Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
107/24.9YHLSB.L1-PICRS
Relator: ELEONORA VIEGAS
Descritores: MARCA
RECURSO
PARTE CONTRÁRIA
IMITAÇÃO
RISCO DE CONFUSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Citada a parte contrária, nos termos do art. 43.º do CPI, a sentença tem que apreciar a sua resposta e a imitação, pela marca registanda, da marca titularidade daquela parte e que invocou como obstativa, ainda que no procedimento de registo que o INPI tenha julgado improcedente a sua reclamação.
II. Na apreciação do risco de confusão entre marcas, nos termos da al. c) do n.º1 do art. 238.º do CPI, deve ser feita uma apreciação global dos sinais em confronto.
III. Uma forte semelhança fonética, aliada a uma semelhança semântica e alguma semelhança gráfica, pode ser susceptível de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão, assim como a partilha das mesmas seis letras iniciais de um sinal nominativo (em oito ou nove), aliada a uma semelhança conceptual, pode compreender um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
A, B …, Lda recorreu para o Tribunal da Propriedade Intelectual da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que recusou o seu pedido de registo da marca nacional n.º 692178 TUSSILIB.
Ordenada a citação dos recorridos, nos termos do art. 43.º do Código da Propriedade Industrial (CPI), foram citadas as sociedades que tiveram intervenção no processo administrativo, C …, SA e A …, S.A, tendo esta apresentado a sua resposta.
Foi proferida sentença julgando procedente o recurso judicial e revogando o despacho proferido pelo INPI que recusou o registo da marca nacional nº 692178 TUSSILIB, com fundamento na inexistência de imitação da marca nacional nº 512871 TOCELIV, titulada pela  C …, SA.
Inconformada com a sentença, dela veio apelar a  A …, S.A., formulando as seguintes conclusões:
1- Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal a quo (1) na parte em que omite a sua pronúncia sobre a Resposta da Apelante apresentada na 1ª Instância, não se conformando, também a Apelante, (2) com a Decisão de revogação do Despacho de Recusa proferido pelo INPI, ao conceder, por via Judicial, a marca nacional nº 692178 “TUSSILIB” para os produtos inseridos na classe 5.
2- Quanto à omissão de pronúncia, a mesma acontece porquanto, alegou em 1ª Instância a Apelante, A …, S.A., nos artigos 1º a 8º e 17º a 19º da sua Resposta ao Requerimento Inicial de Recurso, os fundamentos da sua legitimidade e do seu interesse e fundamentos em agir – os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos, incluindo a menção ao Despacho que indeferiu o Pedido de Modificação Oficiosa apresentado junto do INPI, pela ora Apelante.
3- Com efeito, pese embora a sua Reclamação tenha sido julgada improcedente por parte do INPI, a verdade é que, uma eventual revogação do Despacho ora recorrido – o que veio a acontecer por Decisão Judicial - teria, inevitavelmente e na firme convicção da Apelante, efeitos no registo de marca da qual é titular, a sua marca nacional “TUSSILENE”, registada em 1957, para assinalar os seguintes produtos na Classe 05.
4- Não só no que diz respeito à sua distintividade em termos absolutos, face à marca “TUSSILIB” da Apelada, mas também pelo facto de uma reversão no Despacho recorrido levaria, necessariamente, a um elevado risco de confundibilidade no mercado com o seu registo de marca anterior.
5- Incluindo um elevado risco de associação com o seu registo prévio de marca.
6- A Apelante foi, por Despacho Judicial de 20/05/24, regularmente citada para nos termos do art.º 43º do CPI apresentar, querendo, Resposta ao Requerimento Inicial de B …, LDA pugnando pela concessão do seu pedido de registo de marca TUSSILIB.
7- A Apelante apresentou em 28/06/2024, em tempo e com legitimidade, a sua Resposta.
8- Constata-se que na sentença, datada de 28 de Novembro de 2024, a Mmª Juiz a quo não faz qualquer referência à Resposta apresentada pela Apelante, o mesmo é dizer que não se pronuncia sobre a Resposta da Apelante, não se pronuncia sobre os factos e fundamentos elencados e alegados pela Apelante, admite-se, por lapso.
9- Ou seja, existe Omissão de Pronúncia sobre elementos determinantes e relevantes do processo.
10- Tal facto, fere de nulidade a sentença recorrida, nos termos do artº 615 nº 1 d) do CPC, ao impossibilitar, assim, o direito ao julgamento dos fundamentos legitimamente invocados pela Apelante e a inerente correcta interpretação e aplicação da lei, porquanto não foi avaliada e julgada a questão material controvertida da imitação das marcas em confronto, “TUSSILENE” e “TUSSILIB”, aqui em causa.
11- Nulidade, que, desde já se vem arguir na presente Apelação e bem assim a sua consequente sanação, nos termos legalmente admitidos.
12- Quanto à questão material e controvertida da imitação das marcas TUSSILIB e TUSSILENE, porque da sua concessão resultam, na firme convicção da Apelante, consequências negativas por via do instituto da imitação, reiteram-se, assim, os argumentos substantivos aduzidos em sede da sua Resposta, uma vez que estão presentes, cumulativamente, todos os requisitos para que se dê por verificada a imitação de marca.
13- Com efeito, no caso em apreço, encontram-se preenchidos todos os requisitos do conceito legal de reprodução ou imitação, em relação a todos os produtos assinalados pela marca requerida e ora apelada.
14- Desde logo, o registo de marca da Apelante goza de prioridade face ao pedido de registo de marca nacional n.º 692178 “TUSSILIB”, porquanto foi pedido em 1957 e concedido em data anterior ao registo de marca em apreço.
15- A prioridade da marca do Recorrida foi aliás reconhecida pelo INPI, não tendo sido posto em causa pela Apelada, pelo que não persistem quaisquer dúvidas quanto ao preenchimento da alínea a) do n.º 1 do artigo 238.º do CPI.
16- Também não poderão subsistir dúvidas que o sinal requerido “TUSSILIB” reproduz as primeiras seis letras do sinal da Apelante, “TUSSILENE”, pela mesma ordem (as quais correspondem quase à totalidade do sinal), existindo, por esse motivo, um risco de confusão que não pode ser negado e o qual também não poderia ser ultrapassado com a mera adição de um outro elemento.
17- Nesse sentido, não entende a Apelante por que razão o douto examinador concluiu, por um lado, pela existência de semelhanças entre as marcas “TUSSILIB” e “TOCELIV” e não concluiu, por maioria de razão, pela verificação de todos os requisitos de imitação entre as marcas “TUSSILIB” e “TUSSILENE”, as quais são idênticas em praticamente toda a sua estrutura (no início e meio do sinal).
18- A Apelante é sobejamente conhecida no mercado pela sua marca “TUSSILENE” e pelo que o facto de uma empresa concorrente solicitar o pedido de registo de uma marca no mesmo mercado, para o mesmo tipo de produtos e cujo sinal reproduz toda a parte inicial da marca da Apelante, bem sabendo que tal facto pode conduzir a um risco de confusão, não pode ser considerado uma coincidência, mas antes uma clara tentativa de aproximação e de imitação da marca da Apelante.
19- Neste sentido, será seguro concluir que a leitura gráfica, fonética e também, conceptual, que se retira das marcas em confronto é a mesma.
20- Tratando-se de medicamentos - independentemente de serem de venda livre ou não-, é facto que, mesmo sendo um consumidor final esclarecido - o caso dos médicos e farmacêuticos-, não estão imunes à apreensão intuitiva das marcas. Ou seja, o grau de atenção exigido, é sempre maior.
21- Até porque, para além da sequência gráfica idêntica, existe uma sonoridade inicial idêntica, também.
22- O que equivale a dizer que a marca da Apelada não apresenta diferenças que possam estabelecer em relação à marca da Apelante, uma fácil distinção.
23- A coexistência da marca da Apelante e da Apelada levará o consumidor a ser induzido em erro ou confusão, ou, pelo menos, a pensar que estamos perante marcas associadas pertencentes ao mesmo titular ou a titular com algum tipo de ligação, o que não sucede no caso em análise.
24- Acresce o facto de que estão em causa produtos idênticos e afins.
25- Quando estão em causa produtos idênticos e afins, as dissemelhanças entre as marcas devem ser maiores para poder contrabalançar as semelhanças e, assim, evitar o risco de confusão.
26- Ora, no presente caso tal não sucede, porquanto os produtos são idênticos e afins, existindo uma reprodução quase total da marca TUSSILENE.
27- Estão, assim, preenchidos todos os requisitos do conceito legal de reprodução ou imitação de marca, pelo que a marca “TUSSILIB” deverá manter-se recusada, não só por imitação da marca “TOCELIV”, mas também da marca “TUSSILENE”, nos termos do artigo 232.º, n.º 1, alínea b), do CPI.
28- Possibilitaria, ainda, à Apelante e à C …, S.A., independentemente de intenção, actos de concorrência desleal, sendo esta prática proibida nos termos do artigo 311.º, do CPI.
29- A ora Apelante acompanha a argumentação expendida pela B …, S.A., não só no âmbito de processo de reclamação contra o pedido de registo de marca nacional n.º 692178 “TUSSILIB”, como também no âmbito do processo de pedido de modificação de decisão, no sentido de que o conceito de imitação da sua marca “TOCELIV” se encontra claramente preenchido, tendo em conta que o vertido no presente recurso constitui uma mera reprodução do defendido pela Apelada no que respeita à comparação entre os sinais “TUSSILIB” e “TOCELIV”.
30- Entre as marcas entre os sinais “TUSSILIB” e “TUSSILENE” estão, como se disse, preenchidos todos os requisitos do conceito legal de reprodução ou imitação de marca pelo que, deverá ser revogada a Sentença ora apelada, mantendo-se a decisão de recusa do pedido de registo da marca nacional n.º 692178 “TUSSILIB”, nos termos do artigo 232.º, n.º 1, alínea b), do CPI.
31- Consequentemente, requer-se seja revogada a Sentença que concedeu o registo da marca nacional nº 692178 “TUSSILIB” para a classe 5, ao revogar o Despacho que indeferiu o Pedido de Modificação Oficiosa de Recusa, proferido pela Direção de Marcas e Patentes - Departamento de Marcas, Desenhos e Modelos do INPI e, agora, em sede de pedido de modificação de decisão, pelo próprio Conselho Diretivo do INPI.
A,  B …, Lda apresentou contra-alegações, concluindo o seguinte:
A) A douta Sentença apelada que revogou a decisão proferida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que havia recusado o registo da marca nacional nº 692178 “TUSSILIB”, deverá ser mantida, porquanto ao ter considerado que, globalmente consideradas, a marca nacional n.º 692178 “TUSSILIB” causa uma impressão de conjunto distinta da impressão de conjunto causada pela marca nacional n.º 512871 “TOCELIV”, fundamento da decisão de recusa do despacho do INPI, considerando não existirem elementos que determinem para o público relevante, seja este um público específico e com conhecimentos na área ou um público medianamente atento e esclarecido, possibilidade de confusão entre as duas marcas e de concorrência desleal, por parte da Requerente, aqui Apelada, tem subjacente uma correcta apreciação dos factos e interpretou e aplicou correctamente as disposições legais vigentes e que constituem fundamento jurídico da decisão, designadamente, considerando que não se encontram preenchidos os requisitos cumulativos do conceito jurídico de imitação ou de usurpação, previstos no artigo 238º, nº 1, e, por conseguinte, não existindo fundamento de recusa previsto nas alínea b) e h) do n.º 1 do artigo 232º, ambos do Código da Propriedade Industrial;
B) Sendo, por consequência merecedora de confirmação superior;
C) A douta Sentença apelada, ao contrário do sustentado pela Apelante, não enferma no vício de omissão de pronúncia, porquanto, conheceu das questões essenciais sobre as quais tinha de conhecer, o que não implica que tivesse de conhecer de todos os argumentos invocados pelas partes nos seus articulados;
D) Ainda que Superiormente assim se não entenda, o que se coloca por dever de patrocínio, poderá este Venerando Tribunal suprir um tal vício, substituindo-se ao Tribunal recorrido, ao apreciar a questão colocada pela Apelante da alegada confundibilidade marca nacional n.º 692178 “TUSSILIB” com o registo da marca nacional “TUSSILENE” sem que, porém, isso conduza à procedência do recurso da Apelante, na medida em que considerando que, globalmente consideradas, a marca nacional n.º 692178 “TUSSILIB” causa uma impressão de conjunto distinta da impressão de conjunto causada pela marca nacional “TUSSILENE”, devendo ser considerado não existirem elementos que determinem possibilidade de confusão entre as duas marcas, aos olhos do consumidor, seja este um consumidor específico e com conhecimentos na área ou um consumidor de mediana atenção, isto é, medianamente atento, esclarecido, cuidadoso e perspicaz, nem que possibilitem concorrência desleal, por parte da Requerente, aqui Apelada, e, consequentemente, ser considerado não se encontram preenchidos os requisitos cumulativos do conceito jurídico de imitação, previstos no artigo 238º, nº 1, e, por conseguinte, não existindo fundamento de recusa previsto nas alínea b) e h) do n.º 1 do artigo 232º, ambos do Código da Propriedade Industrial;
E) A marca “TUSSILIB” possui características distintivas que a distinguem e afastam quer da marca da Apelante, “TUSSILENE”, por um lado, quer, por outro lado, da marca “TOCELIV”, da titularidade de C …, S.A., que fundamentou a decisão de recusa proferida pelo INPI, revogada pela douta Sentença recorrida, a qual é merecedora de Superior confirmação.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Questões a decidir
Nos termos dos artigos 635.º, nº4 e 639.º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (artigo 5.º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Assim, sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, as questões a decidir são a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre a marca titulada pela Recorrente, TUSSILENE; e o erro de julgamento quanto à inexistência de imitação e concessão do registo da marca TUSSILIB.
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III. Fundamentação
III.1. Os factos
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
1. Em 16 de Setembro de 2022, a Recorrente B …, LDA., requereu junto do INPI, o pedido de registo nacional da marca nº 692178 “TUSSILIB”, para assinalar os produtos “Preparações e substâncias farmacêuticas”, na Classe 5ª da Classificação Internacional, o qual foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial nº 187/2022, de 23 de setembro de 2022, página 42.
2. Do pedido de registo de marca nacional nº 692178 “TUSSILIB” foram apresentadas reclamações:
- por C …, S.A., com fundamento na imitação da marca de que é titular “TOCELIV” , para assinalar “produtos farmacêuticos e veterinários; medicamentos para uso humano e veterinário; produtos higiénicos para a medicina; substâncias dietéticas para uso medicinal; alimentos para bebés; emplastros para uso medicinal; material para pensos; matérias para chumbar os dentes e para impressões dentárias; desinfectantes; produtos para a destruição dos animais nocivos; fungicidas.”, na Classe 5ª, e, -e por A …, S.A., com fundamento na imitação da marca de sua titularidade “TUSSILENE”, para assinalar “produtos farmacêuticos e outros de uso medicinal. inclui: produtos farmacêuticos, veterinários e higiénicos; desinfectantes; emplastros, mat. p/pensos; mat. p/chumbar dentes e p/impressões dentárias; subst. dietéticas p/uso medicinal; alimentos p/bebés; fungicidas, herbicidas e prod. p/destruir animais nocivos; produtos higiénicos p/medicina e higiene íntima; desodorizantes p/uso outro que não pessoal; cigarros medicinais sem tabaco. Exclui: produtos e desodorizantes p/higiene pessoal («toilette») (cl.03); ligaduras ortopédicas (cl. 10)”, na Classe 5ª.
3. Esta última reclamação foi considerada improcedente pelo INPI.
4. Em 17 de Janeiro de 2023, o INPI proferiu decisão, tendo considerado procedente a reclamação apresentada por B …, S.A., tendo proferido decisão de recusa do pedido de registo de marca nacional nº 692178 “TUSSILIB”, com fundamento em imitação do registo de marca nacional nº 512871 “TOCELIV”.
5. C …, S.A., é titular do registo de marca nacional nº 512871 “TOCELIV” desde 17-04-2013.
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III.2. Do mérito do recurso
2.1. nulidade da sentença
Sustenta a Recorrente a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º1, al. d) do CPC, alegando que não se apreciou a resposta que apresentou tempestivamente nos autos na sequência da sua citação para o efeito, como parte contrária/recorrida, nos termos do art. 43.º do Código da Propriedade Industrial, e na qual invocou a titularidade da marca nacional n.º 155631 TUSSILENE.
Com efeito, tendo a Recorrente apresentado reclamação no processo de registo da marca nacional n.º 692178  TUSSILIB – que o INPI considerou improcedente – foi citada como parte contrária, nos termos do art. 43.º do CPI, e apresentou a sua resposta, sobre a qual a sentença não se pronunciou.
Constando da matéria de facto provada (ponto 2, 2ª parte) a reclamação apresentada pela Recorrente junto do INPI e que foi julgada improcedente por este Instituto (ponto 3), cabia apreciar da existência de imitação e motivo de recusa do registo da marca nacional nº 692178 TUSSILIB não só em relação à marca nacional n.º 512871 TOCELIV mas, também, em relação à marca nacional n.º 155631 TUSSILENE titulada pela Recorrente.
O facto de o INPI ter considerado improcedente a reclamação apresentada pela ora Recorrente (e não ser a autora da impugnação judicial para o Tribunal da Propriedade Intelectual – até porque o INPI recusou o registo da marca nacional nº 692178 TUSSILIB), não a impedia de intervir no recurso de impugnação interposto pela requerente do registo, e de, a ser revogada a decisão do INPI, ver apreciada a sua resposta. Tanto que, e bem, foi citada nos termos do art. 43.º do CPI.
O recurso de impugnação em questão é um recurso de plena jurisdição (art. 38.º do CPI). Significa isto que o Tribunal não se limita a confirmar ou invalidar os actos recorridos, tendo poderes para os revogar e substituir por outros de sinal contrário, que considere devidos à luz dos factos provados e da lei aplicável. Não está em causa, em suma, uma mera reapreciação do acto praticado pelo INPI, podendo ser alegados novos factos e apresentados meios de prova que não tenham sido apresentados no processo administrativo e que sejam relevantes para a apreciação da causa.
Pelo que se conclui pela nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º1, al. d) do CPC.
Nos termos do disposto no art. 665.º do CPC, e porque os autos dispõem dos elementos necessários para  efeito, este tribunal de recurso passará a conhecer do objecto da apelação.
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2.2. matéria de facto
Na sequência da decisão que antecede, mostra-se necessário aditar o seguinte facto à matéria de facto provada:
6. A …, S.A. é titular do registo da marca nacional n.º 155631 TUSSILENE, concedido em 3.06.1959, para assinalar os produtos supra referidos em 2 (2ª parte).
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2.3. erro de julgamento
A sentença considerou que, não obstante alguma semelhança fonética entre as marcas TUSSILIB e TOCELIV, “o público relevante (…) é um público específico e com conhecimentos nesta área, sendo por isso um público mais atento que escolhe o produto em função da sua natureza e caraterísticas, e por isso com maior capacidade de destrinça quanto às marcas.
Assim, por tudo o exposto não se afigura existir perigo de ser estabelecida confusão entre as marcas em confronto.
A inexistência de elementos que determinem possibilidade de confusão entre as duas marcas conduz que de igual modo não se verifique a possibilidade de concorrência desleal por parte da Recorrente independentemente da intenção desta, falecendo por isso os argumentos expendidos quanto a isto, pela Recorrida”, revogando em consequência a decisão do INPI que recusou o registo da marca nacional nº 692178 TUSSILIB.
Começaremos por apreciar a existência de imitação da marca nacional n.º 155631 TUSSILENE, titulada pela Recorrente.
De acordo com o disposto no art. 232.º, n.º1, al. b) do CPI, constitui fundamento de recusa do registo de marca a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada.
Uma marca considera-se imitada por outra, no todo ou em parte, de acordo com o o art. 238.º do CPI, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
No caso não há dúvidas sobre a prioridade do registo da marca titulada pela Recorrente, nem da semelhança ou afinidade dos produtos assinalados. Pelo que resta apreciar o risco de confusão/associação previsto na l. c).
Gráfica ou visualmente, TUSSILENE e TUSSILIB  têm uma mancha semelhante (com apenas menos uma letra), sendo facilmente perceptível que têm um início igual  (TUSSIL) e terminam com duas letras diferentes (E e B).
Foneticamente, são iguais na parte inicial (tu-ssi-l) e não apresentam semelhanças na parte final (lé-ne/líb).
Em todo o caso, começando a leitura pela esquerda, TUSSIL é a parte do sinal que o consumidor vai reter mais facilmente na memória, correndo o risco de negligenciar a atenção na segunda parte uma vez que está reproduzida mais de metade do sinal que compõe a marca prioritária (as 6 letras iniciais das 8 letras que o compõem).
Conceptualmente, remetem ambos para tosse, e produtos para a combater.
Quanto ao nível de atenção do consumidor médio, considerando que se trata de preparações e substâncias farmacêuticas (marca TUSSILIB) e de produtos farmacêuticos e outros de uso medicinal (marca TUSSILENE), a atenção do consumidor será mediana no caso de alguns produtos farmacêuticos e acima da média no caso de preparações e substâncias farmacêuticas para uso medicinal.
Afigura-se existir o risco de o consumidor ser facilmente induzido em erro ou confusão ao deparar-se com produtos assinalados com a marca TUSSILIB e outros, iguais, semelhantes ou afins assinalados com a marca TUSSILENE. Bem como o risco de ser induzido a associar as marcas e a pensar que têm a mesma origem empresarial ou, até, que se trata de uma família de marcas, posto que ambas iniciam com TUSSIL tendo apenas terminações diferentes: TUSSILIB / TUSSILENE
O que possibilita que se pratiquem actos de concorrência desleal, mesmo que sem intenção (art. 311.º, n.º1 al. a) do CPI).
Refira-se que nos acórdãos de 26.03.2025 e 4.03.2024 desta Secção, nos processos 63/23.0YHLSB e 62/23.2YHLSB.L1, respectivamente,  foi decidido existir risco de confusão entre as marcas DAVENE e DAVINES (sendo os produtos assinalados também susceptíveis de serem encontrados em farmácias).
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Em relação à marca TOCELIV, a semelhança fonética é grande: to-ce-liv/tu-ssi-lib. Acresce que os sons toce e tussi são passíveis de confusão, e que com demasiada facilidade os sons liv e lib são confundidos.
Gráfica ou visualmente têm semelhanças: a “mancha” gráfica é semelhante (tem menos 1 letra) e começa com a mesma letra T.
Em termos semânticos, acrescidas das semelhanças fonéticas, também: TOCE  soa igual a TOSSE e é suscetível de ser apreendido pelo consumidor, tal como TUSSI (tossi, do verbo tossir), como um produto para a tosse.
Ou seja e tal como decidiu o INPI, estas duas marcas, exclusivamente nominativas, não apresentam o distanciamento necessário de molde a evitar que o consumidor seja induzido em erro ou confusão.
Concluindo-se que a registanda TUSSILIB constitui imitação da marca nacional n.º 155631 TUSSILENE, titulada pela Recorrente e, também, da marca nacional nº 512871 TOCELIV, titulada pela  C …, SA. Devendo, em consequência, ser julgado procedente o presente recurso e revogada a sentença recorrida, mantendo-se a recusa do registo da referida marca.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar o recurso procedente e revogar a sentença recorrida, recusando o registo da marca nacional n.º 692178 TUSSILIB requerido pela B …, Lda.
Custas pela Recorrida B …, Lda (art. 527.º do CPC).
Notifique.
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Lisboa, 9.04.2025
Eleonora Viegas
Paulo Registo
Armando Cordeiro