Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
191/09.5TTFUN.L1-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: PROVEITO COMUM DO CASAL
CASAMENTO
MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I - Numa acção do foro laboral em que se peticionam contra o empregador singular e respectivo cônjuge, ao abrigo do art. 1691º nº 1 al. d) do CC, créditos emergentes da resolução do contrato pelo trabalhador com invocação da justa causa, se os RR. não puserem em causa o respectivo casamento e se se assumirem expressamente como cônjuges, não é indispensável a apresentação de documento para prova do casamento, podendo este ter-se como provado por acordo.
II - Provado que um dos cônjuges explorava uma empresa ou estabelecimento comercial, essa actividade constitui seguramente exercício profissional de actos de comércio, sendo as dívidas contraídas no exercício dessa actividade dívidas comerciais.
III - Recai sobre os RR. o ónus de alegar e provar que a dívida reclamada não fora contraída em proveito comum do casal ou que o regime de bens do casamento era o da separação.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AA, residente em ..., intentou contra BB e marido CC, (…), a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, alegando que desde o dia 01/01/00 começou a trabalhar para a empresa DD, explorada pelos Réus,  prestando-lhes a actividade profissional de carpinteiro, mediante a retribuição € 671,17; os Réus não lhe pagaram os salários dos meses de Junho, Julho e Agosto, razão pela qual, em 12/09/08, rescindiu o seu contrato de trabalho invocando justa causa, tendo os RR. pago as retribuições em dívida posteriormente, em 30/09/08. Mais alegou que os RR. vivem em comunhão de mesa, leito e habitação, com os proventos auferidos na actividade comercial, que revertem em proveito comum do casal, razão pela qual são solidariamente responsáveis perante o A. por esta dívida.
Pediu que os Réus fossem condenados a pagar-lhe uma indemnização pela resolução do contrato de trabalho, por justa causa, no montante de € 5.593,08.
Procedeu-se à realização da audiência de partes no decurso da qual não foi possível obter a conciliação das mesmas.
Os Réus contestaram, alegando em síntese, que a firma (querendo certamente referir-se à empresa) é explorada apenas pela R. mulher, pelo que arguiram a ilegitimidade do Réu marido. Acrescentaram que em 09/09/08, a entidade patronal do A. entregou-lhe, por conta do pagamento do salário do mês de Junho a quantia de € 500,00 e comunicou ao A. que estava impossibilitada de satisfazer, até essa data, o pagamento dos salários em dívida, em virtude da débil situação financeira e da acumulação de prejuízos apresentados e pagou-lhe o remanescente em dívida no dia 29/09/08 através de vale postal.
Concluíram pela improcedência da acção e respectiva absolvição do pedido.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade do Réu marido.
A fls. 43/47 foi junta certidão da sentença proferida no processo nº 1118/10.7TBFUN, que declarou insolvente a requerente e aqui R. BB e transitou em julgado em 16/4/2010.
Teve lugar a realização da audiência de discussão e julgamento, tendo o Tribunal fixado a matéria de facto, que não sofreu reclamação.
Foi seguidamente proferida a sentença de fls. 62/73 que declarou a inutilidade superveniente da lide quanto à R. BB[1] por força da declaração judicial de insolvência e absolveu o R. CC do pedido.
            O A. não se conformou com a absolvição do R. CC, interpondo recurso em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
(…)
            O recorrido CC contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
            Subidos os autos a este tribunal, o M.P. emitiu o parecer de fls.95/96, no sentido da negação de provimento ao recurso.

            As questões colocadas no recurso são:
            - se deve aditar-se à matéria de facto que “a R. BB explorava a empresa DD”;
            - se a sentença violou o disposto no art. 510º nº 3 al. a) do CPC;
            - assim não se entendendo, se violou o art. 3º nº 3 do CPC;
  - se o R. CC deve ser condenado a pagar a indemnização ao A.

Na 1ª instância foram dados por provados os seguintes factos:
1. – O Autor prestou serviço para a empresa “ DD”, trabalhando sob as ordens e direcção da Ré mulher, desde 01/01/2000.
2. – Sendo-lhe atribuída a categoria profissional de carpinteiro e pago o salário de € 671,17.
3. – Ao Autor não lhe foram pagos os salários dos meses de Junho, Julho e Agosto de 2008.
4. – O Autor por carta datada de 11 de Setembro que enviou à “DD - Mobiliário de Cozinha”, comunicou a resolução do contrato de trabalho com fundamento no não pagamento das retribuições referentes aos meses de Junho, Julho e Agosto de 2008, conforme documento de fls. 5 junto com a petição inicial e que se dá aqui por inteiramente reproduzida para todos os efeitos.
           
                        Apreciação
            A Srª Juíza, embora tivesse julgado extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto à R. BB (atenta a respectiva declaração de insolvência), porque o pedido fora também deduzido contra o R. CC, marido da 1ª, com dois fundamentos - por um lado, a exploração da empresa “DD” ser efectuada por ambos os RR. e, por outro lado, por a dívida respeitante ao crédito reclamado nos autos ser da responsabilidade de ambos os cônjuges, nos termos do art. 1691º nº 1 al. d) do CC - conheceu de mérito, concluindo pela existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho pelo A., reconhecendo-lhe o direito a indemnização, que calculou em € 4.698,19. Porém, ao apreciar a questão da comunicabilidade da dívida, concluiu que «nada da matéria de facto induz a qualidade de comerciante da R. BB, pois que para além (da) dependência ou subordinação económica do A. em relação àquela, nada mais se apurou quanto ao seu modo de vida e, mais concretamente, não se apurou se a sua qualidade de comerciante advém da qualidade de sócia da “empresa DD” (note-se que a carta de resolução do contrato era dirigida a esta) ou como pessoa singular que exercesse habitualmente o comércio, tanto mais que não se provou que os RR. vivessem com os proventos auferidos pela exploração do “DD”.
             Assim, face à ausência de factualidade que possa atribuir à R. BB a qualidade de comerciante, destituída fica de fundamento a co-responsabilidade do R. CC no pagamento do peticionado pelo A.
             Por outro lado, na petição inicial nunca o A. alega que os RR. sejam casados entre si, pelo que não pode juridicamente admitir-se o seu matrimónio(...)» E, embora os RR. não tivessem impugnado na contestação a qualidade de “R. marido” e “R. mulher” atribuída na p.i., admitindo-se pelo teor da contestação, que aceitam que são casados um com o outro, a confissão não opera porque se trata de factos que só podem ser provados por documento escrito (art. 490º nº 2 CPC, 1º nº 1 al. d), 4º e 211º do CRC). Por tudo isto absolveu também o R. CC do pedido.
          Insurge-se o A. contra tal decisão, sustentando que o facto de estar provado que trabalhou sob as ordens e direcção da R. BB no âmbito de uma empresa é suficiente para caracterizar a actividade da R. como comercial. Mas, além disso, no art. 6º da contestação alegaram os RR. que “… a firma DD é explorada unicamente pela R. mulher”, o que constitui confissão (art. 356º nº 1 do CC e 490º CPC). Ora explorar uma empresa (que o A. no art. 1º imputara a ambos os RR., e estes puseram em causa apenas quanto ao R. CC) constitui segura e indubitavelmente um acto comercial. Embora constitua uma afirmação algo conclusiva, em linguagem corrente está dotado de um conteúdo factual e, porque não se registou controvérsia a este respeito, pode e deve ser adoptado pelo tribunal.
          Conclui assim que deve ser aditado à matéria de facto que «A R. BB explorava a empresa  “DD”
          Afigura-se-nos que, nesta parte, assiste razão ao recorrente.
          Porque aquele facto integra a causa de pedir (foi alegado, embora em termos mais abrangentes, já que se estendia a ambos os RR.), é relevante para a decisão e está provado (por confissão expressa, apenas em relação à A.), não oferece dúvidas que deve ser considerado assente na parte confessada.
          Com efeito, os RR. na contestação alegaram expressamente (no art. 6º) que “a firma[2] DD é explorada unicamente pela R. mulher” e sendo a exploração de uma empresa ou estabelecimento comercial um facto relevante para caracterizar o exercício profissional de actos de comércio (como nos parece evidente que é[3]), sendo esse, por sua vez, um facto necessário para poder qualificar como comerciante uma pessoa singular, que, em princípio (dado que não foi excepcionada a respectiva incapacidade), é dotada de capacidade para praticar actos de comércio (art. 13º nº 1 do C.Comercial), aquele facto, porque relevante para a decisão da causa - uma vez que fora invocada a comunicabilidade entre cônjuges da dívida do empregador para com um trabalhador (que, sendo o empregador comerciante, configura uma dívida comercial, cf. art. 15º do C. Comercial) – e porque está expressamente confessado (art. 352º e 356º nº 1 do CC e 490º nº 2 do CPC), deve ser aditado à matéria de facto provada.
          Assim, deferindo, nesta parte a pretensão do recorrente adita-se à matéria de facto, como  nº 1, passando os demais a ficar com a numeração subsequente (2, 3, 4 e 5)  o seguinte:
1 “A empresa DD era explorada unicamente pela R. mulher.”

            Insurge-se também o recorrente contra outro fundamento invocado na sentença para julgar improcedente a pretensão do A. contra o R. CC: não estar alegado na p.i. que os RR. sejam casados e, se bem que os RR. não tivessem impugnado a qualidade de R. marido e R., mulher que lhes era atribuída na petição, esse facto sempre dever ser provado por documento escrito
            Para tanto invoca o recorrente que está consensualmente aceite pelos RR. na contestação que são marido e mulher, o que foi igualmente considerado no despacho saneador, ao decidir a excepção de ilegitimidade, onde são expressamente referidos como cônjuges, pelo que, ao alterar essa qualificação, o julgador violou o disposto no art. 510º nº 3 do CPC.
Invoca assim o recorrente a violação do caso julgado formal[4].
Vejamos se lhe assiste razão nesta questão.
É verdade que no despacho saneador se alude ao R. marido e à R. mulher e à qualidade de cônjuges dos mesmos, designadamente quando se afirma (fls. 29/30) “não se pode deixar de concluir que o cônjuge marido é parte legítima” e se decide afinal “julga-se improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida e declara-se o R. marido parte legítima para a presente acção pelo lado passivo”.
Importa, porém, ter em atenção que o que forma caso julgado é a decisão propriamente dita e não os respectivos fundamentos, e, no caso, a decisão foi precisamente a de declarar o R. marido parte legítima. Limitou-se a considerar verificado o pressuposto processual legitimidade passiva e improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade, não decidiu de fundo. Ora, a decisão proferida na sentença não contraria esta decisão. Tal só sucederia se agora afirmasse que o R. CC não tem legitimidade passiva para a acção e isso não se verifica. É certo que sendo a legitimidade do mesmo declarada enquanto R. marido, ao afirmar na sentença que não pode juridicamente admitir-se o matrimónio, está a contrariar o fundamento da decisão sobre a excepção de ilegitimidade e o pressuposto processual legitimidade passiva, mas isso, em rigor, não viola o caso julgado formal. Não tem pois razão o recorrente quanto a este fundamento do recurso.
Não merece acolhimento a afirmação feita na sentença que “nunca o A. alega que os RR. sejam casados entre si”. É verdade que o A. não o afirma expressamente qua tale. Todavia, na medida em que identifica logo no cabeçalho o R. CC como marido da R. BB e por outro lado, no art. 7º da p.i. alega que “Os RR. vivem em comunhão de mesa, leito e habitação, com os proventos auferidos na aludida actividade comercial, os quais revertem em proveito comum do casal, razão pela qual são solidariamente responsáveis perante o A. pela presente dívida” afigura-se-nos que, apesar de imperfeitamente expressa, resulta com meridiana clareza da petição, interpretada no seu todo, que o A. pretendeu invocar a responsabilidade dos cônjuges pela dívida contraída por um deles no exercício da actividade comercial, como é a de explorar uma empresa de móveis, e isso pressupõe necessariamente a relação conjugal, que tem subjacente o casamento. Basta o facto de identificar os RR. como cônjuges e invocar a comunicabilidade da dívida nessa qualidade para permitir considerar que o casamento foi (tacitamente) alegado.
E sendo de considerar alegado (apesar de forma imperfeita) o casamento, a decisão da matéria de facto teria de recair sobre esse facto e decidir sobre se o mesmo está provado ou  não provado, o que não sucedeu, uma vez que a decisão da matéria de facto é sobre isso totalmente omissa.
Porém, na sentença a Srª Juíza decidiu como se esse facto tivesse sido dado por não provado, por se tratar de matéria que só admite prova documental, como decorre do disposto nos art. 490º nº 2 do CPC conjugado com o disposto nos art. 1º nº 1 al. d), 4º e 211º do CRC, considerando por isso irrelevante a confissão resultante da contestação.
Também quanto a esta questão, salvo o devido respeito, não acompanhamos a decisão recorrida.
É indesmentível que: nos termos do art. 490º nº 2 do CPC, se consideram admitidos por acordo os factos não impugnados, salvo se só puderem ser provados por documento escrito; que o casamento é um facto obrigatoriamente sujeito a registo (art. 1651º nº 1 CC e art. 1º nº 1 al. d) do CRC); que a prova dos factos sujeitos a registo só pode ser feita pelos meios previstos no CRC (art. 4º), ou seja, de acordo com a redacção do art. 211º nº 1 do CRC resultante do DL 324/2007, de 28/9, “pelo acesso à base de dados do registo civil ou por meio de certidão”.
Impõe-se todavia uma aplicação cuidadosa destas normas.
Como afirma José Manuel Vilalonga[5]: “É certo que a função probatória do registo assume particular relevo, pois trata-se da única prova do casamento legalmente admitida (com as excepções amiúde previstas).
Contudo, o facto de se tratar de um instituto que monopoliza os meios de prova do casamento não significa que o acto tenha de ser provado sempre que for invocado. Nada na lei inculca esta solução[6], Pereira Coelho não a defende (e, em rigor, nenhum Autor) e a Jurisprudência chega mesmo a negá-la[7]”.
Esta orientação, que temos como a mais correcta[8], foi seguida pelo STJ também nos ac. de 14/1/2003 (relator Afonso de Melo), proferido no processo 02A4346 e de 6/2/2003 (relator Sousa Inês), proferida no processo 02B4731, ambos disponíveis na base de dados do ITIJ. Diz-se no primeiro «Não se tratando de acção de estado e se a situação de casado é apenas invocada para efeitos patrimoniais não constituindo o “thema decidendum”’ mas apenas mera condicionante, nada impede que se considere provada se não for contestada ou impugnado» e no segundo «… em processo civil, o estado civil ou o parentesco podem alcançar-se mediante acordo das partes ou confissão sempre que os respectivos factos jurídicos não constituam objecto directo da acção, antes constituindo relações jurídicas prejudiciais ou condicionantes, meros pressupostos da decisão a proferir, elementos da hipótese de facto da norma. É o caso do art. 1691º nº 1 al. c) do CC, em que o matrimónio integra a previsão factual do preceito.»
 Ora, no caso presente, não só os RR. não impugnaram que sejam casados entre si (facto que, como atrás vimos, resulta tacitamente invocado na petição ao identificá-los como marido e mulher e como casal), mas também eles próprios se referem a si mesmos na contestação como réu marido e ré mulher, assumindo, pois, expressamente o casamento. Porque não se trata de uma acção de estado, não sendo o facto ‘casamento dos RR.’ o cerne do thema decidendum – que era constituído pelo resolução do contrato de trabalho e direito à correspondente indemnização - mas um mero facto condicionante da aplicação do regime de comunicabilidade da dívida entre cônjuges (caso esta venha a ser qualificada como contraída pelo devedor no exercício do seu comércio), atenta a corrente jurisprudencial atrás mencionada e  a circunstância de os RR. terem sido reconhecidos no despacho saneador como cônjuges, dado que a questão não fora controvertida, tudo isso era apto a criar no A. a convicção de que não precisava de provar documentalmente o casamento dos RR.. Por isso, neste quadro de circunstâncias, a decisão recorrida, porque fundada na falta de prova do casamento, surge como uma verdadeira decisão surpresa. Na medida em que a orientação adoptada quanto à necessidade de prova documental do casamento dos RR. vinha contrariar o tratamento dos mesmos no despacho saneador como R. marido e R. mulher, de acordo com o princípio da cooperação e da boa fé processual impunha-se que, antes de julgar nos termos em que o fez, a Srª Juíza tivesse convidado o A. a juntar o documento que considerava imprescindível, sendo certo que sempre poderia ter acedido à base de dados do registo civil conforme previsto no art. 211º nº 1 do C.R.C.. Por esse motivo a decisão deve ser dada sem efeito.
Mas, a nosso ver, na linha da jurisprudência a que fizemos referência, não se mostra necessária a junção de documento, dado que o facto se encontra provado por acordo.
Assim, dando provimento ao recurso nesta parte adita-se à matéria de facto o seguinte ponto:
6- Os RR. à data da cessação do contrato de trabalho do A. eram casados entre si.

 Ora, assente a conjugalidade dos RR. e por outro lado, que a R. mulher explorava a empresa ou estabelecimento comercial “DD”, essa actividade constitui seguramente o exercício de actos de comércio como profissão (art. 13º nº 1 do C. Com.) sendo, pois, as dívidas contraídas no exercício dessa actividade dívidas comerciais (art. 15º C. Com.). Era pois dívida comercial tanto a relativa aos salários, cuja falta pontual de pagamento motivou o A. a resolver o contrato de trabalho, como a relativa à indemnização fundada nessa resolução, que a Srª Juíza reconheceu  ser de € 4.698,19.
Nos termos do art. 1691º nº 1 al. d) do CC são da responsabilidade ambos os cônjuges as dívidas contraídas por qualquer deles no exercício do seu comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre eles o regime de separação de bens. Como facto impeditivo do direito do A. era aos RR. que cabia invocar e provar (art. 342º nº 2 do CC) que a dívida não fora contraída em proveito comum do casal ou que o regime de bens do casamento era o da separação. Não o tendo sequer alegado, temos de concluir que o crédito do A. atinente à indemnização por antiguidade constitui dívida comum do casal, pelo que, apesar da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto à R. BB, mercê da respectiva declaração de insolvência, subsiste contra o R. CC, pelo que o mesmo não pode deixar de ser condenado no respectivo pagamento.
Procede, portanto a apelação.


Decisão
Pelo exposto se acorda em julgar procedente a apelação e em consequência revogar a decisão recorrida, decidindo, em sua substituição, condenar o R. CC a pagar ao A. a indemnização por antiguidade no valor de € 4.698,19.

Custas pelo R. CC.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2012

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira
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[1] Se bem que na sentença conste o nome S... ..., trata-se de manifesto lapso de escrita.
[2] Como atrás referimos, trata-se de um manifesto erro, muito frequente na linguagem corrente, que é a utilização da “firma” querendo dizer “empresa”. O que revela claramente ser esse o sentido em que a expressão foi utilizada e deve ser interpretada (e não no sentido do conceito jurídico de firma – o nome comercial do comerciante, seja pessoa singular ou sociedade) é a utilização do verbo explorar. Explorar pressupõe necessariamente um objecto de direitos (a empresa comercial é que é objecto de direitos do comerciante) e não um sujeito de direitos (o comerciante, singular ou pessoa colectiva). Pelo que somos  levados a concluir que ao usar a aludida expressão os RR. se referiam à empresa e não a uma hipotética sociedade. Caso a “DD” fosse uma sociedade, não seria a sociedade que era explorada pela A., mas antes ela, sociedade, que explorava a empresa ou estabelecimento comercial.
[3] Explorar uma empresa  (em sentido objectivo, isto é, um instrumento ou estrutura produtivo-económica, objecto de direitos e de negócios – cf. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Almedina, 1998, vol. I, pag.  187) – que é o que será, afinal, a “DD”, já que nada nos autos indicia que se trate de uma sociedade comercial - é algo que traduz necessariamente prática de actos de comércio em termos profissionais, não sendo concebível que alguém explore uma empresa como simples amador.   
[4] Uma vez que o art. 510º nº 3 estabelece “No caso previsto na alínea a) do nº 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões apreciadas…” sendo que o nº 1 al. a) se refere precisamente ao conhecimento (no despacho saneador) das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes ou que, face aos elementos  constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente.
[5] In “Eficácia e Natureza Jurídica do Registo do Casamento”, publicado na Revista “O Direito” ano 132, I-II, pag. 31 e seg., maxime a pag. 68.
[6] O facto de a lei afirmar que o casamento só pode ser provado através dos meios probatórios previstos no C.R.C., não significa que o casamento tenha de ser sempre provado para que possa ser atendido, sendo, porém, necessário encontrar-se registado.
[7] Sobre a prova do casamento vide os seguintes acórdãos:
Ac. RC de 13/12/1988, in CJ, 1988/5, pag. 80
 “I- Em acção sumária não contestada consideram-se provados os factos articulados pelo A., mesmo aqueles que, em termos gerais, só por documento autêntico poderiam ser provados.
II- O mesmo acontece quanto aos factos não impugnados em acção contestada.
III- Proposta acção sumária contra marido comerciante e contra mulher, como beneficiária do negócio, não é necessária a prova do casamento, se ele não foi contestado”
Ac. do STJ, de 29/11/89, in BMJ nº 391, pag. 520:
I- O tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha de cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
II- Já diferente deveria ser a solução se o Tribunal da Relação tivesse apreciado tal questão, ainda que nova.
III- Não é de conhecimento oficioso a questão da prova do casamento (prova só documental) se não se trata de uma acção de estado e a situação de casado é invocada apenas para efeitos patrimoniais.
[8] Pelas razões melhor explanadas no excerto do acórdão do STJ, de 13/5/1997 in BMJ nº 467, pag. 507 e seg (relator Machado Soares) que passamos a transcrever «É esta, de resto, a solução que deflui do princípio da confiança que se tem como emanente no nosso sistema jurídico, a todos os níveis. Trata-se, como se sabe de um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo, pois, “a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem”.
“Assim tem de ser, pois […] poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens.
Mais ainda: esse poder confiar é logo condição básica da própria possibilidade de comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação (logo, à paz jurídica). Note-se que, independentemente do preceito ético, pensado como regra geral de conduta, a não correspondência sistemática à confiança inspirada tornaria insegura ou paralisaria mesmo a acção humana.”
São as palavras sábias do Prof. Baptista Machado, insertas no seu notável estudo “Tutela da confiança e venire contra factum proprium”, Obra Dispersa, vol. I, pag. 345 e seg. em especial pag. 352…»
Decisão Texto Integral: