Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
505/18.7PAMTJ.L1-5
Relator: ANABELA CARDOSO
Descritores: LIBERDADE DE EXPRESSÃO
CRIME DE DIFAMAÇÃO AGRAVADA
HONRA E CONSIDERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Da leitura conjunta dos comentários efectuados pela arguida, é indiscutível que são ofensivos da honra e consideração do ofendido, por adequados a colocar em causa o bom nome e consideração do mesmo, perante todos quantos leram os comentários [a arguida não só adjectiva o assistente de "sabujo", como, ainda, refere "um porco que deixou de pagar a cão e gato, que deixou de pagar à SS... quando tem sido sustentado por partidos e câmaras"; "chama-se FR do diário da região e é mais um dos que mama para só dizer o que lhe mandam. Mas agora meteu-se com uma associação de animais da Moita...devia lá querer meter a mulher ou a amante e não o deixaram"] e que vão muito além daquilo que constitui a liberdade de expressão ou direito de critica.

Mais se provou que a arguida agiu ciente de que a expressão "sabujo" e as restantes imputações que fez, relativamente ao assistente, eram adequadas a colocar em causa a sua honra e dignidade profissional e pessoal, o que quis, pelo que, também, se mostra preenchido o elemento subjectivo do crime, a título de dolo directo.

O que a arguida pretendeu - atentas as circunstâncias em que pratica os factos dados como provados, no Facebook, referindo-se expressamente ao assistente - foi denegrir a sua imagem pública, pôr em causa a sua reputação, o que conseguiu, sendo a sua conduta objetivamente idónea para tal.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


1.No Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 505/18.7PAMTJ, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal do Barreiro, Juiz 1, sob acusação particular deduzida pelo assistente,  FR, acompanhada por acusação do Digno Magistrado do Ministério Público, foi julgada a arguida, MT , e, por sentença de 21 de Dezembro de 2020, foi decidido:

“Pelo exposto, decide-se:
I- Julgar a acusação particular procedente por provada e, em consequência:
a)-Condenar a arguida MT, pela prática de um crime de difamação agravada, previsto e punível pelo Artigo 180° e 183°n.l a) do Código Penal:
b)- na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa; à taxa diária de €5.00.
c)- nas custas do processo que se fixam em 2 Unidades de Conta e demais encargos do processo.
II-  Julgar procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente FR e em consequência condenar a arguida/demandada MT no pagamento da quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a data do trânsito em julgado da sentença até integral e efectivo pagamento. (…).”
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2.Não se conformando com esta decisão, a arguida dela interpôs recurso, apresentando motivação da qual extraiu as seguintes conclusões:

“1.- MT  foi condenada como difamadora agravada a 21Dez2020 (artigo 180° e alíneas a) e b) do artigo183° do CP).
2.-  O assistente FR é director de diário regional de Setúbal, que a 6Dez2017 noticiou sobre uma associação protectora de animais da Moita e esta exerceu o seu direito de resposta, comunicando 2 dias depois o assunto à ERC, tudo se processando em ambos os casos com o escrupuloso cumprimento da legalidade.
3.- Mas nesse ínterim a recorrente resolveu desabafar livremente na chamada rede social e em termos que constituem o cerne dos autos, insurgindo-se genericamente contra estes jornalistas sabujos permanentemente prejudiciais a quem trabalha pelo bem-estar animal e também pelo mesmo meio e com o mesmo tom em conversas com MG e NF e idem com AS, aqui com o aditamento de terem sido reproduzidos testemunhos falsos por nem sequer virem identificados os autores das acusações.
4.- Parecidas são as citações que constam do aresto desde o item 10. a 26.
5.- Este considera que a recorrente sem antecedentes criminais atentou contra a consideração pessoal e profissional do assistente, sabendo que isso iria afectar como danou a imagem e a vida pessoal dele com a projecção que o cargo sempre lhe deu, ele que por isso se sentiu constrangido ou humilhado.
6.- A subsequente motivação da matéria de facto é hic et nunc objecto de tratamento autónomo (n°s 3 e 4 do artigo 411° do CPP).
7.-A recorrente discorda de que as conclusões extraídas das declarações prestadas nos autos sejam as únicas verosímeis.
8.- E também discorda do enquadramento jurídico-penal quanto ao crime em causa e mormente à mencionada alínea b) do artigo 183°.
9.-Apesar dos pretensos excessos de linguagem, ainda hoje a agente não considera falsas as suas imputações, o que na sua óptica erradica qualquer hipótese de arrependimento.
10.-Historicamente, é discutível que um meio difusor que ainda não existia na tipificação do crime possa servir de suporte às suas acusações, apreciação ou averiguação.
11.-Basta que esse factor seja susceptível de criar sombras quanto à incriminação, para que esta seja arredada sem mais.
12.-Parece ser uma legítima expectativa merecedora da tutela do direito que se conclua ser lícito ficar a aguardar-se que eventualmente a doutrina e a jurisprudência mais qualificadas ou o próprio poder legislativo competente venham dilucidar o tipo legal em toda a sua dimensão.
13.-A base subjacente tem de estar clarificada a outrance.
14.-Em sede persecutória e sancionatória, não há crime sem uma norma que o defina claramente e sem reservas.
15.-A chamada rede social não parece que sustente um processo penal, ainda que aqui a agente sempre tenha agido exibindo a sua identidade.
16.-É sempre de acesso voluntário e definida num âmbito mais ou menos restrito e fora da grande área potencial ou real do papel impresso ou das ondas de uma estação de rádio ou de televisão.
17.-A eficácia dos comentários mais ácidos e corrosivos que a recorrente proferiu sobre as intervenções do assistente não excedeu forçosamente a área diminuta em que os intervenientes implicados se conhecem e se movem.
18.-Nesta, os que sempre depreciaram ou apreciaram o assistente mantiveram decerto sobre ele a mesma opinião negativa ou positiva, indiferentes ao ruído envolvente com as observações acres da recorrente.
19.-A defesa acalorada de argumentos acarreta amiúde palavras mais agrestes e incisivas, na pressuposição até aceitável e compreensível de que uma semântica subtil não permitia alcançar o efeito pretendido e sem que estejamos forçosamente perante um crime.
20.-As expressões utilizadas são analisadas à luz do habitat em que o seu autor se movimenta, sob pena de a situação parecer descontextualizada ou desfocada.
21.-Reflectem em regra o ambiente em que foram pronunciadas.
22.-Um indivíduo o interlocutor considera adulador pode ser qualificado como sabujo, por lhe parecer que este termo é suficientemente forte para suscitar a consciência do visado e a sua correcção de procedimento e ao mesmo tempo despertar a atenção do auditório.
23.-E o destinatário pode sempre exercer a sua faculdade dialéctica da contraditoriedade.
24.-Com a condenação sistemática do próprio Estado português, máxime em assuntos de evidente repercussão pública, são inúmeras as deliberações do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem com sede em Estrasburgo inclinando-se geralmente para algum detrimento ou sacrifício dos valores ditos de projecção ou reputação em homenagem à sacrossanta liberdade de opinião ou pensamento minimamente justificada.
25.-Ao abrigo da Convenção Europeia, o TEDH vem efectivamente desde a sua fundação privilegiando a liberdade de expressão em detrimento de algum desconforto ou alguma incomodidade que a sua concretização possa causar a alguém que seja o seu alvo potencial, real ou virtual, sobretudo relativamente a actos públicos ou publicitados ou cometidos nessa esfera.
26.-Daí ainda que a recorrente discorde da analogia que a sentença faz com aquilo que designa por realidade de diversos outros países como o Brasil ou EUA.
27.-Ainda que se trate da tal alfeia global, o quadro de referências do chamado Estado-espectáculo, nas palavras do professor Adriano Moreira, vigente há séculos nos países americanos e sobretudo tropicais não é extrapolável forçosamente para os costumes europeus ocidentais.
28.-Cada país e dentro de cada país cada zona tem as suas resistências e é sob esse clima que os comportamentos humanos devem ser aferidos ou ponderados e definida a identidade matricial.
29.-A causa animal entusiasma muita gente e há mesmo entre nós um partido com representação parlamentar que a defende institucionalmente.       
30.-É natural que os seus elementos se entreguem à matéria com fervor e paixão.
31.-Irritada, a recorrente usou de decoro e compostura na linguagem com que exerceu o seu direito legítimo de resposta no jornal e na reclamação junto da ERC, mas é compreensível e humanamente natural que se tenha sentido desinibida para um desabafo mais áspero na rede social, assim por ela configurada como um circuito mais acanhado junto de um feixe restrito de interessados na matéria.
32.-E o TEDH tem efectivamente adoptado um critério assaz liberal na protecção da liberdade da palavra em desfavor da integridade sobretudo de quem como o assistente exerce um cargo de dimensão pública que o obriga a pagar um tributo por isso.
33.-Aliás e se a senhora juíza recorrida não parece ter atribuído grande relevância à prova declarativa e testemunhal, segue-se mostrar- se francamente inviabilizada quanto à recorrente a sua mera condenação de preceito.
34.-Ou seja, o MM°. Juiz “ a quo” na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal não se referiu em que circunstâncias tal referência num local circunscrito do perfil privado do Facebook feriu a honra e consideração do assistente e, muito menos, alicerçou a sua convicção em qualquer prova produzida em audiência de julgamento, que não fosse o próprio depoimento do lesado, completamente eivado de inverdades, como seja que apenas se cruzou com a arguida, quando bem sabe e não podia ignorar que já trabalharam juntos, entre outras actividades no âmbito jornalístico.
35.-Ora, sobre o crime de que a arguida vem acusada, qual seja, de difamação, é sabido que o valor protegido é a honra e consideração que são devidos a qualquer pessoa, corolário lógico do princípio constitucional consagrado no art. 26°, n° 1 da nossa Lei Fundamental, de que a todos é reconhecido o direito ao bom nome e reputação.
36.-Contudo, tais valores - honra e consideração - têm de ser analisados quando em confronto com outros valores legalmente consagrados.
37.-Sendo unanimemente sustentada pela doutrina e pela jurisprudência a impunidade ao exercício do direito de crítica objectiva quando em colisão aos sacrifícios da honra.
38.-Daí que, face às circunstâncias descritas e à situação global enunciada (no seu todo), salvo o merecido respeito, entende-se que a arguida deve ser absolvida, dos crimes de que vem acusada e, em consequência, do pedido de indemnização cível.”
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3.Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, ao mesmo respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, concluindo pela sua improcedência e manutenção do decidido.
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4.Neste Tribunal da Relação de Lisboa, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, acompanhando a resposta do Digno Magistrado do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, ao recurso interposto pela arguida, concluiu, igualmente, pela improcedência do mesmo e consequente confirmação da sentença proferida.
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5.Foi realizada a competente conferência.
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6.O objecto do recurso, tal como ressalta das conclusões da motivação, versa a apreciação das seguintes questões:
- Da violação do art. 374º nº 2 do CPP;
- Dos vícios do art. 410º nº 2 do CPP – vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório;
- Da violação do princípio “in dubio pro reo”;
-  Do enquadramento jurídico-penal dos factos;
- Da medida da pena de multa;
- Da condenação no pedido de indemnização civil.
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7.Da sentença recorrida consta o seguinte no que concerne aos factos provados e não provados e respectiva fundamentação:

“Discutida a causa e com relevância para a decisão final, resultaram provados os seguintes factos:
1.-O Assistente é Director do "Diário da Região", um jornal dedicado à transmissão de notícias de interesse especial para a região de Setúbal.
2.-Em 06 de Dezembro de 2017 o Diário da Região publicou uma notícia relativa à "Associação dos Amigos dos Animais Abandonados da Moita",
3.-Na sequência de tal publicação, foi solicitado, pela Associação em causa, o exercício do legalmente previsto Direito de Resposta, o qual foi integralmente cumprido por parte do referido Jornal, do qual o Assistente é Director.
4.-Tendo a questão relativa a esta notícia ficado definitivamente esclarecida com a referida Associação, que nada mais exigiu nem promoveu.
5.-A arguida, na sequência da noticia em causa e do respectivo direito de resposta, apresentou, em 8.12.2017, uma queixa junto da Entidade Reguladora da Comunicação Social.
6.-Paralelamente, em 07 de Dezembro de 2017 a arguida, na sua página de facebook, escreveu: "E armam-se certos sabujos em jornalistas. Não basta copiarem como ainda mentem e prejudicam o trabalho de gente a quem não chegam à sola dos pés e que todos os dias lutam pelo bem-estar animal."
7.-Em 07 de Dezembro de 2017, pelas 13:59h., na sequência de uma conversação mantida com MG, na mesma rede social, a arguida escreveu "Uma pseudo-reportagem de um pasquim ranhoso a denegrir a imagem de uma instituição que há anos ajuda animais abandonados, Mas pode ser que desta vez o sabujo tenha mais um motivo para me vir dizer para "opor a mão na consciência"."
8.-Em 07 de Dezembro de 2017, pelas 14:41h„ a arguida escreveu também “NF esta é mesmo para o sabujo que tu estás a pensar."
9.-Em 08 de Dezembro de 2017, pelas 03:33h., na sequência de um comentário feito por AS, a arguida escreveu “E verdade, D. A.. Mas este meteu-se agora com as pessoas erradas... difamar o nome de uma instituição que há anos ajuda animais abandonados, é do mais reles e porco que existe. Ainda por cima com testemunhos falsos, porque nem sequer identifica quem alegadamente faz as acusações."
10.-Em 08 de Dezembro de 2017, pelas 04:55h. a arguida escreveu na sua página de facebook ""Um artigo sobre a AAAAMoita no Diário da Região, sem estar assinado, e com dois ... "testemunhos" sem identificação, um deles uma “Cristina, proprietária de um café"."
11.-No dia 08 de Dezembro de 2017, pelas 05:09h., a arguida escreveu ainda no mesmo local, "PC podes ler o lixo aqui: htttps://www.diariodaregiao.pt/.../associação- de-animais. / Ontem falei com o pessoa da AAAAMoita que diz que nunca foi contactado pelos sabujos, que quando falou com o director, FR, este foi mal-educado, chamou-lhe mentirosa e disse que fizesse um direito de resposta. Nada a admirar de um tipo que escreve notícias falsas para o Público."
12.-No dia 08 de Dezembro de 2017, pelas 05:12h., a arguida escreveu também "PC Sim, o gajo teve um queixa da EC sobre isso, mas como tem lá amigos que se dispõem a participar em encontros organizados por ele e pagos por "gente graúda" arquivaram a queixa."
13.-No dia 08 de Dezembro de 2017, pelas 04:56h., em resposta a uma publicação de MG, dessa mesma data, feita pelas 03:45h., em que o mesmo dizia "Já sei, essa associação não acolhe porcos, pois não? Lol", a arguida escreveu "E isso, o sabujo devia querer lá meter a mulher."
14.-Em 08 de Dezembro de 2917, pelas 13:44h., a arguida escreveu "IA., vindo de um sabujo que quando uma certa revista mudou de morada em Setúbal, foi colocar um papel na morada antiga dessa revista com os contados do jornal dele para as pessoas contactarem para publicidade... e ia levando do focinho quando o proprietário da tal revista descobriu isso."
15.-Em 18 de Dezembro de 2017, pelas 12:14h., a arguida escreveu "Quando pensamos que a sabujice não desce mais baixo..."
l6.-Em 18 de Dezembro de 2017, pelas 12:38h., a arguida escreveu "Um porco que deve a cão e a gato, que deixou de pagar a SS a empregados e agora vem para a praça pública emporcalhar uma associação e a falar de dinheiros de terceiros, quando tem sido sustentado por partidos políticos e câmaras."
17.-Em 18 de Dezembro de 2017, pelas 15:37h. (hora da edição do escrito) na sequência de outras comunicações trocadas com IA , MG e FA, a arguida escreveu “FA  Chama-se FR do diário da regia e é um dos que mama para só dizer o que lhe mandam. Mas agora meteu-se com uma associação de animais da Moita... devia lá querer meter a mulher ou a amante e não o deixaram."
18.-Em 18 de Dezembro de 2017, pelos 12:53h., na sequência do comentário de MG "Olha a PlbE MCT", produzido, pelas 12:52h., em resposta ao escrito pela arguida, esta escreveu "MG nem desses nem dos kgb nunca tive medo... e se quiserem até podem fazer copy past e mandar-lhe isto num envelope dourado, que é para o sabujo me vir outra vez ameaçar."
19.-Em 18 de Dezembro de 2017, pelas 13:11, em resposta ao comentário de PC, produzido pelas 13:10h., "Mas a associação da moita também alberga porcas e vacas?", a arguida escreveu "PC devia ser o que ele queria."
20.-Em 18 de Dezembro de 2017, pelas 15:22h. (hora da edição do texto), a arguida escreveu "um jornaleiro que vomita um texto onde nem sequer identifica quem ele diz que está a fazer as acusações, diz tudo sobre esta porcaria. https//www.diariodaregiao.pt/ / direito-de-resposta da /."
21.-Em 18 de Dezembro de 2017, pelas 13:30h., a arguida escreveu "Quando confrontado com uma mentira, o jornalixo não comprova a ... "verdade" que gatafunhou, antes acusa os outros de mentir."
22.-Em 18 de Dezembro de 2017, pelas 15:21h, a arguida escreveu "Não vou partilhar o que esse jornalixo escreveu antes e depois deste direito de resposta, mas acho que pelo que aqui está escrito percebem até que ponto chega a sabujice"
23.-Em 19 de Dezembro de 2017, pelas 07:43h., a arguida escreveu "Assino cada palavra. E o sabujo deste "director" ainda vem dizer que é a AAAAMoita que está a mentir, quando ele no sujo pasquim que dirige nem os nomes das pseudo-testemunhas dá nem provas apresenta. Mas estes é que recebem medalhas de ouro das Câmaras Municipais.", publicação essa que foi feita na sequência de uma publicação feita por PC (desconhecendo o Assistente a respetiva identificação), em 18 de Dezembro de 2017, pelas 15:30h., em que o mesmo afirma o seguinte "bireito de resposta da AAAAMoita face à notícia mentirosa publicada pelo pasquim de merda intitulado diário da região, assim mesmo em minúsculas como minúsculo é o cérebro de quem o dirige. Uma notícia que nem assinada foi, fontes que devem ter sido arranjadas numa qualquer taberna depois de muitos copos de vinho pagos e um director de pasquim que também aqui em Setúbal uma vez qualificou os gatos de Troia como uma praga.", sendo certo que a ora arguida, ao afirmar "Assino cada palavra", assume ela mesma, pessoalmente, as mesmas expressões e afirmações constantes do texto subscrito pelo referido Pedro Cas
24.-Em 19 de Dezembro de 2017, pelas 12:25h., a arguida escreveu: "Infelizmente o sabujo não ficou por aqui."
25.-Em 19 de Dezembro do 2017, pelas 14:32h., na sequência da mesma conversa mantida com IF, que escreveu, pelas 12:35, e em resposta ao comentário subscrito pela arguida, "Foi um porco sujo.", arguida escreveu "Não é de agora... esta coisa copiava os anúncios de outros jornais, e depois publicava no pasquim dele, e mandava as facturas para as pessoas que nem sabiam que jornal era."
26.-Em 15 de Dezembro de 2017, pelas 12:46h., a arguida escreveu "Enquanto certos sabujos jornaleiros tentaram denegrir a AAAAMoita com "pseudo-reportagens" bem pagas, o Ginásio Box 1EM do Pinhal Novo apoiou com donativos. O que vale é que a mentira nunca chega muito longe."
27.-Em todas as referidas publicações no facebook, a arguida utiliza expressões que colocam em causa perante terceiros o bom nome e reputação do Assistente, pondo em causa igualmente a credibilidade do Assistente FR, quer a titulo pessoal, quer a título profissional.
28.-Bem sabendo a arguida que as palavras e factos por si narrados eram aptos e adequados a colocar em causa, perante terceiros, a imagem pública e privada do Assistente.
29.-que quis e conseguiu.
30.-Bem sabendo que tal actuação era proibida por Lei, e não se coibindo de assim actuar, com o propósito de denegrir a imagem do Assistente e de o prejudicar, na sua vida comercial, profissional e privada.
31.-O Assistente é conhecido enquanto jornalista, e profissional da área da comunicação, particularmente em toda a área do Distrito de Setúbal, onde exerce actividade há muitos anos.
32.-Após ter tido conhecimento das publicações e comentários realizados pela arguida, o assistente deixou de encarar terceiros com a mesma naturalidade, porquanto se sentia constrangido, sem saber se teriam ou não conhecimento das mesmas.
33.-O Assistente ainda hoje se sente bastante vexado com as publicações e comentários realizados pela arguida, não se conformando com os mesmos, nem esquecendo em nenhum momento tal acontecimento.
34.-Receando que terceiros pudessem, por conta das publicações em causa, deixar de ter por boa a sua reputação e deixar de confiar que a informação será fielmente transformada em notícia.
35.-A arguida é jornalista de profissão, tendo uma avença com o “Diário do Distrito", no valor de €300,00.
36.-Vive com a mãe, que está aposentada.
37.-Tem como habilitações literárias o Bacharelato em Comunicação Social.
38.-Não tem antecedentes criminais registados.

Factos Não provados:
Com relevância para a decisão da causa, inexistem.
O demais constante na acusação particular e pedido de indemnização civil por irrelevante à decisão a proferir, conclusivo ou versando apenas matéria de direito, não foram considerados na factual idade supra.

Motivação da Matéria de Facto:
A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada resulta da conjugação e análise crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento da prova documental constante dos autos, designadamente:
Na conjugação das declarações da arguida, que assumiu a autoria das publicações, com o conteúdo das mesmas; cuja cópia de mostra junta a f ls.31 a 35.
Pese embora a arguida não tenha admitido que o conteúdo das publicações e comentários sejam lesivos da consideração do assistente, a verdade é que tal é a única conclusão lógica e plausível que decorre da leitura das mesmas.
Alegou a arguida uma série de eventos que terá tido conhecimento; por forma a tentar fundamentar a veracidade das imputações feitas.
Contudo, da análise do que a arguida deixou escrito, não resulta que a mesma se tenha limitado a narrar factos que entendesse como verdadeiros. Antes extrapolando e generalizando como é disso exemplo o "deve a cão e gato", ou "não basta copiarem, ainda mentem e prejudicam o trabalho de gente a quem não chegam à sola dos pés"; "mais um dos que mama para só dizer o que lhe mandam".
Motivo pelo qual, concluiu o tribunal que a arguida ao escrever as publicações e respostas, o fez ciente de que o conteúdo das mesmas colocava em causa perante terceiros a consideração e dignidade profissional e pessoal do assistente. O que quis.
Para alicerçar tal conclusão foram também expressivos os demais depoimentos prestados por todas as testemunhas inquiridas.
As quais, claramente, se dividiram entre "pró-assistente" e "pró-arguida". Que depuseram sem qualquer objectividade e imparcialidade. Antes tomando posição na "guerra" existente desde há vários anos entre dois grupos de comunicação.
Dos quais arguida e assistente fazem parte, em posições diversas.
Tal guerra aberta extravasa para o convívio tóxico entre todos os elementos dos grupos em causa, e arguida e assistente deixaram-se envolver na teia de enredos de cada um desses grupos. De um modo incompreensível e imaturo para quem diz exercer a nobre função de jornalista (comum à quase totalidade das testemunhas).
Relativamente aos sentimentos experienciados pelo assistente na sequência do conhecimento que teve dos factos praticados pela arguida, para além da normalidade da vida e regras de experiência comum (isto é, os sentimentos que o comum cidadão sentiria ao ler tais comentários), alicerçou o tribunal a sua convicção nas declarações do assistente. O qual deu nota, de forma pormenorizada, de todo o conflito mantido com a arguida e de como foi encarando as narrativas feitas por esta. Das quais ia tendo conhecimento através de terceiros.
Mais se atendeu à Cópia da noticia de f ls.28; cópia da queixa apresentada junto da ERC, a f ls.36 a 40 e deliberação da ERC de fls.60 a 62.
As condições pessoais e económicas da arguida resultaram das suas próprias declarações e a ausência de antecedentes criminais da análise do Certificado de Registo Criminal de fls. 257.

Enquadramento Jurídico-Penal:
Do crime de difamação
Estabelece o Artigo 180° nº 1 do Código Penal que:

Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

Mais dispondo o Artigo 183° do Código Penal que:
1- Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.°, 181.° e 182°:
a)- A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou,
b)- Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
2- Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.
O citado preceito, traduz uma medida restritiva da liberdade de expressão, conferindo tutela penal ao direito do cidadão à sua integridade moral e aos seus bom nome e reputação.
Como recentemente se deixou escrito no Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.10.2016 (disponível em www.dgsi.pty O direito da liberdade de expressão tem limites. Há difamação quando o leitor médio, ao ser confrontado com tais expressões, retira claramente do seu conteúdo um significado de achincalhamento, de rebaixamento, de ataque gratuito e de menorização do bom nome e da reputação pessoal, social e política"
No que respeita ao bem jurídico protegido, cumpre desde já salientar que é indiscutível a importância nuclear da protecção à honra, privacidade e bom nome, e, igualmente é certo que o fundamento deste princípio radica na necessidade, demonstrada pela realidade social, de preservar, em todos os seus principais traços, a dignidade da pessoa humana, que é pedra angular de todo o sistema jurídico e judiciário nacional. Efectivamente, o Artigo 26°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa consagra, de entre os vários direitos de personalidade, o direito "ao bom-nome e à reputação".
Já no que tange ao elemento objectivo, importa aferir se as expressões proferidas são ofensivas da honra e consideração.
Pois reconduz-se, por conseguinte, a difamação a um comportamento lesivo da honra e consideração de alguém, constituindo a honra o elenco dos valores éticos que cada pessoa humana possui, como sejam o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, isto é a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um, e a consideração o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom nome, o crédito, confiança. A estima, a reputação, que constituem a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública (cfr. Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal de 1982, Vol II, pág. 196).
Ensina Rabindranath Capelo de Sousa, in “O Direito Geral de Personalidade", Coimbra, 1995, que "a honra, em sentido amplo, inclui também o bom nome e a reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político. Engloba ainda o simples decoro, como projecção dos valores comportamentais do indivíduo no que se prende ao trato social. E envolve, finalmente, o crédito pessoal, como projecção social das aptidões e capacidades económicas desenvolvidas por cada homem".
Para que o elemento subjectivo do crime de difamação seja preenchido não é exigível o dolo específico bastando o dolo genérico em qualquer das suas formas, directo necessário ou eventual.
Descendo ao caso dos autos, desde logo se terá que concluir, que os comentários e publicações efectuados pela arguida, preenchem o tipo objectivo do crime em análise.
Primeiro e no que se reporta à identificação do alvo dos comentários, a verdade é que o mesmo não só é identificável pelos destinatários (quando a arguida refere ao Director do Jornal); quanto é expressamente identificado pela arguida que coloca o nome do Assistente ao longo dos mesmos.
Veja-se que não se tratam de comentários ou publicações isoladas ou com hiatos temporais distantes.
Tendo antes decorrido, continuadamente, entre 7 de Dezembro de 2017 e 25 de Dezembro de 2017. Em comentários e respostas a comentários da autoria da arguida.
Em segundo lugar, da leitura conjunta dos comentários efectuados pela arguida, não restam igualmente dúvidas que as mesmas são adequadas a colocar em causa o bom nome e consideração do assistente perante todos quantos leram os comentários.
Já que a arguida, nos mesmos não só adjectiva o assistente de "sabujo", como ainda refere "um porco que deixou de pagar a cão e gato, que deixou de pagar à 55...quando tem sido sustentado por partidos e câmaras"; "chama-se FR do diário da região e é mais um dos que mama para só dizer o que lhe mandam. Mas agora meteu-se com uma associação de animais da Moita...devia lá querer meter a mulher ou a amante e não o deixaram".
Tais imputações são objectivamente adequadas a violar a consideração do assistente; colocando em dúvida perante terceiros a sua idoneidade profissional e pessoal.
Provado ficou também que a arguida agiu ciente de que a expressão "sabujo" e as imputações que fez relativamente ao assistente eram adequadas a colocar em causa a sua honra e dignidade profissional e pessoal; o que quis.
Estando, assim, preenchido o elemento subjectivo a título de dolo directo.
Cumpre agora aferir da verificação da circunstância qualificativa invocada.
Dispõe a alínea a) do nº 1 do Artigo 183° a agravação da pena sempre que a ofensa seja praticada através de meios ou circunstâncias que facilitem a sua divulgação.
Havendo que concluir, sem margem para dúvidas, que está verificada a previsão da citada norma.
Aliás, actualmente, tendo presente a realidade da nossa comunidade, entende-se que deverá seguir-se aquela que é já a realidade em diversos outros países (v.g. Estados Unidos da América, Brasil) e considerar que a internet e em concreto o Facebook, constitui efectivamente um meio de comunicação social.
Isso se sustenta com o actual número de utilizadores, heterogéneos e indeterminados; o modo como, em segundos, uma publicação percorre o mundo pelas múltiplas partilhas, expressão máxima da "aldeia global". E se é certo que na sua maioria as informações veiculadas nesta rede social serão meras banalidades e partilha de acontecimentos do quotidiano de cada um, não é menos certo que serve igualmente de meio de difusão de fluxos informacionais.
Motivos pelos quais se considera verificada a agravação prevista na alínea a) do nº 1. do Artigo 183° do Código Penal.
Inexistem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
(…)

Do pedido de Indemnização Civil:
FR deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida, peticionando a condenação desta na quantia global de €1.500,00, acrescida de juros à taxa legal, a título de danos não patrimoniais.
Em suma, alegou que, em consequência de as imputações falsas terem sido proferidas através da rede social Facebook, atingindo uma divulgação máxima, na área geográfica de residência e de maior trabalho do Assistente, este ficou bastante perturbado e afectado em termos psicológicos, não conseguindo entrar e sair da sua residência e/ou do seu trabalho com a mesma naturalidade e, bem assim, encarar os respectivos vizinhos, colegas e amigos e clientes.
Sentindo-se ainda hoje bastante vexado, não se conformando com o que lhe aconteceu, nem esquecendo em nenhum momento tal acontecimento.
Tanto mais que a sua reputação e o seu bom nome, para além de lhe serem preciosos, são essenciais para o exercício da sua actividade profissional, porque é necessário que quem transmite qualquer informação a um jornalista, ou a um jornal, ou ao seu Director, como é o caso, possa confiar que a informação será fielmente transformada em notícia.
A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, cfr. Artigo 129.° do Código Penal. O Supremo Tribunal de Justiça por diversas vezes se pronunciou sobre esta questão, tendo oportunidade de elucidar que «O artigo 129.° do Código Penal, ao estabelecer que a indemnização de perdas e danos emergente de crime é regulada pela lei civil, tem apenas em vista o respectivo montante e os seus pressupostos, mas não questões processuais, as quais reger-se-ão pelas normas do Código de Processo Penal, designadamente pelas regras gerais e especiais dos artigos 71.° a 84.°, pelo que, na audiência de discussão e julgamento, continuará a vigorar o principio da livre apreciação da prova pelo colectivo, bem como o principio in dubio pro reo". (Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 1997; CJ; Acs. STJ, V, tomo 2, 260).
O princípio geral em matéria de responsabilidade civil extracontratual é o consignado no Artigo 483.° do Código Civil, segundo o qual "aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Resulta do aludido preceito que constituem, em regra, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual: o facto ilícito; o dano; o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano; e a culpa.
No caso em apreço e atenta a factualidade dada como provada, verifica-se que se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
Pois a verdade é que se provou que  FR é conhecido enquanto jornalista, e profissional da área da comunicação, particularmente em toda a área do Distrito de Setúbal, onde exerce actividade há muitos anos.
Apás ter tido conhecimento das publicações e comentários realizados pela arguida, o assistente deixou de encarar terceiros com a mesma naturalidade, porquanto se sentia constrangido, sem saber se teriam ou não conhecimento das mesmas.
Ainda hoje se sente bastante vexado com as publicações e comentários realizados pela arguida, não se conformando com os mesmos, nem esquecendo em nenhum momento tal acontecimento.
Receando que terceiros pudessem, por conta das publicações em causa, deixar de ter por boa a sua reputação e deixar de confiar que a informação será fielmente transformada em notícia.
Ou seja, a arguida/demandada ao escrever as publicações e comentários dados como provados, praticou um facto ilícito e culposo, o qual foi causa directa e necessária de danos na honra e consideração do visado; o aqui demandante.
Os danos não patrimoniais, são indemnizáveis, nos termos do Artigo 496° do Código Civil.
Os danos não patrimoniais são prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.
Com efeito, o dano não patrimonial não assume uma feição reparatória, mas antes compensatória ou sancionatória.              
Compensatória, na medida em que não se está perante uma indemnização em dinheiro, de valor equivalente aos danos, mas antes perante uma compensação; assim com a atribuição de uma soma pecuniária, visa-se proporcionar ao lesado uma quantia pecuniária que lhe proporcione satisfações que de algum modo o façam esquecer a dor ou desgosto.
Mas com a atribuição desse montante visa-se também cumprir uma feição sancionatória, punindo-se através dos meios próprios civilistas a conduta do lesante.
O nosso ordenamento jurídico, sem individualizar concretamente quais os danos não patrimoniais atendíveis, usou de uma cláusula genérica considerando indemnizáveis os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.496°, n° 1, do Código Civil)
E a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora atendendo às circunstâncias do caso concreto, afastando factores susceptíveis de sensibilidade exacerbada ou requintada.
Assim, em face da factualidade dada como provada, entende-se serem indemnizáveis os danos provocados na honra, consideração e dignidade profissional e pessoal do assistente, entendendo-se por determinante na indemnização a fixar atender aos seguintes elementos:
-O facto de o assistente e a arguida trabalharem enquanto jornalistas, com uma visibilidade e reconhecimento públicos com expressão, amplamente conhecida, a nível distrital
-Os comentários e publicações ter sido efectuadas numa página de facebook de acesso público
-O conteúdo em concreto dos comentários/publicações; num meio profissional em que a autoria e veracidade dos conteúdos têm elevada importância no reconhecimento e credibilidade a atribuir pelo público ao órgão de comunicação social.
Fixando-se o valor da indemnização devida em €1.500,00 (mil e quinhentos euros), valor que se entende por adequado e equitativo em face dos factos e das condições económicas da arguida e do assistente. (…)”

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8.Apreciação das questões que são objecto do recurso.

Vem a recorrente invocar que o exame crítico das provas, exigido pelo art. 374º nº 2 do CPP, não se basta com a sua simples indicação, sendo necessário, também, que, na sentença, se indique o processo de formação da convicção do julgador e a razão por que tenha privilegiado um depoimento em detrimento de outro, bem como o motivo de lhe merecer mais credibilidade um meio de prova relativamente a outro.
No caso, é entendimento da recorrente que o Mmº. Juiz  a quo na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal não se referiu em que circunstâncias os comentários da arguida, num local circunscrito do perfil privado do Facebook, feriram a honra e consideração do assistente e, muito menos, alicerçou a sua convicção em qualquer prova produzida em audiência de julgamento, que não fosse o próprio depoimento do lesado, completamente eivado de inverdades, como seja que apenas se cruzou com a arguida, quando bem sabe e não podia ignorar que já trabalharam juntos, entre outras actividades no âmbito jornalístico.
Apreciando:
Em conformidade com o artigo 374º nº 2 do CPP é dever do tribunal, para além da enumeração dos factos provados e não provados e a indicação das provas que serviram para formar a sua convicção, fazer exposição, tanto quanto possível completa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão sobre esta matéria, impondo-se, sob pena de incorrer em nulidade, prevista no artigo 379º nº 1 al. a) do CPP, o dever de explicar porque decidiu de um modo e não de outro.

Lê-se no Ac. do STJ de 30-01-02, proferido no Proc. n° 3063/01, disponível in www.dgsi.pt: que o exame crítico das provas deverá consistir "na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção."

A nulidade da sentença, por falta, ou deficiência de fundamentação, apenas se verifica quando inexistem, ou são ininteligíveis, as razões do tribunal a quo, não, também, quando forem incorrectas, ou passíveis de censura, as conclusões a que o mesmo chegou.
Percebidas as razões do julgador, assiste aos sujeitos processuais, com recurso ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada. Aqui, porém, já se está em sede de impugnação da matéria de facto, e não de nulidade da sentença, como se salienta no Ac. R. de Guimarães de 12/07/2010, Proc. nº 4555/07.0OTDLSB.G1, disponível em www.dgsi.pt.
O exame crítico das provas deverá, em síntese, permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão, do processo lógico que lhe serviu de suporte de modo a poder o mesmo tribunal de recurso concluir se sim, ou não, na decisão posta em causa, se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, se a decisão sobre a matéria de facto não foi arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência comum ou da lógica.  
      
No caso, observada a decisão recorrida, resulta claro que a mesma se encontra devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito, incluindo as provas que fundamentaram a decisão da matéria de facto provada e não provada, de modo que não suscitou dúvidas ao tribunal a quo, ao mesmo tempo que fez uma análise crítica de tal prova, com explicitação da credibilidade dos meios probatórios, termos em que não é correcto, como faz a recorrente, alegar que, na sentença recorrida, na indicação e exame crítico das provas, que serviram para formar a convicção do Tribunal, não se tenha referido em que circunstâncias os comentários feitos pela arguida, num local circunscrito do perfil privado do Facebook, feriu a honra e consideração do assistente, aqui se transcrevendo com interesse para a matéria em análise:

“Na conjugação das declarações da arguida, que assumiu a autoria das publicações, com o conteúdo das mesmas; cuja cópia de mostra junta a f ls.31 a 35.
Pese embora a arguida não tenha admitido que o conteúdo das publicações e comentários sejam lesivos da consideração do assistente, a verdade é que tal é a única conclusão lógica e plausível que decorre da leitura das mesmas.
Alegou a arguida uma série de eventos que terá tido conhecimento; por forma a tentar fundamentar a veracidade das imputações feitas.
Contudo, da análise do que a arguida deixou escrito, não resulta que a mesma se tenha limitado a narrar factos que entendesse como verdadeiros. Antes extrapolando e generalizando como é disso exemplo o "deve a cão e gato", ou "não basta copiarem, ainda mentem e prejudicam o trabalho de gente a quem não chegam à sola dos pés"; "mais um dos que mama para só dizer o que lhe mandam".
Motivo pelo qual, concluiu o tribunal que a arguida ao escrever as publicações e respostas, o fez ciente de que o conteúdo das mesmas colocava em causa perante terceiros a consideração e dignidade profissional e pessoal do assistente. O que quis.
Para alicerçar tal conclusão foram também expressivos os demais depoimentos prestados por todas as testemunhas inquiridas.
As quais, claramente, se dividiram entre "pró-assistente" e "pró-arguida". Que depuseram sem qualquer objectividade e imparcialidade. Antes tomando posição na "guerra" existente desde há vários anos entre dois grupos de comunicação.
Dos quais arguida e assistente fazem parte, em posições diversas.
Tal guerra aberta extravasa para o convívio tóxico entre todos os elementos dos grupos em causa, e arguida e assistente deixaram-se envolver na teia de enredos de cada um desses grupos. De um modo incompreensível e imaturo para quem diz exercer a nobre função de jornalista (comum à quase totalidade das testemunhas).
Relativamente aos sentimentos experienciados pelo assistente na sequência do conhecimento que teve dos factos praticados pela arguida, para além da normalidade da vida e regras de experiência comum (isto é, os sentimentos que o comum cidadão sentiria ao ler tais comentários), alicerçou o tribunal a sua convicção nas declarações do assistente. O qual deu nota, de forma pormenorizada, de todo o conflito mantido com a arguida e de como foi encarando as narrativas feitas por esta. Das quais ia tendo conhecimento através de terceiros.
Mais se atendeu à Cópia da noticia de f ls.28; cópia da queixa apresentada junto da ERC, a f ls.36 a 40 e deliberação da ERC de fls.60 a 62 (…)” [sublinhados nossos].

No fundo, o que a recorrente não concorda é com a valoração feita pelo tribunal a quo às declarações prestadas pelo assistente, mas aqui, conforme já afirmamos, já se está em sede de impugnação da matéria de facto, e não de nulidade da sentença, por falta de exame crítico da prova.

Verificamos, assim, que, independentemente de se concordar, ou não, com tal fundamentação, o tribunal recorrido justificou, por forma cabal, porque deu como provada / não provada a factualidade que era imputada à arguida.

E o raciocínio que esteve na base da convicção do tribunal recorrido afigura-se-nos ser lógico e racional, não violando as regras da experiência comum na apreciação da prova.

Pode, pois, a recorrente discordar do julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal recorrido, mas carece de razão quando afirma que na sentença não se procedeu ao exame crítico das provas, pois aquele tribunal foi lógico e congruente, consistente e suficiente, explicando as razões pelas quais se convenceu que os factos haviam (ou não) decorrido nos exactos termos fixados.

Pelo exposto, não se verifica qualquer nulidade, por violação do art. 374º nº 2, com referência ao art. 379º nº 1 al. a), ambos do CPP, nesta parte improcedendo o recurso.
*

No caso em apreço, a recorrente não impugna a matéria de facto, visando a modificabilidade dos seus termos, pela Relação, ao abrigo do art.431º do CPP.
Com efeito, além de não afirmar de forma expressa a sua intenção de impugnar a matéria de facto, não cumpre o ónus de impugnação, previsto no art.412, nºs 3 e 4, daquele diploma, através da indicação especificada dos concretos pontos de facto reputados como incorrectamente julgados e indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, limitando-se a invocar os vícios do art.410, nº2, CPP, concretamente os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provado e do erro notório na apreciação da prova, a que se referem as alíneas a) e c) do citado dispositivo legal.

Apreciando:

Para a verificação de qualquer um dos vícios previstos no artigo 410º nº 2 alíneas a) a c) do Código de Processo Penal, ou seja, - de insuficiência para a decisão da matéria de facto (al. a); - da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (al. b); e - do  erro notório na apreciação da prova (al. c), que até são de conhecimento oficioso, exige-se, antes de mais, que resultem de uma forma ostensiva do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugados com as regras de experiência comum, e sejam perceptíveis por uma pessoa média, o que significa, além do mais, inadmissibilidade de apelo a elementos exteriores à mesma decisão.

Como resulta “expressis verbis” do corpo do nº 2 do art.º 410º do CPP, os mencionados vícios têm de resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem o recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento” (vide o Acórdão do STJ de 19 de Dezembro de 1990, proferido no processo nº 41.327, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal, Anotado e Comentado”, 11ª edição, 1999, página 743).

O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada verifica-se quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição – cf. Ac do STJ de 06.04.2000, in BMJ nº 496, p.169.

Este vício, na esteira do entendimento exposto no Ac. da Relação do Porto de 26.05.1993, proc. 9350062, sumário disponível in www.dgsi.pt, tributário do princípio do acusatório, tem de ser aferido em função do objecto do processo, traçado naturalmente pela acusação, ou pronúncia, pelo que só quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal se ficam aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação se concretizará tal vício.  

A insuficiência a que se refere a alínea a) do nº 2 do art. 410º do CPP é, no fundo, a que decorre da omissão de pronúncia, pelo Tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados, ou como não provados, todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa, ou resultado da discussão.

Este vício não tem a ver com a insuficiência da prova, mas com a falta de averiguação de factos necessários à decisão.

Daí que a alínea a) do nº 2 do art. 410º do CPP se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), que é insindicável em reexame da matéria de direito – neste sentido, vide Leal Henriques e Simas Santos, in Código de Processo Penal Anotado, t. II, p. 737, Ed. Rei dos Livros 2004.

No caso, a recorrente, em sede de alegações de recurso, não indicou qualquer facto relevante que o tribunal tenha deixado de apreciar, nem este tribunal o detecta, já que não se vislumbra a existência de nenhuma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois os factos provados definem todos os elementos do tipo, permitem graduar o dolo, a ilicitude e a culpa e todas as circunstâncias pertinentes para a determinação da medida da pena, termos em que não se verifica o invocado vício.
*

O erro notório na apreciação da prova caracteriza-o como o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
Ocorre quando a matéria de facto sofre de uma irrazoabilidade passível de ser patente a qualquer observador comum, por se opor à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum.
No caso, observada a decisão recorrida não vislumbramos que a mesma padeça do invocado erro notório na apreciação da prova.
Com efeito, conforme resulta do texto da decisão recorrida, não só a arguida confessou que havia escrito as mensagens, referindo até o teor das mesmas, como se provou, por prova documental e, também, pelo depoimento das testemunhas, em audiência de julgamento, que a aqui recorrente utilizou a sua rede social Facebook (rede social que funciona através da internet) para tecer comentários pejorativos acerca do ofendido, sendo patente o já longo período de inimizade entre ambos e o facto de, quer arguida, quer ofendido, serem jornalistas e terem atividade profissional na mesma área geográfica.
Tais comentários foram feitos num hiato temporal bastante próximo, conforme resulta da sentença recorrida, de 7 de dezembro de 2017 a 25 de dezembro de 2017.

As expressões utilizadas pela arguida, na rede social Facebook, nomeadamente sabujo, um porco que deixou de pagar a cão e gato, que deixou de pagar à Segurança Social... quando tem sido sustentado por partidos e câmaras, chama-se FR do diário da região e é mais um dos que mama para só dizer o que lhe mandam. Mas agora meteu-se com uma associação de animais da Moita... devia lá querer meter a mulher ou a amante e não o deixaram, são objectivamente ofensivas da honra e consideração devida ao ofendido.

As regras da experiência comum não permitem aceitar que não soubesse que estava a formular um juízo ofensivo da honra e consideração do assistente, tanto mais que a arguida é jornalista de profissão (assim como o assistente), os destinatários, na sua maioria, são da mesma área profissional do assistente e da mesma zona geográfica, impondo-se, por isso, àquela uma maior ponderação relativamente ao conteúdo dos seus comentários.

E, contrariamente ao sustentado pela recorrente, a utilização da referida rede social para lesar a dignidade do ofendido mostra-se ser um meio plenamente apto para difundir tal informação a um número indeterminável de pessoas.

Ainda que a arguida reitere que o grupo onde partilhou tais comentários é um grupo fechado e, como tal, acessível a um número limitado de pessoas, a verdade é que facilmente essas pessoas poderiam tirar um print dos mesmos e, consequentemente divulgar tal informação para outras pessoas.

Para além disso, as expressões utilizadas vão além daquilo que constitui a liberdade de expressão de cada um de nós, a liberdade de debate, a liberdade de crítica ou a liberdade de opinião, ou pensamento minimamente justificado.

Resta, assim, concluir não existir, por parte da Meritíssima Juíza a quo, qualquer erro notório na apreciação da prova, sendo a versão dos factos apresentada na sentença impugnada perfeitamente admissível à luz das regras da lógica e da experiência comum.

Não se verifica, consequentemente qualquer dos vícios a que alude o nº 2 do art. 410º do C.P.P..
*

Alega, ainda, a recorrente que a sua condenação só pode ter resultado de uma violação do princípio “in dubio pro reo”.

Vejamos:

De acordo com a jurisprudência uniforme dos tribunais superiores, verbi gratia, o Ac. do TRL de 29 de Junho de 2006, proferido no processo nº 3759/06 da 9ª Secção, disponível em www.pgdlisboa.pt “o princípio in dubio pro reo só se aplica no domínio da prova quando o tribunal tenha ficado numa situação de non liquet, ou seja, com sérias dúvidas relativamente aos factos, que em tal situação teria de ser resolvida a favor do arguido, ou, ainda, nas palavras do Ac. do TRL de 2 de Novembro de 2006, também disponível em www.pgdlisboa.pt: O tribunal só lança mão do princípio in dubio pro reo – corolário do princípio constitucional da presunção da inocência (artº 32º nº 2 da CRP) – se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e da liberdade de apreciação (artº 127º CPP), tivesse conduzido à subsistência, no espírito do julgador, de uma dúvida positiva invencível sobre a verificação ou inexistência de um facto relevante para a descoberta da verdade.

Não havendo nos termos da fundamentação da decisão recorrida qualquer margem de dúvida quanto à prática dos factos provados, pela recorrente, nada permite a formulação de qualquer juízo de dúvida que pudesse ser solucionada com recurso ao princípio “in dubio pro reo”.

Assim, e na medida que da decisão recorrida não resulta ter havido qualquer dúvida quanto à culpabilidade da arguida, assim como quanto ao preenchimento da plenitude dos elementos constitutivos do ilícito criminal pelo qual foi a mesma, muito justamente, condenada, improcede, também, nesta parte, o recurso, por não ter existido qualquer violação do princípio “in dubio pro reo”.
*

Vem a recorrente sustentar que deverá ser absolvida da prática do crime de difamação, por que foi condenada, pois os valores em causa em tal tipo legal de crime – honra e consideração – têm de ser analisados quando em confronto com outros valores legalmente consagrados, sendo unanimemente defendido pela doutrina e pela jurisprudência a impunidade ao exercício do direito de crítica objectiva, ou de liberdade de opinião, ou pensamento minimamente justificada, quando em colisão aos sacrifícios da honra. E continua a recorrente sustentando que a eficácia dos comentários mais ácidos e corrosivos que proferiu sobre as intervenções do assistente não excedeu forçosamente a área diminuta em que os intervenientes implicados se conhecem ou movem, sendo que a chamada rede social não sustenta um processo penal, por ser de acesso voluntário e definida num âmbito mais ou menos restrito e fora da grande área potencial ou real do papel impresso ou das ondas de uma estação de rádio ou de televisão.

Apreciando:

Para que haja consumação do crime de difamação, ou do crime de injúria, não é preciso que o agente esteja ciente da falsidade da imputação, muito menos que aja com intuito de injuriar ou difamar, pois, como é sabido, os crimes contra a honra bastam-se com o dolo genérico, em qualquer das suas modalidades - directo, necessário ou eventual -, ou seja, com a vontade de o agente proferir as afirmações, sabendo, ou apenas admitindo, que as mesmas são objectivamente atentatórias da honra do visado, ou que, necessariamente, terão esse efeito.

Como ensina Faria e Costa, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 602 e sgts., com este tipo legal de crime protege-se a honra, encarada numa dupla perspectiva, em que se combina uma concepção fáctica, subjectiva e objectiva, com uma concepção normativa, pessoal e social.

A honra é, assim, vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.

O direito à honra e consideração constituído, basicamente, por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade, tem consagração constitucional e noutras Leis Fundamentais, como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH).

Honra e consideração, no entanto, são conceitos que não se confundem. A honra tem componente individual ou subjectiva, podendo definir-se como o valor pessoal de cada indivíduo, radicado na sua inviolável dignidade, atributo inato de qualquer pessoa; a consideração envolve uma componente social, devendo entender-se como a reputação que a pessoa tem no seio da comunidade em que se insere.

Como escreve o Prof. Beleza dos Santos, in “Algumas Considerações Jurídicas sobre Crimes de Difamação e de Injúria”, RLJ ano 92, n.º3152, pág.167/168, a honra consubstancia-se naquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale” e a consideração é “aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa (…) ao desprezo público. (…). A honra refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social ou ao menos de não o julgar um valor negativo.

O art. 26º nº1 da nossa Constituição República Portuguesa consagra o direito ao bom nome e reputação entre os vários direitos de personalidade, que representa um lado individual (o bom nome) e um lado social (a reputação), cujo conteúdo é constituído basicamente pela pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros, ou seja, a pretensão de não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade, independentemente do reconhecimento real ou merecido de que uma pessoa goza ou deve gozar (cf. Augusto Silva Dias, “Alguns aspetos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúrias”, AAFDL-1989, p.p. 16-24).).

Por sua vez, nos termos do art. 37º 1 da mesma Constituição, salvaguarda-se a liberdade de expressão, no sentido de que todos têm o direito de exprimir e de divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.

A liberdade de expressão e opinião encontra-se, também, consagrada no art. 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, no art. 19º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, aprovado, para ratificação, pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho e no art. 10º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (adiante designada por CEDH), aprovada para ratificação pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro.

De acordo, contudo, com o art. 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a liberdade de expressão pode ser limitada pela lei quando seja necessário numa sociedade democrática, nos seguintes casos: 1) para proteger a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública; 2) para prevenir a desordem e o crime; 3) para proteger a saúde e a moral; 4) para proteger a reputação e os direitos de outros; 5) para prevenir a revelação de informação recebida confidencialmente; ou 6) para manter a autoridade e a imparcialidade da judicatura. 
 
No caso, sustenta a recorrente que, colidindo o direito à reputação e ao bom nome com o direito da liberdade de expressão, este prevalecerá.

Estamos, contudo, perante direitos que gozam de igual dignidade e hierarquia constitucional [neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 110-111, defendem que o direito de liberdade de expressão e o direito à consideração e à honra, ambos constitucionalmente garantidos, quando em confronto, devem sofrer limitações, de modo a respeitar-se o núcleo essencial de um e de outro].

Com efeito, como referem os mencionados Gomes Canotilho e Vital Moreira, "No contexto constitucional português, os direitos em colisão devem considerar-se como princípios suscetíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se quaisquer ideias de supra ou infra valoração abstrata" (cfr ob. cit, p. 466), com o que os autores parecem pôr justificadamente em causa tanto a posição que se encontra na nossa jurisprudência nacional, de forma mais ou menos explícita, no sentido de atribuir  supremacia ao direito à honra, como a interpretação da jurisprudência do TEDH, no sentido de reconhecer prevalência, em abstrato, à liberdade de expressão sobre o direito à honra, maxime quando esteja em causa o bom nome e reputação política dos titulares de cargos políticos ou dos agentes políticos.

Nesta perspetiva, o art. 180º do C. Penal deve ser interpretado de modo a que o direito à liberdade de expressão, consagrado genericamente no art. 37º da CRP, não seja subvalorizado e sacrificado mesmo quando a conduta potencialmente lesiva apenas pode violar a honra do visado em pequena medida ou de modo insignificante, nomeadamente quando do contexto respectivo sobressai o exercício do direito de crítica objetiva apontado ao desempenho funcional, profissional, ou de natureza idêntica, tal como não pode ser lido como permitindo o sacrifício do direito à honra em nome da liberdade de expressão, por mais desproporcional e lesiva que se apresente a violação daquela.

Nos termos do art. 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

De excepcional relevância para que se possa concluir pela prática do crime de difamação é o contexto em que as imputações alegadamente ofensivas tenham ocorrido.
No caso, o alvo dos comentários e publicações, da arguida, através do Facebook, não só é identificável pelos destinatários (quando a arguida se refere ao Director do Jornal), como é, expressamente, identificado por aquela, que coloca o nome do assistente ao longo dos mesmos, tanto mais que não foram isolados, ou com hiatos temporais distantes, mas sim de forma continuada, entre 7 de Dezembro de 2017 e 25 de Dezembro de 2017.

Por outro lado, os comentários e publicações, efectuados pela arguida, no Facebook, possuem um carácter manifestamente pejorativo da pessoa do ofendido, quer na sua dimensão pessoal, quer profissional, sendo desnecessários para o exercício de um qualquer direito, designadamente o de realizar qualquer interesse legítimo, ou de informação, ou de crítica, integrando, assim, tais expressões as restrições elencadas no art. 10º nº 2 da CEDH, ao extravasarem largamente aquilo que se entende por liberdade de expressão, para além de lhe imputar condutas que não estão demonstradas.

Com efeito, da leitura conjunta dos comentários efectuados pela arguida, é indiscutível que são ofensivos da honra e consideração do ofendido, por adequados a colocar em causa o bom nome e consideração do mesmo, perante todos quantos leram os comentários [a arguida não só adjectiva o assistente de "sabujo", como, ainda, refere "um porco que deixou de pagar a cão e gato, que deixou de pagar à SS...quando tem sido sustentado por partidos e câmaras"; "chama-se FR do diário da região e é mais um dos que mama para só dizer o que lhe mandam. Mas agora meteu-se com uma associação de animais da Moita...devia lá querer meter a mulher ou a amante e não o deixaram"] e que vão muito além daquilo que constitui a liberdade de expressão ou direito de critica.

Mais se provou que a arguida agiu ciente de que a expressão "sabujo" e as restantes imputações que fez, relativamente ao assistente, eram adequadas a colocar em causa a sua honra e dignidade profissional e pessoal, o que quis, pelo que, também, se mostra preenchido o elemento subjectivo do crime, a título de dolo directo.

O que a arguida pretendeu - atentas as circunstâncias em que pratica os factos dados como provados, no Facebook, referindo-se expressamente ao assistente - foi denegrir a sua imagem pública, pôr em causa a sua reputação, o que conseguiu, sendo a sua conduta objetivamente idónea para tal.

E preenchida, igualmente, se mostra a circunstância qualificativa invocada, prevista na alínea a) do nº 1 do Artigo 183° - agravação da pena sempre que a ofensa seja praticada através de meios ou circunstâncias que facilitem a sua divulgação, como é o caso da internet e, em concreto, o Facebook, considerando, tal como refere a decisão recorrida, o actual número de utilizadores, heterogéneos e indeterminados e o modo como, em segundos, uma publicação percorre o mundo pelas múltiplas partilhas, expressão máxima da "aldeia global". E se é certo que na sua maioria as informações veiculadas nesta rede social serão meras banalidades e partilha de acontecimentos do quotidiano de cada um, não é menos certo que serve igualmente de meio de difusão de fluxos informacionais”.

Em suma, considerando a factualidade dada como provada e sem que se verifique qualquer causa justificativa, dúvidas não existem que se impõe a condenação da arguida, pela prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.º e 183º nº 1 al. a) do Código Penal, termos em que, também, nesta parte, improcede o recurso quanto ao pedido de absolvição do crime por que foi condenada.
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Insurge-se, igualmente, a recorrente contra a medida da pena de multa aplicada, por a considerar excessiva, atendendo à situação global enunciada e por não se ter atendido às circunstâncias atenuantes previstas no art. 71º e 72º nº 2 do C.P.

Apreciando:

Ao crime de difamação agravada, p. e p. pelos art. 180º e 183 nº 1, ambos do Código Penal, pelo qual foi a arguida condenada, corresponde moldura penal abstracta depena de prisão até 8 meses ou uma pena de multa entre 13 e 320 dias.

Sendo ao crime aplicável pena privativa, ou pena não privativa da liberdade, o tribunal, nos termos e para os efeitos previstos no art. 70º e 40º do CP, optou, no caso, pela aplicação de uma pena de multa, o que não é questionado.

Na concretização da medida concreta da pena de multa, dentro da respetiva moldura legal aplicável, importará atender aos critérios para tal definidos nos artigos 40.º, n.º 1 e n.º 2 e 71.º do Código Penal.

No caso, não indica a recorrente quais as circunstâncias atenuantes previstas no art. 71º e 72º nº 2 do CP que não foram atendidas na decisão recorrida.

O tribunal graduou a pena em 180 dias de multa, ou seja, ligeiramente acima do ponto médio entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta, o que não merece censura, tendo sido ponderado corretamente o grau de ilicitude dos factos, bem como a gravidade das suas consequências, destacando-se que é particularmente impressiva a forma de atuação da arguida, ao colocar os comentários na “internet”, onde diversas pessoas os poderão ler, permanecendo os mesmos muito depois de serem publicados, o facto de ter agido com dolo direto e intenso, as necessidades de prevenção geral que o caso reveste, atendendo à reiteração com que este tipo de condutas ocorre, a completa ausência de um juízo crítico sobre o comportamento criminoso, não denotando a arguida qualquer arrependimento, o que agrava as necessidades de prevenção especial, só tendo a seu favor a ausência de antecedentes criminais e a integração social e profissional, contexto em que, e ponderando todos estes aspectos, se entende como justa, adequada e proporcional a pena aplicada, que se deverá manter, nos seus precisos termos, não existindo, por isso, qualquer errada interpretação do art. 71º do CP, ou circunstâncias susceptíveis de atenuação especial, designadamente nos termos previstos no art. 72º nº 2 do mesmo diploma legal, também, aqui, improcedendo o recurso.
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-Do pedido de indemnização cível:
O assistente deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida, por danos não patrimoniais, no valor de 1.500 euros, tendo o tribunal fixado tal indemnização, nesse mesmo montante, o que é, também, aqui objecto de recurso, por parte da recorrente.

Apreciando:
Nesta parte, o recurso é de rejeitar, por inadmissibilidade, como decorre do disposto nos artigos 400.º, n.º 2, 414º nº 3, 417º nº 6 al. b) e 420º nº 1 al. b), todos do Código de Processo Penal e art. 44.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, na medida em que o valor do pedido (1.500,00 euros) é muito inferior à alçada do tribunal recorrido, fixada em 5.000,00 euros, à data da dedução do pedido de indemnização.
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Decisão:

Pelo exposto, os Juízes Desembargadores desta 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, acordam:
- Em rejeitar o recurso da arguida na parte relativa ao pedido civil;
- Em negar provimento ao recurso, interposto pela arguida, MT , confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 (cinco) UCs.
 
(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)


Lisboa, 15 de Junho de 2021

                
Relatora: Anabela Simões Cardoso, que assina electronicamente
           
Atesto o voto de conformidade do Ex.mo Juiz Desembargador Adjunto Cid Geraldo – art. 15º A do DL 10-A/2020, de 13.3, na redação dada pelo DL nº 20/2020, de 1.5, aplicável ex. vi do art. 4º do CPP.