27). Com a alteração legislativa operada em 2013, a tutela da personalidade humana visou permitir um exercício legítimo de direito de personalidade face a qualquer tipo de ameaças, restrições, lesões, violações provenientes de acção ou de omissão (cf. João Paulo Remédio Marques, Alguns Aspectos Processuais da tutela da personalidade Humana no novo Código de Processo Civil de 2013, Cadernos do CEJ), como concretização do imperativa constitucional enunciado no artigo 20º, n.º 5, da Lei Fundamental.». Com efeito, o artº 878º do Código de Processo Civil tem um âmbito de aplicação genérico, visando concretizar a tutela da personalidade e dar execução ao disposto no artº 70º nº 2 do CC e “abarca tanto conflitos de direitos de personalidade como os qwue decorrertm entre os direitos de personalidade e direitos de outra natureza. Como se alude no preâmbulo da exposição de motivos da proposta de lei nº 113/XII, o que esteve na base de tal alteração é que se trata de “um procedimento urgente, autónomo e autossuficiente, destinado a possibilitar a obtenção de uma decisão particularmente célere, em tempo útil, e que assegure a tutela efectiva do direito fundamental de personalidade dos entes singulares”. Aqui chegados e considerando que o recorrente, quanto aos fundamentos do seu recurso, começa por afastar a aplicação do artº 17º nº 3 do Regulamento UE 2016/679, de 27 de abril de 2016 (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, doravante Regulamento, ou RGPD), haverá que considerar, primeiramente, se a sentença analisou incorrectamente tal questão. Com efeito, o recorrente entende que o Tribunal a quo analisou incorrectamente a não aplicação do direito ao esquecimento, argumentando que o conteúdo do blogue não tem qualquer interesse informativo nem se consegue retirar qualquer interesse público legítimo que justifique tal conteúdo. Também defende que o conteúdo do blogue prima pela violação dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, tecendo considerações acerca de publicações ocorridas há mais de 30 anos, não se enquadrando propriamente no conceito de “dever social de informar”, pela falta de actualidade, atendendo ao período de tempo já decorrido. Agasalha ainda o recurso na circunstância de não exercer quaisquer funções com exposição mediática ou que tenham algum papel decisório de carácter administrativo, político ou público, nem está em causa uma actuação em local público. A recorrida, ao invés, na defesa da decisão, argumenta, desde logo, com a circunstância de ser facto público e notório que o Recorrente é uma figura pública, empresário português, Presidente do Conselho de Administração da sociedade …, S.A., empresa do Grupo … responsável por editar diversas publicações periódicas reconhecidas internacionalmente, designadamente, as revistas …. Tendo sido, recentemente, objecto de diversas notícias na sequência da sua detenção. No mais, entende que são notórios o interesse público e a relevância da publicação nos autos em causa, estando, dentro das excepções do direito ao esquecimento, isto é, no exercício do direito à liberdade de expressão e de informação e por isso não se encontram reunidos os necessários pressupostos para cumprimento da eliminação de dados. Discorrendo quer sobre tal excepção, bem como sobre as decisões proferidas pelo TJUE sobre tal questão. Analisando esta primeira questão. O Regulamento a que se vem fazendo referência estabelece as regras relativas à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e tem por objetivo defender os direitos e as liberdades fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente o seu direito à proteção dos dados pessoais (artº 1º, nºs 1 e 2). Nos termos do artº 4º do Regulamento entende-se por: “1) «Dados pessoais», informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular; 2) «Tratamento», uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais ou sobre conjuntos de dados pessoais, por meios automatizados ou não automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a comparação ou interconexão, a limitação, o apagamento ou a destruição;(…) 7) «Responsável pelo tratamento», a pessoa singular ou coletiva, a autoridade pública, a agência ou outro organismo que, individualmente ou em conjunto com outras, determina as finalidades e os meios de tratamento de dados pessoais; sempre que as finalidades e os meios desse tratamento sejam determinados pelo direito da União ou de um Estado-Membro, o responsável pelo tratamento ou os critérios específicos aplicáveis à sua nomeação podem ser previstos pelo direito da União ou de um Estado-Membro”. Nos termos do mesmo regulamento importa aferir o que dispõe o artº 6º, na parte relevante, ao aludir que:“1. O tratamento só é lícito se e na medida em que se verifique pelo menos uma das seguintes situações: (…) e) O tratamento for necessário ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento; f) O tratamento for necessário para efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros, exceto se prevalecerem os interesses ou direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais, em especial se o titular for uma criança. (…) 4. Quando o tratamento para fins que não sejam aqueles para os quais os dados pessoais foram recolhidos não for realizado com base no consentimento do titular dos dados ou em disposições do direito da União ou dos Estados-Membros que constituam uma medida necessária e proporcionada numa sociedade democrática para salvaguardar os objetivos referidos no artigo 23.º, n.º 1, o responsável pelo tratamento, a fim de verificar se o tratamento para outros fins é compatível com a finalidade para a qual os dados pessoais foram inicialmente recolhidos, tem nomeadamente em conta: a) Qualquer ligação entre a finalidade para a qual os dados pessoais foram recolhidos e a finalidade do tratamento posterior; b) O contexto em que os dados pessoais foram recolhidos, em particular no que respeita à relação entre os titulares dos dados e o responsável pelo seu tratamento; c) A natureza dos dados pessoais, em especial se as categorias especiais de dados pessoais forem tratadas nos termos do artigo 9.º, ou se os dados pessoais relacionados com condenações penais e infrações forem tratados nos termos do artigo 10.º; d) As eventuais consequências do tratamento posterior pretendido para os titulares dos dados; e) A existência de salvaguardas adequadas, que podem ser a cifragem ou a pseudonimização.” Por outro lado, nos termos do artº 85º do Regulamento: “1. Os Estados-Membros conciliam por lei o direito à proteção de dados pessoais nos termos do presente regulamento com o direito à liberdade de expressão e de informação, incluindo o tratamento para fins jornalísticos e para fins de expressão académica, artística ou literária. 2. Para o tratamento efetuado para fins jornalísticos ou para fins de expressão académica, artística ou literária, os Estados-Membros estabelecem isenções ou derrogações do capítulo II (princípios), do capítulo III (direitos do titular dos dados), do capítulo IV (responsável pelo tratamento e subcontratante), do capítulo V (transferência de dados pessoais para países terceiros e organizações internacionais), do capítulo VI (autoridades de controlo independentes), do capítulo VII (cooperação e coerência) e do capítulo IX (situações específicas de tratamento de dados) se tais isenções ou derrogações forem necessárias para conciliar o direito à proteção de dados pessoais com a liberdade de expressão e de informação.” Nesta base, estabelece o artº 24º da Lei nº 58/2019, de 8 de agosto (Lei da Proteção de Dados Pessoais) que: “1 - A proteção de dados pessoais, nos termos do RGPD e da presente lei, não prejudica o exercício da liberdade de expressão, informação e imprensa, incluindo o tratamento de dados para fins jornalísticos e para fins de expressão académica, artística ou literária. 2 - O exercício da liberdade de informação, especialmente quando revele dados pessoais previstos no n.º 1 do artigo 9.º do RGPD e no artigo 17.º da presente lei, deve respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição da República Portuguesa, bem como os direitos de personalidade nela e na legislação nacional consagrados. 3 - O tratamento para fins jornalísticos deve respeitar a legislação nacional sobre acesso e exercício da profissão. 4 - O exercício da liberdade de expressão não legitima a divulgação de dados pessoais como moradas e contactos, à exceção daqueles que sejam de conhecimento generalizado.”. A par de tais disposições relevantes para a apreciação do litígio a nível recursório, dispõe especificamente o artigo 17º do Regulamento sob o tema - Direito ao apagamento dos dados (direito a ser esquecido)- que: “1. O titular tem o direito de obter do responsável pelo tratamento o apagamento dos seus dados pessoais, sem demora injustificada, e este tem a obrigação de apagar os dados pessoais, sem demora injustificada, quando se aplique um dos seguintes motivos: a) Os dados pessoais deixaram de ser necessários para a finalidade que motivou a sua recolha ou tratamento; b) O titular retira o consentimento em que se baseia o tratamento dos dados nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea a), ou do artigo 9.º, n.º 2, alínea a) e se não existir outro fundamento jurídico para o referido tratamento; c) O titular opõe-se ao tratamento nos termos do artigo 21.º, n.º 1, e não existem interesses legítimos prevalecentes que justifiquem o tratamento, ou o titular opõe-se ao tratamento nos termos do artigo 21º, n.º 2; d) Os dados pessoais foram tratados ilicitamente; e) Os dados pessoais têm de ser apagados para o cumprimento de uma obrigação jurídica decorrente do direito da União ou de um Estado-Membro a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito; f) Os dados pessoais foram recolhidos no contexto da oferta de serviços da sociedade da informação referida no artigo 8.º, n.º 1. 2. Quando o responsável pelo tratamento tiver tornado públicos os dados pessoais e for obrigado a apagá-los nos termos do n.º 1, toma as medidas que forem razoáveis, incluindo de caráter técnico, tendo em consideração a tecnologia disponível e os custos da sua aplicação, para informar os responsáveis pelo tratamento efetivo dos dados pessoais de que o titular dos dados lhes solicitou o apagamento das ligações para esses dados pessoais, bem como das cópias ou reproduções dos mesmos.”. Quanto às excepções consagra-se no nº 3 de tal preceito que:” Os n.ºs 1 e 2 não se aplicam na medida em que o tratamento se revele necessário: a) Ao exercício da liberdade de expressão e de informação; b) Ao cumprimento de uma obrigação legal que exija o tratamento prevista pelo direito da União ou de um Estado- -Membro a que o responsável esteja sujeito, ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que esteja investido o responsável pelo tratamento; c) Por motivos de interesse público no domínio da saúde pública, nos termos do artigo 9., n.o 2, alíneas h) e i), bem como do artigo 9.º, n.º 3; d) Para fins de arquivo de interesse público, para fins de investigação científica ou histórica ou para fins estatísticos, nos termos do artigo 89.º, n.o 1, na medida em que o direito referido no n.o 1 seja suscetível de tornar impossível ou prejudicar gravemente a obtenção dos objetivos desse tratamento; ou e) Para efeitos de declaração, exercício ou defesa de um direito num processo judicial.” Como bem alude Barreto Menezes Cordeiro ( (coord.) in Comentário ao Regulamento Geral de Protecção de Dados e à Lei nº 58/2019, Almedina, 2022, p. 190; cf. também § 96 do caso Google Spain SL e Google Inc): “Este preceito regula o direito ao apagamento em sentido lato, o qual engloba o direito ao apagamento em sentido estrito (nº1) e o direito ao esquecimento previsto no nº 2. Este Artigo 17º dirige-se a todos os responsáveis que procedam ao tratamento de dados pessoais, apesar de o direito ao apagamento em sentido lato estar pensado, em primeira linha, como um meio de tutela contra os perigos do tratamento de dados na internet. Nos termos do nº1, o titular tem direito a que sejam apagados os seus dados, invocando um dos motivos enunciados nas als. a) a f), sendo que «A questão de se saber se o tratamento gera danos, reais ou potenciais, é totalmente irrelevante no direito ao apagamento». Logo, no que tange ao tratamento necessário à prossecução de interesses legítimos, o direito ao apagamento não é aplicável caso existam interesses legítimos que prevaleçam, designadamente o exercício da liberdade de expressão e de informação (al. a), do nº3). «Estarão aqui em causa tanto os interesses do responsável, como de terceiros. Terceiros serão todos aqueles cujo exercício da liberdade de expressão e de informação se revele importante, tenha este um cariz profissional ou privado (neste último caso, p. ex., utilizadores de redes sociais).» (cf. Barreto Menezes Cordeiro, Op. Cit., p. 195 e ainda Ac. RL de 02/05/2023, proc. nº 12234/21.0T8LSB.L1-7, in www.dgsi.pt). Sobre tal questão, haverá que trazer à colação o decidido no Acórdão desta Relação, de 18/04/2024 ( proc. nº 28507/23.4 T8LSB.L1-8, in www.dgsi.pt): “Importa determinar se está afastada a aplicação dos nºs 1 e 2 deste preceito em virtude da exceção mencionada na al. a) do nº 3. A exceção tem como pressuposto que o tratamento dos dados pessoais se revele necessário ao exercício da liberdade de expressão e de informação. Ou seja, a exceção não é de aplicação automática, exigindo-se uma “ponderação entre, por um lado, os direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais, consagrados pelos artigos 7º e 8º da Carta, e, por outro, o direito fundamental à liberdade de informação, garantido pelo artigo 11º da Carta.” (ponto 69 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 24/09/2019, C-136/17). No acórdão de 08/12/2022, processo nº C-460/20, o Tribunal de Justiça esclareceu que: “58 O RGPD, nomeadamente o seu artigo 17.º , n.º 3, alínea a), consagra assim expressamente a exigência de uma ponderação entre, por um lado, os direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais, consagrados nos artigos 7.º e 8.º da Carta, e, por outro, o direito fundamental à liberdade de informação, garantido no artigo 11.º da Carta [Acórdão de 24 de setembro de 2019, GC e o. (Supressão de referências a dados sensíveis), C-136/17, EU:C:2019:773, n.º 59]. 59 Há que acrescentar que o artigo 7.º da Carta, relativo ao direito ao respeito pela vida privada e familiar, consagra direitos correspondentes aos garantidos no artigo 8.º , n.º 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), e que a proteção dos dados pessoais desempenha um papel fundamental no exercício do direito ao respeito pela vida privada e familiar consagrado no artigo 8.º da CEDH (TEDH, 27 de junho de 2017, Satakunnan Markkinapörssi oy e satamedia oy c. Finlândia, CE:ECHR:2017:0627JUD000093113, § 137). Por conseguinte, em conformidade com o artigo 52.º , n.º 3, da Carta, há que dar ao referido artigo 7.º o mesmo sentido e o mesmo alcance que o sentido e o alcance conferidos ao artigo 8.º , n.º 1, da CEDH, conforme interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. O mesmo é aplicável em relação ao artigo 11.º da Carta e ao artigo 10.º da CEDH (v., neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Buivids, C-345/17, EU:C:2019:122, n.º 65 e jurisprudência referida). 60 Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que, no que respeita à publicação de dados, para efetuar a ponderação entre o direito ao respeito pela vida privada e o direito à liberdade de expressão e de informação, deve ser tomado em consideração um determinado número de critérios pertinentes, como a contribuição para um debate de interesse geral, o grau de notoriedade da pessoa afetada, o objeto da reportagem, o comportamento anterior da pessoa em causa, o conteúdo, a forma e as consequências da publicação, o modo e as circunstâncias em que as informações foram obtidas, bem como a veracidade das mesmas (v., neste sentido, TEDH, 27 de junho de 2017, Satakunnan Markkinapörssi Oy e Satamedia Oy c. Finlândia, CE:ECHR:2017:0627JUD000093113, § 165). 61 A este respeito, importa salientar, antes de mais, que, embora, regra geral, os direitos da pessoa em causa protegidos pelos artigos 7º e 8º da Carta prevaleçam sobre o interesse legítimo dos internautas potencialmente interessados em aceder à informação em questão, este equilíbrio pode, todavia, depender das circunstâncias pertinentes de cada caso, nomeadamente da natureza dessa informação e da sua sensibilidade para a vida privada da pessoa em causa, bem como do interesse do público em dispor da referida informação, o qual pode variar, designadamente, em função do papel desempenhado por essa pessoa na vida pública [Acórdãos de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google, C-131/12, EU:C:2014:317, nº 81, e de 24 de setembro de 2019, GC e o. (Supressão de referências a dados sensíveis), C-136/17, EU:C:2019:773, nº 66]. 63 Em especial, quando a pessoa em causa desempenha um papel na vida pública, essa pessoa deve demonstrar um grau de tolerância acrescido, dado que está inevitavelmente e com pleno conhecimento de causa exposta ao escrutínio público (v., neste sentido, TEDH, 6 de outubro de 2022, Khural e Zeynalov c. Azerbaijão, CE:ECHR:2022:1006JUD005506911, § 41 e jurisprudência referida). 64 A questão do caráter exato ou não do conteúdo apresentado constitui igualmente um elemento pertinente no âmbito da apreciação das condições de aplicação previstas no artigo 17º, nº 3, alínea a), do RGPD, a fim de apreciar se o direito à informação dos internautas e a liberdade de expressão do fornecedor de conteúdos podem prevalecer sobre os direitos do requerente de supressão de referências. 65 A este respeito, e como salientou, em substância, o advogado-geral no nº 30 das suas conclusões, embora, em certas circunstâncias, o direito à liberdade de expressão e de informação possa prevalecer sobre os direitos à proteção da vida privada e à proteção dos dados pessoais, nomeadamente quando a pessoa em causa desempenha um papel na vida pública, essa relação inverte-se, em todo o caso, quando pelo menos uma parte das informações mencionadas no pedido de supressão de referências, que não apresentam um caráter menor relativamente à totalidade conteúdo, se revele inexata. Com efeito, nessa hipótese, o direito de informar e o direito de ser informado não podem ser tidos em conta, uma vez que não podem incluir o direito de difundir e de aceder a tais informações. 66 Importa acrescentar que, embora a questão de saber se as afirmações que figuram no conteúdo apresentado são ou não exatas é pertinente para a aplicação do artigo 17º, nº 3, alínea a), do RGPD, há que distinguir entre afirmações de facto e juízos de valor. Com efeito, embora a materialidade das primeiras se possa provar, os segundos não se prestam a uma demonstração da sua exatidão (v., neste sentido, TEDH, 23 de abril de 2015, Morice c. França, CE:ECHR:2015:0423JUD002936910, § 126).”». A par da subjectividade que o recorrente afirma existir no sentido de afastar tal excepção, dizendo não exercer quaisquer funções com exposição mediática ou que tenha algum papel decisório de carácter administrativo, político ou público, nem está em causa uma actuação em local público, defende ainda que as publicações divulgadas no blog em causa ocorreram há mais de 30 anos, não se enquadrando propriamente no conceito de “dever social de informar”, pela falta de actualidade, atendendo ao período de tempo já decorrido. Manifestamente não lhe assiste razão, pois o recorrente é uma figura pública, empresário português, Presidente do Conselho de Administração da sociedade …, S.A., empresa do Grupo … responsável por editar diversas publicações periódicas reconhecidas internacionalmente, designadamente, …. Tendo sido, recentemente, objecto de diversas notícias na sequência da sua detenção, tal como resulta dos factos. Por outro lado, a convocação no blog de publicações de há 30 anos atrás prende-se com a circunstancia de a revista em causa festejar tal aniversário, e pretendeu-se com essa publicação indicar a intervenção do recorrente nessa mesma revista no período de vida da publicação, pelo que não existe a ausência de actualidade em tal divulgação, dado que apenas se fez alusão ao percurso do recorrente no âmbito da direcção ou edição de tal revista. Somos assim, em corroborar a bem fundamentada sentença recorrida que na invocação do previsto quanto ao direito ao esquecimento, expõe que: “Neste âmbito, e em correlação com a situação vertida nos presentes autos, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias pronunciou-se favoravelmente no sentido do reconhecimento de um direito ao esquecimento em determinadas circunstâncias, perante os motores de busca na internet [caso Google Spain SL, Google Inc. v Agencia Española de Protección de Datos, Mario Costeja González (Processo C- 131/12, de 13.04.2014), e GC e o. contra Commission nationale de l'informatique et des libertés (CNIL) (Processo C-136/17, de 24.09.2019), acessíveis em http://curia.europa.eu), referindo-se neste último que o operador de um motor de busca não é responsável pelo facto de dados pessoais visados pelas referidas disposições figurarem numa página web publicada por um terceiro, sendo responsável pelas referências a dados pessoais dessa página e, mais especificamente, pela exibição da hiperligação que conduz a essa página na lista de resultados que é exibida aos internautas após a realização de uma pesquisa efetuada a partir do nome de uma pessoa singular, podendo tal exibição da hiperligação em questão numa lista afetar significativamente os direitos fundamentais da pessoa em causa ao respeito pela sua vida privada e à proteção dos seus dados pessoais, assim definindo a dimensão da responsabilidade putativa da aqui Ré, na medida em que determina que os operadores dos motores sujeitos ao Regulamento Geral de Protecção de Dados - Regulamento(UE) n.º 679/2016, de 27 de Abril. Temos assim que a actividade dos motores de busca pode ser qualificada de tratamento de dados pessoais na acepção do artigo 4º, ponto 1), do RGPD quando essas informações contenham dados pessoais, e de que, por outro, o operador desse motor de busca deve ser considerado «responsável» pelo referido tratamento, na acepção do artigo 4º, ponto 7), quanto à indexação automática, ao armazenamento temporário e colocação à disposição dos internautas. Todavia, nos termos do artigo 17º, n.º 3, do RGPD, o “direito ao apagamento de dados” não se aplica se o tratamento se mostrar necessário ao exercício da liberdade de expressão e informação [alínea a)], exigindo a ponderação entre os direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais, consagrados pelos artigos 7º e 8º da Carta dos Direitos Fundamentais, e, por outro, o direito fundamental à liberdade de expressão, garantido pelo artigo 11º da Carta. Como se sintetiza no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 12234/21.0T8LSB.L1-7 , de 02.05.2023, acessível em www.dgsi.pt, O respeito pela vida privada e familiar (Artigo 7º da Carta dos Direitos Fundamentais) tem o mesmo sentido e alcance que o sentido e o alcance conferidos ao artigo 8º, nº 1, da CEDH, conforme interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem; § A liberdade de expressão e de informação (Artigo 11º da Carta dos Direitos Fundamentais) tem o mesmo sentido e alcance que o sentido e o alcance conferidos ao artigo 10º da CEDH, conforme interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem; § No que se refere ao requisito da necessidade do tratamento dos dados pessoais para a prossecução de interesses legítimos, as derrogações e as restrições ao princípio da proteção dos dados pessoais devem ocorrer na estrita medida do necessário; § O direito à proteção dos dados pessoais não é um direito absoluto, devendo ser considerado em relação à sua função na sociedade e ser equilibrado com outros direitos fundamentais, em conformidade com o princípio da proporcionalidade; § Constituem critérios pertinentes para efetuar a ponderação entre o direito ao respeito pela vida privada e o direito à liberdade de expressão: a contribuição para um debate de interesse público, o grau de notoriedade da pessoa afetada, o objeto da reportagem, o comportamento anterior da pessoa em causa, o conteúdo, forma e consequências da publicação, o modo e as circunstâncias em que as informações foram obtidas, bem como a sua veracidade; § Há que distinguir entre afirmações de facto e juízos de valor porquanto a materialidade das primeiras pode provar-se, os segundos não se prestam a uma demonstração da sua exatidão; § Embora, em geral, os direitos da pessoa em causa protegidos pelos artigos 7º e 8º da Carta (vida privada e familiar e proteção de dados pessoais) prevaleçam sobre o interesse legítimo dos internautas potencialmente interessados em aceder à informação em questão, este equilíbrio pode, todavia, depender das circunstâncias pertinentes de cada caso, nomeadamente da natureza dessa informação e da sua sensibilidade para a vida privada da pessoa em causa, bem como do interesse do público em dispor da referida informação, o qual pode variar, designadamente, em função do papel desempenhado por essa pessoa na vida pública; § Quando a pessoa em causa desempenha um papel na vida pública, essa pessoa deve demonstrar um grau de tolerância acrescido, dado que está inevitavelmente e com pleno conhecimento de causa exposta ao escrutínio público; § Cabe à pessoa, que apresenta o pedido de supressão de referências, provar a inexatidão manifesta das informações que figuram no referido conteúdo ou, pelo menos, de uma parte dessas informações que não apresente um carácter menor relativamente à totalidade desse conteúdo. A fim de evitar impor a essa pessoa um ónus excessivo suscetível de prejudicar o efeito útil do direito à supressão de referências, cabe-lhe unicamente fornecer os elementos de prova que, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, lhe possa razoavelmente ser exigido que procure para demonstrar essa inexatidão manifesta. § Não se pode impor ao operador do motor de busca uma obrigação de investigar os factos e, para esse efeito, de acionar um debate contraditório com o fornecedor de conteúdos a fim a obter os elementos em falta relativamente à exatidão do conteúdo apresentado. Posto isto, analisemos a liberdade de expressão, enquanto correlativo do direito à crítica. O direito à liberdade de expressão constitucionalmente é um direito fundamental consagrado no artigo 37º da Constituição da República Portuguesa, que prevê no n.º 1 que [t]odos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio (…) sem impedimentos nem discriminações, acrescentando, no n.º 2 que [o] exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. O direito à liberdade de expressão compreende, naturalmente, o direito à crítica. Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo 7132/09.8TAVNG-A.P1, de 16.03.2012, disponível em www.dgsi.pt, e ainda que direcionado à sua vertente criminal, I. A liberdade de expressão tem longínquas raízes históricas, surpreendendo-se na Constituição dos EUA o primeiro texto legal a referir-se claramente a tal liberdade. II. São cada vez mais frequentes os conflitos entre o direito à honra, bom nome e reputação, por um lado, e o direito de expressão do pensamento, por outro. III. Numa sociedade democrática, a liberdade de expressão reveste a natureza de verdadeira garantia institucional, impondo por vezes, um recuo da tutela jurídico-penal da honra. Recuo, que tem que ser justificado por um correcto exercício da liberdade de expressão, aferido pelo interesse geral. IV. Sendo inevitável o conflito entre a liberdade de expressão, na mais ampla acepção do termo e o direito à honra e consideração, a solução do caso concreto, há-de ser encontrada através da «convivência democrática» desses mesmos direitos: i. é., consoante as situações, assim haverá uma compressão maior ou menor de um ou outro. V. Costa Andrade defende que se devem considerar atípicos os juízos que, como reflexo necessário da crítica objectiva, acabam por atingir a honra do visado, desde que a valoração crítica seja adequada aos pertinentes dados de facto, esclarecendo, no entanto, que se deve excluir a atipicidade relativamente a críticas caluniosas, bem como a outros juízos exclusivamente motivados pelo propósito de rebaixar e humilhar. VI. Parte da jurisprudência dos nossos tribunais superiores vem sufragando tal orientação. VII. Três observações formula Costa Andrade a propósito da referida atipicidade da crítica objectiva: - Por um lado, a mesma não depende do acerto, da adequação material ou da verdade das apreciações subscritas. Os actos praticados serão atípicos seja qual for o seu bem fundado ou justeza material ou, inversamente, a sua impertinência; - Em segundo lugar, o direito de crítica com este sentido e alcance não conhece limites quanto ao seu teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas. O seu exercício legitima, por isso, o recurso às expressões mais agressivas e virulentas, mais carregadas de ironia e com os efeitos mais demolidores sobre a obra ou prestação em apreço; - Em terceiro lugar, é hoje igualmente pacífico o entendimento que submete a actuação das instâncias públicas ao escrutínio do direito de crítica (objectiva) com o sentido, alcance e estatuto jurídico-penal que ficam consignados. Na mesma linha, Renato Lopes Militão defende que o espaço para a agressão à honra deve ser mais amplo no caso formulação de juízos de valor do que no da imputação de factos, porque a formulação de um juízo de valor envolve um potencial ofensivo para a honra manifestamente inferior ao que decorre da imputação de um facto. Efectivamente, ao contrário de um facto, um juízo valorativo caracteriza-se pela subjectividade, impondo a sua relativização. Tanto assim que (...) a formulação de juízos de valor desonrosos com suporte factual não pode ter o mesmo tratamento que a formulação de juízos valorativos atentatórios da honra que não possuam qualquer fundamento fáctico. Com efeito, enquanto os primeiros são juízos sérios, os segundos são levianos. Deste modo, a formulação de juízos de valor desonrosos que possuam um mínimo de apoio factual em caso algum deverá perder a protecção da liberdade de expressão. O que vale por dizer que apenas a formulação de juízos de valor lesivos da honra destituídos de qualquer base fáctica impõe a determinação da relação de prevalência entre os direitos colidentes, por via da metódica da ponderação de bens.( A formulação de juízos de valor desonrosos com suporte factual, perante a incriminação da difamação, Revista da Ordem dos Advogados, Ano75, Jan./Jun. 2015, Lisboa, pp.175 e 176).” Soçobra deste modo, o recurso nesta parte, tendo o Tribunal a quo aplicado o previsto no artº 17º nº 3 do Regulamento de forma correcta e acertada. E que dizer da eventual violação dos direitos de personalidade protegidos, quer pelo artº 70º do CC, bem como pelas normas constitucionais - art.ºs 25.º e 26.º da CRP? A resposta à questão que antecede já permite antever que também falhará tal argumentação. Sobre tal objecto dos autos nada temos a acrescentar à bem fundamentada sentença, quando alude que: “Capelo de Sousa, A Constituição e os Direitos de Personalidade, Estudos sobre a Constituição, página 93, refere que o Código Civil não contém uma definição de direito de personalidade ou, sequer, uma definição geral mas abrange na sua protecção, referentemente ao seu campo, todos aqueles direitos subjectivos, privados, absolutos, gerais, extra patrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-se de praticar ou deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia sem o que incorrerão em responsabilidade civil. Assim, e numa tentativa de densificação do direito geral de personalidade, em aproximação ao caso vertente, atente-se na classificação proposta por Orlando de Carvalho e outros, Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra Editora, 2012, página 265 a 268, em que enuncia o direito especial de personalidade à inviolabilidade pessoal, onde se distingue uma projecção física (direito à imagem e direito à palavra) e uma projecção vital (direito ao carácter, direito à história pessoal, direito à intimidade da vida privada e direito à verdade profunda; e uma projecção moral: direito à honra). In casu estará em causa o direito à honra e ao bom nome do Autor, sendo que as medidas solicitadas ao tribunal visam a cessação da violação de tais direitos, assacada apenas indirectamente à Ré, isto é, enquanto propulsor de uma restrição ao direito ao esquecimento. Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º3345/19.2T8MAI.P1, de 11.05.2020, acessível em www.dgsi.pt, com plena aplicação ao caso vertente, a honra consiste na “projecção na consciência social do conjunto dos valores pessoais de cada indivíduo, desde os emergentes da sua pertença ao género humano até aqueloutros que cada indivíduo vai adquirindo através do seu esforço pessoal” - Capelo de Sousa in O direito geral de personalidade, Coimbra Editora, 1995, pág. 301. A honra, no seu sentido amplo, inclui o bom nome e a reputação, enquanto síntese do apreço social pelas qualidades do indivíduo no plano moral, intelectual, familiar, profissional, político ou social, e bem assim o crédito pessoal, como “projecção social das aptidões e capacidades económicas desenvolvidas por cada homem” – vide Capelo de Sousa, obra citada, páginas 304 e 305. A tutela da honra radica, assim, na dignidade da pessoa humana, fundamento da ordem jurídica (art.º 1.º da Constituição da República Portuguesa), a qual consagra expressamente a integridade moral e física e o bom nome e reputação como direitos pessoais fundamentais (artigos 25.º n.º 1 e 26.º n.º 1 da CRP). Ora, tendo em conta que o gozo de um direito pode conflituar com o exercício de um outro, daí decorrendo restrições para um deles ou para ambos, cujos limites há que determinar, o legislador constituinte estabelece que as restrições devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (n.º 2 do art.º 18.º da CRP) e que as leis assim restritivas não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (n.º 3 do art.º 18.º). Quanto ao exercício de direitos, o legislador ordinário expressou que “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes” (art. 335.º n.º 1 do Código Civil) e, “se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior” (n.º 2 do art.º 335.º do CC). É sabido que o direito à honra colide frequentemente com o direito à livre expressão do pensamento, o qual tem também consagração constitucional. A Constituição da República Portuguesa reconhece, na categoria dos direitos fundamentais, a liberdade de expressão e informação (art.º 37.º n.º 1): “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”) e a liberdade de imprensa (art.º 38.º). O direito à liberdade de expressão é um direito fundamental, constituindo condição essencial da promoção e expressão da autonomia individual, pressuposto da dignidade da pessoa humana, na sua dimensão de ser relacional, inserido numa sociedade hipercomplexa em que a comunicação constitui um impulso vital, de tal forma que, segundo alguma doutrina, e partindo da ideia de que o direito à liberdade de expressão compreende hoje um conjunto de direitos fundamentais que se reconduzem à categoria genérica de liberdades comunicativas ou liberdades da comunicação, denominável de liberdade de expressão em sentido amplo ou liberdade de comunicação (cfr. Jónatas E. M. Machado, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, Coimbra Editora, 2002, p. 373), necessário é construir as liberdades de comunicação com um âmbito de proteção alargado, fincando a ideia de que a liberdade é a regra e a restrição é a exceção (Jónatas Machado, ob. cit., páginas 373 a 378). Assim, nessa visão das coisas, um determinado conteúdo expressivo só deixará de ser protegido se se demonstrar, e na medida em que ficar demonstrado, que o mesmo atenta de forma desproporcionada contra direitos e interesses constitucionalmente protegidos (Jónatas Machado, ob. cit, p. 424). Se é certo que a Constituição não traça uma hierarquia dos direitos fundamentais, não se pode ignorar que a CEDH confere primazia à liberdade de expressão, em detrimento do direito à honra e ao bom nome (vide, v.g., João Tornada, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome”, in O Direito, ano 150 (2018), I, p. 144 e nota 75; acórdão do Tribunal Constitucional n.º 292/2008, de 29.5.2008). Com efeito, este último direito fundamental não goza de uma proteção autónoma na Convenção, sendo apenas considerado como uma das exceções ao conteúdo e ao exercício da liberdade de expressão (João Tornada, estudo citado, p. 139). Isto é, a liberdade de expressão será em regra tutelada, só podendo ser derrogada em casos excecionais, nomeadamente para a “proteção da honra”, uma vez verificados os pressupostos do art.º 10.º n.º 2 da CEDH. Essa escolha tendencial deverá ser levada em consideração pelos tribunais portugueses, por força do art.º 8.º n.º 2 da CRP (v.g., João Tornada, estudo citado, p. 139). A jurisprudência do TEDH, aponta para uma menor esfera de proteção da honra e consideração de figuras públicas, face à de simples particulares, assim como quando estejam em causa assuntos de interesse público ou geral (vide, com uma enumeração alargada de acórdãos e critérios emanados do TEDH, João Tornada, estudo citado, pp. 139 a 143). Renato Lopes Militão salienta ainda que o TEDH tem acolhido inequivocamente a orientação segundo a qual, ainda que se esteja perante a manifestação de juízos de valor ofensivos da honra dos visados, o direito à liberdade de expressão deve prevalecer no caso de tais juízos possuírem alguma sustentação factual. A tónica é colocada, precisamente, na existência de base factual suficiente que fundamente a emissão da opinião; sempre que assim suceda, aquela encontra-se protegida pela liberdade de expressão.( É pertinente a súmula da jurisprudência do TEDH relativa a casos nacionais que Renato Lopes Militão faz na obra citada (p. 177 -178)) No caso vertente, o autor do blog, pode quando muito considerar-se que não primou pela cortesia que pode nortear as relações entre os cidadãos, mas seguramente o ali referido não ultrapassa o âmbito da crítica, crítica que é legítima, no contexto em que se insere, enquanto manifestação de opinião face ao teor de uma reportagem sobre uma pessoa com notoriedade pública. As expressões usadas pelo autor do blog não podem sequer considerar-se, objectivamente, ofensivas da honra e bom nome do Requerente, pois que, de acordo com o sentimento da generalidade da comunidade, não é razoável considerar-se que estas, no contexto em que foram proferidas, mereçam qualquer juízo de censura, antes consistindo meras opiniões. Senão vejamos. Desde logo o título “…” mais não é, pelo menos numa das leituras possíveis, uma parábola entre a pretérita revista “…” percursora da actual “…”, sendo expressa uma opinião no sentido de preferência pela linha editorial da antiga, o que não pode deixar de ser considerado legítimo ao abrigo da liberdade de expressão. Com efeito, a emissão de opiniões ainda negativas não pode ser limitada só porque o seu destinatário não as aceita ou reconhece como justas, sob pena de instauração de laivos de censura. Do mesmo modo, decorre da leitura da publicação em referência, e quando expressa que as várias empresas detidas pelo Requerente constituem um “emaranhado” “que lhe permitiram safar-se de dívidas em modo mais eficaz que um J…” mais não é um do que um resumo do artigo da revista …, mencionado em 13), que expressamente refere e republica, fazendo uma comparação com outra figura pública em termos não abonatórios. Será censurável tal em termos tais que deve ser limitado? Entendemos que não na medida em que se limita a descrever a notícia publicada, verificando-se aliás que mais tarde, e conforme decorre do facto referido em 14), e é de conhecimento geral, face ao mediatismo da situação, vieram a ser aplicadas medidas de coacção ao aqui Requerente no âmbito do processo “Última Edição”, revelando a sua notariedade ante a sua actividade profissional e o ramo de negócio em que se insere. Com efeito, e como decorre apodítico do comunicado referido em 14), tendo em consideração o interesse mediático do caso em particular e ponderando sempre a publicidade já amplamente divulgada da identidade dos arguidos presentes a este Tribunal de Instrução Criminal, ou seja é inegável a possibilidade do autor de um blog, no âmbito do exercício da critica social, com o intuito de divulgação de factos relativos a uma figura de relevância no âmbito empresarial, possa veicular opiniões sobre noticias divulgadas acerca dessa mesma pessoa. Assim, e ainda que as referências possam ser consideradas grosseiras, e violadoras do trato social cortês, não são ilícitas do ponto de vista jurídico-civil. Do mesmo modo, e no que concerne quer à mudança da Revista … o texto em referência é a mera expressão de uma opinião negativa e acutilante sobre a evolução das mesmas, integrada no artigo da revista …, onde se faz uma referência ao percurso do aqui Requerente, expressando este autor uma clara preferência pelas pretéritas revistas, em desabono da sua actualidade. Sendo o Requerente uma pessoa de relevância pública, detentor de inúmeras publicações, encontra-se sujeito à exposição e às críticas, impondo-se uma maior tolerância no espaço de debate quanto às suas acções, posições, ou quanto à sua pessoa actuante no espaço público.”.(sublinhados nossos). Como deixámos referido supra o recorrente assume responsabilidades relativas a um meio de comunicação social, pelo que poderá ser equiparado a uma figura pública, sendo certo que o artigo em causa diz respeito à actividade profissional do Recorrente e sobre as suspeitas que incidiram sobre práticas imputadas ao mesmo, tal determinou a detenção também do recorrente. E no âmbito do processo crime que corre termos, ainda na fase de investigação, resulta desde logo do ponto 14) dos factos provados que existiu a necessidade de divulgação por parte do CSM do ocorrido em sede de interrogatório dos arguidos, entre os quais o recorrente, invocando tal entidade “o interesse mediático do caso em particular e ponderando sempre a publicidade já amplamente divulgada da identidade dos arguidos presentes a este Tribunal de Instrução Criminal”. Não colhe, assim, o argumento que o recorrente não assume a qualidade de figura pública, nem sequer que não há interesse público na divulgação de informações sobre o mesmo. Acresce que anteriormente à divulgação do artigo do blog em causa nos autos, já a revista “…” havia elaborado a peça jornalística nos termos reproduzidos no ponto 13), esta de teor marcadamente negativo quanto à actuação do recorrente, sendo tal peça publicada em data anterior ao artigo do blog em questão nestes autos. A par do já aludido haverá ainda que considerar a jurisprudência do TJUE, nomeadamente o Acórdão Tietosuojavaltuutettu/Satakunnan Markkinapörssi Oy e Satamedia Oy, que se pronunciou no sentido de que “se, pelo contrário, se constata que o titular dos dados é uma figura pública, ou que a natureza da informação justifica a concessão ao grande público do acesso a essa informação, a ingerência nos direitos fundamentais à proteção de dados e à vida privada é justificada.”, mais se expondo na mesma decisão que o “interesse público refere-se normalmente a questões que afectam o público de tal forma que este pode legitimamente interessar-se por elas, que atraem a sua atenção ou que lhe dizem respeito de forma significativa, especialmente na medida em que afetam o bem-estar dos cidadãos ou a vida da comunidade. É também o caso das questões suscetíveis de suscitar uma controvérsia considerável, que digam respeito a uma questão social importante ou que envolvam um problema que o público teria interesse em ser informado” (Satakunnan Markkinapörssi Oy e Satamedia Oy c. Finlândia [GC], parágrafo 171)”. Resulta ainda do mesmo Tribunal, que no Acórdão Costeja, declarou que os artigos 12.º, alínea b) e 14.º, alínea a) da Diretiva 95/46/CE (transpostos para os artigos 11.º, alínea d) e 12.º, alínea a) da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, Lei da proteção de dados pessoais) “devem ser interpretados no sentido de que, no âmbito da apreciação das condições de aplicação destas disposições, importa designadamente examinar se a pessoa em causa tem o direito de que a informação em questão sobre a sua pessoa deixe de ser associado ao seu nome através de uma lista de resultados exibida na sequência de uma pesquisa efectuada a partir do seu nome (...)”. Logo, como bem evidencia a recorrida e ainda que a mesma não constitua um órgão de comunicação social, tal não impede a mesma nem lhe retira qualquer legitimidade para indexar conteúdos que contribuam para o exercício da liberdade de expressão e de informação por parte dos cidadãos. Tal foi afirmado pelo TJUE no processo Google Spain SL e Google Inc. v. Agencia Española de Protección de Datos (AEPD) e Mario Costeja González” ao decidir-se que: “(…) esta actividade dos motores de busca constitui um papel decisivo para a difusão global dos referidos dados, na medida em que facilita que qualquer internauta aceda aos conteúdos, por via de uma busca feita pelo nome, incluindo os internautas que, se assim não fosse, não encontrariam a informação em causa”. Deste modo, somos em concluir que uma restrição à liberdade de expressão relativa ao conteúdo da publicação do blog não se afigura necessária, não estando, assim, a Requerida, enquanto «responsável» pelo tratamento de dados pessoais, na acepção do artigo 4ºdo RGPD, obrigada a qualquer acto tendente à supressão de referências nos termos peticionados, pois encontra-se verificada a excepção enunciada no artigo 17º, n.º 3, alínea a), constituindo o teor de tal opinião veiculada no blog em causa a manifestação da liberdade de expressão. Acresce que as expressões usadas pelo autor do blog, no texto opinativo em causa, não podem sequer considerar-se, objectivamente, ofensivas da honra e bom nome do recorrente, quer pelo sentimento da generalidade da comunidade, quer ainda pelo contexto em que foram proferidas. Improcede assim, a apelação. * IV. Decisão: Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo autor e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. Custas pelo apelante. Registe e notifique. Lisboa, 24 de Outubro de 2024 Gabriela Marques Elsa Melo Eduardo Petersen Silva |