Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA PRAZERES PAIS | ||
Descritores: | REGISTO PREDIAL PRESUNÇÃO JURIS TANTUM | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/07/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. O registo predial não tem função constitutiva mas essencialmente declarativa; 2. A presunção expressa no artigo 7º do Código de Registo Predial é ilidível e abrange apenas os factos jurídicos inscritos e de onde se deduzem as situações jurídicas publicitadas e não também a identificação física, económica e fiscal dos prédios. AP | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa Os autores, C N, M N e A N, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma sumária contra Ana e Outros alegando, em síntese, que são herdeiras de Manuel, falecido em 17/03/1972, o qual adquiriu verbalmente o prédio rústico denominado "Comprida", situado no lugar (…), terra de cultura arvense de sequeiro, pelo preço de Esc. 60 000$00, sendo que as autoras exercem a posse sobre esse prédio,pelo que o adquiriram por usucapião. Terminam pedindo que se julgue a presente acção procedente, reconhecendo-se e declarando-se que as autoras são as únicas donas e legitimas proprietárias e possuidoras do prédio dos autos por o terem adquirido por usucapião e se ordene o cancelamento da inscrição registrai da propriedade de 1/3 sem determinação de parte ou direito a favor dos réus. Pessoal e regularmente citados os réus, apenas a ré Ana apresentou contestação. na qual impugnou a matéria alegada na petição inicial. Requereu ainda a condenação das autoras como litigantes de má fé em indemnização a arbitar. A final foi proferida esta decisão: “Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção procedente e, em consequência, declara-se que as AA. são as únicas proprietárias do prédio rústico denominado "Comprida", situado (…), terra de cultura arvense de sequeiro. área de 1 800 m2, confrontando a norte e sul com caminho, a nascente com José e a poente com Gabriel, descrito naquela Conservatória sob o n° ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... — Secção 44 por o terem adquirido por usucapião. Mais se ordena o cancelamento da inscrição registrai da propriedade de 1/3 desse prédio sem determinação de parte ou direito a favor dos réus. É esta decisão que a R Ana impugna,formulando estas conclusões : 1) por si só, a factualidade dada como provada e em especial ,tendo presente o teor constante dos documentos nº/s 2,3 e 4 juntos pelos AA na sua pi e documento nº2 junto com a contestação ,as ditas AA podiam adquirir o imóvel através da usucapião? 2) documentalmente está provado nos presentes autos, que o imóvel já supra identificado é propriedade das autoras e de Armando nas proporções constantes no dito documento, sem determinação de parte e de direito; 3)– dos ditos documentos se retira a realidade fáctica no que tange às alterações ocorridas ao longo do tempo, dos titulares da compropriedade do dito imóvel, por força dos vários óbitos, que entretanto ocorreram, como é o caso da primeira esposa de Armando, C (…) continuando aquele a ser comproprietário do já citado imóvel até à data da sua morte ocorrida no dia 13 de Fevereiro de 2008; 4- após a morte da sobredita C, seu marido, o mais urna vez citado Armando, como consta no documento n.º 2 junto pela Ré na sua contestação, relacionou como verba número 12 e na proporção devida o prédio objecto dos presentes autos; 5- C faleceu no dia 14 de Junho de 1979, tendo por tal facto e devido à consequente partilha, o então viúvo Armando adquirido um terço do acima referido imóvel, registado a seu favor através da Ap.01/154181, como consta no documento nº 2 junto pelas A. A. na sua petição inicial 6- e, ate à morte do mais uma vez citado Armando, nenhum facto ocorreu, corno seja, doação, compra e venda, que exigisse alteração no que toca ao registo da propriedade do sobredito imóvel, do qual aquele era comproprietário, 7- assim, independentemente de saber-se, quem, com mais ou menos frequência, cuidou de limpar e colher os frutos do dito imóvel, o que é faro, baseado nos documentos já citados, Armando, foi comproprietário do dito imóvel até à data da sua morte, ocorrida no dia 13 de Fevereiro de 2008; 8- a presente Ré casou com Armando no dia 2 de Fevereiro de 1994, tendo tal matrimónio durado cerca de catorze anos 9- o diminuto espaço temporal referido na conclusão anterior, aliado ao facto deter casado no regime imperativo da separação de bens, faz com que a presente recorrente, não esteja em condições de alegar e provar, tudo aquilo que ocorreu ao longo do tempo em que Armando foi comproprietário do sobredito imóvel; 10 – como actuou em relação a tal terreno, quem eram as pessoas das suas relações, que hoje podiam pronunciar-se sobre tal matéria; 11 – uma coisa é certa, Armando, até à sua morte, nos termos previstos e estatuídos no artigo 72 do Código do registo Predial, foi titular no regime da compropriedade, do imóvel acima identificado; 12-– acresce que, ninguém ousou, durante a vida do dito Armando, pôr em causa a titularidade, que de facto e de direito possuía no regime da compropriedade do dito imóvel; 13- mais, atento o que supra ficou dito, estribado em documentos juntos aos autos, sem sombra de dúvidas, que até à data da sua morte, Armando, teve o ANIMUS em relação à propriedade do dito imóvel; 14- e no que diz respeito ao Corpus, a Ré recorrente não pode aventar, com certeza, na medida em que, em vida, Armando nunca foi confrontado, no sentido de se pronunciar, tendo em vista a defesa da posse e propriedade de que era titular nos termos dos documentos já citados, em relação ao sobredito imóvel; 15- contudo, como resulta do artigo 1286 do Código Civil, a posse do direito de propriedade, pode ser exercida de forma conjunta por vários compossuidores; 16- independentemente de saber-se quem foi o compossuidor, que foi mais vezes ao imóvel, quem o agricultou, no todo ou em parte, quem mais o alindou, face aos documentos constantes nos autos, óbvio se torna ter a posse de tal terreno, sido exercida por todos os seus comproprietários, incluindo Armando; 17- não se aceita, que o tribunal "a quo , à revelia do preceituado nos artigos 1286, 1287 e seguintes do Código Civil e artigo 7º do Código de Registo Predial, tenha decidido como decidiu; 18- é estranho e por conseguinte motivo de sindicãncia o facto das A. A. terem esperado pela morte do comproprietário do sobredito imóvel, Armando, para promoverem contra a Ré a presente acção nos termos em que o fizeram; 19- Armando faleceu no dia 13 de Fevereiro de 2008 e as A. A. promoveram a presente acção judicial no dia 6 de Agosto do referido ano de 2008; 20- efectivamente, as autoras tiveram intervenção registai no que diz respeito ao mais uma vez referido imóvel no decurso do tempo, quais sejam, através da Ap.01/180590 e Ap.25/160791, tendo por via disso tomado conhecimento sobre quem eram os vários comproprietários do dito prédio, sendo um dos comproprietários, Armando; 21-– na eventualidade de se seguir o caminho trilhado pelo tribunal "a quo", o que só por mera hipótese se concede sem conceder, então podemos afirmar que, também por essa via, não podia operar a usucapião; 22-– é que, como já foi referido supra e tendo em conta o constante no documento n.° 2 junto pelas A. A., estas,, em 16 de Julho de 1991, tomaram conhecimento de que o sobredito imóvel também era propriedade de Armando; 23- mesmo que, desde então, tivessem as ditas A. A. em exclusivo a posse do referido terreno, o que só por mera hipótese se concede sem conceder, nunca poderia operar o instituto da usucapião nos termos decididos pelo tribunal "a que"; 24-– na verdade, a existir exclusividade da posse por parte das A. A. a partir da sobredita data de 16 de Julho de 1991, tal posse terá que ser considerada de má fé nos termos previstos e estatuídos no n.2 2, parte final do artigo 12602 do Código Civil; 25- ora, sendo a posse de má fé, a usucapião só pode operar decorridos, que sejam, vinte anos, após o início da posse, nos termos da parte final do artigo 12962 do Código Civil; 26-– no caso em análise, sempre a conceder-se por mera hipótese, sem conceder, quando muito as A. A. tiveram a posse do dito imóvel desde Julho de 1991 até Agosto de 2008, data em que propuseram contra a Ré a presente acção judicial; 27-feitas as contas, as A. A., partindo do sobredito pressuposto, tiveram na sua posse o acima referido imóvel durante dezassete anos, não podendo por isso operar a seu favor o instituto da usucapião no que se refere ao mais uma vez citado imóvel; 28-face ao exposto, tendo decidido como decidiu, o tribunal "a quo" violou o previsto e estatuído no nº2, parte final do artigo 1260, parte final do artigo 1296, n.° 1 e 3 do artigo 1286, 1287 e seguintes, todos do Código Civil e artigo 7º do Código do Registo Predial. Por despacho transitado em julgado não foram admitidas as contra-alegações Os factos apurados 1. Manuel (…) faleceu no dia 17 de Março de 1972, no estado de casado com C N, com ultima residência habitual em (…) Cascais (art. 1° da petição inicial); 2-Encontra-se inscrita na 1a Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante Apresentação n° 4, datada de 10/03/69, a aquisição, a favor de Duarte e mulher (…), c. na comunhão geral; Armando e mulher C, c. na comunhão geral; e João e mulher F, c, na comunhão geral, por óbito de Manuel M e mulher Belmira, do prédio rústico denominado "Comprida", situado (…), terra de cultura arvense de sequeiro, área de 1 800 m2, confrontando a norte e sul com caminho, a nascente com José (…) e a poente com Gabriel (…), descrito naquela Conservatória sob o n° ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... — Secção 44 (art. 3° da petição inicial); 3-Encontra-se inscrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante Apresentação n° 1, datada de 15/01/81, a aquisição, a favor de Armando, de 1/3 do prédio referido em 2., por partilha por óbito de C; 4-Encontra-se inscrita na 1a Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante Apresentação n° 25, datada de 16/07/91, a aquisição, a favor de A N e M N, ambas solteiras, de 1/3 do prédio referido em 2. por partilha de Gertrudes; 5- Encontra-se inscrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante Apresentação n° 1, datada de 08/05/2008, a aquisição, sem determinação de parte ou direito, a favor de Ana, Armando (…) e e M N, de 1/3 do prédio referido em 2. por sucessão de Armando: 6- Em data não apurada, mas entre 1969 e 1972, Manuel acordou com Armando a compra do prédio referido em 2. (art. 4° da petição inicial); 7- Desde esse acordo, Manuel ocupou o referido prédio, aí plantando árvores, sendo visto como seu dono por todos, sem qualquer oposição (arts. 6° a 10° e 20° da petição inicial); 8- Desde o falecimento de Manuel, as autoras colheram frutos das árvores ali plantadas e procederam à limpeza do terreno, à vista de todos e sem qualquer oposição de terceiros (arts. 11° a 16° e 20° da petição inicial). Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.º 684 n.º3 do CPC), importando ainda decidir as questões nela colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660 n.º2, também do Código de Processo Civil. Daí que o cerne do objecto deste recurso se prenda com a verificação, ou não, dos requisitos da usucapião. Retira-se do teor dos documentos de fls. 19,20 que se encontra inscrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante a apresentação nº 04/... a aquisição do prédio, identificado no ponto 2 dos factos apurados, a favor de Duarte e mulher; Armando e mulher; João e mulher por óbito de Manuel e mulher. Por outro lado, por óbito de alguns dos adquirentes acima referidos, foi registada a aquisição de várias frações do mesmo prédio a favor dos herdeiros das pessoas acima identificadas. No entanto, apura-se que em data não apurada, mas entre 1969 e 1972, Manuel acordou com Armando a compra do prédio referido em 2. (art. 4° da petição inicial) Desde esse acordo, Manuel ocupou o referido prédio, aí plantando árvores, sendo visto como seu dono por todos, sem qualquer oposição (arts. 6° a 10° e 20° da petição inicial); Desde o falecimento de Manuel as autoras colheram frutos das árvores ali plantadas e procederam à limpeza do terreno, à vista de todos e sem qualquer oposição de terceiros (arts. 11° a 16° e 20° da petição inicial). Ressalta de imediato que a pessoa referenciada como tendo sido o comprador, por forma não escrita, do prédio em causa não é o Manuel e mulher Belmira, identificados no registo predial Daí que o objecto deste litígio nos remeta para a análise da presunção a que alude o artº 7 º do CRP Dispõe o Art. 7º do C.R.P. que “ o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao título inscrito nos precisos termos em que o registo o define” Para interpretar devidamente este dispositivo legal há que cotejá-lo, designadamente com o disposto no Art. 2º nº 1 do C.R.P., segundo o qual, estão sujeitos a registo “os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade…” e com o Art. 1º, que define a função do registo, como sendo, essencialmente, a de dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário. Vê-se, assim, que o registo predial, entre nós, não tem função constitutiva, mas antes, essencialmente declarativa. Como ensinava Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica – vol.II-20)”… os prédios são inscritos no registo a favor de determinadas pessoas, apenas sobre a base de documentos, de actos de transmissão a favor das mesmas pessoas, e não depois de uma averiguação em forma, com audiência de todos os possíveis interessados. O registo não pode, portanto, assegurar a existência efectiva do direito da pessoa a favor de quem esteja registado, mas só que, a ter ele existido, ainda se conserva – ainda não foi transmitido a outra pessoa – “. Por outro lado, como refere o Art. 76º do C. R. Predial, “ o registo compõe-se da descrição predial, da inscrição dos factos e respectivos averbamentos”. A descrição predial, é pois, a primeira operação do registo e destina-se, conforme o Art. 79º do referido Código à identificação física, económica e fiscal dos prédios. É essa a sua exclusiva finalidade, como se dizia expressamente no Art. 147º do Código de 1967. Sem a descrição não haverá lugar à inscrição, mas também a primeira não pode ser realizada independentemente da segunda, o que significa que a realização da descrição depende de, na altura do seu assentamento, se efectue também a inscrição que lhe corresponde (Art. 80º, nº 1 e 91º do C.R.P.). A inscrição, por sua vez, visa definir a situação jurídica dos prédios, mediante extracto dos factos a eles referentes ( Art. 91º, nº 1) e é lavrada, como se disse, por referência à descrição. Portanto, das inscrições constam os factos jurídicos sujeitos a registo, conforme o elencado no Art. 2º, ou seja, constam deles os factos da vida real que, por força da lei produzem determinados efeitos jurídicos, no caso, efeitos constitutivos, aquisitivos, modificativos ou extintos do direito de propriedade. É desses factos jurídicos que se infere a situação jurídica dos prédios descritos e são essas situações jurídicas que constituem o objecto da publicidade registral (Art. 1º). Do que se deixou dito e da natureza essencialmente declarativa do registo predial, parece resultado claro, que a presunção legal do Art. 7º (aliás, ilidível mediante prova em contrário –Art. 350º, nº 2 do C.C.), cuja razão de ser se prende exactamente com a fé pública que deve acompanhar a publicidade resultante do registo, abrange apenas os factos jurídicos inscritos, de onde se deduzem as situações jurídicas publicitadas e não também a identificação física, económica e fiscal dos prédios, única finalidade da descrição, tanto mais que tal identificação pode assentar em meras declarações dos interessados, sem nenhum controle do conservador ( Art. 46º nº 1). Logo, incumbiria às autoras ilidir tal presunção, o que estes lograram, tal como consta dos pontos de facto nº/s 6 a 8. Na verdade, importa esclarecer o seguinte: O registo predial tem o valor que tem, tal como o definimos; daí que a aquisição mediante a apresentação nº 01/180590 a favor das autoras também tenha sido ilidida. Por isso, o valor de todos os registos é o mesmo, ou seja, a presunção foi ilidida. Não pode, pois, a ré retirar deste registo em análise, as conclusões sob os nº/s 20 a 26 O caminho a seguir pela ré, do ponto de vista processual, era abalar a posição das autoras, mediante prova testemunhal concreta de que a presunção tinha subjacente uma base factual sólida. Daí que não se possa valer de documentos, que apenas expressam uma presunção que foi ilidida. Termos em que damos aqui por reproduzidas as demais explanações da sentença quanto à aquisição por usucapião, a favor das AA ( art.º 713 nº5 do CPC ) Pelo exposto, improcedem todas as conclusões. Concluindo: Da natureza essencialmente declarativa do registo predial, parece resultado claro, que a presunção legal do Art.7º (aliás, ilidível mediante prova em contrário –Art. 350º, nº 2 do Código Civil), cuja razão de ser se prende exactamente com a fé pública que deve acompanhar a publicidade resultante do registo, abrange apenas os factos jurídicos inscritos, de onde se deduzem as situações jurídicas publicitadas e não também a identificação física, económica e fiscal dos prédios, única finalidade da descrição, tanto mais que tal identificação pode assentar em meras declarações dos interessados, sem nenhum controle do conservador ( Art. 46º nº 1). Logo, incumbiria aos AA ilidir tal presunção, o que estes lograram, tal como consta dos pontos de facto nº/s 6 a 8. Decisão Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença impugnada na íntegra. Custas pela apelante Lisboa, 7 de Fevereiro de 2013 Teresa Prazeres Pais Isoleta de Almeida e Costa Carla Mendes |