Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1392/08.9TVLSB-A.L1-8
Relator: RUI DA PONTE GOMES
Descritores: PROVA
ÓNUS DA PROVA
CONTRAPROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/27/2010
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Quem deseja fazer contraprova tem de realizar a mesma. Não se pode obrigar a tal a contraparte, pois senão estaríamos tecnicamente em sede de ónus de prova.
(AMPMR)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Estado da Causa

1.1. – J, M e C, propuseram, , acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra a S, S.A., tendo tal acção sido alargada, por incidente de terceiros, posteriormente, às sociedades P, S.A. e Companhia de Seguros, S.A..

Na decorrência da tramitação da sobredita acção, teve lugar o saneamento e condensação da causa, bem como a pertinente instrução, tendo, a propósito desta última fase processual, as R. e intervenientes acima referidas impetrado que os demandantes fossem notificados para juntar aos autos as declarações de IRS de 2004 a 2008 e os documentos fiscais de liquidação de imposto para prova dos factos vertidos nos quesitos 17, 20, 22, 24, 27 32, 45 e 54 da base instrutória.

Mereceu, então, tal petitório o douto despacho judicial de 20 de Novembro de 2009, ponto 10 (fls.68/69), que o desatendeu.
1.2. - È deste despacho de 20 de Novembro de 2009, ponto 10 (fls.68/69) que apela a Companhia de Seguros ___ Concluindo:

O requerimento a pedir que os apelados juntem documentos fiscais relativos aos seus proventos___ não obstante a demonstração desses factos não ser da sua responsabilidade___ constitui um direito processual integrável na «contraprova», aliado a uma prova documental fiável que ajudará o Tribunal a responder de forma justa à pertinente matéria controvertida (artigos 346º do C. Civil e 3º, nº3, 264º, nº3, in fine, 265º, nº, 528º e 535º, todos do C. P. Civil).

II – Cumpre Decidir

Dispõe o art. 346º do C. Civil, sob a epígrafe de «Contraprova», que “…Salvo o disposto no artigo seguinte, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova…”.

Para responder cabalmente à conclusão em apreciação, cumpre antes de mais dilucidar, face ao sobredito normativo, três elementos da sua previsão: - o que se entende por ónus de prova, o que se entende por contraprova e quem deve oferecer a contraprova.

Na primeira interrogação diremos que o ónus da prova deve ser entendido como a “…necessidade de observância de um certo comportamento, não por imposição da lei, mas como meio de obtenção ou de manutenção de uma vantagem para o próprio onerado...” (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Volume I, 2005, pp. 58).

Não havendo a referida imposição da lei, o ónus deve então ser entendido como um dever livre, na medida em que a sua inobservância não vai corresponder propriamente a uma sanção, mas tão-só há o incumprimento de uma obrigação potestativa, como lhe chama Perlingieri (citado por Antunes Varela, “Das Obrigações...”, cit., p. 58; e Cruz Almeida “O Ónus..., cit., pp. 49 e 50).

O ónus de prova é portanto dirigido às partes, tendo estas uma obrigação de natureza potestativa, seguindo o entendimento de Perlingieri, as partes são livres de as realizar ou não, assumindo as consequências daí resultantes. Indirectamente, o ónus de prova vai igualmente relevar para a actuação do Juiz. No momento da repartição da prova, o Juiz deve facultar à parte a quem a prova aproveita, a possibilidade de fazer a respectiva prova. No momento da avaliação da prova, não tendo a parte possuidora do ónus feito a devida prova, o Juiz vai decidir contra ela.

Já a contraprova consiste na obtenção processual de qualquer outro elementos probatório de sinal oposto ___ que não o que obriga em sede de ónus de prova___ que deixe o Juiz na dúvida sobre a existência do facto a demonstrar (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, pp.456/457).

Se dúvidas não existem a quem compete a satisfação do ónus de prova, o mesmo não ocorre com a contraprova. Diz a apelante Companhia de Seguros, S.A. que o requerimento a pedir que os apelados juntem documentos fiscais relativos aos seus proventos___ não obstante a demonstração desses factos não ser da sua responsabilidade___ constitui um direito processual integrável na «contraprova», aliado a uma prova documental fiável que ajudará o Tribunal a responder de forma justa à pertinente matéria controvertida. Em tese geral poderíamos estar de acordo. Mas não é assim que o Legislador, salvo o devido respeito, juridico-processualmente entende.

Olhando a letra da Lei (art. 346º do C. Civil) expressamente se consigna: “…pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos…”. Quer queiramos, quer não, quem deseja fazer contraprova tem de realizar a mesma. Não se pode obrigar a tal a contraparte___ senão estaríamos tecnicamente em sede de ónus de prova. Neste mesmo sentido se pronunciaram Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (“Manual de Processo Civil”, pp. 456, último §), ainda que de modo intuitivo, quando ensinaram que “…Porém, se a parte contrária (ou o próprio Tribunal) trouxerem ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto que deixe o Juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez a contraprova…”___ Nem põe a hipótese de situação diversa.
Neste conspecto, não podemos aceitar a conclusão em apreciação.

III Em Consequência – Decidimos:

a) – Julgar improcedente a douta apelação da Companhia de Seguros. e confirmar o despacho de 20 de Novembro de 2009, ponto 10 (fls.68/69).

b) – Condenar a apelante nas atinentes custas.

Lisboa , 27 de Maio de 2010

Rui da Ponte Gomes
Luís Correia Mendonça (votei a solução proposta, não pelos fundamentos invocados mas porque o elemento documental solicitado se mostra inidóneo para fazer a demonstração do perguntado nos artigos 17º, 20º, 22º, 24º e 27º da Base instrutória.) Carlos Marinho